• Nenhum resultado encontrado

COLÉGIO PEDRO II. Cyro Wanderley Garcia Rosa Junior

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "COLÉGIO PEDRO II. Cyro Wanderley Garcia Rosa Junior"

Copied!
47
0
0

Texto

(1)

Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Ciências Sociais

e Educação Básica

Cyro Wanderley Garcia Rosa Junior

A LEI 10.639/03, COMBATE AO RACISMO e DIREITOS HUMANOS: CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA

EM TRÊS ESCOLAS DO RIO DE JANEIRO

Rio de Janeiro 2019

(2)

Cyro Wanderley Garcia Rosa Junior

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Ciências Sociais e Educação Básica, vinculado à Pró-Reitora de Pós- Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura do Colégio Pedro II, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Ciências Sociais e Educação Básica.

Orientador: Professor Dr. Rogerio Mendes de Lima.

Rio de Janeiro 2019

A LEI 10.639/03, COMBATE AO RACISMO e DIREITOS HUMANOS: CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA EM TRÊS ESCOLAS

DO RIO DE JANEIRO

(3)

COLÉGIO PEDRO II

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E CULTURA BIBLIOTECA PROFESSORA SILVIA BECHER

CATALOGAÇÃO NA FONTE

Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Simone Alves – CRB7 – 5692 R788 Rosa Junior, Cyro Wanderley Garcia

A Lei 10.639/03, Combate ao Racismo e Direitos Humanos:

Considerações sobre a experiência em três escolas do Rio de Janeiro / Cyro Wanderley Garcia Rosa Junior. – Rio de Janeiro, 2019.

47 f.

Monografia (Especialização em Ensino de Ciências Sociais e Educação Básica) – Colégio Pedro II. Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura.

Orientador: Rogerio Mendes de Lima.

1. Ciências Sociais - Estudo e ensino. 2. Racismo- Brasil. 3. Identidade racial. I. Lima, Rogerio Mendes de. II. Título.

CDD 300

(4)

Cyro Wanderley Garcia Rosa Junior

Aprovado em: _____/_____/_____.

Professor Dr. Rogerio Mendes, de Lima (Orientador) Colégio Pedro II

Professor Dr. Marcelo, da Silva Araújo Colégio Pedro II

Professora Dra. Esther Kuperman Colégio Pedro II

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Educação Básica, vinculado à Pró-Reitora de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura do Colégio Pedro II, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Ciências Sociais e Educação Básica

A LEI 10.639/03, COMBATE AO RACISMO e DIREITOS HUMANOS: CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA EM TRÊS ESCOLAS DO

RIO DE JANEIRO

(5)

Em memória de minha irmã Amanda Maria (Senzy), que hoje está à mesa de nossos ancestrais. Dela herdei a alegria de aprender. Não teria chegado até aqui sem ela.

(6)

AGRADECIMENTOS Aos meus Bisavôs/ós:

Alberto Garcia Rosa Tarsila Wanderley da Silva Luiza de Souza Prata Rosa João de Souza Villaça

Gustavo Malaquias de Oliveira Agnello Francisco de Castro Joaquina da Conceição Oliveira Malvina Gomes da Silva

Aos meus avós/ôs

Cyro Garcia Rosa José Gustavo de Oliveira

Amarilles Wanderley Garcia Rosa Maria das Dores da Silva de Oliveira

Especialmente à minha mãe, Mary Stella de Oliveira Rosa e ao meu pai Cyro Wanderley Garcia Rosa por me manterem de pé nos momentos em que pensei que cairia. Amo vocês!

À minha querida esposa Jacqueline, por ser uma mulher Pan-africana de elevado conhecimento, que sempre esteve disposta a ler e ajudar neste trabalho. Um tipo de apoio que só o amor permite.

Aos irmãos pela convivência e aprendizado político e pedagógico. Professores Ademir Silva, Alessandro Morais, Kwesi Ta Fari e Ras André Guimarães.

As irmãs educadoras Alda Jupira e Marizete Ferreira, que assumiram comigo a linha de frente na promoção e na defesa de nossas crianças e adolescentes em situação de risco. Duas mulheres imprescindíveis na educação social.

Ao Professor Dr. Rogério Lima. Um orientador ímpar, que tornou-se amigo-irmão na diáspora alimentando e dando forma a este trabalho. Os meus sinceros e mais respeitosos agradecimentos.

(7)

“Se nos deitarmos, estamos mortos”

Joseph Ki-Zerbo.

“Quantas linhas é preciso para escrever Negruras literárias?

Quantos versos são necessários Para emitir a nossa voz? ”

Jacqueline Òbá

(8)

RESUMO

ROSA JUNIOR, Cyro Wanderley Garcia. A Lei 10.639/03, Combate ao Racismo e Direitos Humanos: Considerações sobre a experiência em três escolas do Rio de Janeiro. 2019. 53 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Ciências Sociais e Educação Básica) – Colégio Pedro II, Pró-Reitora de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura, Rio de Janeiro, 2019.

Durante muito tempo, e de diferentes maneiras, a sociedade brasileira procurou silenciar o óbvio. O Brasil é um país onde o racismo é uma relação social estruturante da própria vida social. Desse modo, desde os tempos coloniais, as populações negra e indígena sofrem um processo de discriminação objetivo e subjetivo que as coloca em posições secundárias no interior da sociedade. A luta de diferentes atores sociais, em especial os movimentos negros, levaram à promulgação da Lei 10.639/2003, que representa uma das possibilidades de enfrentamento ao racismo no Brasil, principalmente nas escolas. Neste sentido, esse estudo procura discutir experiências de implantação da lei 10.639/2003 em escolas da rede pública da cidade do Rio de Janeiro, através da análise etnográfica de três projetos promovidos pela Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro. A pesquisa teve como objetivo geral compreender o impacto dos projetos no processo de conscientização e enfrentamento do racismo em escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro. A metodologia utilizada combinou análise bibliográfica e relato etnográfico das experiências com os projetos.

Para analisar essas experiências, tomamos como perspectiva a proposta intercultural crítica, procurando refletir sobre as possibilidades, avanços e limites que essas políticas têm na luta contra o racismo nas escolas e na sociedade. Os resultados apontam para a importância da continuidade de projetos que procurem refletir, de muitas maneiras sobre o racismo e suas consequências e busquem apontar novos caminhos e possibilidades para estudantes negras e negros na formação de suas identidades e pertencimentos étnico-raciais.

Palavras-chave: Lei 10.639; Combate ao racismo; escola básica; identidade.

(9)

ABSTRACT (OPCIONAL)

ROSA JUNIOR, Cyro Wanderley Garcia. A Lei 10.639/03, Combate ao Racismo e Direitos Humanos: Considerações sobre a experiência em três escolas do Rio de Janeiro. 2019. 53 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Ciências Sociais e Educação Básica) – Colégio Pedro II, Pró - Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura, Rio de Janeiro, 2019.

For a long time and in different ways, Brazilian society sought to silence the obvious.

Brazil is a country where racism is a social relation structuring social life itself. Thus, since colonial times, black and indigenous populations have undergone a process of objective and subjective discrimination that places them in secondary positions within society. The struggle of different social actors, especially the black movements, led to the enactment of Law 10 639/2003, which represents one of the possibilities for confronting racism in Brazil, especially in schools. In this sense, this study seeks to discuss experiences of implementation of Law 10.639 / 2003 in schools of the public network of the city of Rio de Janeiro, through the ethnographic analysis of three projects promoted by the Municipal Department of Social Assistance and Human Rights of Rio de Janeiro.

The main objective of the research was to understand the impact of the projects in the process of raising awareness and coping with racism in public schools in the city of Rio de Janeiro. The methodology used combined bibliographic analysis and ethnographic reporting of the experiences with the projects. To analyze these experiences, we take as perspective the critical intercultural proposal, trying to reflect on the possibilities, advances and limits that these policies have in the fight against racism in schools and in society. The results point to the importance of the continuity of projects that seek to reflect in many ways on racism and its consequences and seek to point out new paths and possibilities for black and black students in the formation of their racial identities and ethnic belonging.

Keywords: Law 10.639; Fight against racism; basic school; identity.

(10)

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 11

1.1. Objetivos... ... 12

1.2. Justificativa...13

1.3. Metodologia e Procedimentos ...14

2. RACISMO E EDUCAÇÃO ... 15

2.1. Apontamentos interculturais sobre a questão do racismo no Brasil ... 15

2.2. Os movimentos negros e a luta contra o racismo na educação...18

2.3. A Lei 19.639/2003 como resultado das lutas contra o racismo epistemológico...21

3. A LEI 10.639/03: POSSIBILIDADES E LIMITES NA ESCOLA ... 23

3.1. A organização da escola e os limites à implementação da lei 10.639...23

3.2. O processo de formação em xeque: a luta contra a educação bancária e o multiculturalismo...25

3.3. A Lei 10. 639 e o descortinar de novas possibilidades...26

4. EXPERIÊNCIAS DE IMPLANTAÇÃO DA LEI 10.639/03 EM ESCOLAS PÚBLICAS NO RIO DE JANEIRO...30

4.1 O trabalho na Escola Municipal Marcks Ferrez: a primeira tentativa...32

4.2 A passagem na Escola Municipal Laudimia Trotta...34

4.3 A Escola promissora: Colégio Estadual Herbert de Souza...39

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...42

6. REFERÊNCIAS... 45

(11)

1 INTRODUÇÃO

Durante muito tempo, e de diferentes maneiras, o Estado e a sociedade brasileira procuraram silenciar o óbvio. O Brasil é um país onde o racismo ocorre cotidianamente em todos os espaços e interfere diretamente nas trajetórias individuais e coletivas de mais de 50% de sua população. O ainda propagado discurso de que somos uma democracia racial, serve apenas para manter as estruturas que sustentam e usufruem do racismo nos mesmos lugares onde sempre estiveram desde o período colonial.

A partir dos anos 2000, a histórica luta dos movimentos negros começa a provocar rachaduras nessa estrutura. Assim, legislações e políticas de ação afirmativa que buscam enfrentar e reduzir o impacto do racismo na sociedade são conquistadas e permitem que a população negra encontre mecanismos para o combate ao racismo. Compreendemos, no entanto, que apenas legislações não são suficientes para modificar práticas e percepções construídas ao longo de quase cinco séculos. Numa perspectiva já levantada por autores como Antônio Gramsci e Paulo Freire, entendemos que o espaço da educação é uma arena onde a produção de novas formas de compreensão e ação no mundo precisam ser geradas, para que as populações oprimidas possam se opor efetivamente aos seus opressores.

Trazendo essa reflexão para este estudo, isso implica em considerar que o combate e a superação do racismo passam necessariamente por um processo de educação das novas gerações e, por isso, o espaço escolar se revela um palco para que novas reflexões sobre a questão racial no Brasil possam ser produzidas, em especial a conscientização das juventudes negras acerca da importância de seus valores, saberes e práticas herdadas de seus antepassados.

Nesse contexto, essa monografia se propõe a discutir experiências de implantação da lei 10.639/2003 em escolas da rede pública da cidade do Rio de Janeiro, realizadas a partir de projetos vinculados à Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro. Para analisar essas experiências, tomamos como perspectiva a proposta intercultural crítica, procurando refletir sobre as possibilidades, avanços e limites que essas políticas têm na luta contra o racismo nas escolas e na sociedade.

Com base nessas premissas, o problema que orienta essa pesquisa é o seguinte: Qual o impacto de projetos extracurriculares de implementação da lei 10.639 em escolas públicas do Rio de Janeiro no processo de conscientização e enfrentamento do racismo entre estudantes de Ensino Médio?

(12)

Para responder a essa questão foram analisadas as experiências realizadas em três escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro. Duas delas vinculadas à Secretaria Municipal de Educação, as escolas Marcks Ferrez e Laudimia Trotta e uma integrante da Rede Estadual de Educação, o Colégio Estadual Herbert de Souza.

1.1 OBJETIVOS

Diante do contexto exposto anteriormente e considerando o problema de pesquisa, foram definidos os seguintes objetivos geral e específicos.

Objetivo Geral

O objetivo geral da pesquisa foi compreender o impacto de projetos relacionados às Leis 10.639/2003 e 11645/2008 no processo de conscientização e enfrentamento do racismo em escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro.

Objetivos Específicos

Os objetivos específicos da pesquisa foram respectivamente:

a) realizar uma revisão bibliográfica e documental sobre o racismo no Brasil, em especial aquele que atinge a população negra;

b) analisar o papel dos movimentos negros no surgimento de legislações e políticas públicas de enfrentamento ao racismo em diferentes esferas;

c) adotar a perspectiva intercultural como referência para a análise das propostas de enfrentamento do racismo;

d) analisar o processo de elaboração e realização dos projetos referentes à legislação em três escolas da rede pública da cidade do Rio de Janeiro;

e) refletir sobre os avanços, possibilidades e limites dos projetos analisados;

g) propor caminhos para o enfrentamento do racismo no espaço escolar.

1.2 JUSTIFICATIVA

Num cenário onde a necessidade de enfrentamento do racismo em todas as esferas da sociedade, mas em especial na educação, se revela cada vez mais como demanda urgente, é importante analisar como o Estado Brasileiro vem adotando estratégias de cumprimento da lei 10639/2003 nas escolas públicas. Para além do mero cumprimento

(13)

da legislação, entende-se que é fundamental avaliar o potencial de transformação da realidade que essas políticas podem ter, de modo a se expandir sua atuação ou corrigir e modificá-las se for o caso.

Gomes (2017) destaca a necessidade de compreender o papel dos movimentos negros na produção de saberes sobre a questão racial e a população negra no Brasil.

Enquanto militante da causa negra e enquanto agente ativo do processo de educação em minha atuação como professor, entendo que é relevante verificar como uma lei que surge da ação dos movimentos negros vem sendo assumida como política de Estado.

Do ponto de vista acadêmico, essa pesquisa se justifica pela importância da produção de estudos sobre a implantação da 10.639 nas escolas, de modo a refletir se as propostas da legislação atingem o chão da escola. Do ponto de vista profissional, este estudo permite uma reflexão sobre minha experiência enquanto agente educador e militante da causa negra. Do ponto de vista social, permite perceber o impacto entre estudantes negras e negros das políticas adotadas e como elas interferem na formação de suas identidades e trajetórias. Esta investigação se justifica também pela possibilidade de refletir sobre ações realizadas enquanto agente educador no cotidiano escolar, de modo a refletir sobre minhas próprias intervenções na escola.

1.3 METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS

Esta pesquisa se define como uma pesquisa-ação, que Thiollent (1986, p.14) estabelece como aquela construída em “estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo”. Nesse sentido, o presente estudo se ocupa de um problema coletivo, o racismo, e com ações que visam ao seu enfrentamento nos espaços escolares. É ainda um contexto no qual todos os envolvidos de alguma forma buscam caminhos coletivos para a superação do racismo.

Dentro desse contexto, a pesquisa se desenvolve em dois eixos. No primeiro, através de uma pesquisa documental procura-se analisar algumas das formas pelas quais o racismo se instala nas escolas e as estratégias de combate elaboradas e praticadas pelos movimentos negros e pelos educadores cotidianamente. Nesse momento, o procedimento foi uma revisão bibliográfica sobre a temática do racismo, seu enfrentamento, a legislação

(14)

que introduz o estudo da história e cultura afro-brasileira em sala de aula e as primeiras impressões sobre sua influência no cotidiano escolar.

No segundo, realiza uma análise etnográfica da implementação de projetos relacionados à lei 10.639/2003 e seu impacto na conscientização de estudantes sobre o problema do racismo. Nessa etapa, foi priorizada o debate ativo sobre os projetos realizados em três escolas da cidade do Rio de Janeiro, enfatizando as especificidades de cada uma das realidades vivenciadas.

A forma adotada para coleta dos dados foi o diário de campo, utilizado pelo pesquisador nas escolas analisadas, sobre o qual foram realizadas uma análise etnográfica e uma reflexão à luz da perspectiva intercultural crítica. A estratégia de avaliação da experiência foi a comparação entre os processos de implementação dos projetos em cada escola, as possibilidades e os limites verificados em cada um dos espaços.

O presente texto se estrutura em três partes ou capítulos. Na primeira parte, discute-se a relação entre racismo e educação. Nesse capítulo, procura-se desenvolver um debate sobre o racismo como uma forma de dominação e sua relação com a educação e a escola no Brasil. Destaca-se, ainda, a luta do movimento negro contra todas as formas de racismo e sua influência na promulgação da Lei 10.639/20031, que tornou obrigatório e ensino da história e cultura afro-brasileira. Na segunda parte, o objetivo é discutir as possibilidades e limites da Lei, em sua relação com a escola. Neste capítulo, procura-se demonstrar como a estrutura escolar pode ser um empecilho para que a lei e outras iniciativas político-pedagógicas alcancem os objetivos desejados. Na terceira parte, através de um relato etnográfico, o texto discute três projetos implementados em escolas da rede pública da cidade do Rio de Janeiro e analisa como os resultados obtidos podem apontar caminhos para o combate ao racismo nas escolas brasileiras.

1 O texto original da Lei 10. 639/2003 pode ser acessado no link http://etnicoracial.mec.gov.br/images/pdf/lei_10639_09012003.pdf

(15)

2 RACISMO E EDUCAÇÃO NO BRASIL

Neste capítulo, a partir da perspectiva da interculturalidade crítica, discutirei como o racismo se instala como forma de dominação da população negra, na sociedade brasileira. Analisarei, também, como o movimento negro enfrenta o racismo e tem influência central na criação da Lei 10. 639, que institui a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira, ampliada com a Lei 11.645/2008 para incluir também as populações indígenas.

2.1 Apontamentos interculturais sobre a questão do racismo no Brasil

Quijano (2005) afirma de modo categórico que a questão racial é constitutiva da modernidade. De acordo com ele, é fundamental que se compreenda que a sociedade contemporânea é resultado de um processo de dominação no qual:

Um dos eixos fundamentais desse padrão de poder é a classificação social da população mundial de acordo com a ideia de raça, uma construção mental que expressa a experiência básica da dominação colonial e que desde então permeia as dimensões mais importantes do poder mundial, incluindo sua racionalidade específica, o eurocentrismo. (QUIJANO, P. 117)

Dessa maneira, o racismo deve ser pensado como uma questão que perpassa todas as esferas da sociedade, sendo seu elemento estruturante. Isso nos leva à constatação de uma incômoda verdade. A sociedade contemporânea é uma sociedade racista em sua essência. Isso porque toda a sua organização estrutural parte da hierarquização racial herdada do período colonial, mas que transcende historicamente a esse, tornando-se o eixo central de construção da modernidade.

Esse eixo tem, portanto, origem e caráter colonial, mas provou ser mais duradouro e estável que o colonialismo em cuja matriz foi estabelecido. Implica, conseqüentemente, num elemento de colonialidade no padrão de poder hoje hegemônico. (QUIJANO, 2005, p. 117)

Quijano (2005, p. 127) afirma que uma das características das relações sociais nas sociedades que passaram pelo processo de colonização é a persistência das relações de dominação iniciadas na colonização. O conceito que explica esse contexto é chamado de colonialidade do poder. De acordo, com ele, essa forma de dominação se caracteriza por:

a) uma articulação peculiar entre um dualismo (pré-capital- capital, não europeu-europeu, primitivo-civilizado, tradicional- moderno, etc.) e um evolucionismo linear, unidirecional, de

(16)

algum estado de natureza à sociedade moderna europeia; b) a naturalização das diferenças culturais entre grupos humanos por meio de sua codificação com a ideia de raça; e c) a distorcida relocalização temporal de todas essas diferenças, de modo que tudo aquilo que é não-europeu é percebido como passado.

A colonialidade estabelece um padrão no qual os brancos e europeus são definidos como modelo, e a história, os saberes e as práticas das populações negras e indígenas são silenciadas ou colocadas em segundo plano. Isso implica na perpetuação das relações raciais desiguais surgidas a partir dos processos de invasão levados a cabo pelos europeus, a partir do século XVI. Assim, a experiência de hierarquização racial iniciada na América se torna o modelo de relações raciais para todo o planeta em diferentes contextos, épocas e circunstâncias.

Walsh (2009, p. 114-115) aprofunda esse debate e aponta que a dominação exercida a partir da colonialidade do poder perpassa todas as esferas da vida, influenciando em todas a percepções e práticas cotidianas. De acordo com ela, a colonialidade do poder se subdivide em outras três dimensões: A colonialidade do ser, que influencia na percepção que se tem dos sujeitos não europeus, a partir de uma oposição binária que os coloca como inferiores. A colonialidade do saber, que torna o conhecimento uma propriedade europeia e estabelece como mítico ou folclórico todas as produções dos demais povos. A colonialidade cosmogônica ou da mãe natureza, que define as formas de relacionamento com o meio ambiente e também desconsidera qualquer perspectiva não eurocêntrica no uso da terra ou dos recursos naturais.

Essas formas de pensar e organizar o mundo têm influência direta na educação, tanto nas práticas pedagógicas quanto nos currículos que lhes servem de base. Dessa maneira, o racismo é difundido e perpetuado através das gerações.

Lima (2015, p.35) afirma que o racismo no Brasil pode ser compreendido como uma forma de dominação que se consolida tanto objetiva quanto subjetivamente. De acordo com ele, “um dos movimentos de construção do racismo é material e se baseia na negação objetiva das condições mínimas para que a população negra possa disputar em condições de igualdade posições dentro da sociedade. ”

Diversos dados da realidade brasileira corroboram essa afirmação. Dados do IBGE, de 2014, indicam que mais de 70% dos mais pobres são negros. Os trabalhadores negras e negros ganham em média 1,2 mil reais a menos que os trabalhadores brancos.

(17)

Mais que isso, essas desigualdades vêm se ampliando nos últimos anos2. Mesmo nos períodos de maior crescimento e ampliação das políticas públicas dos anos 2000, essas diferenças pouco se alteraram.

Os negros são as maiores vítimas da violência. Dados do mapa da violência de 2016 apontam que entre 2003 e 2014, enquanto os homicídios de pessoas brancas tiveram uma queda de 26, 1%, o de pessoas negras aumentou em 46,9%3. Pesquisa realizada em 2017 apontou que a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil4.

Essa realidade não é nova. No século XX, os processos de urbanização da cidade do Rio de Janeiro excluíram as populações negras das políticas implementadas. Lima (2015, p. 36) exemplifica:

Um dos exemplos dessa política é a estratégia adotada para a urbanização da cidade do Rio de Janeiro na primeira metade do século XX. A destruição dos cortiços no centro e posteriormente da “pequena África”, para viabilizar o processo de urbanização da cidade não previu a construção de um espaço para que os negros pudessem manter suas tradições e serem integrados na sociedade carioca que se construía. Ao contrário foram

“empurrados” para as periferias e para as nascentes favelas onde se prosseguiu com a exclusão dessa população da construção da república.

Desse modo, o racismo, em sua forma objetiva impede que as populações negras tenham condições materiais de ocupar as posições de status dentro da sociedade, funcionando como um imenso contingente de mão de obra barata para as elites dominantes.

Contudo, a viabilidade do racismo não pode prescindir de uma outra dimensão que é a subjetiva ou cultural. É necessário que socialmente sejam construídos mecanismos que legitimem a dominação da população negra. É o que Lima (2015) identifica como dominação ideológica. Mesmo diante das condições materiais perversas a que está submetida, a população negra encontra diversas formas de resistência à dominação. Por conta disso, paralelamente ao racismo material, se desenvolvem estratégias de convencimento que procuram secundarizar e silenciar a história, a cultura e a identidade da população negra. A política do branqueamento, a tese da democracia racial, a falta de

2 Fonte: Pnad Trimestral, 4º semestre de 2017, IBGE

3 Mapa da violência 2016. Disponível em

https://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2016/Mapa2016_armas_web.pdf

4 Fonte: https://nacoesunidas.org/racismo-a-cada-23-minutos-um-jovem-negro-e-assassinado-no-brasil/

(18)

representatividade da população negra na mídia e a contínua desvalorização das características físicas e culturais das populações negras, constroem uma interpretação ideológica na qual negras e negros são colocados em posição de subalternidade.

Portanto, a ação ideológica de docilização dos negros é parte integrante do sistema escravista. Se na sociedade colonial, a aliança entre a coroa portuguesa e a igreja católica foi responsável por criar as condições culturais para o controle da população negra, na sociedade pós abolição essa tarefa é dividida entre diferentes instituições sociais, entre elas a escola. (LIMA, 2015, p. 37)

Um dos elementos centrais para a construção dessa dominação subjetiva está relacionada ao modo como são vistos os corpos negros. Gomes (2002, p. 41) afirma que o corpo “fala a respeito do nosso estar no mundo, pois a nossa localização na sociedade dá-se pela sua mediação no espaço e no tempo. Estamos diante de uma realidade dupla e dialética: ao mesmo tempo que é natural, o corpo é também simbólico”. Em estudo realizado sobre a influência dos padrões estéticos na construção da identidade de mulheres negras na periferia de Salvador, Ferreira e Carneiro (2014) demonstram a relação entre a construção da resistência ao racismo e o questionamento de padrões eurocêntricos de beleza que possibilitam a reconstrução de identidades negras antes silenciadas.

Outros elementos atingem tanto homens quanto mulheres negras. Por exemplo, a questão da representatividade nos meios de comunicação que Carvalho (2011, p. 18-19) denomina duplamente de subalternidade e lateralidade. “Os negros aparecem nesses filmes quase sempre de forma lateral, misturados entre os populares que rodeavam a chegada de alguma autoridade” Na mesma linha, Acevedo, Nohara e Ramuski (2010, p.63) afirmam que “várias pesquisas também identificaram que são raras as peças (propagandas, comerciais, filmes, livros didáticos, romances) que contêm maior número de personagens de minorias raciais do que de brancos”

2.2 Os movimentos negros e a luta contra o racismo na educação

Domingues (2007, p. 101) numa visão historiográfica define o movimento negro como a luta dos negros na busca de solução para os problemas vividos cotidianamente e que especial “os provenientes dos preconceitos e das discriminações raciais, que os marginalizam no mercado de trabalho, no sistema educacional, político, social e cultural.

(19)

” Entretanto, o autor admite que essa definição não alcança todas as formas de lutas diretas e indiretas travadas pela população negra no Brasil desde o período colonial.

Na perspectiva que adoto nesse estudo, a definição de Rufino (1994) é mais fiel a ideia de que o racismo ocorre em diferentes dimensões da vida e seu enfrentamento se dá de múltiplas formas. Sendo assim, Rufino (1994, p. 157) afirma que o movimento negro pode ser identificado como

(...) todas as entidades, de qualquer natureza, e todas as ações, de qualquer tempo [aí compreendidas mesmo aquelas que visavam à autodefesa física e cultural do negro], fundadas e promovidas por pretos e negros (...). Entidades religiosas [como terreiros de candomblé, por exemplo], assistenciais [como as confrarias coloniais], recreativas [como “clubes de negros”], artísticas [como os inúmeros grupos de dança, capoeira, teatro, poesia], culturais [como os diversos “centros de pesquisa”] e políticas [como o Movimento Negro Unificado]; e ações de mobilização política, de protesto anti-discriminatório, de aquilombamento, de rebeldia armada, de movimentos artísticos, literários e

‘folclóricos’ – toda essa complexa dinâmica, ostensiva ou encoberta, extemporânea ou cotidiana, constitui movimento negro.

Gomes (2012) destaca a importância do movimento negro para a ressignificação e politização do conceito de raça. Como vimos anteriormente, a raça foi um elemento hierarquizador das relações sociais a partir do século XVI e elemento essencial na construção da dominação objetiva e subjetiva sobre a população negra. A autora demonstra que

Como discurso e prática social, a raça é resignificada pelos sujeitos nas suas experiências sociais. No caso do Brasil, o movimento negro resignifica e politiza afirmativamente a ideia de raça, entendendo-a como potência de emancipação e não como uma regulação conservadora; explicita como ela opera na construção de identidades étnico-raciais. (GOMES, 2012, p.

730)

Esse processo cria novos instrumentos para o combate ao racismo em todas as esferas da vida social brasileira, principalmente no sentido de demonstrar que o racismo opera na estrutura estatal e no cotidiano. Do mesmo modo, serve como parâmetro para analisar as diversas formas de desigualdade sofridas pela população negra e criar um parâmetro de lutas pelos direitos, que como veremos adiante, é essencial na criação de políticas públicas de combate ao racismo.

Além disso, Gomes (2012, p. 731) afirma que politizar a questão racial

(20)

Desvela a sua construção no contexto das relações de poder, rompendo com visões distorcidas, negativas e naturalizadas sobre os negros, sua história, cultura, práticas e conhecimentos; retira a população negra do lugar da suposta inferioridade racial pregada pelo racismo e interpreta afirmativamente a raça como construção social; coloca em xeque o mito da democracia racial.

Recuperando o debate promovido por Domingues (2007), Gomes (2012, p. 734) divide a ação do movimento negro no âmbito da educação em quatro fases: “fase 1: da Primeira República ao Estado Novo (1889-1937); fase 2: da Segunda República à ditadura militar (1945-1964); fase 3: do início do processo de redemocratização à República Nova (1978-2000); fase 4: a partir dos anos 2000: uma hipótese interpretativa”

Na primeira fase, uma ação central do movimento negro foi a luta pela alfabetização, visto que o analfabetismo atingia em massa a população negra, que enfrentava muitas dificuldades para inserção na escola e, por consequência no mercado de trabalho. Paralelamente, a imprensa negra lutava para remodelar as concepções do racismo científico, procurando lutar contra o imaginário da inferioridade dos negros.

A segunda fase tem dois atores centrais na luta do movimento. A Frente Negra Brasileira e o Teatro Experimental do Negro que, cada um ao seu modo, criara ações importantes para a produção de um contradiscurso racial. Apesar de ter tido vida curta (1931-1937), a frente negra brasileira promovia a educação e o entretimento de seus membros e lutava pela integração dos negros na vida brasileira, denunciando o racismo existente no período. Se transformou em partido político em 1936 e foi extinta pelo Estado Novo no ano seguinte.

Gomes (2012, p 737) afirma que “O Teatro Experimental do Negro (TEN) (1944- 1968) nasceu para contestar a discriminação racial, formar atores e dramaturgos negros e resgatar a herança africana na sua expressão brasileira” Entre outras bandeiras, defendia a escolarização para todas as crianças brasileiras e o apoio social e econômico para que estudantes negros cursassem o ensino secundário.

A terceira fase se inicia com a criação do Movimento Negro Unificado (MNU) na segunda metade da década de 1970. O MNU tem na educação e no trabalho locais referenciais de combate ao racismo. Nessa fase, o debate sobre o racismo rompe os limites do movimento e dos pesquisadores sobre o tema e chega em outras esferas da sociedade.

A questão racial passa a fazer parte dos debates e documentos legais e as ações afirmativas que nos anos 2000 seriam implementadas, tornam-se propostas concretas de luta contra a desigualdade racial.

(21)

A quarta fase a partir dos anos 2000 tem como principal característica a nacionalização do debate sobre o racismo e o alcance da questão aos extratos não militantes da causa. Desse modo, negras e negros não militantes são alcançados pelas políticas públicas e pelos debates provocados pelo movimento negro na sociedade e começam de modo fragmentado, mas não menos importante, a resinificar sua identidade e compreender a importância da luta contra o racismo. Adquire nesse sentido, características da sociedade da informação como a preocupação com a estética, a fragmentação e a centralidade das questões identitárias. É nesse contexto que a luta do movimento negro resulta na promulgação da Lei 10. 639/2003, como veremos no tópico a seguir.

2.3 A lei 10.639 como resultado das lutas contra o racismo epistemológico

Fernandes (2016) afirma que são as lutas históricas do movimento negro a principal causa do surgimento da Lei 10.639/03 que busca romper com a ideologia racista vigente e desfazer as amarras, os grilhões e promover liberdades de pensamentos e corpos.

Nesse aspecto, trazer oficialmente esse debate para a escola é importante, pois é nela que seus produtores garantirão a submissão, a alienação para que seus alunos sejam meros reprodutores. Neste sentido, os aparelhos ideológicos funcionam de maneira maciçamente prevalente à base da ideologia, ao mesmo tempo em que funcionam secundariamente à base da repressão.

É exatamente o enfrentamento desse quadro que se pretende com a lei. Pereira &

Silva (2012) afirmam que a promulgação da Lei é tributária do esforço contínuo de movimento e legisladores desde a redemocratização. A constatação de que o racismo era o principal empecilho para o sucesso dos estudantes negras e negros na escola. A luta em diversos campos permite a inserção nos documentos educacionais dos anos 1990 sobre o tema da diversidade. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN´s) dizem efetivamente que a sociedade brasileira é diversa e constituída de diferentes matrizes éticas, religiosas e culturais que precisam ser valorizadas na escola.

Aprovada em 1999 e promulgada em 2003, a lei que tornou obrigatória o ensino de história e cultura afro-brasileira. Entretanto, a rejeição de maior tempo de aula para o ensino do tema e a rejeição de que integrantes do movimento negro pudessem participar diretamente da formação de professores gerou, como veremos, diversos problemas para que a proposta da lei se tornasse realidade nas escolas brasileiras.

(22)

A lei objetiva o enfrentamento do racismo em todas as suas dimensões. Pereira &

Silva (2012, p. 1-2) discutem que ao propor uma nova abordagem sobre a história e a cultura oriundas do continente africano e dos povos que foram trazidos para o Brasil na diáspora negra, a lei 10.639 atinge vários objetivos, entre eles o de reconstruir nos alunos

“uma imagem positiva daquele continente” e ao mesmo tempo “elevar a autoestima dos alunos negros e tornar os demais menos “refratários à diversidade étnico-racial”.

Oliveira (2014, p.82) destaca o fato de que a lei permite uma releitura da história do Brasil e estabelece “novos parâmetros de conhecimento da realidade sócio-racial brasileira, sem contar os novos embates políticos no âmbito do estado e das instituições educacionais” Desse modo, mais que uma legislação que se propõe a falar da África e dos africanos, a 10.639 torna-se o embrião de uma nova reflexão sobre o papel da escola, o que de certa maneira explica as dificuldades enfrentadas para sua implementação e que discutirei no próximo capítulo.

(23)

3 A LEI 10.639/03: POSSIBILIDADES E LIMITES NA ESCOLA Neste capítulo, discutiremos como o processo de implementação da lei 10.639 nas escolas de educação básica pode ser vista de duas maneiras: de um lado, traz para dentro das instituições escolares possibilidades efetivas de reflexão e combate ao racismo, em suas múltiplas dimensões, permitindo o enfrentamento tanto das situações de racismo direto quanto da negação e silenciamento da história e da cultura afro-brasileiras. Por outro lado, ao longo dos últimos 15 anos tem sido possível perceber os limites enfrentados nesse processo. A manutenção da exclusão nos currículos, a falta de preparo pedagógico e, principalmente, a persistência de uma estrutura escolar eurocentrada que desconsidera outras possibilidades de formação que não as que reproduzem e consolidam os padrões hegemônicos de dominação.

3.1 A organização da escola e os limites à implementação da Lei 10.639

Os PCN’s que tratam dos Temas Transversais (ou seja, das temáticas que atravessam o processo de aprendizagem na escola), ao tratarem da Pluralidade Cultural abre caminho para que as escolas públicas e privadas tragam a questão étnico-racial na formulação de seu Projeto Político Pedagógico (PPP) e sobretudo de seu currículo.

Para Gadotti (1994) o projeto da escola não é responsabilidade apenas de sua direção. Ao contrário, numa gestão democrática, a direção é escolhida a partir do reconhecimento da competência e da liderança de alguém capaz de executar um projeto coletivo. A escola, nesse caso, escolhe primeiro um projeto e depois o modo de implementá-lo.

Gadotti a partir de suas reflexões sobre a responsabilidade social do PPP (Projeto Político Pedagógico) para a formação da cidadania, nos permite enfatizar que PPP das escolas brasileiras é a base para se pensar a aplicabilidade e a implementação da lei 10.639/03 e um caminho que vai de encontro a respostas na incrível realidade de uma política pública que já existe há quase duas décadas, no entanto, sofre com tantas resistências.

Um dos enfrentamentos ocorridos tem relação com a manutenção, nas escolas de uma pedagogia que coloca as representações não brancas como hierarquicamente menos importantes que aquelas oriundas da Europa. Num balanço de dez anos de vigência da Lei, Silva (2013, p. 2) afirmava:

(24)

Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que se pretende convencer que a cor da pele, a tessitura dos cabelos, os traços de nariz, lábios, testa, maçãs do rosto, a constituição e expressão do corpo são dados secundários na comunicação entre as pessoas, julgam-se corpos negros, corpos indígenas, antes mesmo de se expressarem, como menos capazes do que corpos brancos. Para serem reconhecidos, exige-se que não brancos desapareçam, ao comportar-se como se fossem brancos. Como se vê, a cor da pele de cada pessoa leva a que outras as avaliem, antes de qualquer interação, a partir de valores sócio-culturais dominantes na sociedade, classificando-as, por exemplo, como boas, belas, inteligentes ou, más, feias, incapazes.

Muito dessa dificuldade está relacionada a uma visão de sociedade que ainda acredita num Brasil no qual o racismo é um ato individual, e não elemento estruturante.

Ideia que tem sido difundida nos livros didáticos, neutralizando as diferenças culturais e, às vezes, subordinando uma cultura à outra. Divulgou-se, então, uma concepção de cultura uniforme, depreciando as diversas contribuições que compuseram e compõem a identidade nacional.

O próprio texto do documento reconhece a ineficiência, o atraso educacional tendo como corpo as relações sociais de ensino e aprendizagem enraizadas com a visão do mundo europeia do ponto de vista histórico, ético, moral, espiritual pautados na anulação do outro. Carneiro (2014) alerta que o epistemicídio é uma das formas de subordinação racial. Ora, tratar a cultura negra como periférica ou secundária é manter as condições de dominação que originam e sustentam o racismo.

A lei 10.639 propõe uma ressignificação do modo como historicamente se pensou a questão racial no Brasil.

Reconhecimento implica justiça e iguais direitos sociais, civis, culturais e econômicos, bem como valorização da diversidade daquilo que distingue os negros dos outros grupos que compõem a população brasileira. E isto requer mudança nos discursos, raciocínios, lógicas, gestos, posturas, modo de tratar as pessoas negras. Requer também que se conheça a sua História e cultura apresentadas, explicadas, buscando-se especificamente desconstruir o mito da democracia racial na sociedade brasileira;

mito este que difunde a crença de que, se os negros não atingem os mesmos patamares que os não negros, é por falta de competência ou de interesse, desconsiderando as desigualdades seculares que a estrutura social hierárquica cria com prejuízos para os negros (BRASIL, 2004, p. 3).

(25)

Isso implica dizer que, no caso da negritude, a tese da democracia racial conduz ao deslocamento para uma alteridade que nega o racismo e, portanto, dificulta o seu enfrentamento. Compreendo que os limites para a legislação estão na própria forma de organização da escola brasileira, ainda euro-centrada e hierarquizada, o que dificulta sobremaneira os esforços para a construção de uma educação antirracista.

3.2 O processo de formação em xeque: a luta contra a educação bancária e o multiculturalismo

Como essa estrutura se apresenta e quais dificuldades ela apresenta à construção de uma educação antirracista? Em princípio, espera-se que a criança e o adolescente negro possam se enquadrar com justeza ao padrão “aluno médio”, conforme abstração contida nos documentos oficiais relativos à Reforma de Ensino de Primeiro e Segundo Graus, e disseminada nos cursos de formação de professores nas décadas de 70 e 80. Essa expectativa é alterada ante cada aluno que apresente algum aspecto identificável como

“diferente” do padrão. É bastante comum a expectativa de desempenho baixo em relação ao aluno proveniente das camadas economicamente menos favorecidas e/ou de grupos étnicos socialmente discriminados.

O racismo objetivo cristalizado nas situações de pobreza, manifesta na favelização das áreas urbanas e na precariedade da zona rural, ou na dificuldade de adaptação do filho do migrante, lamentavelmente tem sido um estigma para muitas crianças e adolescentes na escola. Algumas doutrinas pedagógicas concorreram para acentuar atitudes equivocadas por parte de educadores na escola. Teorias que afirmam a carência cultural, ainda que rejeitadas atualmente, deixaram marcas na prática pedagógica justificando o fracasso escolar única e exclusivamente pela “falta de condições” dos alunos.

Modificar a visão que professores e comunidade escolar têm dos estudantes negros é um desafio para o combate ao racismo. O estigma da incapacidade intelectual e do destino manifesto relacionado ao fracasso, tendem a minimizar os problemas gerados por uma estrutura escolar racista, colocando o estudante negro como culpado pelo racismo que ele mesmo sofre.

Cruz (2005) nos revela que a problemática de carência de abordagens históricas sobre as trajetórias educacionais dos negros no Brasil revela que não são os povos que não tem história, mas há os povos cujas fontes históricas, ao invés de serem preservadas, foram destruídas nos processos de dominação. Tal questionamento nos coloca de cara

(26)

para pensarmos que o historiador, em suas atribuições, e com o poder de reinventar uma nova história, um novo corpo, atribuindo-lhe no cenário social representações a partir de outros personagens (protagonistas e coadjuvantes) funciona como um sujeito de forte poderio nessa estrutura de dominação.

A escola no Brasil conta com vários períodos de tendências pedagógicas e mudanças sociais que até os anos que antecedem a década de 1950, não contavam com filosofias que em sua dialética houvesse espaço para se pensar nas “minorias”. Sobretudo no atraso que estes tiveram para acessar a escola. Veiga (2008) nos traz um apanhado geral sobre a situação do negro antes da década supracitada em relação a educação de pessoas negras: “Outra questão volta-se para refletirmos que a experiência da presença de filhos da população negra e mestiça nas escolas brasileiras não é decorrente da abolição da escravidão e instalação da República; é parte da história do Brasil desde fins do século XVIII, e especialmente aqui desde a Independência, da instalação da monarquia constitucional e da institucionalização da escola pública para todo cidadão brasileiro”.

Dessa maneira, é possível também verificar que a experiência da vivência da discriminação étnica e racial nas salas de aulas possui uma significativa longevidade histórica, não é recente e vem-se acumulando há quase duzentos anos.

3.3 A lei 10.639 e o descortinar de novas possibilidades

Cruz (2005) destaca que há cerca de 43 anos a história da educação brasileira tem seu espaço no currículo de formação do educador como uma disciplina específica. Porém, observando-se a bibliografia nesta área, teremos a nítida impressão da inexistência de experiências escolares dos negros em período anterior à década de 1960, quando a rede púbica de ensino sofre vasta expansão do número de vagas. Mas, se isso é verídico, como explicar a intervenção dos negros na sociedade brasileira nos primeiros anos da República, através das organizações negras, da criação de escolas e da imprensa negra?

Em contrapartida, a mesma estudiosa nos confere que, à margem desse processo, têm sido esquecidos os temas e as fontes históricas que poderiam nos ensinar sobre as experiências educativas, escolares ou não, dos indígenas e dos afro-brasileiros. O estudo, por exemplo, da alfabetização por esse grupo; dos detalhes sobre a exclusão desses setores das instituições escolares oficiais; dos mecanismos criados para alcançar a escolarização oficial; da educação nos quilombos; da criação de escolas alternativas; da emergência de uma classe média negra escolarizada no Brasil; ou das vivências escolares nas primeiras

(27)

escolas oficiais que aceitaram negros são temas que, além de terem sido desconsiderados nos relatos da história oficial da educação, estão sujeitos ao desaparecimento.

Oliveira (2010, p. 56) diz que “Quando a Lei foi regulamentada, em junho de 2003, ela passou a representar mais um passo nas políticas de ações afirmativas e de reparação referidas à educação básica”. Sendo assim, é importante pensar que a Lei 10.639 se insere dentro do cenário de ampliação das políticas de ação afirmativa e das novas possibilidades de reflexão sobre a questão racial trazidas pela perspectiva intercultural crítica.

Nesse contexto, é importante usar a experiência da lei para discutir a colonialidade do poder e seu impacto no racismo que vemos na escola. Oliveira (2010) chama a atenção ao afirmar que:

Nos debates em torno da Lei 10.639/03, podemos observar algumas semelhanças com as reflexões sobre a colonialidade do poder, do saber e do ser e a possibilidade de novas construções teóricas para a emergência da diferença colonial no Brasil, além da possibilidade de uma proposta de interculturalidade crítica e de uma pedagogia decolonial.

Na sequência, o autor questiona:

Como aplicar um dispositivo legal, que faz uma escolha teórica não eurocêntrica, numa realidade em que enfoques teóricos e epistemológicos eurocêntricos, vêm tradicionalmente, fundamentando a prática de ensino da maioria dos docentes?

O alcance dos objetivos da lei está intimamente relacionado à possibilidade de discussão da educação numa perspectiva decolonial, um tipo de educação que faz com que não haja oprimidos e nem opressores, mas sim um ganho de aprendizagens simultâneas e de muitas trocas coletivas baseadas na empatia, no afeto e no respeito ao outro.

Numa perspectiva intercultural, essas relações sociais são construídas a partir do contato com grupos e constituídas dentro do ambiente escolar (CANDAU, 2008).

Trabalhar esses conteúdos é compreender o limite entre as interculturalidades, assim como as suas singularidades. Ao passo que quando desenvolve-se uma prática pedagógica onde o professor seja mediador de conflitos e pense em elementos da justiça restaurativa, logo esse ambiente tende a se tornar agradável e, de verdade, socializador. Ou seja, democrático como deve ser.

(28)

Poli (2014) corrobora afirmando que através do combate à violência simbólica que se dá através da inculcação do arbitrário cultural pela ação pedagógica, inicia-se o processo de chamada da sociologia da reprodução que é, antes de tudo, a reprodução das relações culturais, fator determinante na reprodução de relações sociais. Desta forma nos importa perceber o quanto a ideologia está presente no ambiente escolar. Todos os autores estudados até o presente momento complementam a ideia pré-concebida deste trabalho e serviram como base para afirmar que o problema não está nas possibilidades e sim nos limites de implementação da Lei 10.639/03. Nos fizeram mais uma vez reafirmar que os impasses são estabelecidos de cima para baixo em uma escala de opressão racial.

Um dos aspectos mais importantes na luta contra o racismo é a reconstrução das identidades dos sujeitos negras e negros. Hall (1997, p. 61) afirma que as representações sociais são fundamentais para a construção das identidades

A representação é o processo pelo qual membros de uma cultura usam a linguagem para instituir significados. Essa definição carrega uma premissa: as coisas, os objetos, os eventos do mundo não têm, neles mesmos, qualquer sentido fixo, final ou verdadeiro. Somos nós, em sociedade, entre culturas humanas, que atribuímos sentidos às coisas. Os sentidos, consequentemente, sempre mudarão de uma cultura para outra e de uma época para outra

Desse modo, reconstruir as identidades negras passa por modificar o modo como elas são representadas socialmente. Historicamente, as identidades negras foram construídas a partir de representações negativas sobre si e sua história. É necessário resignificar essa trajetória para que os sujeitos possam compreender a si e aos demais de outra maneira. Fernandes e Souza (2016, p.23) afirmam:

A categorização do negro é uma tentativa de aprisioná-lo a uma alteridade forjada, a um lugar social que lhe impõe características de desacreditado. Ou seja, na relação social, a “marca” que lhe é impingida faz recair sobre ele um olhar de descrédito que impede que ele possa ser percebido pela totalidade de seus atributos e de forma individual. Nota-se que a identidade pessoal é subsumida à identidade social. O que faz com que o sujeito negro seja compreendido de acordo com a essencialização de seu grupo étnico-racial.

Identidades são construídas em diálogo. Dessa maneira, promover o constante diálogo entre os diferentes sujeitos, de modo não hierarquizado, pode colaborar para que

(29)

os estudantes negros e não negros possam resignificar seus pertencimentos e suas atitudes, de modo a construírem relações raciais que não sejam marcadas pela dominação.

(30)

4 EXPERIÊNCIAS DE IMPLANTAÇÃO DA LEI 10.639/03 EM ESCOLAS PUBLICAS DO RJ

Neste capítulo, apresenta-se um trabalho de observação/ação, que foi realizado nesta pesquisa e que surge da vivência cotidiana como integrante da equipe do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos na 2ª CASDH – CRAS5, unidade da Tijuca, como educador social. O aparelho tem por finalidade complementar o trabalho social com as famílias, realizado pelo Serviço de Proteção e Atendimento Integral as Famílias (PAIF) e do Serviço de Proteção e Atendimento Especializado às Famílias e Indivíduos (PAEFI), onde realiza atendimentos em grupos, de modo a promover intervenção social planejada, criando situações estimulantes, desafiadoras, orientando os usuários para que reconstruam as suas relações sociais com seus familiares, individuais e coletivas. As atividades são organizadas previamente um planejamento por cada equipe que atua com a parte artística, cultural, esportivas, de lazer, de acordo com o público alvo e faixa etária.

Como membro da equipe apresentei um projeto de aplicabilidade da lei 10.639/03 à luz dos direitos humanos em três escolas da rede pública. Sendo estas, duas municipais e uma estadual. As escolas eram: E.M. Marcks Ferrez; E.M. Laudimia Trotta e C.E.

Herbert de Souza. Não foi contabilizado o número de crianças e adolescentes que participaram das oficinas. No entanto acredita-se que entorno de 300/500 de alunado estiveram presente. Considera-se que em cada atividade o número explanado sofria alterações. O que dificultou a contabilização exata de membros participantes e participativos.

A proposta direcionada pela equipe para as escolas em questão estava em criar mecanismos de atuação, onde a lei 10.639/03 fosse aplicada efetivamente nessas instituições, a fim de conscientizar os adolescentes que nelas estudam sobre: o que é ser um jovem negro no Brasil; como o fenômeno racial bate à porta e no reconhecimento da própria negritude. Entende-se que ser negro em uma sociedade discriminatória e excludente como a brasileira, perpassa o conhecimento histórico dos antepassados e ancestrais da população afrodescendente, para depois o tornar-se negro se realizar concretamente. Ou seja, é um processo de travessia e retorno perigoso, que navega pela

5 Centro de Referência e Assistência Social vinculado à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social da Prefeitura do Rio de Janeiro.

(31)

subjetividade do ser negro até este barco aportar. Em contrapartida, quando este jovem é alienado, o mesmo vira massa de manobra fácil nas mãos do sistema tendendo a acreditar que a democracia racial existe no Brasil. A ver:

O SCFV - Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos organiza-se de modo que, no decorrer do ano, sejam alcançadas as metas bimestrais propostas pela Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos. Com isso, os orientadores sociais possuem um norteador para que desenvolvam seus trabalhos a partir das metodologias de domínio de cada um. Neste sentido observou-se uma lacuna no campo de trabalho no que diz respeito aos possíveis planos de ação que pudessem relacionar os direitos humanos à lei 10.639/03. Entendemos que efetivar um trabalho dia a dia, o qual os parâmetros da lei apareçam e sejam trabalhados com eficiência é incluir que os direitos humanos de crianças e adolescentes negros e negras sejam devidamente assegurados e respeitados.

A lei 10.639/03 ainda é um tabu no campo da assistência social e na garantia dos direitos humanos. Logo no primeiro bimestre de 2018, o SUAS (Sistema Único de Assistência Social) promovia uma Campanha Nacional de combate ao racismo Institucional, campanha esta que passava em branco aos olhos da secretaria, de suas direções e equipe técnica. O SUAS sem Racismo foi uma iniciativa de combate a naturalização de práticas racistas no atendimento e na aplicabilidade dos programas as populações nas comunidades e bairros pobres.

Mesmo uma campanha organizada e levada a frente pelo órgão nacional de representação da assistência social, não motivou e tampouco serviu de estímulo para repensar os padrões e o “status quo” nos organismos de atendimento social. No CRAS Tijuca essa campanha ganhou destaque devido aos esforços dos orientadores sociais Cyro Junior e Alda Jupira, que com base na proposta da lei 10.639/03 organizaram o mais

O racismo retira a sensibilidade dos seres humanos para perceber o sofrimento alheio, conduzindo-os inevitavelmente à sua trivializarão e banalização. Essa barreira de insensibilidade, incompreensão e rejeição ontológicas do Outro encontrou, na América Latina, a sua mais elaborada formulação no mito-ideologia da democracia racial”. (MOORE, p. 23)

(32)

amplo debate internamente e externamente, nas unidades, nas escolas e nos espaços que possibilitaram abertura para o debate dos direitos humanos.

Como não pensar a lei 10.639/03 na implementação de políticas sociais, nas unidades de atendimento, nas escolas e na aplicabilidade dos programas quando nos deparamos com indicadores que dizem que mais de 68% dos atendimentos são feitos a pessoas negras? A família negra é principal vítima dos desastres naturais, de situação de desfavorecimento econômico e desvantagem no sistema de ensino público.

A parceria SCFV- CRAS e Escolas Públicas se deu por um longo processo burocrático, construído em meses de idas e vindas de documentos entre secretarias.

Mesmo diante dos limites institucionais. Em 22 de janeiro de 2018, realizei uma Semana de Combate a Intolerância Religiosa no C.E. Herbert de Souza (Turano) e CRAS Tijuca, com a apresentação do documentário “Cultura e Resistência” (Direção CEAP) e distribuição de informativos sobre a temática. Dentro da Semana, realizei capacitação com a equipe de funcionários, servidores e terceirizados e público em geral (usuários) do CRAS Tijuca. Fechamos a semana com um evento de grandes proporções no C.E. Herbert de Souza, localizado na Comunidade do Turano, no bairro da Tijuca. Contamos com a presença do Professor Doutor em História Comparada, Ivanir dos Santos (Babalawo) e do Historiador e Teologo André Guimarães. Foi uma atividade pioneira na promoção e no Combate à Intolerância Religiosa, ao Racismo e a busca do melhoramento das relações sócio raciais na Unidade, na escola e na comunidade referida.

4.1 O trabalho na Escola Municipal Marcks Ferrez: a primeira tentativa

A equipe da 2ª CASDH – CRAS¹ unidade Tijuca (Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos) deu início aos trabalhos na E. M Marques Ferrez, no dia 26 de março de 2018, com uma atividade cujo tema retratou a violência na própria escola.

Um grupo de “rappers”, conhecido como “Família Zelo Bala”, composto por jovens negros e moradores de periferia, como os alunos, foi convidado para conduzir a vivência, onde a recepção foi satisfatória, pois o “rap”, enquanto movimento político, com linguagem popular que atravessa os muros das favelas e morros, tem por finalidade construir uma crítica a partir de sua musicalidade expressa por análises irônicas da realidade social de grupos ditos “minoritários”, provocando, desta forma, a empatia necessária e atraente para os diálogos e formação sobre as relações raciais no Brasil e no mundo. Ele não trava um diálogo apenas com o jovem negro pobre que é humilhado, ele

(33)

trava um diálogo com a sociedade que o coloca neste estado de desigualdade o marginalizando e criminalizando na maioria das vezes.

A escola citada oferecia pouca infraestrutura, não obstante as atividades terem sido realizadas no espaço do refeitório, único espaço possível que comportaria um contingente de 2 a 3 turmas. Logo de início, a coordenadora pedagógica demonstrava profunda insatisfação com a agitação das crianças e adolescentes. Comportamento absolutamente natural de sujeitos que sempre foram tratados e postos a margem dos processos sociais e pedagógicos. O evento trouxe a possibilidade de terem suas vozes e dúvidas como protagonistas, algo que dificilmente acontece em espaços hegemônicos.

A não compreensão em relação à agitação do alunado (em encará-la como positiva e incentivadora) acarretou na punição dos mesmos pela coordenadora, que resolveu retirar metade dos presentes no Refeitório/Auditório da vivência, os deixando dispersos pelos corredores, para nosso assombro e decepção. Seguimos com um bate papo sobre a violência no espaço escolar, a naturalização da violência trabalhada a partir do tripé Jovem-Violência e Escola. O objetivo foi entender sob a análise, dos adolescentes a violência na sociedade, na família e no ambiente escolar, sobretudo a violência racial praticada concretamente e simbolicamente.

A Escola Municipal Marcks Ferrez apresentava, segundo sua equipe de direção, altos índices de casos de violência escolar, situações que colocavam em xeque a própria atuação do profissional de educação no ambiente escolar. Essas informações foram coletadas por intermédio de reuniões com a direção e por meio das experiências empíricas como alunado.

Com a implementação de um projeto de Cultura e Cidadania calçado na lei 10.639/03, buscava-se diminuir os indicadores de violência na escola, repetência e evasão escolar. Mesmo alcançando um resultado muito positivo junto aos alunos e ao corpo de professores presentes, despertando alguns para a nossa linguagem, a ação não foi o suficiente para a consolidação da parceria junto a escola. A coordenadora pedagógica, com os velhos argumentos de democracia racial e paraíso das raças², colocou-se como um obstáculo para o avanço de uma nova narrativa e prática pedagógica na escola.

Ao retornarmos, na semana seguinte, fomos informados na entrada da escola, pela diretora da mesma, que não seria mais possível o caminhar em conjunto, pois a proposta

(34)

que antes teria sido aceita já, naquele momento, não faria mais sentido, de acordo com os planos da direção.

Consideramos o tema da violência escolar, o assunto mais pertinente a ser tratado na escola em questão, pelos motivos da crescente onda de conflitos e pela dificuldade pedagógica da escola em lidar com os casos, chegando alguns educadores demonstrar sinais de estafa mental e física. A banalização e a naturalização dos conflitos vêm ganhando formas diferenciadas entre o alunado das escolas públicas, mesmo a forma de se comunicar é baseada num tipo de contato violento, com tapas e empurrões.

De acordo com Bourdieu (1989) a violência escolar na perspectiva do que ficou conhecido como violência simbólica é uma forma de violência produzida de maneira invisível que, no caso das relações étnicas-raciais, se corporifica através das relações de poder que as instituições brasileiras, sob a égide da branquitude, operam em relação às pessoas negras. Ainda, os conteúdos, os métodos de trabalho e de avaliação e as relações pedagógicas se constituem em violência simbólica exercida sobre os alunos de classes populares, tendo como sustentação a autoridade pedagógica e a legitimidade da instituição escolar.

Desta forma avalia-se que enquanto orientador social, este também cumpria o papel de mediador de conflitos. Dialogando com as partes e com o coletivo já prevendo os possíveis conflitos que ocorriam e ocorreriam pela ausência de uma sensibilidade que compete no conhecimento do desenvolvimento do ser humano de acordo com Baltes. É preciso que a instituição faça um estudo de caso não somente da educação como todo, no sentido de um olhar para os currículos, sobretudo observe qual o contexto social em que seu público está inserido, para que a partir disso realize um trabalho melhor e com mais eficiência.

4.2 A passagem pela Escola Municipal Laudimia Trotta

Na Escola Municipal Laudimia Trotta foi possível desenvolver experiências positivas, permitindo ao conjunto do corpo de alunos da escola vivenciar momentos de valorização da história da cultura Afro-brasileira e africana, comprometido com o projeto de aprofundamento das relações sócio-raciais, nos marcos da lei 10.639/03. O programa apresentado à direção desta escola visava alcançar o corpo docente, a fim de comprometer e mobilizar a escola no combate a toda forma de violência identificável contra crianças e adolescentes, meninas e meninos negros.

(35)

Diferentemente da direção da Escola Marcks Ferrez, a direção da Laudimia Trotta se colocou totalmente inclinada a um fazer pedagógico que nutrisse o alunado de vivências referenciadas em um novo paradigma, em uma cosmovisão respeitosa ao contexto da diáspora africana e periférica. A disposição da equipe pedagógica, na figura de sua coordenadora, foi essencial na consolidação da parceria e na aplicabilidade da proposta. Entretanto o quadro de banalização e naturalização da violência, atraso na formação escolar, repetência seguida de evasão escolar e uma infraestrutura apreciada, muito abaixo dos padrões mínimos, são as mesmas marcas encontradas na escola anterior, ou em nível muito pior.

A constituição de parceria não foi demorada com a Escola Laudimia, onde podemos observar um quadro de professores preocupados e comprometidos com o trabalho educativo, ou seja, com o resultado do processo que emerge da aprendizagem.

Muitos desses profissionais eram de comum encontro em manifestações e lutas em defesa da educação municipal e estadual. Fomos muito bem recepcionados e acolhidos por toda a escola.

A partir das experiências narradas pelos professores refletimos sobre a melhor abordagem aos alunos. Uma das primeiras experiências realizadas deu-se a partir de encontros organizados semanalmente ocorrendo na sala de leitura, com o intuito de apresentar produções cinematográficas (filmes e documentários), que despertassem a curiosidade dos educandos para os seguintes temas abordados:

 Gravidez na adolescência e violência a partir do filme Preciosa;

 No documentário, “O Negro no mercado de trabalho e racismo institucional”, que narra as profissões que a população negra ocupa no mercado de trabalho;

 Além de trabalhador, negro e Tempo de Resistência, Luiz Gonzaga Pinto Gama, Yvone Lara Costa;

 Combate à Intolerância religiosa e ao racismo (Cultura Negra Resistência e Identidade – CEAP);

 A Falsa Abolição, o mito de democracia Racial e a Luta de emancipação negra (Abdias Nascimento – 90 Anos);

 Filme – “Meninas do Sol” – que faz uma reflexão sobre exploração sexual ou abuso sexual;

Referências

Documentos relacionados

Ao ensinar os números decimais, é importante também fazer uma contextualização, explorando a linguagem que já é de uso comum (um décimo, dez décimos, cinco décimos,

A possibilidade de uma interação não pode ser excluída e deve ser considerado um acompanhamento rigoroso das concentrações sanguíneas de ciclosporina,

Você não deve tomar Caldê se tiver hipersensibilidade (alergia) a qualquer um dos componentes da fórmula, em casos de hipercalcemia (excesso de cálcio no sangue) primária

fundamentou, principalmente, no argumento dos “direito(s) de aprendizagem” das crianças. Partindo do exposto e considerando o conjunto de aspectos decorrentes deste trabalho,

públicos sobre os casos de câncer do colo do útero ocorridos no estado Maranhão com ênfase nas cidades de maior e menores índices e a cidade de Caxias entre os anos de

No presente trabalho foi analisada e discutida a influência da adição do bagaço de cana de açúcar sobre as propriedades térmicas de um compósito poliuretânico de matriz de óleo

“Acho que isso no Cineclube, você conseguiu, realmente, absorver mais porque é um filme, é um lazer, então eu acho que tudo que vai além da sala de aula agrega

Para prescrever a dose correta de ENALABAL ® , é muito importante que seu médico saiba se você está tomando outros medicamentos para controlar a pressão, diuréticos, medicamentos