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COLÉGIO PEDRO II. Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Educação Básica

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COLÉGIO PEDRO II

Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

e Educação Básica

Vítor Gonçalves Pimenta

O CINECLUBE EM MOVIMENTO:

Reflexões sobre o uso do audiovisual como ferramenta política e didático-pedagógica na escola básica

Rio de Janeiro

2019

(2)

Vítor Gonçalves Pimenta

O CINECLUBE EM MOVIMENTO:

Reflexões sobre o uso do audiovisual como ferramenta política e didático-pedagógica na escola básica

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Educação Básica, vinculado à Pró- Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura do Colégio Pedro II, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Ciências Sociais.

Orientador Professor Roberto Mosca Junior, M.e.

Rio de Janeiro

2019

(3)

COLÉGIO PEDRO II

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E CULTURA BIBLIOTECA PROFESSORA SILVIA BECHER

CATALOGAÇÃO NA FONTE

Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Simone Alves – CRB7 – 5692.

P644 Pimenta, Vítor Gonçalves

O cineclube em movimento: reflexões sobre o uso do audiovisual como ferramenta política e didático-pedagógica na escola básica / Vítor Gonçalves Pimenta. – Rio de Janeiro, 2019.

87 f.

Monografia (Especialização em Ensino de Ciências Sociais e Educação Básica) – Colégio Pedro II. Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura.

Orientador: Roberto Mosca Junior.

1. Ciências Sociais - Estudo e ensino. 2. Cinema e sociologia. 3. Cinema na educação. 4. Diálogo. 5. Colégio Pedro II. I. Mosca Junior, Roberto. II.

Título.

CDD 300

(4)

Vítor Gonçalves Pimenta

O CINECLUBE EM MOVIMENTO:

Reflexões sobre o uso do audiovisual como ferramenta política e didático-pedagógica na escola básica

Aprovado em: _____/_____/_____.

Prof. M.e. Roberto Mosca Junior (Orientador) Colégio Pedro II

Profª. Drª. Janecleide Moura de Aguiar Colégio Pedro II

Prof. Dr. Wolney Vianna Malafaia Colégio Pedro II

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e

Educação Básica, vinculado à Pró-Reitoria de Pós-

Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura do

Colégio Pedro II, como requisito parcial para

obtenção do título de Especialista em Ciências

Sociais.

(5)

Para Gersy e Rivo, meus queridos pais, avós e

avôs, e todas e todos ancestrais, que tornaram

tudo possível.

(6)

AGRADECIMENTOS

Ao dom da vida deste multiverso.

Ao parceiro Roberto Mosca Junior, por sua incrível generosidade de compartilhar os diversos saberes que ultrapassam os muros da escola.

À minha revisora e amiga Lívia Buxbaum, pela sua constante atenção, disponibilidade, críticas e sugestões e, ainda, pela sua sensibilidade arrebatadora.

Ao professor Marcelo Araújo, por me encantar e inspirar com sua convicção antropológica e administrativa.

Ao professor Lier Pires, por me tocar com sua energia crítica e fraternal.

Às professoras e aos professores da Especialização em Ciências Sociais e Educação Básica, em especial: Afrânio Silva, Fátima Ivone, Janecleide Aguiar, José Amaral, Lier Pires, Luiz Felipe Bon, Natália Braga, Nicolau Bandeira, Marcelo Araújo, Paula Menezes, Roberto Mosca Jr., Rogério Lima, Silzane Carneiro, Tatiana Bukowitz, Valéria Peçanha, Vinicius Mayo, por

compartilharem o dom de ensinar e aprender em cada encontro semanal.

À professora Janecleide Aguiar e ao professor Wolney Malafaia, pela incrível oportunidade de participarem formalmente da minha banca de defesa.

À professora Isabel Ostrower e ao professor José Amaral Junior, por estarem participando da minha banca como suplentes.

À professora Isabel Ostrower por colaborar na escrita da monografia.

A todxs colegxs da Especialização, em especial aos que se mantiveram firme até o final: Ana Francisca Rosa, André Pinto, Caroline Castro, Cyro Garcia, Panmila Provietti, Priscilla Campos, Roberta Pitta, Roberto Brito.

À colega Panmila Provietti pelas trocas incríveis para além das fronteiras científicas, regadas com afeto, cuidado e companheirismo.

Aos funcionários do Colégio Pedro II, pela indispensável ajuda nas questões operacionais, institucionais e administrativas no âmbito da pós-graduação.

À equipe do Cineclube, pelas trocas e ensinamentos diários: Adriane Harumi, Bismillah Cabral, Gabriel Gomes, Larissa dos Santos, Luísa da Silva e Pedro Henrique. Agradeço mais uma vez aos entrevistados(as) pelo encontro com suas vidas.

Ao público do Cineclube em geral, especialmente Luiz, Miguel e Dandara, por compartilharem suas histórias de vida.

À professora Fabiana Lima e às discentes participantes do PIC Jr Cientistas e Inventores Negros,

por me apresentarem um trabalho engajado na implementação da Lei 10.639/03, que determina

a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africanas e afro-brasileiras nas escolas.

(7)

À equipe de Sociologia do Campus São Cristóvão II, por me proporcionar encontros para além do ambiente do Cineclube.

À minha grande família, tios e tias, primas e primos, agregados, pela torcida incondicional.

Ao meu irmão Pierre e à minha cunhada Patrícia, por estarem de braços abertos a me acolher.

Aos meus afilhados Pedro e Sofia, por me ensinarem a viver a cada alvorada.

À minha namorada e parceira Beatriz Freitas, por me ajudar no trabalho das transcrições e, principalmente, por estar comigo em todos os momentos.

A todas as pessoas com quem aprendo a aprender – professores/as, colegas, alunos/alunas,

amigos/as –, que marcaram de forma especial e significativa a minha trajetória nesses anos.

(8)

Quando a educação – tão velha quanta a humanidade mesma, ressecada e cheia de fendas – se encontra com as artes e se deixa alagar por elas, especialmente pela poética do cinema – jovem de pouco mais de cem anos -, renova sua fertilidade, impregnando-se de imagens e sons.

(Adriana Fresquet)

Cedo ou tarde você vai perceber, como eu, que há uma diferença entre conhecer o caminho e percorrer o caminho.

(Morpheus - Matrix)

Luta contra o desrespeito à coisa pública, contra a mentira, contra a falta de escrúpulo. E tudo isso, com momentos, apenas de desencanto, mas sem jamais perder a esperança. Não importa em que sociedade estejamos e a que sociedade pertençamos, urge lutar com esperança e denodo.

(Paulo Freire)

(9)

RESUMO

PIMENTA, Vítor Gonçalves. O cineclube em movimento: reflexões sobre o uso do audiovisual como ferramenta política e didático-pedagógica na escola básica. 2019. 87f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Ciências Sociais e Educação Básica) – Colégio Pedro II, Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura, Rio de Janeiro, 2019.

Este trabalho tem como objetivo refletir sobre a percepção dos(as) estudantes na construção e participação no Cineclube “Cinema e Opressões” do Laboratório de Sociologia Lincoln Bicalho Roque, do Colégio Pedro II (CPII) - Campus São Cristóvão III (SCIII). Para a realização desta pesquisa, buscou-se efetuar uma observação participante com a equipe do projeto, formada por um professor e seis estudantes, e analisar as práticas e os documentos produzidos pelo grupo no ano de 2017. Além disso, adotou-se o método de entrevistas qualitativas com roteiro pré-definido, composto por perguntas abertas, na tentativa de desvelar a percepção dos(as) estudantes, membros da equipe do projeto e público do Cineclube, sobre os temas: origem e trajetória social, relação com o cineclube e com o colégio. Nesta investigação, percebe-se o cineclube como um lugar lúdico e crítico de aprendizagem, baseado no diálogo entre os sujeitos. Em outra direção, compreende-se a sala de aula, em grande parte, como um espaço onde se observa o monólogo do(a) professor(a). O Cineclube é um espaço onde o conhecimento se produz coletivamente com educador(a) e educandas(os). É uma experiência de encontro com outras linguagens estéticas e políticas, de trocas coletivas sobre os filmes, percepções de mundo distintas, debates sobre temáticas importantes e atuais da sociedade. É um espaço de experiência crítica, que abre para novas possibilidades de ensino-aprendizagem, pautadas na relação de alteridade. Um espaço que se constitui como uma pedagogia participativa e autônoma, que reconhece a percepção de mundo de cada sujeito como relevante para a construção do conhecimento.

Palavras-chave: Cineclube. Cinema e Sociologia. Ensino de Sociologia. Diálogo. Colégio

Pedro II.

(10)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 9

2 O CINECLUBE EM AÇÃO... 17

2.1 Filmes ... 17

2.1.1 Notícias de uma guerra particular... 17

2.1.2 Estrelas além do tempo ... 19

2.1.3 Arpilleras ... 21

2.2 A práxis do Cineclube ... 22

2.3 Debate ... 33

3 O CINECLUBE EM QUESTÃO ... 41

3.1 O relato de um projeto ... 41

3.2 A participação no Cineclube ... 45

3.3 A linguagem dos filmes ... 51

3.4 O diálogo com o conteúdo programático ... 54

4 O COLÉGIO PEDRO II ... 60

5 PROSPECTIVA ... 77

6 REFERÊNCIAS ... 81

APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA QUALITATIVA ... 84

(11)

1 INTRODUÇÃO

No presente trabalho, busco refletir sobre o uso do audiovisual como ferramenta política e didático-pedagógica na Educação Básica. Para a realização de tal empreendimento, foco no Cineclube “Cinema e Opressões” do Laboratório de Sociologia Lincoln Bicalho Roque, do Colégio Pedro II (CPII) - Campus São Cristóvão III (SCIII), na cidade do Rio de Janeiro. “O campus [...] foi criado em 1999 com a denominação Unidade Escolar São Cristóvão III e com o objetivo de atender [...] às turmas oriundas da 8ª série da Unidade Escolar São Cristóvão II. Hoje, o campus conta com 40 turmas do Ensino Médio.” (COLÉGIO PEDRO II, 2017a, não paginado). A título de apresentação, o Campus São Cristovão, segundo alguns professores e professoras dos Ensinos Fundamental e Médio, principalmente de Sociologia, que tive a oportunidade de dialogar ao longo do curso de Especialização em Ciências Sociais e Educação Básica, possui uma diversidade cultural bem grande, contendo muitos discentes moradores de comunidade e do subúrbio carioca em geral, passando por municípios da região metropolitana do estado do Rio de Janeiro como Duque de Caxias, Niterói, entre outros.

Ao focar no Cineclube e dialogando com a obra de Macedo (2010), considero a atividade cineclubista um elemento central e primordial para a sociedade audiovizualizada, que abre caminhos para a construção de uma sociedade mais justa e democrática no campo da apropriação e do emprego audiovisual. O termo audiovisual é entendido aqui como um conjunto de criações que chega ao receptor por meio de imagens e sons, podendo ser combinados de várias formas. Na atualidade, o audiovisual parece ser a manifestação mais presente e perceptível que atravessa a vida de cada um de nós, como veremos ao longo desse trabalho, partindo do ambiente escolar.

Nessa perspectiva de análise, adentro no Laboratório de Sociologia Lincoln Bicalho Roque no Campus São Cristóvão III para conhecer suas práticas de trabalho.

A escolha do nome do laboratório homenageia um ex-aluno do

Colégio Pedro II, liderança do Partido Comunista do Brasil, que foi

morto por agentes da ditadura civil-militar em 1973. Apesar de ter

sido aprovado em vários cursos de medicina e tendo cursado o

primeiro ano desta graduação, Lincoln Roque desistiu das ciências

médicas e formou-se sociólogo. Aposentado compulsoriamente do

cargo de professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da

UFRJ com a ditadura e preso várias vezes por suas atividades

consideradas subversivas, Roque passou a viver na clandestinidade. O

sociólogo se empenhou em projetos em prol da alfabetização popular

(12)

e dedicou sua vida à luta pela transformação da sociedade (COLÉGIO PEDRO II, 2017b, não paginado).

De acordo com os responsáveis, o objetivo do laboratório é construir um espaço direcionado à prática de pesquisa/ensino e extensão em Sociologia no interior da escola, tanto na prática docente na Escola Básica quanto na Pós-Graduação. Um espaço que pensa a pesquisa, o ensino e a extensão conjuntamente, estimulando pesquisas que reflitam os temas centrais do currículo escolar, dialogando com a sociedade. O Laboratório se conecta diretamente com as diretrizes do Departamento de Sociologia do Colégio Pedro II, que busca ampliar as pedagogias trabalhadas em sala de aula, visto que os(as) educadores(as) de Sociologia têm apenas dois tempos semanais, em cada série, previstos na composição curricular. Assim, a partir dessas iniciativas políticas e pedagógicas, o Departamento de Sociologia do Colégio Pedro II empenha-se na

“construção de um modelo de cidadania ativa dentro do espaço escolar, sobretudo a partir do estreitamento de laços com a comunidade, considerando seus diferentes atores sociais, a fim de fomentar uma cultura mais crítica, participativa e solidária.”

(AGUIAR; CARNEIRO, 2007, p. 3).

O Laboratório busca promover e divulgar a pesquisa científica nas áreas das Ciências Sociais, incorporando estudantes do Ensino Médio às suas linhas de pesquisa:

(1) Gênero e Sexualidade; (2) Comunicação Popular; (3) Sociologia Ambiental; (4) Sociologia e Cinema; e (5) Sociologia das Relações Raciais. Assim, optei por investigar a percepção tanto dos(as) estudantes (bolsistas – membros do Laboratório) quanto dos(as) estudantes que participam como público do Cineclube, comparando as duas dimensões de inserção no espaço do conhecimento.

A percepção não é uma ciência do mundo, não é nem mesmo um ato, uma tomada de posição deliberada; ela é o fundo sobre o qual todos os atos se destacam e ela é pressuposta por eles. O mundo não é um objeto do qual possuo comigo a lei de constituição; ele é o meio natural e o campo de todos os meus pensamentos e de todas as minhas percepções explícitas. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 6).

Ao trabalhar com a percepção dos(as) estudantes, foco meu olhar na dimensão

corporal. O corpo “é o veículo do ser no mundo, e ter um corpo é, para um ser vivo,

juntar-se a um meio definido, confundir-se com certos projetos e empenhar-se

continuamente neles.” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 122). “Nossa corporalidade é nossa

possibilidade.” (LAPLANTINE, 2004, p. 40). O corpo é o lócus do saber da sensação.

(13)

Um sujeito olha, escuta, cheira, saboreia, tateia, cria, etc. Nesse sentido, investiguei como esses corpos (bolsistas e público) percebiam a afetação da experiência através do cineclube.

A diferença a priori é que os(as) discentes bolsistas são socializados(as) em práticas de pesquisa qualitativas e quantitativas através de trabalho de campo e de projetos de pesquisa individuais e coletivos. Assim, percebi como a socialização com o mundo da pesquisa se processa no horizonte da prática no cineclube. De maneira geral, o espaço do cineclube se define como um lugar para discutir e assistir a filmes, sem caráter lucrativo. “A atividade cineclubista tem início na França ao final da década de 1910. O principal objetivo desse tipo de espaço consiste em estimular o público a ver e discutir cinema (conforme é explicado na página do Conselho Nacional de Cineclubes).” (LIMEIRA, 2015, p. 92-93).

O Cineclube “Cinema e Opressões” faz parte do projeto “Sociologia e Cinema: o uso do audiovisual como experiência crítica” no âmbito do “Programa de Apoio a Projetos de Iniciação Artística e Cultural, destinado a alunos que participam de projetos de diferentes Departamentos Pedagógicos do CPII, com ênfase no aprofundamento das linguagens artísticas e das vivências culturais” (COLÉGIO PEDRO II, 2017c, não paginado), ligado à Diretoria de Culturas do CPII que, por sua vez, é subordinada à Pró- Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura. Esse projeto institucional iniciou-se em 2016, através da promoção de atividades de ensino-aprendizagem, por meio de recursos e técnicas audiovisuais.

Acreditamos que estas ferramentas podem proporcionar uma experiência crítica e sensível, aos estudantes. Tendo em vista o grande número de projetos que articulam conteúdos das disciplinas de Ciências Humanas e o uso do audiovisual, o projeto tem como questão relevante sensibilizar e aglutinar iniciativas de alunos e professores que compreendam o audiovisual também como prática pedagógica.

(COLÉGIO PEDRO II, 2017d, não paginado).

Nesse sentido, por um lado, o projeto dialogando com escritos de Gusmão

(2008, p. 4), o projeto reflete “a questão do cinema como ambiente comunicativo da

práxis humana”. Por outro lado, ele também toca na questão educacional do Cineclube,

visto como um processo pedagógico desde as primeiras manifestações

protocineclubistas. Educação como formação do público para defender e expressar sua

visão de mundo (MACEDO, 2010). De maneira mais ampla,

(14)

o cineclubismo tornou-se um dos mais importantes movimentos culturais da atualidade. Na medida em que a prática cineclubista soube ir além da mera exibição do filme, ela consegue tornar-se efetivamente um movimento cultural capaz de formar não apenas ‘um público’, mas sujeitos humanos comprometidos com a transformação histórica da sociedade burguesa. Este é o sentido do cinema como experiência crítica, isto é, a utilização do filme como meio para a formação humana no sentido pleno da palavra. (ALVES, 2010, p.11 apud LIMEIRA, 2015, p. 93).

Nessa perspectiva de formação educacional plena através do Cineclube, o projeto quebrou a relação pedagógica bancária, que considera o(a) educando(a) como um objeto, ou seja, um “recipiente do conhecimento” no ambiente escolar (FREIRE, 2011). Ao romper com a hierarquia educador(a)-educando(a), na prática pedagógica proposta pelo projeto, o(a) educando(a) da Educação Básica é visto como pesquisador(a) e produtor(a) de conhecimento. “Partindo de alunos que ampliam as fronteiras de seus papéis sociais ao assumirem a cogestão de seus processos de conhecimento, de professores que buscam transcender a lógica da individualidade e galgar caminhos de cooperação e colaboração” (AGUIAR; CARNEIRO, 2007, p. 11).

O projeto propiciou que os(as) educandos(as) experimentassem o processo de construção do conhecimento de forma mais participativa e autônoma, dialogando com a orientação dos(as) educadores(as).

Essa troca entre os participantes, no ambiente de um cineclube, é uma de suas marcas históricas. Ademais, o cineclube se apresenta, desde sua criação, como um espaço interativo, entre o público e o filme. Não à toa, o cineclube tem como característica a preservação tanto da oralidade (o debate) quanto da apropriação crítica, edificando, nesta postura questionadora, um “cinema do público”. Além disso, o cineclube caracteriza-se por ser um espaço relevante na formação social e humana, que oportuniza, aos participantes das sessões, ver filmes (diferentes do circuito comercial), debater sobre a forma e o conteúdo do filme e aprender, a partir da própria discussão, numa relação coletiva de alteridade (pedagogia da diferença). Como se percebe, o Cineclube “Cinema e Opressões” como tantos outros que ocupam espaços institucionalizados de conhecimento em escolas e universidades, tornam-se ambientes diferenciados de aprendizagem para além da sala de aula (MACEDO, 2010).

O projeto conta com a coordenação do professor de Sociologia Roberto Mosca

Junior e com a participação de 6 (seis) discentes, que são bolsistas de iniciação

científica. Em 2017, os(as) discentes selecionados(as) foram: Adriane Harumi Portella

(15)

(2º ano), Bismillah Cabral Pereira de Almeida Gallonetti (2º ano), Gabriel Gomes Pitanguy de Paiva Bello (3º ano), Larissa dos Santos Lima (2º ano), Luísa da Silva Pinto Espíndola (3º ano) e Pedro Henrique Mota Tressi (3º ano). De acordo com a Chamada Interna Nº 08/2017 – PROPGPEC (Apoio a Projetos de Iniciação Artística e Cultural), as bolsas de Iniciação Artística e Cultural são concedidas por um período de até 6 (seis) meses, abrangendo as áreas de História da Arte e Linguagens Artísticas: Artes Visuais, Música, Teatro, Dança, Literatura e Produções Artísticas Híbridas; e Memória e Patrimônio. A bolsa tem valor mensal de R$ 150,00 (cento e cinquenta reais).

Os(as) bolsistas do projeto “Sociologia e Cinema: o uso do audiovisual como experiência crítica” foram escolhidos(as) a partir do critério de interesse. O projeto fez uma chamada convidando os(as) interessados(as) a entrar em contato diretamente com o professor coordenador ou por meio de carta de intenções em que deveria constar nome, idade, série e turma, telefone de contato e um texto de 10 a 20 linhas, justificando o interesse no projeto (Imagem 1).

Imagem 1 - Cartaz do Projeto (seleção de bolsistas de iniciação artística e cultural 2017)

Fonte: Laboratório de Sociologia Lincoln Bicalho Roque (Campus – SCIII/CPII)

(16)

O Cineclube está programado para acontecer uma vez por mês, em um dia da semana, normalmente às quintas-feiras de 12h às 13h. A opção pelo horário do almoço é uma alternativa programática de modo a não concorrer com as aulas regulares e as atividades extracurriculares, que fazem parte do cotidiano dos(as) discentes. Segundo a equipe do projeto, esse planejamento de periodicidade e horários foi reavaliado ao longo das sessões do cineclube. O grupo buscou adaptar-se aos fatores da realidade escolar, caminhando no fazer projeto (MINAYO, 2009). Em todas as três sessões, a equipe do projeto aplicou uma enquete com o objetivo de traçar um perfil do público.

No campo do audiovisual, compreendo o cinema como sistema de comunicação.

Essa comunicação do cinema é vista dentro de um sistema maior gerador de significados, ou seja, da própria cultura. Segundo Turner (1997, p. 51), “o cinema não é uma linguagem, mas gera seus significados por meio de sistemas (cinematografia, edição de som e assim por diante) que funcionam como linguagens.” Além disso, outra característica extremamente importante do cinema está na sua apresentação e na sua íntima relação com as tecnologias. O autor afirma que “o cinema incorpora as tecnologias e os discursos distintos da câmera, iluminação, edição, montagem do cenário e som - tudo contribuindo para o significado.” (TURNER, 1997, p. 56). Nesse sentido, a cultura pode ser pensada como “um processo dinâmico que produz os comportamentos, as práticas, as instituições e os significados que constituem nossa existência social.” (TURNER, 1997, p. 51). Em outras palavras, ela compreende os processos que dão sentido à nossa maneira de viver.

Neste empreendimento analítico, pesquiso qualitativamente o Cineclube,

focando na percepção dos(as) estudantes. Para a concretização de tal tarefa, realizei uma

observação participante com a equipe do projeto, analisando as práticas e os

documentos produzidos pelo grupo. Experimentei o fazer projeto, participando das

reuniões e atividades de preparação de cada sessão até a exibição de cada filme. Além

disso, realizei entrevistas com roteiro pré-definido, como técnica privilegiada de

comunicação capaz de acessar “informações diretamente construídas no diálogo com o

indivíduo entrevistado.” (MINAYO, 2009, p. 65). Abordei temas como origem e

trajetória social, relação com o cineclube e relação com o colégio. Nessa perspectiva

dialógica, procurei descrever os significados que as próprias pessoas davam para aquilo

que faziam. Conforme Becker, o objetivo da análise social é descobrir “o que as pessoas

pensam estar fazendo, como interpretam os objetos, eventos e pessoas em suas vidas e

experiência.” (BECKER, 2007, p. 33). Realizei 6 (seis) entrevistas; três com

(17)

educandos(as) bolsistas citados(as) anteriormente e três com educandos(as) que participaram da atividade como público: Luiz, Miguel e Dandara (todos do 3º ano) 1 .

Ao trabalhar com a percepção dos(as) estudantes, investiguei a construção coletiva dialógica do conhecimento por meio do uso do audiovisual. Nesse sentido, a

“observação participante” configurou-se como possibilidade de experiência intersubjetiva. Conforme nos atenta Oliveira (2000, p. 24), ela se efetiva nesse encontro com o outro, quando o pesquisador assume uma postura perfeitamente aceitável pelo grupo observado, de maneira que a interação flua sem grandes sobressaltos. Não à toa, DaMatta (1978) enfatiza o caráter subjetivo do trabalho antropológico, iluminando os aspectos interpretativos necessários para que a essência das questões possa se revelar em seus pequenos detalhes, não evidentes e quase escondidos nas relações humanas.

Nessa perspectiva intersubjetiva, destaco as narrativas que ocorreram nos encontros da pesquisa, visando uma relação dialógica e polifônica. A “dialogia” e a

“polifonia” foram estratégias inspiradas no estudo de Clifford (2008) intitulado Sobre a autoridade etnográfica. O intuito foi recriar outras realidades analíticas, assim como fez o autor quando trabalhou com a noção de “heteroglassia”, de Mikhail Bakhtin (1981), para pensar uma etnografia multivocal. Um movimento em que as pessoas interpretam a si mesmas e os outros numa desencarreirada gama de idiomas dentro de um campo de múltiplos discursos. Uma condição global na qual a expansão da comunicação e da influência intercultural faz parte do mundo contemporâneo. O dilema atual associa-se tanto à desintegração e à redistribuição do poder colonial quanto às repercussões das teorias culturais radicais que se deram a partir da segunda metade do século XX. Dessa maneira, fez se necessário pensar um mundo de etnografia generalizada. Ademais, uma

“cultura”, seguindo o rastro analítico de Bakhtin sobre o romance “polifônico”, “é, concretamente, um diálogo em aberto, criativo, de subculturas, de membros e não membros, de diversas facções.” (CLIFFORD, 2008, p. 47).

Nesse diálogo polifônico, em bases formais, as narrativas apresentam-se em letra cursiva – itálico e entre aspas, e quando ultrapassarem três linhas, serão apresentadas com recuo e fonte menor. Os conceitos teóricos exibidos virão apenas entre aspas. O termo encontro é utilizado no sentido da existência de uma reunião e de troca de saberes, em que cada participante estabelece um diálogo com a alteridade e, ainda, sai dessa descoberta levando um pouco do outro dentro de si. Nesse aspecto, apoio-me

1

Os nomes foram codificados para manter o sigilo dos(as) entrevistados(as).

(18)

naquilo que González Rey (2005) chama de “encontros conversacionais”, ou seja, dinâmicas cuja conversação é pensada em uma linha que conduz a pessoa estudada a campos significativos de sua experiência pessoal. Devo esclarecer que uso “eu” quando assumo a descrição e o argumento. O “nós” é utilizado devido à sua autoridade e quando pretendo arrastar comigo o(a) leitor(a). Uma advertência importante é que o discurso é para estudantes de gênero masculino, feminino e outros que ultrapassam o caráter binário de gênero. Na maioria das vezes, utilizo o masculino, partindo da minha subjetividade como autor. Mas, em determinadas ocasiões, quando, por exemplo, me refiro diretamente a estudantes, utilizo o feminino, reconhecendo a diversidade de gênero.

Depois desta breve introdução, podemos dar o play e iniciar a apresentação da obra em cartaz. O primeiro capítulo exibe o Cineclube em ação, desvelando-o como um lugar estético, político e pedagógico. O segundo capítulo mostra a percepção dos(as) estudantes na construção e na participação do Cineclube. O terceiro capítulo apresenta a relação dos(as) estudantes com o Colégio Pedro II.

Por fim, neste empreendimento analítico, analiso o Cineclube focando a percepção dos(as) estudantes, primeiro, sobre a relação do uso do audiovisual com a construção do conhecimento e, segundo, sobre os encontros dialógicos na formação política discente no interior desse espaço coletivo.

(19)

2 O CINECLUBE EM AÇÃO

Ao investigar o pensamento-linguagem referente à realidade produzida coletivamente por docente e discentes no Cineclube, pretendo desvendar como estes percebem este ambiente tecido de filmes e seres humanos. Ao descrever criticamente a práxis do Cineclube, demonstro novas práticas políticas e didático-pedagógicas que pulsam no ambiente escolar, para além das tradicionais salas de aula. Nesse processo de ensino-aprendizagem, analiso a percepção dos(as) educandos(as) sobre o fazer (bolsista- público) e o participar (público) da atividade do Cineclube.

Nessa interação, para a realização do Cineclube no espaço escolar, em cada sessão, trabalhou-se com filmes (documentário e ficção) cujas temáticas dialogavam com o conteúdo programático do currículo de Sociologia. A escolha de cada obra esteve conectada com os conteúdos trabalhados em sala de aula, principalmente a área de Ciências Humanas, mas não exclusivamente, e com as experiências de vida de educadores(as) e educandos(as) (FREIRE, 2011). Apresentou-se os filmes e discutiu-se a prática do cineclube, problematizando o formato composto de exibição seguido de debate.

Os filmes elencados para serem exibidos, ao longo de 2017, foram Notícias de uma guerra particular, Estrelas além do tempo e Arpilleras.

2.1 Filmes

2.1.1 Notícias de uma guerra particular

A primeira sessão do Cineclube foi realizada no dia 17 de agosto de 2017 com o título “Cinema e Opressões convida…”, exibindo o filme Notícias de uma guerra particular, de João Moreira Salles e Kátia Lund (1999). 2

2

Ficha Técnica: Direção - João Moreira Salles e Kátia Lund. Elenco – Paulo Lins, Nilton Cerqueira, Carlos Luis Gregório, Hélio Luz, Rodrigo Pimentel, etc. Roteiro – Kátia Lund e João Moreira Salles.

Compositor (trilha sonora) – Antonio Pinto. Produtora (produção) – Raquel Freire Zangrandi. Diretor de fotografia – Walter Carvalho. Distribuição internacional / Exportação - Alliance Atlantis Home Video, Miramax Films, VideoFilmes. Produção – VideoFilmes.

Disponível em: < http://www.adorocinema.com/filmes/filme-22471/creditos/>. Acesso em: 26 abr. 2019.

(20)

Imagem 2 – Convite/Cartaz do Cineclube

Fonte: Laboratório de Sociologia Lincoln Bicalho Roque (Campus – SCIII/CPII)

Nas palavras de Labaki (2006, p. 117), o documentário em sessão,

é profundamente democrático, e igualmente cético, o mais completo mosaico fílmico sobre o narcotráfico e seu combate no Rio. A palavra é dada a jovens traficantes, aos policiais engajados em combatê-los, a seus superiores, aos moradores de “favelas” que convivem cotidianamente com o inferno de uma guerra sem tréguas [...]. Não se procurem soluções neste filme tenso. Notícias de uma guerra particular contenta-se em fazer as perguntas certas. Nenhum documentário o fizera antes com tanta coragem – e tamanha desesperança.

A equipe do Cineclube (professor e discentes), a partir de um contexto de violência urbana na cidade do Rio de Janeiro, principalmente pelos episódios de conflito entre policiais e “traficantes” na comunidade do Jacarezinho 3 , Zona Norte da cidade,

3

Para maiores informações, ver reportagens jornalísticas.

CHIRIOCA, Juan. Denúncias de violência e abusos na operação da Polícia e do Exército no Rio de Janeiro. Esquerda Diário, Rio de Janeiro, 24 ago. 2017. Disponível

em:<https://www.esquerdadiario.com.br/Denuncias-de-violencia-e-abusos-na-operacao-da-Policia-e-do- Exercito-no-Rio-de-Janeiro>. Acesso em: 15 abr. 2019.

G1 RIO. Polícias e Forças Armadas fazem operação em sete comunidades da Zona Norte do RJ. G1, Rio

de Janeiro, 21 ago. 2017. Disponível em: <https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/policia-e-forcas-

armadas-fazem-operacao-em-comunidades-no-rj.ghtml>. Acesso em: 15 abr. 2019.

(21)

discutiu a questão da violência e a criminalização da pobreza por intermédio do documentário. O objetivo com a obra foi trazer outras imagens e narrativas para debater o tema. Durante a exibição, a equipe convidou o professor de História do CPII João Braga 4 para comentar a produção audiovisual, uma vez que ele estava realizando um documentário sobre as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) implantadas na cidade do Rio de Janeiro.

O filme foi selecionado pelo coordenador do projeto Roberto Mosca Junior e a escolha se deu por dois motivos: primeiro, por conta da conjuntura de aumento da violência na cidade do Rio de Janeiro e, segundo, devido ao seu tamanho, já que possui 50 minutos. A questão do horário do Cineclube tornou-se um desafio para os(as) produtores(as), visto que a atividade se sobrepunha à grade curricular do Ensino Médio.

O desejo da equipe do projeto é que a atividade se inserisse na grade curricular regular.

Dessa maneira, sendo o primeiro filme a ser exibido, na hora do almoço, a equipe realizou um teste de presença de “público” no intervalo entre dois turnos (manhã e tarde). Houve a participação de mais ou menos 2 (duas) dezenas de pessoas nessa sessão.

2.1.2 Estrelas além do tempo

A segunda sessão do Cineclube ocorreu no dia 14 de novembro de 2017, de 12h às 14h30, com a chamada “Cinema e Opressões e o PIC Jr Cientistas e Inventores Negros na História apresentam: Estrelas além do tempo, de Theodore Melfi (2016).” 5

4

Docente que promove o cinema crítico no CPII, outro projeto na área audiovisual que funciona no campus de SCIII.

5

Ficha Técnica: Direção - Theodore Melfi. Elenco – Taraji P. Henson, Octavia Spencer, Janelle Monáe, Kevin Costner, Kirsten Dunst, Aldis Hodge, Jim Parsons, Mahershala Ali, etc. Roteirista – Allison Schroeder. Autor da obra original – Margot Lee Shetterly. Compositor – Pharell Williams e Hans Zimmer. Produtores – Theodore Melfi, Peter Chernin e Pharell Williams. Coprodutora – Kimberly Quinn.

Produtora de set - Margot Lee Shetterly. Diretor de fotografia – Mandy Walker. Diretor de arte – Jeremy Woolsey. Produção – Twentieth Century Fox. Distribuidor brasileiro – Fox Film do Brasil.

Disponível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-219070/creditos/>. Acesso em: 26 abr. 2019.

(22)

Imagem 3 - Convite/Cartaz do filme: Estrelas além do tempo

Fonte: Laboratório de Sociologia Lincoln Bicalho Roque (Campus – SCIII/CPII)

A sinopse do filme é apresentada com as seguintes palavras:

1961. Em plena Guerra Fria, Estados Unidos e União Soviética disputam a supremacia na corrida espacial ao mesmo tempo em que a sociedade norte-americana lida com uma profunda cisão racial, entre brancos e negros. Tal situação é refletida também na NASA, onde um grupo de funcionárias negras é obrigada a trabalhar a parte. É lá que estão Katherine Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe), grandes amigas que, além de provar sua competência dia após dia, precisam lidar com o preconceito arraigado para que consigam ascender na hierarquia da NASA. (ADORO CINEMA, 2018, não paginado).

Nesta sessão, houve a parceria com o PIC Jr Cientistas e Inventores Negros, coordenado pela professora Fabiana Lima, do Ensino Fundamental de São Cristovão II.

O projeto “Cientistas e inventores negros na História: seus inventos e descobertas”

busca implementar a Lei 10.639/03, que determina a obrigatoriedade do ensino de

história e cultura africanas e afro-brasileiras nas escolas. O objetivo do projeto é

proporcionar aos orientandos(as) uma experiência no campo da pesquisa científica,

aprofundando os estudos sobre os cientistas e inventores negros. Assim, apresenta-se

personalidades, antigas e contemporâneas, que se dedicaram e se dedicam ao

(23)

desenvolvimento de conhecimentos científicos e tecnológicos em diversas áreas do conhecimento.

No final da exibição, realizou-se um debate sobre a presença das mulheres negras no campo científico, contando com a presença de mais ou menos 7 (sete) dezenas de pessoas.

A escolha do filme foi uma proposta da professora Fabiana Lima, que participou da primeira sessão, quando se exibiu o filme Notícias de uma guerra particular. A proposta foi apresentada pelo coordenador Roberto Mosca Junior à equipe de trabalho e aprovada pelos(as) integrantes.

2.1.3 Arpilleras

A terceira sessão do Cineclube aconteceu dia 30 de novembro de 2017 com a chamada “Cineclube Cinema e Opressões e Laboratório de Sociologia de SC II apresentam: Arpilleras (2017), do Coletivo de Mulheres do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB).” 6

O filme “Arpilleras: atingidas por barragens, bordando resistência”

denuncia como as barragens têm violado a vida de pessoas de norte à sul do Brasil, principalmente das mulheres que assumem hoje o protagonismo de suas lutas, diante da vulnerabilidade e violação de seus direitos. O filme, produzido pelo MAB, visa dar visibilidade sobre os efeitos perversos destas construções. Por meio da linha de coser, elas constroem de retalhos uma unidade, como a vida, que vira filme. A narrativa do filme é construída a partir de uma arpillera, confeccionada por diferentes mulheres que vão tecendo suas histórias (MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS, 2017).

6

Ficha Técnica: Direção - Coletivo de Mulheres do MAB. Agumento - Adriane Canan, Bruno Ferrari,

Esther Vital, Guilherme Weimann e Vinicius Denadai. Entrevistas - Adriane Canan e Guilherme

Weimann. Roteiro - Adriane Canan, Bruno Ferrari, Guilherme Weimann e Vinicius Denadai. Fotografia -

Vinicius Denadai. Assistente de fotografia - Guilherme Weimann. Produção - Adriane Canan e

Guilherme Weimann. Som direto - Bruno Ferrari. Montagem – Bruno Ferrari. Trilha sonora – Luciana

Parelho e Andrey Rodrigues.

(24)

Imagem 4 - Convite/Cartaz do filme: Arpilleras

Fonte: Laboratório de Sociologia Lincoln Bicalho Roque (Campus – SCIII/CPII)

O filme Arpilleras conta a história de mulheres atingidas por construções de barragens, que perderam suas casas. O evento contou com a participação da militante Gabriela, do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), e com um público total de mais de 2 (duas) dezenas de pessoas.

A escolha da terceira sessão do Cineclube foi uma proposta da equipe de Sociologia de São Cristóvão II. A equipe acenou com a possibilidade de trazer algum(a) militante membro do MAB para conversar com os(as) estudantes. Novamente, o coordenador Roberto Mosca Junior levou a proposta para a equipe do Cineclube e as(os) bolsistas aceitaram.

2.2 A práxis do Cineclube

Ao se chegar a uma sessão no Cineclube, percebe-se um clima descontraído entre o público, composto, principalmente, por estudantes do Ensino Médio, alguns do Ensino Fundamental, além de professores, professoras e funcionários da escola. Assim, o Cineclube, a partir da exibição de um filme, seguido de debate, promove a integração da comunidade escolar, através de análises, debates, argumentações e troca de opiniões.

Para Duarte (2009), a experiência de assistir a filmes é uma prática social fundamental

(25)

na formação cultural e educacional das pessoas, equivalente à leitura de obras sociológicas, filosóficas, literárias, etc.

Nesse ambiente de formação cultural e educacional, o clima pode ser percebido pela postura despreocupada dos corpos que adentram o Anfiteatro C no Campus São Cristóvão III. Este é uma espécie de auditório composto por fileiras de cadeiras umas atrás das outras, onde, da primeira até a última, o nível aumenta em ordem crescente para que os(as) espectadores(as) possam ter uma visão ampla e descoberta da tela/palco.

Normalmente, o auditório é um espaço reservado para a realização de espetáculos, conferências e solenidades, por causa de sua estrutura física e tecnológica. Segundo a aluna Maria (17 anos, 2º ano, Ilha do Governador, Sem religião, Amarela, 3 a 4 S.M.),

“a estrutura foi bastante acolhedora, tinha bastante cadeiras pra todo mundo, tinha ar condicionado também, tinha projetor, sempre a nossa disposição [...].” Nesse sentido, o Anfiteatro C foi o espaço escolhido para abrigar as sessões do Cineclube.

Imagem 5 – Anfiteatro C

Fonte: Laboratório de Sociologia Lincoln Bicalho Roque (Campus – SCIII/CPII)

(26)

O que se observa nas sessões, independentemente do número de participantes, são pessoas relaxadas e compromissadas com o audiovisual que está por vir. Há, no rosto do público, marcas de expectativa pelo início do filme. É importante ressaltar que cada pessoa se encontra ali devido ao seu próprio interesse, ou seja, nem estudantes nem professores(as) e funcionários estão no ambiente do Cineclube obrigados, apesar do conflito com a grade curricular ser latente. Em geral, o público assiste ao filme e participa do debate, mediado por um membro da equipe do Cineclube ou por um convidado. Nesse momento, o(a) mediador(a) problematiza algumas questões referentes ao filme exibido como, por exemplo, a mediação da professora Fabiana Lima e do professor Roberto Mosca Junior sobre a segregação racial presente na obra, articulando com a visibilidade da produção científica de mulheres e homens negros no cotidiano das escolas. A professora Fabiana Lima levou para o Cineclube diversos marcadores de livros de inventores(as) negros(as), juntamente com suas criações e um pequeno texto de apresentação. Por exemplo, Robert Flemming foi o inventor da guitarra. “Chamou de

‘Euphonica’ um violão que ele acreditava produzir um som mais alto e mais ressonante que um violão tradicional”. Nessa perspectiva, o tema do filme é o principal elemento problematizado na hora do debate e o filme em si funciona como “um ‘texto’ gerador de debates articulados a temas previamente selecionados pelo professor.” (NAPOLITANO, 2009, p. 20). Os responsáveis pelo Cineclube exibem um filme por evento e, posteriormente, debatem-no com o público participante e os(as) convidados(as).

O Cineclube Cinema e Opressões faz parte do projeto “Sociologia e Cinema: o uso do audiovisual como experiência crítica”. Seu objetivo é incentivar o processo de ensino e aprendizagem com base na utilização de recursos e técnicas de audiovisual. Ao focar na questão do audiovisual como prática pedagógica, o interesse é problematizar o cineclube como espaço de conhecimento, político e cultural e como exercício do pensamento crítico. Nesse sentindo, podemos comparar as diferenças entre o espaço do cineclube e o espaço da sala de aula.

Utilizando a categoria entendida como “práxis - ação e reflexão – como unidade

que não deve ser dicotomizada” (FREIRE, 2011, p. 73) do Cineclube, isto é, prática que

não é puramente intelectual, mas ação associada ao empenho reflexivo, percebe-se, ao

exibir filmes e debatê-los, que as(os) educandas(os) têm uma postura relaxada, se

comparada com a que manifestam em sala de aula. Em grande medida, o cineclube é

visto como um lugar de entretenimento, de maior liberdade e horizontalidade, de lazer e

(27)

de potencializador do senso crítico, diferentemente do espaço da sala de aula. Para Luiz 7 (17 anos, 3º ano, Anil, Católico, Negro, 3 a 4 S.M.) 8 , o Cineclube tem “essa pegada do entretenimento [...] segura mais. Ali na sala de aula você fica sentado na carteira, olhando pro professor [...]. Às vezes, até, questões raciais, questões de empoderamento feminino, questões de meio ambiente, mas você não foca”. Dandara (17 anos, 3º ano, São Francisco Xavier, Evangélica, parda, 9 a 10 S.M.) considera o espaço do Cineclube como um lugar que “dá muito mais liberdade. [...] Você pode até trazer coisas, relacionar, é muito mais livre pra você, meio que falar o que você quiser. Porque, na aula, você fala o que você quiser, mas dentro de um tema.” Para Miguel (18 anos, 3º ano, Quintino, Sem Religião, Preto, 3 a 4 S.M), o Cineclube “é muito mais horizontal, por mais que tenha um professor lá dentro, [...] é um intermediário, no mesmo nível de importância de qualquer aluno [...]. Na sala de aula, ainda que as pessoas tentem quebrar com isso, ainda é uma estrutura muito hierarquizada.” Maria (17 anos, 2º ano, Ilha do Governador, Sem religião, Amarela, 3 a 4 S.M.) percebe “um silêncio, assim, uma atenção [...]. Acho que é um espaço de lazer. E as pessoas dão valor aquilo [...]

tem uma outra postura, uma diferença. Elas [...] estão saturadas, e não estão querendo ficar ali, que nem na sala de aula.” Marília adverte que estar em sala de aula é ficar restrita entre quatro paredes. “Porque a gente está ali, preso em sala de aula. E muitas vezes a gente não aprende quase nada, porque a gente já está acostumado com aquilo [...] se torna monótono e a gente fica naquele ciclo, [...] e acaba não desenvolvendo muito o nosso pensamento crítico.” (MARÍLIA, 17 anos, 3º ano, Bonsucesso, Kardecista, Parda, 3 S.M.). Nessa perspectiva pedagógica, na sala de aula, grande parte de professores e professoras, “em lugar de comunicar-se, o educador faz ‘comunicados’

e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem.” (FREIRE, 2011, p. 80).

A sala de aula não é vista como um lugar da troca e do diálogo, mas como um espaço que individualiza os(as) educandos(as) em suas carteiras, onde cada educando só tem contato olho no olho com outros(as) educandos(as), movimentando suas cabeças lateralmente. “Eu acho que ele [o espaço da sala de aula] é muito preso normalmente.

Você fica enfileirado, todo mundo virado pra frente, você só tem conexão com alguém que está ao seu lado e não com quem está na sua frente.” (HELENA, 17 anos, 3º ano, Vila Valqueire, Sem religião, Branca, 1 a 2 S.M.). O que está em jogo neste espaço é

7

Os nomes foram codificados para manter o sigilo dos(as) entrevistados(as).

8

Na ordem: (Idade, Série no Ensino Médio, Bairro/local de moradia, Religião, Cor, Renda Familiar).

(28)

saber qual pedagogia será produzida em um local onde educador(a) e educandos(as) estão desconectados da realidade que os cercam, em que o conteúdo trabalhado será visto para ser “guardado” e “arquivado”. “Educador e educandos se arquivam na medida em que, nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros.” (FREIRE, 2011, p. 81).

Neste ponto, vale destacar que o espaço do Anfiteatro C, onde são realizadas as sessões do Cineclube, também é composto por fileiras de cadeiras umas atrás das outras.

Ao comparar-se o espaço do cineclube e o espaço da sala de aula, ambos possuem uma boa infraestrutura. Sobre o cuidado e manutenção dos espaços, a educanda Maria considera “a sala de aula mais degradada. Os quadros são mais sujos, não tem muita manutenção, as cadeiras são ok [...]. Os alunos picham muito as paredes, sujam muito o chão também com balas, chiclete, sujam as carteiras [...].”

A partir desta consideração, poderíamos pensar que o espaço do anfiteatro é um local de excepcionalidade, ou seja, é mais limpo por não ser um local de uso diário.

Entretanto, ele é um espaço mais cuidado, no sentido de que os estudantes o experimentam com foco e atenção, conforme as palavras da estudante acima. Por outro lado, no ambiente da sala de aula, os(as) estudantes tem “uma postura mais indisciplinada, falam muito, não respeitam o professor.” Em uma palavra, percebe-se a sala de aula como lugar da “obrigação” e o Cineclube como do “entretenimento”. Mas o que explicaria o clima descontraído do cineclube, sintetizado pelo termo

“entretenimento”? Para tratar dessa questão, vamos nos aproximar da discussão sobre o lugar do cinema na nossa sociedade.

O cinema é uma das experiências sociais mais impactantes, que se percebe desde as primeiras décadas do século XX. Fruto da sociedade industrial e de massas, ele surgiu junto com a estética e sociabilidade modernas. As imagens em movimento projetadas em um “telão” vêm provocando múltiplas sensações em diferentes origens sociais, formações culturais e raízes étnicas (BENJAMIN, 1985; CHARNEY;

SCHARTZ, 2001, NAPOLITANO, 2009).

Não à toa, as educandas percebem o Cineclube como espaço do entretenimento,

ou seja, um lugar dinâmico, que permite o(a) participante, mesmo que sentado(a) em

uma cadeira, embarcar, a cada sessão, em uma história distinta. Assim, o cinema

promove uma aproximação entre as vidas dos(as) educandos(as) e o mundo que está

(29)

fora da sala de aula. Em outras palavras, conforme as educandas, o entretenimento está ligado ao que fazem fora da sala de aula e fora da escola. Dentro das salas de aula, para elas, o clima é monótono, as aulas se repetem semanalmente sem grandes novidades e a teoria é trabalhada de forma distanciada da prática. A distância entre o que estudam para o que vivem cotidianamente é enorme. As educandas contam que buscam serem tocadas pela realidade. Assim, o Cineclube aparece como oportunidade de saírem das salas de aula e experimentarem uma viagem a outras realidades, sem deixarem o ambiente escolar. Com essa compreensão, o educando Luiz apresenta a seguinte percepção: “É o mesmo tema, é a mesma mensagem que quer te passar, mas a abordagem é diferente, justamente pelo entretenimento. Você estando ali [cineclube], já te instiga mais a entender o que está passando [...].” Estar no Cineclube é participar de uma experiência sensorial, emotiva e reflexiva. Em consonância com a visão de Luiz, a educanda Marília descreve a experiência do Cineclube da seguinte forma: “Essencial, porque [...] a gente fica muito ali na teoria e não vê o que é a realidade [...].” Assim, a aluna clama para que os(as) educadores(as) saiam das salas de aula. “Tirem seus alunos das salas, vocês podem fazer isso, professor de biologia pode levar a gente pra um horto, professor de filosofia pode dar aula pra gente andando pelo colégio”. Marília observa que a sala de aula não proporciona um encontro com a realidade, como é desejado pelos(as) educandos(as).

Na concepção de Marília, é fundamental que exista uma prática pedagógica que procure escapar do enclausuramento da sala de aula. Neste sentido, seu depoimento expressa uma crítica a esta concepção “bancária” presente na grande maioria das salas de aula, que “nega a dialogicidade como essência da educação e se faz antialógica.”

(FREIRE, 2011, p. 95). O mundo não cabe em quatro paredes brancas, é preciso caminhar dentro e fora do colégio para que se conheça o mundo de corpo inteiro. A educação que se realiza em diálogo com as narrativas das educandas é uma educação libertadora, que compreende os seres como “corpos conscientes”, ou seja, com

“consciência intencionada ao mundo.” (FREIRE, 2011, p. 94). Os corpos clamam por um ensino menos tradicional, que dialogue com suas experiências de vida contemporâneas.

Essas(es) jovens vivem em uma cidade atravessada por violências,

discriminações e desigualdades sociais, condições que se revelam em suas experiências

pessoais.

(30)

A minha casa da Covanca era muito maior [...]. A gente abriu mão de tudo [...] simplesmente porque dava pra ouvir o tiroteio [...] teve um tiroteio na minha rua. Aí a minha mãe ficou traumatizada, porque meu pai já tava pra chegar. E a gente, naquele dia, falou assim:

“Essa vida não quero mais não.” (LUIZ).

Luiz revela uma cidade violenta, onde os tiroteios tornam-se cada vez mais frequentes. Com o descrédito do poder público, a única saída encontrada por sua família foi mudar-se para o bairro do Anil, deixando para trás as perspectivas que tinham em Covanca em função do que construíram ao longo dos anos naquela localidade. Maria nos apresenta outra experiência na cidade, a partir de sua origem étnica, já que ela é neta de japoneses por parte de mãe: “Eu já sofri muito preconceito na rua também, das pessoas ficarem fazendo gestos pra mim, imitando o meu olho, tipo que puxando, assim [puxa com as mãos as laterais dos olhos]. Gestos ofensivos, eu acho, bem complicado, porque a gente não sabe como se impor.” Na sua narrativa, ela nos mostra como a diferença étnica, marcada nos traços do corpo, é tratada de maneira discriminatória por parte das pessoas. Na mesma direção, Marília relata o assédio que sofre nas ruas da cidade por ser mulher e ainda apresenta um episódio de discriminação racial. “Por ser parda, eu só me lembro de uma situação, [...] estava num shopping mais caro [...]

vestida de forma normal, como normalmente uso, e eu fui entrar numa loja cara, pra ver as roupas e tal, e as pessoas ficavam olhando assim, tipo ‘quem é você?’, ‘você não pertence aqui, a essa loja’.” De maneira mais ampla, Marília apresenta uma desigualdade social presente entre as Zonas Sul e Norte da cidade do Rio de Janeiro. A partir da cor da sua pele e de suas vestimentas, Marília foi estigmatizada pelas(os) vendedoras(es) como uma pessoa não pertencente ao mundo daquela loja. Morar na Zona Norte é outra experiência de cidade.

Considero um bairro muito bom [Bonsucesso], entretanto, hoje em dia, como eu tenho acesso a Zona Sul... eu vejo que é um bairro que falta cultura. Então, tem muito comércio, move muito dinheiro, mas falta cultura. Por exemplo, eu fui em Botafogo, [...] eu fui num teatro, coisa que ali não tem. Bonsucesso até tem um teatro, é um teatro público, só que ele funciona meio mal, é uma estrutura ruim, por causa, justamente, de ser público, estadual. A falta de financiamento.

(MARÍLIA).

Se falta acesso à cultura, falta cinema e teatro, e o que mais se vê e se ouve sobre

o bairro são notícias de violência. Apesar disso, Marília considera a incidência de

violência em Bonsucesso menor, quando comparada a outros bairros mais violentos.

(31)

“Porque, por exemplo, a gente vê, em outros bairros, assassinatos, muitos assaltos.

Bonsucesso é um bairro, assim, um pouco menos”. A questão é ainda mais complexa, pois Marília conta com sua percepção de moradora e a representação da televisão sobre seu bairro e a cidade como um todo. “Minha avó, ela fica muito preocupada com essa questão [violência], porque ela é uma pessoa que fica vendo muita televisão, então ela fica muito influenciada por aquilo que está na televisão”. Nesse sentido, as pessoas são informadas e “formadas” tanto por suas práticas no dia a dia da cidade, quanto por aquilo que elas veem e ouvem, principalmente, nas grandes mídias. “A televisão, jornais hoje em dia, eles passam muito assassinato, assalto, muita coisa e ficam com isso na cabeça.”

Ao passar horas do seu dia em frente à televisão, os brasileiros e as brasileiras concentram grande parte das suas experiências audiovisuais nesta plataforma midiática.

“O número de horas que os brasileiros passam diante de uma TV é bem alto e constitui uma dada experiência cultural e um determinado imaginário, ainda que muitas vezes de gosto e qualidade duvidosos” (NAPOLITANO, 2009, p. 25). Dados mais recentes apontam que

tanto durante a semana quanto nos finais de semana, os entrevistados [15.050 pessoas com mais de 16 anos de todo o país] veem, em média, de 3 a 4 horas de televisão por dia. Mais da metade dos entrevistados que assistem a TV disseram que confiam sempre ou muitas vezes nas notícias veiculadas por esse meio [...]. Quase 90% dos brasileiros se informam pela televisão sobre o que acontece no país, sendo que 63%

têm na TV o principal meio de informação. A internet está em segundo lugar, como meio preferido de 26% dos entrevistados e citada como uma das duas principais fontes de informação por 49%. (G1, 2017, não paginado).

Vejamos algumas características da TV e do rádio, segundo Chauí (2000, p.

425):

Os acontecimentos são relatados como se não tivessem causas

passadas nem efeitos futuros; surgem como pontos puramente atuais

ou presentes, sem continuidade no tempo, sem origem e sem

consequências; existem enquanto forem objetos de transmissão e

deixam de existir se não forem transmitidos. Paradoxalmente, rádio e

televisão podem oferecer-nos o mundo inteiro num instante, mas o

fazem de tal maneira que o mundo real desaparece, restando apenas

retalhos fragmentados de uma realidade desprovida de raiz no espaço

e no tempo. Nada sabemos, depois de termos tido a ilusão de que

fomos informados sobre tudo.

(32)

Assim, através dos noticiários a que assistimos cotidianamente, temos a ilusão de sermos informados(as). Entretanto, o que conhecemos são apenas fragmentos de uma realidade solta no espaço e no tempo, conforme explicitado pela educanda Marília:

A televisão tem mostrado a situação de Mariana [...]. Mas a gente tem muitas outras coisas que não são mostradas. Então, mostra “Ah, a situação de Mariana continua a mesma”, cinco minutos da matéria de jornal, só que o que essas pessoas estão passando não são só cinco minutos. São, tipo, 24 horas, todo dia. As pessoas perderam as casas, teve gente que perdeu família.

A descrição de Marília apresenta o que é veiculado pela televisão como algo fragmentado. Neste sentido, a televisão não apresenta integralmente a dimensão real do que aconteceu, mas apenas alguns recortes da realidade, num processo de construção de notícias atravessado por escolhas e seleções que sustentarão uma dada perspectiva. Esta, por sua vez, estará fundamentada em crenças e subjetividades pessoais, em disputas políticas e econômicas. A televisão ainda provoca outros efeitos em nossas mentes, como a “dispersão da atenção” e a “infantilização”.

Para atender aos interesses econômicos dos patrocinadores, a mídia divide a programação em blocos que duram de sete a dez minutos, cada bloco sendo interrompido pelos comerciais. Essa divisão do tempo nos leva a concentrar a atenção durante os sete ou dez minutos de programa e a desconcentrá-la durante as pausas para a publicidade.

Pouco a pouco, isso se torna um hábito. Artistas de teatro afirmam que, durante um espetáculo, sentem o público ficar desatento a cada sete minutos. Professores observam que seus alunos perdem a atenção a cada dez minutos e só voltam a se concentrar após uma pausa que dão a si mesmos, como se dividissem a aula em “programa” e

“comercial”. (CHAUÍ, 2000, p. 425-426).

Percebe-se, a partir da interação com a grade televisiva, uma transformação

cognitiva nas atividades de crianças e jovens. “Não conseguem ler mais do que sete a

dez minutos de cada vez, não conseguem suportar a ausência de imagens e ilustrações

no texto, não suportam a ideia de precisar ler ‘um livro inteiro’. A atenção e a

concentração, a capacidade de abstração intelectual e de exercício do pensamento foram

destruídas.” (CHAUÍ, 2000, p. 426). A televisão, como as grandes mídias, insere-se na

concepção de indústria cultural, “baseada na ideia e na prática do consumo de ‘produtos

culturais’ fabricados em série.” (CHAUÍ, 2000, p. 422). Ao transformar as obras de arte

em mercadorias, como tudo o que existe no capitalismo, as mídias passaram a vender

Cultura. “Para vendê-la, deve seduzir e agradar o consumidor. Para seduzi-lo e agradá-

(33)

lo, não pode chocá-lo, provocá-lo, fazê-lo pensar, fazê-lo ter informações novas que o perturbem, mas deve devolver-lhe, com nova aparência, o que ele já sabe, já viu, já fez.”

(CHAUÍ, 2000, p. 423). Nessa perspectiva, o objetivo das mídias não é problematizar o que se vê e o que se ouve. Elas buscam a “média” do senso comum cristalizado, empacotando as mesmas informações com cara de coisa nova. A indústria cultural define a Cultura como lazer e entretenimento, diversão e distração. Ao operar neste sentido, a indústria cultural retira das obras de arte e de pensamento o trabalho sensível, imaginativo, reflexivo e crítico, pois tais predicados não “vendem”. “Massificar é, assim, banalizar a expressão artística e intelectual. Em lugar de difundir e divulgar a Cultura, despertando interesse por ela, a indústria cultural realiza a vulgarização das artes e dos conhecimentos.” (CHAUÍ, 2000, p. 424). Aqui, a autora dialoga seus escritos com a Escola de Frankfurt, principalmente com os autores Adorno & Horkheimer (1985), vislumbrando a “indústria cultural” em uma perspectiva de produção de cultura em massa.

O Cineclube se coloca no lugar oposto da “indústria cultural”, buscando problematizar o uso do audiovisual e proporcionar aos estudantes um contato com as obras de maneira crítica. O papel do Cineclube é fazer com que o(a) estudante reflita criticamente sobre a realidade, utilizando os recursos e técnicas do audiovisual como processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos, principalmente das Ciências Humanas. Dessa forma, o Cineclube reivindica o filme como obra de arte e pensamento, com caráter estético e político.

Todo filme, ficção ou documentário, é resultado de um conjunto de seleções, escolhas, recortes, perspectivas, que envolve um leque de profissionais e de interesses comerciais, ideológicos e estéticos. Isso implica afirmar que todo filme documental não é a representação direta da realidade, e que todo filme ficcional não está desligado da sociedade que o produziu. O trabalho escolar com o cinema deve ter em vista esta natureza da representação e da encenação cinematográfica. (NAPOLITANO, 2009, p. 12).

Nesse sentido, trabalhar com cinema na escola é problematizar como a história é

contada pelo filme, indagando como os recortes fílmicos e as perspectivas foram

montadas e com qual intenção. Isso porque “um filme, ficcional ou documental, não se

resume ao seu tema (a história contada) ou ao texto verbal que veicula (na forma de

diálogos, narrações em off ou legendas).” (NAPOLITANO, 2009, p. 12-13).

(34)

O filme é um modo de compreender comportamentos, visões de mundo, valores, identidades e ideologias de uma sociedade. Um modo de lidar com essas representações é articular o contexto histórico e social que o produziu com um conjunto de elementos intrínsecos à própria linguagem cinematográfica (montagem, enquadramento, movimentos de câmera, iluminação, cor, etc.). (MARTINS, 2007, p.

3).

O propósito do Cineclube é justamente refletir sobre o filme como “produto cultural” que se encontra inscrito dentro de um “contexto sócio-histórico”. Assim, a imagem não reflete a realidade, mas ela a reconstrói através de uma linguagem própria (VANOYE, 1994).

Filme (ficção ou documentário) é uma construção sobre a realidade que articula palavra, som, imagem, movimento. Logo, filme não é reflexo do real, tampouco traduz a verdade dos fatos. Fruto de um imaginário (autor) que adquire determinada forma e que age sobre outros imaginários (espectador) o filme é um artefato que demanda análise interna e do contexto que o cerca cujos aspectos a serem selecionados é dado pelas questões de quem analisa. (MARTINS, 2007, p. 3).

O filme, visto como “produto cultural”, é fruto de escolhas de cineastas e equipe de produção, assim como a escolha dos filmes a serem exibidos nas sessões do Cineclube é de responsabilidade da coordenação e da equipe de execução do projeto.

Dessa forma, a escolha de cada filme foi pensada a partir do contexto de desenvolvimento do projeto, como descrito anteriormente. De maneira mais ampla,

o uso de filmes em sala de aula não tem como propósito a busca de correspondência entre fatos e representações imagéticas. Deve-se pensar que filmes são um modo pelo qual pessoas, no caso, cineastas, expressam suas ideias, concepções de mundo sobre temas, problemas da realidade, gerando um outro modo de conhecer que é dado através da maneira como as sociedades se produzem visualmente.

(MARTINS, 2007, p. 8).

O Cineclube busca trazer essa produção audiovisual para o interior da escola, problematizando cada filme selecionado a ser exibido. A escolha de cada filme passa, principalmente, pelo seu tema, buscando-se ampliar o olhar sobre a diversidade de produções audiovisuais.

Com essa postura de ampliar o acesso a outras linguagens audiovisuais,

trabalhou-se com o gênero documentário em duas sessões, uma vez que grande parte da

produção cinematográfica brasileira nasce influenciada pela linguagem televisual, em

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