C ÍR C U L O S D E L E T R A M E N T O S:
U M A P R Á T IC A D E T E R A P IA C U L T U R A L
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Francisco Silva Cavalcante junior
R E S U M O
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E s te tr a b a lh o a p r e s e n ta o s fo n d a m e n to s d o m o d e lo d e te r a p ia c u ltu r a l d e s e n v o lv id o p o r G e o r g e e L o u is e S p in d le r (1994) n o s E s ta d o s U n id o s e a s u a a p lic a ç ã o e m u m c o n te x to c u ltu r a l b r a s ile ir o , a tr a v é s d a p r á tic a d e C ír c u lo s d e L e tr a m e n to s c o m p r o fe s s o r e s d o e n s in o fu n d a m e n ta l d e u m m u n ic íp io c e a r e n s e . O s r e s u l-ta d o s p r e lim in a r e s d e s s a p r á tic a r e v e la m q u e o s p r o fe s s o r e s p a r tic ip a n te s d o s C ír c u lo s p a s s a m a c o m p r e e n d e r a d iv e r s id a d e d e s e u s a lu n o s , p lu r a liz a n d o e in c lu in d o o s s e u s m ú ltip lo s p o te n c ia is e r e c o n h e c e m a im p o r tâ n c ia d e u m a p r á tic a p e d a g ó g ic a v o lta d a p a r a o e n g r a n d e c im e n to d o s p o te n c ia is h u m a n o s .
P a la v r a s - c h a v e : L e tr a m e n to s - te r a p ia c u ltu r a l - c o n s c ie n tiz a ç ã o - p o te n c ia is h u m a n o s .
L ite r a c y c ir c le s : a c u ltu r a l th e r a p y p r a c tic e
A B S T R A C T
T h is p a p e r in tr o d u c e s th e flu n d a tio n s o f a c u ltu r a l th e r a p y m o d e l c r e a te d b y G e o r g e a n d L o u is e S p in d le r (1994) in th e U n ite d S ta te s a n d p r e s e n ts its a p p lic a tio n to a B r a z ilia n c u ltu r a l c o n te x t th r o u g h tb e p r a c tic e o / C ir c le s o f L ite r a c y w ith e le m e n ta r y s c h o o l te a c h e r s fto m a to w n in C e a r á . T h e p r e lim in a r y r e s u lts o f th is p r a c tic e r e v e a l th a t te a c h e r s p a r tic ip a tin g in th e s e C ir c le s s ta r t to u n d e r s ta n d th e d iv e r s ity o / th e ir s tu d e n ts , m a k in g p lu r a l a n d in c lu d in g th e ir m u ltip le p o te n tia ls a n d r e c o g n iz in g tb e im p o r ta n c e o f a p e d a g o g ic a l p r a c tic e th a t is e n h a n c in g o f h u m a n p o te n tia ls .
K e y w o r d s - L ite r a c y - c u ltu r a l th e r a p y - c o n s c io u s n e s s - h u m a n p o te n tia ls .
. Psicólogo. Mestre em Educação Especial e Ph.D. em Leitura e Escrita pela U n io e r s ity o fN e io H a m p s b ir e Apoio: C. · Pqt , Professor titular dos cursos de gradu,'çJo ernestrado em Psicologia da Universidade de Fortaleza - UNI FOR.
1 IN T R O D U Ç Ã O
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Enquanto pessoas que vivemos no mundo e com
de inreragimos, somos constantemente influenciados
por múltiplas culturas que estão, consciente e
inconscientemente, presentes em tudo que fazemos,
dizemos ou pensamos (cf Spindler e Spindler,
1994).
Visando trabalhar as influências culturais no
com porramento humano do dia-a-dia,
desenvolvemos não uma nova forma de terapia, mas
um jeito de caminhar diferente por um caminho já
existente. Optamos por chamar de
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C ír c u lo s d e L e tr a m e n to s o contexto para a nossa prática de terapiacultural. Essa prática é uma extensão das idéias de
Paulo Freire
(1970),
George e Louise Spindler(1989,
1994),
Trueba(1993)
e McOermott e Varenne(J 995). Nos Círculos de Letrarnentos, os participantes são convidados a compreender por que eles fazem o
que fazem nas suas vidas, trazendo a um nível de
consciência as suas próprias condições culturais e
históricas. Essa tomada de consciência os leva a uma
liberração das experiências opressivas e dominadoras,
promovendo uma conscientização dos seus próprios
valores culturais e a sua tolerância para com os
diferentes estilos de vida dos outros (Trueba, op. cit.).
Neste trabalho, apresentamos um breve
his-tórico e os fundamentos da terapia cultural;
relata-mos a nossa aplicação no contexto brasileiro através dos Clrculos de Letramentos; descrevemos uma
pri-meira experiência de sucesso com a prática da
tera-pia cultural com professores em um município
cearense e mostramos, nas falas das participantes de
um Círculo de Letrarnentos, os primeiros passos de
mudança.
2
B R E V E H IS T Ó R IC O D A T E R A P IA C U L T U R A LA construção do que hoje denominamos
te-rapia cultural teve o seu início em
1950
com otra-balho pioneiro do antropólogo americano George
Spindler. Há décadas estudando as culturas dosB lo o d ln d ia n s e dos M is ta s s in i C r e e H u n te r s no Canadá, em
1950
George Spindler foi convidado a fazer partede uma equipe para estudar a cultura educacional
do seu próprio país. Acostumado a observar a
cul-tura "estranha" (o outro), considerou um grande
desafio estudar a sua própria cultura (o familiar).
Com um diário de campo em mãos, George
Spindler se angustiou por não saber o que
obser-var. Passara dias mudando de uma sala de aula para
outra, numa escola de ensino fundamental,
obser-vando professores e alunos, mas não sabia o que
escrever sobre o que observava. O familiar lhe era
muito familiar. Naqueles dias, lembrou-se de uma
frase de Margaret Mead, que uma vez disse: S e u m p e ix e s e to r n a s s e u m a n tr o p ó lo g o , a ú ltim a c o is a q u e
e le d e s c o b r ir ia s e r ia a á g u a (a p u d Spindler e Spindler,
1982,
p.24).
Ele se sentia um peixeame-ricano. A última coisa que veria nas suas
observa-ções seriam os valores culturais da sua própria
cul-tura e como estes se apresentavam nas salas de aula.
Com o passar dos meses, o seu caderno de campo,
que até então estava limpo de observações,
come-çou a ser preenchido com "fenômenos culturais"
que foram dando forma a sua pesquisa. O
proces-so de tradução cultural do familiar para o estranho
e de volta ao familiar começou a acontecer.
Numa das suas observações, George Spindler
conheceu o professor Roger Harker, que ensinava a
quarta série do ensino fundamental na escola onde
desenvolvia a sua pesquisa. Roger se voluntariou '
para fazer parte do trabalho de George Spindler, pois
desejava aprimorar a sua capacidade profissional.
Numa tarde de observação, um fenômeno
começou a emergir e a sala de aula de Roger
Harker' ganhou uma vida antropológica. Aos olhos de George Spindler, o professor Roger
interagia de forma diferente com vários alunos na
sua sala, justamente aqueles que representavam uma
classe social diferente das dos outros alunos. A
par-tir de algumas observações de Spindler sobre o
com-portamento de Roger - como o balançar de sua
cabeça, sorrisos, piscar de olhos, postura,
envolvimento em sala, tom de voz, incentivos,
freqüência de aproximação dos alunos, entre
ou-tras - evidenciou-se que Roger estava
privilegian-do aqueles alunos que eram as suas c ó p ia s c u ltu r a is
D esse esrudo somente p ro fesso res v o lu n tá rio s p o d ia m fazer p~lrre.
(branco, classe média e alta) em prejuízo daqueles
que lhe eram diferentes, ou de uma forma sutil,
opostos a ele e a sua cultura.
O professor Roger não conseguia perceber a
forma diferenciada como estava agindo com os seus
alunos. Na verdade, sentia orgulho de ser "justo" com todos eles, aberto aos seus problemas, sem
fa-voritismos. Era considerado pelos diretores da
esco-la um dos melhores professores.
Como parte do trabalho de George Spindler,
cabia-lhe a responsabilidade de compartilhar com o
professor Roger as suas observações. Estava claro,
nas observações do pesquisador, que Roger estava
representando os seus preconceitos e expectativas culturais, favorecendo uns em detrimento de
ou-tros. O primeiro encontro com o pesquisador
dei-xou Roger muito mal-hurnorado. Ele não
acredita-va que todo o seu ideal de ensino estava sendo
destruído pelo seu comportamento em sala de aula.
Mesmo com medo, permitiu-se dialogar durante
vários encontros com o pesquisador e usufruir ao
máximo da oportunidade de mudança que lhe
esta-va sendo apresentada. Terminou aceitando a sua
ten-denciosidade não intencional em sala de aula. Isso
lhe permitiu não só compreender a fonte geradora
desse viés, como também aprender a não se culpar
pelo seu comportamento. Não se tratava de um
pro-blema da "personalidade" do professor; tratava-se de
um assunto profissional, que estava sendo
influen-ciado por sua cultura e que, conseqüentemente,
in-fluenciava as percepções que tinha dos seus alunos e o seu comportamento em sala de aula. Ao final de
seis meses de trabalho com George Spindler, o
pro-fessor Roger Harker aprendeu a conviver com a
di-versidade de alunos em sua sala de aula e assim
nas-cia a terapia cultural.
A primeira menção à terapia cultural foi feita
em Srindler (1959), resultado da pesquisa
desen-volvida pelo autor com Roger Harker e vários
ou-tros professores, em que o estudo de caso
apresenta-do acima é descrito e analisaapresenta-do detalhadamente.
Quarenta anos depois, o trabalho de George
Spindler é reconhecido e aplicado
internacionalmen-te (cf Spindler e Spindler, 1994). No decorrer da
sua carreira construída com a sua esposa e também
antropóloga Louise Spindler, foram publicados
de-zenas de livros e centenas de artigos sobre os mais diversos temas da antropologia cultural. No
entan-16
to, entre todos esses temas, a terapia cultural é
con-siderada a grande contribuição desses pesquisadores
para as próximas gerações. Um outro renomado
estudioso da terapia cultural, o antropólogo Henry
Trueba (1994), lembra-nos que "a terapia cultural é
visionária e preventiva ao centrar o seu foco de aten-ção na necessidade de cura. Sim, a humanidade
in-teira precisa se curar das suas múltiplas feridas,
con-flitos e contradições e a forma de se alcançar essa
cura é através de uma melhor compreensão da
na-tureza das culturas locais e das relações interpessoais"
(p. vii). Esse mesmo autor pergunta:
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s e r á q u e a lg u é m r e a lm e n te q u e s tio n a r ia a n e c e s s id a d e u n iv e r s a l d e c u r a ?(p. vii). As histórias do cotidiano nos mostram a
crueldade, a guerra, o ódio, os conflitos que
divi-dem nações, regiões, estados, cidades e pessoas. Elas
revelam as feridas e o sofrimento de muitos.
A condição s in e q u a n o n para a cura das feri-das causaferi-das pelo racismo, preconceito e
intolerân-cia consiste na compreensão de como a linguagem e a cultura exercem uma forte influência na
cons-trução do sujeito que nos tornamos. A
contribui-ção da terapia cultural para a cura da humanidade
está na promoção, através de um processo de
conscientização, da libertação das experiências
opres-sivas e dominadoras, tornando explícitos os valores
culturais de cada sujeito. Assim, esse processo pode
promover a tolerância para com os diferentes estilos
de vida dos sujeitos contemporâneos, ajudando a
construir sociedades onde iguais e diferentes
convi-verão juntos sem julgamentos.
VUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
3
F U N D A M E N T O S
D E U M A T E R A
-P I A C U L T U R A L
O processo de terapia cultural criado por
George e Louise Spindler (1989, 1994) para
promo-ver a conscientizaçâo cultural guarda semelhanças com
o método desenvolvido por Paulo Freire (1970) para
a tomada de consciência. Como Paulo Freire, George
e Louise Spindler acreditam que para que se consiga
ser humano e livre é necessário, primeiro, se
com-preender a sua cultura erma e as condições
históri-cas pessoais. Esse mé odo urge a partir do processo
que Freire denomino co cienrização. Como
pes-soas no-e-com o fi O .o eres humanos e o
mesma forma que uma mão toca a outra. A
compre-ensão dessa transação pessoa-mundo é o que
aconte-ce no proaconte-cesso deconscienrização, que faz com que a pessoa desenvolva uma consciência crítica em
rela-ção ao seu mundo. A formarela-ção de uma consciência
crítica leva a uma libertação de uma cultura
domi-nante, conseguida como resultado da práxis, que
"im-plica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo
para rransformá-lo" (Freire, 1970, p. 67).
Enq uanto o método de Paulo Freire é
centrado na promoção da conscientização dos oprimidos, o processo de terapia cultural criado
por George e Louise Spindler vem sendo
aplica-do com pessoas em posições de poder (e.g.:
pro-fessores) na relação com indivíduos de grupos
minoritários ou de outros grupos historicamente
em desvantagem. De um mesmo grupo de
tera-pia cultural participam o que Paulo Freire
deno-minou oprimidos e opressores, através da
consti-tuição de um grupo o mais heterogêneo possível,
representante dos dois lados de uma mesma
mo-eda. Portanto, a terapia cultural se torna
comple-mentar ao processo de conscientização.
Confor-me diz Marcelo Suárez-Orozco (1992), ela é o
"outro lado da moeda no método de Freire para
'promover a coriscientizaçâo' dos oprimidos" (p.
50-51). George e Louise Spindler (1989) também
reconhecem as semelhanças dos dois processos que
visam à conscientização das pessoas neles
envolvi-dos: "esse processo envolve um tipo de promoção
de consciência parecido com a 'conscientização' de Paulo Freire" (p. 41).
Uma primeira definição do que venha a ser a
terapia cultural desenvolvida por George e Louise
Spindler é apresentada pelos autores como sendo:
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u m p r o c e s s o q u e tr a z a c u ltu r a d e u m a p e s s o a , n a s
s u a s m ú ltip la s fo r m a s - c r e n ç a s , p r e c o n c e ito s , a s p
i-r a ç õ e s , v a lo i-r e s e m o d o s d e c o m u n ic a ç ã o - a u m n
í-v e l d e c o n s c iê n c ia q u e p e r m ita a u m a p e s s o a
p e r c e b ê - I a c o m o u m a fo r te te n d ê n c ia q u e in flu e n
-c ia n a s u a in te r a ç ã o s o -c ia l e n a a q u is iç ã o o u tr a n s
-m is s ã o d e h a b ilid a d e s e c o n h e c im e n to s - o q u e m a is
ta r d e c h a m a m o s d e " c o m p e tê n c ia s in s tr u m e n ta is " .
A o m e s m o te m p o q u e a c u ltu r a d e u m a p e s s o a é tr a z id a a e s s e n ív e l d e c o n s c iê n c ia , e la é v is ta e m r e la ç ã o àc u ltu r a d o " o u tr o ': fa c ilita n d o a id e n
ti-fic a ç ã o d e p o te n c ia is c o n flito s , m a l e n te n d id o s e
p o n to s c e g o s " n a p e r c e p ç ã o e in te r p r e ta ç ã o d e c o m
-- ~I~VO
p o r ta m e n to s . A c u ltu r a d e u m a p e s s o a , b e m c o m o
a c u ltu r a d o o u tr o , s e to r n a m u m a " te r c e ir a p r e
-s e n ç a ': d is ta n te d e a lg u m a fo r m a d a p e s s o a , p a r a
q u e a s s u a s a ç õ e s p o s s a m s e r c o m p r e e n d id a s c o m o
s e n d o " c a u s a d a s 'í p e la c u ltu r a e p e la in te r a ç ã o c o m
o " o u tr o " e n ã o p e la p e r s o n a lid a d e d e u m a p e s s o a .
( S p in d le r e S p in d le r ,
1994,
p .4-5)
O processo de terapia cultural tem sido
aplica-do em diferentes contextos. Na educação, vem senaplica-do
utilizado, por exemplo, para investigar o papel da
cultura e da bagagem social na determinação de
opor-tunidades de sucesso na sala de aula (Schram, 1994,
1998), para estudar a cultura escolar como uma
di-mensão essencial que pode bloquear ou promover
mudanças (Finnan, 1994), para estudar os processos
educacionais em creches no Japão e nos Estados
Uni-dos (Fujita e Sano, 1988) e como um processo
terapêutico aplicado à escola, à comunidade e ao lar
(Trueba, 1993). Dentro desse contexto maior, a
te r a p ia c u ltu r a l n o s p e r m ite te r u m a c o m p r e
-e n s ã o h o lís tic a d o p o r q u e a s p e s s o a s fa z e m o
q u e e la s fa z e m , e c o m o e la s in te r p r e ta m c o m
-p o r ta m e n to s n o c o n v ív io u m c o m o u tr o e e n tr e
g r u p o s . A p r e m is s a b á s ic a d a te r a p ia c u ltu r a l é
q u e e la p r o m o v e a c o n s c ie n tiz a ç ã o d o s n o s s o s
p r ó p r io s v a lo r e s c u ltu r a is e a n o s s a to le r â n c ia
p a r a c o m o s e s tilo s d e v id a d o s o u tr o s . ( T r u e b a ,
o p . c it., p . 1 5 5 )
O modelo de terapia cultural concebido por
George e Louise Spindler invoca componentes
psi-cológicos, muito embora estes não sejam o centro
do processo. Em vez disso, o centro é a "cultura da
pessoa e a forma como essa cultura influencia nos
seus relacionamentos" (Spindler e Spindler, 1994,
p. 4). Um dos seus exemplos clássicos de terapia
cultural aplicado à educação é o caso de Roger
Harker, apresentado anteriormente.
Culturalmen-te falando, o que emergiu de significativo nesse
estudo dos Spindlers foi como a bagagem
histó-rico-cultural de Roger - uma pessoa de classe
média alta, branco, protestante - exercia um
for-te impacto sobre a sua performance em sala de
aula. A terapia cultural, no caso de Roger Harker,
o ajudou a tornar-se consciente dos preconceitos
que levara para a sua sala de aula e que tiveram
um efeito imediato sobre o seu comportamento e
Precisamos ter muita cautela ao usarmos a
palavra "terapia" pelas múltiplas interpretações que a
ela são associadas. George e Louise Spindler (1994)
nos advertem que "o que estamos fazendo nem sempre
poderá ser denominado explicitamente de "terapia
cultural". Existem perigos nesse rótulo. As pessoas se
negarr. a fazer terapia quando acham que não estão
doentes. E, freqüentemente, os mais doentes são
aqueles que se opõem mais firmemente" (p. 324).
Para os Spindlers, a pergunta de quando a 'terapia
cultural' termina e quando a psicoterapia começa tem
uma resposta bastante clara: "quando os problemas
ihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
p e s s o a is sobrepujarem os problemas c u ltu r a is " (1994, p. 324-325). A distinção entre o pessoal e o cultural
pode, algumas vezes, ser difícil de ser discernida.
Conforme disse o filósofo francês Merleau-Ponry
(1968), o espaço que separa a pessoa e a cultura é
como o ar que separa uma mão que toca a outra. É muito difícil saber qual mão está tocando a outra. A
inreraçâo da pessoa com o mundo é o que
Merleau-Po nry chamou de relação "intermundana"
(linterrnonde), muito semelhante, talvez, à noção
de Freire (1970) da pessoa no-e-com o mundo.
Por essa e outras razões, optamos por chamar de Círculos de Letramentos a nossa prática de
tera-pia cultural, desenvolvida através do Método
(Con ltexro de Lerrarnenros Múltiplos (Cavalcante Jr., 1998; CavalcanteJr. e Pereira, 1998).
4
VUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O
M É T O D O
(C O N )T E X T O
D E
L E T R A M E N T O S M Ú L T IP L O S
Num Círculo de Letramentos, os
participan-tes são convidados a compreender por que eles
fa-zem o que fafa-zem nas suas vidas, trazendo a um nível
de consciência as suas próprias condições culturais
e históricas. Essa tomada de consciência leva-os a
uma libertação das experiências opressivas e
dominadoras que tolheram os seus múltiplos
po-tenciais, promovendo uma conscientizaçâo dos seus
próprios valores culturais e a sua tolerância para com
os diferentes jeitos de ser das muitas pessoas com
quem convivem nos seus encontros diários.
Contudo, somente a tomada de consciência
do porquê de os participantes fazerem o que fazem
nas suas vidas não é suficiente para sustentar um
processo de conscientização em um Círculo de
18
Lerrarnentos. Eles precisam se sentir autores do
pro-cesso de transformação da consciência em ação. Para
que essa transição aconteça, eles precisam tirar de
dentro deles as ferramentas que já existem e que
permitirão que as suas idéias e sentimentos sejam
expressados. Diferentemente da experiência vivida
por muitos na educação tradicional, nos Círculos
de Letramentos, aos participantes não se dizem quais
ferramentas utilizar, nem como utilizá-Ias. A eles é
pedido apenas que resgatem uma ferramenta de
den-tro de si que seja capaz de expressar as suas idéias e
sentimentos com prazer. Esse método encoraja o
. . .
partlClpante a se comunicar e se expressar com suas
ferramentas intrínsecas.
Nos Círculos de Letramentos, os
participan-tes partilham as ferramentas que trazem consigo,
aquelas que há muito tempo já existiam dentro de
si, mas que não haviam encontrado ainda um
espa-ço seguro para serem mostradas.
É
muito comumque muitas dessas ferramentas tenham sido, um dia, desvalorizadas ou relegadas ao esquecimento.
es-ses momentos de opressão, o poeta emergente viu
os seus versos rasgados; o dançarino, a sua
sexuali-dade questionada; o pintor, a sua arte
desvaloriza-da. Assim, muitos se calaram e se recolheram ao
anonimato. Nos Círculos de Lerrarnenros, os
parti-cipantes encontram um espaço seguro para se
reve-lar sem medo de serem julgados. Nesses grupos, um
poeta descobre que a sua poesia tem o mesmo valor
de uma pintura trazida por seu colega pintor. O
pin-tor descobre que a sua arte vale tanto quanto a
crônica da sua amiga escritora. A cantora compõe
uma música com o seu amigo ator. Esses
momen-tos, além de serem terapêuticos, trazem crescimen-to para os participantes.
A prática da terapia cultural nos Círculos
de Lerrarnentos é a representação da vida em cul-tura (cf. McOermon e Varenne, 1995), onde as
pessoas partilham as suas múltiplas ferramentas
de leitura e composição de mundo. A
representa-ção do mundo em que elas vivem é poliforme e
multiletrada. esses círculos, os participantes
des-cobrem que existem múltiplas formas de
repre-sentação do mundo (poliforrna) e muitas
ferra-mentas (l e r r a rn e n to s múltiplos) a serem
escolhidas. O processo de terapia cultural se
tor-na um produto da aprendizagem da leitura e
com-posição de mundo, de modo que os participantes
utilizem as múltiplas ferramentas partilhadas no
grupo, que darão uma nova forma a cada pessoa
participante do processo.
O conceito de letramenros que estarnos aqui
apresentando defende que não existe somente uma
única forma de ser letrado em um determinado
con-texto cultural. Ser letrado é ser capaz de usar as
múltiplas ferramentas disponíveis para se ler e
com-por o mundo, aprendendo a dar o mesmo valor às
múltiplas formas de representação das nossas
res-postas ao mundo.
A vida em cultura deve ser inclusiva da
diver-sidade dos potenciais humanos. Ao se referir à
cul-tura brasileira, o sociólogo Gilberto Freyre (apud
Lopes, 1994) é enfático ao dizer que:
ihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o B r a s il n ã o s e d e fin e , c o m o c u ltu r a , a p e n a s p e lo s
d is c u r s o s p r o n u n c ia d o s n a s s u a s a c a d e m ia s d e le
-tr a s , d e filo s o fia e d e c iê n c ia s o u n a s s u a s u n iv e r
-s id a d e -s . D e fin e - s e ta m b é m p e la s e s tó r ia s c o n ta
-d a s e m p o r tu g u ê s e s p o n tâ n e o , r ú s tic o , r u d e , p o r é m
e x p r e s s iv o . P o r c a n tig a s ta m b é m e s p o n tâ n e a s : c a n
-to s d e a n a lfo b e -to s a té . P e la s u a s a b e d o r ia p o p u la r
m a n ife s ta d a , p o r v e z e s , d e m o d o s u r p r e e n d e n te
-m e n te in tu itiv o e im a g in a tiv o . ( p . x ix )
Das bocas, mãos e gesros de pessoas comuns
são produzidas obras de grande sabedoria. Foram
es-tórias contadas e representadas por pessoas comuns
que construíram muitas das obras-primas universais.
No entanto, ainda são poucas as pessoas comuns que
encontram espaço para dar as suas respostas ao
mun-do por elas vivimun-do, representanmun-do as suas idéias e sen-rimemos através das suas múltiplas formas
intrínse-cas de comunicação e expressão. Para essas pessoas
comuns, os Círculos de Letrarnentos servem de
espa-ço para o cultivo dos seus múltiplos potenciais,
valo-rizando, sem julgamentos, tudo o que são e sabem.
5
VUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P R O F E S S O R E S E M C ÍR C U L O S D E L E T R A M E N T O SUma primeira experiência de aplicação dos
Círculos de Letrarnentos vem sendo por nós
coorde-nada no município de Itapajé, no norte do estado do
Ceará, desde fevereiro de 1998. Naquele ano, 30
professore(a)s do ensino fundamental do sistema de
educação pública desse município foram selecionados
para participar de um curso com a duração de 32
horas/aula, no qual vivenciaram e estudaram os
fun-damentos do Método (Conltexto de Lerrarnentos
Múltiplos. Dos 30 participantes, numa segunda
fase, 7 se voluntariararn para a continuação da di-fusão do método nas escolas e na comunidade de Itapajé. Essas 7 professoras foram acompanhadas
por nossa equipe durante todo o ano de 1998,
atra-vés de treinamentos em serviço e encontros
men-sais, momentos nos quais os seus anseios, dúvidas
e idéias encontraram um fórum aberto para serem
partilhados.
No início de 1999, essas 7 professoras se
con-sideraram e m p o d e r a d a s ' para assumir um novo desafio através da constituição dos seus próprios
Círculos de Lerramentos, que, em diferentes
lo-cais no município, servem a alunos em idade
esco-lar, adultos que nunca freqüentaram a escola ou
deixaram de estudar, pais e mães de alunos e pro-fessores.
Para Angelane, aconstituição do seu próprio Círculo de Letramentos represenrou um marco no
seu processo de desenvolvimento pessoal e
profissi-onal. Segundo ela, a sua prática enquanto tutora de
um Círculo de Letramentos permitirá às pessoas da
comunidade entrarem em contato com os livros.
"Será o momento em que a escola irá até à
comuni-dade", relata a professora. O resultado do trabalho
"já estou vendo", disse ela, "rodos da comunidade
se tornando leitores e, conseqüentemente, pessoas
mais conscientes". A existência de um Círculo de
Letrarnenros fora da escola "certamente transformará
o modo de pensar e agir da nossa comunidade",
partilhou Angelane.
A decisão de se tornar uma tutora de
letramentos aconteceu por completa adesão e
vonta-de das participantes. "Hoje sou tutora de letrarnenro
por escolha própria", disse Luzineide, "optei por de-fender, levar adiante, repassar para outras pessoas este curso tão indispensável que nos mostra o prazer de
sermos agente transformador da 'nossa' educação."
A primeira e única regra presente em um
Cír-culo de Letramentos é a de que os participantes
po-dem expressar os seus pensamentos, idéias e
senti-mentos sem medo de ser julgados negativamente
pelos outros participantes do grupo. Podemos dizer
que esse é um contrato que é feito pelos membros
do círculo, nos primeiros minutos do primeiro
en-contro, e que assume a simples regra de uma vivência
"sem julgamentos".
Através de uma auto-avaliação escrita dos seus
próprios processos de formação em um Círculo de
Letramentos, as professoras de Itapajé apresentaram
os principais frutos colhidos nos primeiros 18 meses de envolvimento com esse projeto no seu município.
Apresentamos abaixo alguns recortes de suas falas
se-guidos de reflexões teóricas que nos ajudam a
funda-mentar o modelo de terapia cultural que praticamos
com a formação de Círculos de Letramentos.
6
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V A L O R IZ A Ç Ã O D A S D IF E R E N Ç A SH U M A N A S
o
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fr u to m a is p r e c io s o , d e n tr e o s m u ito s q u e p u d e c o lh e r c o m o le tr a m e n to , fo i o lh a r ev e r a s p e s s o a s d e fo r m a d ife r e n te , " s e m ju lg a m e n to s " , s e m p r e c o n c e ito , a c r e d ita n d o
q u e to d o m u n d o é c a p a z d e d e m o n s tr a r e c o n q u is ta r s e u e s p a ç o e s e u v a lo r . ( M a r c iz a )
A té o s d ia s d e h o je , a s o c ie d a d e v a lo r iz a e c o lo c a e m d e g r a u s s u p e r io r e s a s p e s s o a s q u e s ã o p o r ta d o r a s d e in te lig ê n c ia s m a te m á tic a s , o u s e ja , d a s c iê n c ia s e x a ta s . C o m c e r te z a , e s s a s p e s s o a s p o s s u e m u m a in te lig ê n c ia d ife r e n te , m a s c o m o q u e a p r e n d i n o le tr a m e n to e a g o r a d e fe n d o a té a m o r te , é q u e e la s n ã o s ã o d e m a n e ir a n e n h u m a m a is in te lig e n te s o u m a is ta le n to s a s d o q u e o s p o e ta s , o s d a n ç a r in o s , o sjo g a d o r e s d e fu te b o l, o s c o m p o s ito r e s , o s a r te s ã o s o u q u a lq u e r o u tr a p e s s o a ; a p e n a s p o s s u e m ta le n to s e le tr a m e n to s
d ife r e n te s . ( M a r c iz a )
A c a d a e n c o n tr o fo m o s d e s c o b r in d o q u e c a d a u m d e n ó s tin h a u m n ív e l d e le tr a m e n to d ife r e n te u m d o o u tr o , m a s c o m o a ú n ic a r e g r a e r a s e m ju lg a m e n to s , to d o s n ó s c o m p a r tilh á v a m o s n o s
-s a -s e m o ç õ e -s , n o -s -s a -s v iv ê n c ia -s , c o m u m a r e la ç ã o d e r e s p e ito a o s a b e r d e c a d a u m . ( J a n e )
20
As falas das professoras que apresentamos acima destacam a valorização das diferenças humanas como
uma das importantes aprendizagens vividas por elas
nos Círculos de Letramenros. Nesses grupos, iguais e
diferentes convivem juntos, independentemente de
classe social, idade ou nível de escolaridade. Todos
en-contram um espaço convidativo para a partilha de seus
conhecimentos e de experiências. Sempre que
possí-vel, os Círculos de Letrarnentos devem ser
constituí-dos por um grupo heterogêneo de pessoas (homens e
mulheres; jovens e adultos; graduados e não
gradua-dos), em que cada pessoa tem a mesma eqüidade de
valor, o não quer dizer, como o nome "eqüidade"
su-gere, que todas sejam iguais. Em um Círculo de
Letramentos os participantes aprendem com as
dife-renças e aprendem a valorizar uns aos outros.
7
P L U R A L IZ A Ç Ã O E IN C L U S Ã O D O S P O T E N C IA IS H U M A N O So
le tr a m e n to m e d e u e s te .fr u to p r e c io s o d e v e r a s p e s s o a s d e u m a ó tic a d ife r e n te , m e fe z u ê -la s c o m o e la s s ã o r e a lm e n te : ta le n to s a s , h a b ilid o s a s e m ú ltip la s . ( M a r c iz a )E u d a v a p o u c a im p o r tâ n c ia a o u tr o s tip o s d e le tr a m e n to s , d e o u tr a s h a b ilid a d e s , d e o u tr o s ta -le n to s o u d e q u a lq u e r o u tr o tip o d e c o n h e c im e n to a d q u ir id o fo r a d a e s c o la . P o d e s e d iz e r q u e e u e r a c o m o a g r a n d e m a io r ia d o s e d u c a d o r e s q u e s ó v a lo r iz a m o s a b e r s is te m á tic o , o s a b e r c ie n tífic o . T a lv e z is s o a in d a s e ja r e s q u íc io d a e p is te m o lo g ia d o c o n h e c im e n to d e D e s c a r te s . ( M a r c iz a ) Na experiência dessas professoras, a singularidade
cedeu espaço para a pluralidade, começando por elas
mesmas, descobriram que os seres humanos são dotados
de múltiplos potenciais, talentos e formas de expressão.
Os encontros no Círculo de Lerramenros visam à
pro-moção da consciência de uma prática social que seja
in-clusiva de todas as pessoas e de todas as formas de
comu-nicação e expressão. A compreensão da pluralidade
humana é crucial para que descubramos potenciais hu-manos. Além de plurais. reci.samo er democráticos,
criando oportunidades isuais para que pessoas
demons-trem o que elas são e sabem ou raramente os seus
poten-ciais serão reconh . Os humanos precisam de
espaço e de tempo
8 P R
Á T IC A L IB E R T A D O R A
E E N G R A N
-D E C E -D O R A
ihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P r e c is á v a m o s d e u m e s p a ç o p a r a a b r ir o s n o s s o s c o r a ç õ e s efa la r m o s d o s n o s s o s m e d o s : m e d o d e e r r a r , m e d o d o n o v o ; im p o s s ív e l e r r a r n a q u ilo q u e já c o n h e c e m o s . A tim id e z ? N ã o s e i, ta lv e z s e ja
in s e g u r a n ç a .
yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O
le tr a m e n to v e io p a r a la v a r a s n o s s a s a lm a s e tr a z e r -n o s p a z ; p a z e m tu d o q u e fa z e m o s es e n tim o s . S o m o s p r o fe s s o r e s e p r in c ip a lm e n te g e n te . N o s s o s e r r o s c o n d u z e m -n o s a u m a p r e n d iz a d o m a io r c o m b a s e s s ó lid a s . (L u z in e id e )
A o fic in a n ã o a p e n a s p r o p o r c io n o u o m e u r e s g a te p e la le itu r a e e s c r ita , m e fe z v e r c o m o e u e s ta v a tr a b a lh a n d o e m s a la d e a u la . A p a r tir d e s s a r e fle x ã o , a s a u la s fo r a m m a is d in â m ic a s , s e m p r e p r o c u r a n d o m a n te r u m a m b ie n te p r o p íc io p a r a o p r a z e r d e le itu r a e e s c r ita . P r o c u r o o u v ir c a d a h is tó r ia d e v id a d a s c r ia n ç a s e d a r s e n tid o e v a lo r iz a ç ã o d o s e u 'e u '~ p a r a s e to r n a r e m c o m p o s ito r a s e r e c o m p o s ito r a s d e
m u n d o . ( fa n e )
... tr a b a lh a n d o o le tr a m e n to e m s a la d e a u la , o s a lu n o s tê m a o p o r tu n id a d e d e c r ia r e r e c r ia r o c o n h e c im e n to . (A n g e la n e )
Livrar-se de condições opressivas, compreendendo
por que agimos como agimos em nossasvidas,são objetivos
da terapia cultural. Como ressalta Luzineide na fala acima,
"precisávamosde wn espaço para abrir os nossos corações e falarmos dos nossos medos". Através da verbalização dos
medos e da superação de momentos opressivos, os
participantes de um Círculo de Letramentos abrem portas para a emergência de potenciais dormentes. Essespotenciais
podem ser expressos através de múltiplas formas de
comunicação e expressão (poesia, pintura, colagem, dramatização, crônicas, música, dentre outras), wna forma
que permita a liberdade de expressão do ser, dando-lhe voz
e vez. Para que essa emergência de potenciais aconteça, necessário se faz ressaltar a importância da regra básica e
única do "sem julgamentos". Com essa condição presente,
os participantes se sentem livres para expressar suas idéias, talentos e sentimentos sem medos de serem julgados de
forma desconstrutiva.
Sentindo-se capazes de revelar completamente
quem são e o que sabem, os participantes de um grupo
de terapia cultural sentem-se mudados como pessoas,
sentem que têm mais valor, tornam-se mais
indepen-dentes, mais solidários com os outros e, além disso,
de-senvolvem em si uma vontade de transformar.
9 C O N S ID E R A Ç Õ E S F IN A IS
Concluímos este trabalho com uma canção
composta por José Williams da Silva, um dos
pro-fessores do município de Itapajé. Nesta canção, intitulada "Letrarnento: já sonhara com esta idéia",
ele canta as mudanças vividas:
E u v o u fa la r d o q u e a p r e n d i d o le tr a m e n to
S e n ti u m a e m o ç ã o a o v e r e n s in a d a e s ta e d u c a ç ã o
F a la r e e s c r e v e r o q u e p e n s a r s e m ju lg a m e n to s
P e r m itiu e u d e m o n s tr a r o s m e u s ta le n to s
N o in íc io d a q u e la s a u la s q u e m e fiz e r a m p e n s a r a s s im
A té im a g in e i m e c o m p o r ta r d o je ito q u e e u e r a a n te s :
A c h a r q u e s ó é c e r to d iz e r p a la v r a s p o r a lg u é m já d ita s
M a s fiz o q u e s o n h e i n a m in h a v id a
E u s e i q u e le r e e s c r e v e r s ã o a ç õ e s q u e fa z e m c r e s c e r
F a z e n d o tu d o c o m p r a z e r s e m te r n in g u é m p a r a ju lg a r
E r a o q u e e u s e m p r e q u e r ia n a m in h a v id a
P a s s e i a d a r v a lo r m a is d o q u e n u n c a a m e u s p e n -s a m e n to -s
E e x p o r o q u e e u q u is e r d e a c o r d o c o m m in h a im a -g in a ç ã o
E a g o r a s e m te r m e d o fa ç o o q u e e u m a is q u e r ia :
F a z e r o q u e s o n h e i n a m in h a v id a
E u s e i q u e le r e e s c r e v e r s ã o a ç õ e s q u e fa z e m c r e s c e r
F a z e n d o tu d o c o m p r a z e r s e m te r n in g u é m p a r a ju lg a r
E r a o q u e e u s e m p r e q u e r ia n a m in h a v id a . A vivência de wna terapia cultural nos Círculos de
Letramentos é wn convite à mudança pessoal, que, por
extensão, pode promover uma mudança social.O processo
de mudança, como nos lembra Geertz (1995),
aparentemente não é wn desfile que possa ser assistido
enquanro ele passa (p. 4). A vontade de mudar precisa ser
sentida e vivida por cada participante de um Círculo de
Letramentos, que 'juntamente com seus colegas'partilham
juntos as múltiplas ferramentas que possam esculpir wn
novo jeito de ser e de lidar com realidades antigas.
O tempo de mudança varia de pessoa para
pes-soa. A riqueza de uma vivência grupal como a que
des-crevemos neste trabalho consiste na constante troca de
ferramentas que são trazidas de forma singular por cada
participante. No processo de partilha das suas
ferra-mentas, um participante se sente motivado a esculpir
o seu mundo com a ferramenta do seu colega,
cantan-do, desenhancantan-do, escrevendo ... , aplicando-a a sua vida
pessoal e ao seu contexto cultural, desencadeando um
conjunto de mudanças, que saem do âmbito pessoal e
assumem o caráter de mudança social.
VUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
R E F E RÊ N C IA S B IB L IO G R Á F IC A S
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