Profª Neusa
Travessia mítica em Sagarana
Guimarães
Rosa
3ª fase do Modernismo = Geração de 45
Regionalismo = Sertão (MG)
Universalismo = Mundo
+
Invenção da linguagem = Recriação da linguagem sertaneja / Prosa poética
“Para poder ser feiticeiro da palavra, para estudar a alquimia do sangue do coração humano é preciso provir do sertão.” (G. R.)
Realidade
geográfica, social e política
Realidade psicológica e
mítica
Um chamado João
João era fabulista fabuloso
fábula?
Sertão místico disparando no exílio da linguagem comum?
Projetava na gravatinha a quinta face das coisas
inenarrável narrada?
Um estranho chamado João para disfarçar, para farçar o que não ousamos compreender?
Drummond
Digo: o real não está na saída nem na
chegada: ele se dispõe para a gente é no
meio da travessia
Guimarães Rosa
Mito
O material do mito é o material da nossa vida, do nosso corpo, do nosso ambiente; e uma mitologia viva, vital, lida com tudo isso nos termos que se mostram mais adequados à natureza do conhecimento da época.
(...)
Entrar em harmonia e sintonia com o universo, e permanecer neste estado, é a principal função da mitologia.
(Joseph Campbell)
“Levo o sertão
dentro de mim e o mundo no qual vivo
é também o sertão”.
(G. R.)
Sagarana
1- O burrinho pedrês
2- Traços biográficos de Lalino Salãthiel ou A volta do marido pródigo
3- Sarapalha 4- Duelo
5- Minha gente 6- São Marcos
7- Corpo fechado 8- Conversa de bois
9- A hora e a vez de Augusto Matraga
Galhudos, gaiolos, estrelos, espácios, combucos, cubetos, lobunos, lompardos, caldeiros, cambraias, chamurros, churriados, corombos, cornetos, bocalvos, borralhos, chumbados, chitados, vareiros, silveiros... E os tocos da testa do mocho macheado, e as armas antigas do boi cornalão...
Boi bem bravo, bate baixo, bota baba, boi berrando... Dança doido, dá de duro, dá de dentro, dá direito... Vai, vem, volta, vem na vara, vai não volta, vai varando...
O burrinho pedrês
Vestindo água, só saído o cimo do pescoço, o burrinho tinha de se enqueixar para o alto, a salvar também de fora o focinho. Uma peitada. Outro tacar de patas. Chu-áa! Chu-áa... — ruge o rio, como chuva deitada no chão. Nenhuma pressa! Outra remada, vagarosa. No fim de tudo, tem o pátio, com os cochos, muito milho, na Fazenda; e depois o pasto: sombra, capim e sossego... Nenhuma pressa. Aqui, por ora, este poço doido, que barulha como um fogo, e faz medo não é novo: tudo é ruim e uma só coisa, no caminho: como os homens e os seus modos, costumeira confusão. É só fechar os olhos. Como sempre. Outra passada, na massa fria. E ir sem afã, à voga surda, amigo da água, bem com o escuro, filho do fundo, poupando forças para o fim. Nada mais, nada de graça; nem um arranco, fora de hora. Assim.
Folgado, Sete-de-Ouros endireitou para a coberta. Farejou o cocho. Achou milho.
Comeu. Então, rebolcou-se, com as espojadelas obrigatórias, dançando de patas no ar e esfregando as costas no chão. Comeu mais. Depois procurou um lugar qualquer, e se acomodou para dormir, entre a vaca mocha e a vaca malhada, que ruminavam, quase sem bulha, na escuridão.
1 – O burrinho pedrês
Burrinho Sete-de-Ouros / Major Saulo / Francolim / Silvino / Badu / João Manico
Travessia
Entrega da boiada/ rixas
entre
vaqueiros/chuva
O pasto, o milho, a tranquilidade, na “escuridão”
Enchente : Rio da Fome
Vida
contemplativa, silenciosa,
resignada
Sete-de-Ouros
Velhice = Sabedoria, prudência,
cautela
Provações aprendizado amadurecimento iluminação
conclusão cíclica
e renovação Superação/ transcendência
A hora e a vez de Augusto Matraga
— Epa! Nomopadrofilhospritossantamêin! Avança, cambada de filhos-da-mãe, que chegou minha vez!...
E a casa matraqueou que nem panela de assar pipocas, escurecida à fumaça dos tiros, com os cabras saltando e miando de maracajás, e Nhô Augusto gritando qual um demônio preso e pulando como dez demônios soltos.
— Ô gostosura de fim-de-mundo!...
E garrou a gritar as palavras feias todas e os nomes imorais que aprendera em sua farta existência, e que havia muitos anos não proferia. E atroava, também, a voz de seu Joãozinho Bem-Bem:
— Sai, Canguçu! Foge, daí, Epifânio! Deixa nós dois brigar sozinhos!
(...)
— Se entregue, mano velho, que eu não quero lhe matar...
— Joga a faca fora, dá viva a Deus, e corre, seu Joãozinho Bem-Bem...
— Mano velho! Agora é que tu vai dizer: quantos palmos é que tem, do calcanhar ao cotovelo!...
— Se arrepende dos pecados, que senão vai sem contrição, e vai direitinho p’ra o inferno, meu parente seu Joãozinho Bem-Bem!...
— Úi, estou morto...
(...)
— Estou no quase, mano velho... Morro, mas morro na faca do homem mais maneiro de junta e de mais coragem que eu já conheci!... Eu sempre lhe disse quem era bom mesmo, mano velho... É só assim que gente como eu tem licença de morrer... Quero acabar sendo amigos...
— Feito, meu parente, seu Joãozinho Bem-Bem. Mas, agora, se arrepende dos pecados, e morre logo como um cristão, que é para a gente poder ir juntos...
(...)
Então, Augusto Matraga fechou um pouco os olhos, com sorriso intenso nos lábios lambuzados de sangue, e de seu rosto subia um sério contentamento.
Daí, mais, olhou, procurando João Lomba, e disse, agora sussurrado, sumido:
— Põe a benção na minha filha... seja lá onde for que ela esteja... E, Dionóra... Fala com a Dionóra que está tudo em ordem!
Depois, morreu.
9 – A hora e a vez de Augusto Matraga
Nhô Augusto Esteves (Matraga) / Major Consilva / Dionóra / Mimita / Ovidio Moura / Mãe Quitéria / Pai
Serapião / Joãozinho Bem-Bem
Travessia
Cel Nhô Augusto Esteves
Nome social Mandonismo,
Violência e vingança
Matraga Nome mítico
Amor Redenção Nhô Augusto = o homem
Fusão de Bem e Mal = potencialidades intrínsecas no homem (síntese)
Cena final : “Duelo” entre Joãozinho Bem-Bem e Nhô Esteves
Arrependimento – penitência – expiação – redenção – espiritualidade
Processo de autoconhecimento
Estrutura ternária
Conversa de bois
— O bezerro-de-homem sabe mais, às vezes... Ele vive muito perto de nós, e ainda é bezerro... Tem horas em que ele fica ainda mais perto de nós...
Quando está meio dormindo, pensa quase como nós bois... Ele está lá adiante, e de repente vem até aqui... Se encosta em nós, no escuro... No mato-escuro-de-todos-os- bois...Tenho medo de que ele entenda a nossa conversa...
(...)
— Mhú! Hmoung!... Boi... Bezerro-de-homem... Mas, eu sou o boi Capitão!... Moung!... Não há nenhum boi Capitão...
Mas, todos os bois... Não há bezerro-de-homem!... Todos...
Tudo... Tudo é enorme... Eu sou enorme!... Sou grande e forte... Mais do que seu Agenor Soronho!... Posso vingar
meu pai... Meu pai era bom. Ele está morto dentro do carro... Seu Agenor Soronho é o diabo grande... Bate em todos os meninos do mundo... Mas eu sou enorme...
Hmou! Hung!... Mas, não há Tiãozinho! Sou aquele-que- tem-um-anel-branco-ao-redor-das-ventas!... Não, não, sou o bezerro-de-homem!... Sou maior do que todos os bois e homens juntos.
8 – Conversa de bois
Manuel Timborna / Tiãozinho / Agenor Soronho / Bois (Buscapé e Namorado / Capitão e Brabagato /
Dansador e Brilhante / Realejo e Canindé)
Travessia
Conduzir um carro de bois
“Amanhecer”
Anoitecer mistério
“escuridão”
Percurso de um dia = forças antagônicas em Tiãozinho :
Duelo
= Pensamentos divergentes dos homens
Tiãozinho + Bois Experiências dolorosas =
Racional X Instinto
“No nosso mato-escuro não há dentro nem fora...”
Liberdade criadora: pensamento lógico cai
Sabedoria instintiva
O Duelo
(...)
— Se apeie depressa, seu Turíbio!...
E o homenzinho dizia isso assim mole, mas sem deixar de estar terrivelmente atento.
Então Turíbio Todo, encarando-o, fez figura e fez voz.
— Deixa de unha, cachorro, que eu te retalho na taca!...
— Não grita, seu Turíbio, que não adianta... Peço perdão a Deus e ao senhor, mas não tem outro jeito, porque eu prometi ao meu compadre Cassiano, lá no Mosquito, na horinha mesma d’ele fechar os olhos...
(...)
— Pelo amor da Virgem Santíssima! Pelo amor do teu filho! Não faz isso! Deus castiga!... Não me mata...
— Pois então reza, seu Turíbio, que eu não quero a sua perdição!
(...)
Mas a garrucha não negou fogo. Turíbio Todo pendeu e se afundou da sela, com uma bala na cara esquerda e outra na testa. O cavalo correu; o pé do defunto se soltou do estribo. O corpo prancheou, pronou, e ficou estatelado.
Então, o caguinxo Timpim Vinte-e-Um fez também o em-nome-do-padre, e abriu os joelhos, esporeando. E o cavalinho pampa se meteu, de galope, por um trilho entre os itapicurus e os canudos-de-pito, fugindo do estradão.
4 – Duelo
Turíbio Todo / Dona Silivana / Cassiano Gomes / Vinte-e-Um (Timpim)
Travessia
Traição e
vingança Morte
Duelo = conflitos exteriores e interiores
Povoado do Mosquito - Penitência Cassiano Gomes
Contato com Vinte-e-Um / visita do médico e do padre Percurso labiríntico = idas e vindas no processo do
aprendizado Vende os bens
materiais e parte em nome
da honra
6 – São Marcos
Narrador (José / Izé) / João Mangôlo / Aurísio Manquitola / Tão Tranjão
Travessia
tríplice
1 - Descrença na magia
cegueira
Compreensão, entendimento Perda da visão : aguçamento Luz
dos sentidos, da subjetividade
Erudito X Popular
Moderno X Arcaico/ Primitivo
Oralidade X Escrita Oração São Marcos / Versos no bambu
Revelação
3 - Percurso pela linguagem descoberta do poder mágico e transformador da palavra 2 - Travessia pela interior da natureza descoberta da beleza
“as palavras têm canto e plumagem”
7 – Corpo fechado
Narrador (médico) / Manuel Fulô / Beija – Fulô / Das Dor / Targino / Antonico das Pedras-Águas
Travessia
Mundo desordenado
Targino
Mundo ordenado Feitiço = ritual de magia
Capacidade de ordenar a existência individual e coletiva
Erudito X Popular
Crenças nas forças sobrenaturais, na intuição, na subjetividade
2 – Traços biográficos de Lalino Salãthiel ou A volta do marido pródigo
Lalino Salãthiel / Maria Rita/ Ramiro/ Major Anacleto
Travessia
Vende a mulher, abandona a casa e parte
Retorno conciliação Ida ao RJ= dissipa o dinheiro
com prostitutas: privação
Vivenciar experiências, realizar sonhos Paródia satírica da parábola bíblica “A
volta do filho pródigo”
Não trabalhar, contar histórias e causos = ruptura com a ordem
estabelecida
3 – Sarapalha
Primo Ribeiro / Primo Argemiro / Luísa / negra Ceição / cão Jiló
Travessia
Malária / abandono da
mulher
Morte Penitência = solidão
Libertação: vê a riqueza no lugar onde morre
Primo Argemiro decisão: ir
embora
Revelação dos sentimentos mais profundos
5 –Minha gente
Narrador / Santana / Tio Emílio / Maria Irma / Ramiro Gouveia / Armanda / Bento Porfírio
Travessia
Partida do lugar de origem
Fazenda do Tio Emílio
Sertão Percurso do aprendizado
Descoberta do Amor
Metáfora Jogo do xadrez = jogo da vida