PRÁXIS E MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA A DISTÂNCIA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS
Zenilda Botti Fernandes Universidade Federal do Pará
Resumo
Este trabalho analisa a práxis e a mediação pedagógica dos professores formadores e dos tutores que atuam no curso de Licenciatura em Matemática a Distância, no âmbito da Universidade Federal do Pará (UFPA), por meio do programa Universidade Aberta do Brasil (UAB). Os cursos a distância, na região amazônica paraense, têm se apresentado como alternativa para a qualificação dos professores e a melhoria da educação básica. A investigação conta com as contribuições de Vásquez (2011), dentre outros, na teorização que desenvolveu sobre “práxis”. O autor preconiza que o homem atua sobre a realidade para transformála, e o modo como isso ocorre, e o que resulta dessa intervenção, é proporcional ao nível de consciência de quem produziu a ação. A mediação pedagógica segundo Therrien (2012), é caracterizada como intersubjetiva e dialógica para produzir aprendizagem de sujeitos. Aplicados no contexto da formação de professores de Matemática a distância, estes conceitos são de fundamental importância para compreender em que termos estão sendo formados os licenciandos, uma vez que os construtos da relação e da mediação pedagógica nesta modalidade de ensino assumem novos significados, com implicações na formação do professor. Os fundamentos metodológicos da pesquisa se apoiam na abordagem qualitativa, e tem como base de análise os diversos documentos que orientam as práticas no curso, e as entrevistas semiestruturadas, realizadas com todos os professores formadores e tutores dos nove polos onde funcionam as turmas que ingressaram em 2009. Os desafios de formar professores de Matemática a distância, são confirmados por Fiorentini &
Lorenzato (2006), de que a práxis pedagógica em Matemática é complexa e multidimensional e a construção de novos significados sobre ensinar e aprender num curso a distância, tem evidenciado a relevância das relações sociais e culturais dessa nova sala de aula.
Palavraschave: educação matemática; educação a distância; formação de professores de matemática
INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta reflexões parciais da pesquisa em desenvolvimento sobre a práxis e a mediação pedagógica do curso de Licenciatura em Matemática a Distância, no âmbito da Universidade Federal do Pará (UFPA), e tem por objetivo compreender como se dá a práxis docente na ação do professor formador e do tutor, e identificar as características da mediação pedagógica na sala de aula de um curso de licenciatura a distancia. A pesquisa se inscreve na pretensão de validade de um modelo de formação profissional no contexto de uma modalidade de ensino diferenciada, e por isso mesmo, a explicitação do conteúdo das práticas e seus níveis, pode contribuir para fazer emergir
questões como as singularidades da práxis e da mediação pedagógica no contexto da EaD.
Para melhor compreensão dos objetivos do trabalho, e os sujeitos envolvidos no processo formativo, o texto está estruturado em quatro seções, a saber: Introdução, A Problemática, Considerações/Recomendações e Referências.
A PROBLEMÁTICA
A grande expansão das licenciaturas no Brasil após a promulgação da LDB nº 9.394/96, em especial, os cursos a distância, representaram 50% da oferta, tendo o curso de Matemática a participação de 61%, de um total de 1.570 cursos, até 2010 (INEP, 2010). Esta modalidade de ensino tem tido proeminência sobre as demais, mas contrasta com o número de alunos que concluem os cursos, da ordem de apenas 18%, de um total de 12.994, em Matemática.
Inserido neste contexto, o curso de Licenciatura em Matemática na UFPA, é oferecido pelo Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), em consórcio com o Centro de Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro (CEDERJ), para ampliar as oportunidades de acesso à educação superior aos que residem em áreas centrais e remotas da Amazônia Paraense. Minha atuação no curso se deu a partir de 2007, após 24 anos na docência presencial, o que me levou ao desafio de realizar a pesquisa doutoral, à medida em que busquei respostas a algumas questões que foram se tornando inquietantes. Desejava saber: como se configura a prática pedagógica num curso a distância? E dentro desta indagação mais geral, haviam outras indagações: em que termos se dá a práxis docente na ação de professores formadores e de tutores no curso de Licenciatura de Matemática a Distância da UFPA? Quais as características da mediação pedagógica no contexto da EaD? Quais as contribuições da educação a distância para os processos de identificação e desenvolvimento de uma profissionalidade docente? Como se constitui a relação pedagógica entre professores formadores, tutores e alunos com o conhecimento?
Ao mesmo tempo em que antevia a complexidade de abordar a temática, pude vislumbrar também as perspectivas de analisar os fatos e as relações mais amplas que se estabelecem no âmbito das políticas. Para explicitar o fio condutor da pesquisa, tenho me apoiado nos fundamentos metodológicos da abordagem qualitativa, com enfoque críticodialético. HOLLYDAY (1996, p.65) ratifica esse enfoque nos seguintes dizeres:
“Por isso, tão importante como compreender o que fazemos, é situar o sentido com que
orientamos esse fazer. Daí, que seja fundamental reconhecer e explicitar tanto nossas ações como nossas interpretações, sensibilidades e convicções.
Os procedimentos utilizados na constituição dos dados estão relacionados ao desenvolvimento do curso na modalidade a distância com uma frente documental e outra de entrevistas. Na primeira estão os relatórios de tutoria, de visitas aos polos, planos de ensino, atas de reuniões, os conteúdos e materiais de aulas, as produções dos alunos nos espaços de comunicação virtual postados na plataforma Moodle ao longo do curso por alunos, formadores e tutores.
O universo de dados tem sido organizado e sistematizado após sucessivas leituras e releituras na busca por identificar as categorias a partir da análise interpretativa dos conteúdos (Bardin, 2011). Essa interpretação está vinculada ao conhecimento vivencial do contexto do curso, devido à minha participação como professora das disciplinas da Ciência da Educação, o que tem permitido contextualizar os dados em relação às práticas formativas.
A análise interpretativa está sendo feita com base nos referenciais de práxis e seus níveis em Vázquez (2011), em conexão com autores que tratam da formação de professores, prática pedagógica em Libâneo (2005), Altet (2000), Gómez (1998) ; novas tecnologias e mediação pedagógica em Therrien (2012), Valente, Prado & Almeida (2003), e educação matemática com Fiorentini & Lorenzato(2006), dentre outros. As premissas contidas nestes referenciais, quando aplicadas no contexto de formação de professores de Matemática a distância, possibilitam empreender uma investigação interdisciplinar.
Além disso, minha visão é de que a atividade docente possui características que contribuem para sua identidade, como a do pesquisador que reflete na ação, em busca dos sentidos para o que realiza; como prática social e trabalho processual o trabalho do professor está imbuída de compromissos técnico e político frente aos desafios postos pela prática. Segundo Konder (1988, p. 11), “é no trabalho que se encontra, por assim dizer, o ‘caroço’ da práxis; mas a práxis vai além do trabalho.” Assim compreendida, a práxis é orientada pela atividade teóricoprática (Vásquez, 2011), por meio da mediação pedagógica acompanhada pela análise crítica das experiências concretas, dos problemas presentes enfrentados pelo curso na modalidade a distância.
Nesse contexto, a didática exerce papel relevante nos processos comunicacionais da sala de aula ao estabelecer vínculo entre a teoria e a prática, e atua na organização e sistematização do ensino. Ensino este pensado pelo professor formador e efetivado pelo
tutor durante as tutorias. Essa singularidade da mediação pedagógica nas situações de aprendizagem à distância é que desafiam os processos formativos, no qual não basta a transmissão do conhecimento – tratase de uma didática singular e plural que se movimenta na interface com a tecnologia, o professor formador que fica na sede, o material impresso, e o tutor no polo, e os colegas em encontros semanais (quando é possível). Tratase de uma configuração que ultrapassa o “triângulo pedagógico”
proposto por Houssaye (1988) composto pelo professor, o saber e o aluno.Nesse sentido, as potencialidades da educação a distância no processo de formação de professores de Matemática precisam ser consideradas, pois a constituição dos saberes presentes nas situações pedagógicas permite fazer aproximações sobre os perfis das práticas presentes no decurso das ações educativas.
CONSIDERAÇOES /RECOMENDAÇÕES
No momento atual da pesquisa, os fios que representam as práticas desenvolvidas pelos professores formadores e pelos tutores, ainda são bastante preliminares, e precisam do tempo adequado para serem analisadas com a devida cautela epistemológica para evitar reducionismos ou até mesmo exacerbações valorativas.
É possível afirmar que há uma “pedagogia da educação a distância” que afeta os alunos, os professores em relação à autonomia dos primeiros, na tomada de decisões a respeito do próprio aprendizado e a criação de estratégias que melhor traduzam a intensidade da interação que deve existir entre ambos pela tecnologia disponível da plataforma Moodle. Assim sendo, mesmo que a interação no curso seja predominantemente assíncrona, o material impresso e as tutorias presenciais orientadas por tutores é o que tem conferido identidade ao curso, um dos elementos fundamentais para a Educação a Distância.
Do ponto de vista da UAB, da instituição, do currículo e no nível da prática, os desafios que se colocam para o curso, são abrangentes e comprometem, em alguns aspectos a constituição da profissionalidade docente. Quando ocorre, por exemplo, do licenciando residir ou trabalhar em áreas remotas da região amazônica, em que a única via de acesso é o rio e o único transporte disponível é o barco, as dificuldades financeiras somamse às de comunicação, de relação pedagógica e de locomoção.
Alguns avanços compreendem a necessidade de implementação de processos avaliativos e de planejamento regulares do curso, para a elaboração de um diagnóstico mais realístico das necessidades dos alunos e dos tutores, a revisão do Projeto Pedagógico, a formação continuada de tutores que, em sua área, ministram todas as
disciplinas do curso. Estas práticas são indícios de novas perspectivas e novas crenças quanto à formação de professores a distância numa região com demandas e necessidades peculiares.
A história recente da política nacional de formação docente a distância, pelo programa da UAB, justificam uma vez mais a relevância da pesquisa nessa área, no esforço por compreender as práticas e mediações de professores e tutores e sistematizar novas reflexões sobre educação matemática. A esse respeito, a pesquisa antevê que o atendimento satisfatório à multidimensionalidade e às singularidades das práticas de um curso a distância, requerem o protagonismo da área governamental, assim como a constituição de uma tessitura entrelaçada por todos os que atuam no curso, independentemente do lugar e da posição que ocupam. Por fim, compreendo que as práticas dos professores formadores e dos tutores, estão interligadas por muitos fios, que fazem parte de uma rede que não é apenas virtual, mas é tecida gradualmente por muitas mãos, num movimento dialético permanente.
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