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DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM PARA APRENDER LER E ESCREVER

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Silvia Robattom Loverbeck

DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM PARA APRENDER LER E ESCREVER Um relato de experiência sobre inteligência aprisionada do tipo

hipoassimilativa-hipoacomodativa: a visão winnicottiana sobre a conquista da autoria.

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Silvia Robattom Loverbeck

DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM PARA APRENDER LER E ESCREVER Um relato de experiência sobre inteligência aprisionada do tipo

hipoassimilativa-hipoacomodativa: a visão winnicottiana sobre a conquista da autoria

Monografia apresentada como exigência parcial para obtenção do Certificado de Conclusão do Curso de Pós-Graduação Latu Senso em PsicopedagogIa à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - COGEA

Orientador: Profa. Dra. Maria Anita Viviane Martins

Orientanda: Silvia Robattom Loverbeck

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3 “O não-aprender não é o contrário de aprender e tem uma função tão integradora quanto o aprender... Respeitar a singularidade do sujeito fora das categorias certo-errado, bonito-feio, normal-patológico, verdadeiro-falso, para que ele possa fazer-se cargo de sua marginalização e aprender a partir dela, transformando a si e à realidade...

Mais importante do que ensinar a responder é formular perguntas...A ignorância não é o oposto do conhecimento mas ela está na sua origem”.

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente à meus pais que, exercitando a ignorância e a sabedoria, me ensinaram o que é aprender.

A Dra. Profa. Anete Busin Fernandes por ter colocado em jogo, um saber escondido na mulher que sou, para compreender, de fato, o sentido atribuído à um passado marcado pela inteligência aprisionada.

A Dra. Profa. Maria Anita Viviani Martins pela orientação deste trabalho que despertou em mim, com sua postura profissional, o interesse pelo mundo psicolingüístico e curiosidade para aprender como ocorrem os processos de aprendizagem/dificuldade em leitura e escrita.

A minha querida amiga Maria Inês Szocs com quem aprendi ser objetiva em minhas intervenções psicopedagógicas para saber avaliar a manifestação subjetiva dos fenômenos cognitivos.

Á uma mulher que admiro, minha terapeuta, por me lembrar todos os dias que o acontecimento humano depende de um ambiente saudável. E que aprender depende da nossa fé na vida para conquistar liberdade pessoal.

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RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de autoria diante do desafio de aprender ler e escrever. Para isto leva em conta referenciais teóricos de estudiosos como Sara Paín, Alícia Fernández e outros colaboradores que escreveram sobre o tema problemas de aprendizagem.

Apresenta o ser cognoscente da Psicopedagogia como um sujeito que parte da ignorância primeira antes de vivenciar o certo-errado ou falso-verdadeiro para transformar a si mesmo e a realidade ao seu redor. Desde que sua singularidade seja respeitada por ensinantes que assumam uma posição adequada para oferecer ambientes facilitadores ao aprendizado. Pois não há representação nem aprendizagem sem intersubjetividade.

Sinaliza a importância da aquisição da linguagem como um fator do desenvolvimento da criança necessário a construção de conceitos que explicam a existência do mundo. Lembrando que é nas interações dos homens que os signos se originam permitindo a comunicação entre as pessoas.

Observa que as dificuldades ou distúrbio de aprendizagem em leitura e escrita se caracterizam pela dificuldade na aquisição/desenvolvimento da linguagem escrita em crianças que apresentam déficits tanto de decodificação fonológica como de compreensão da linguagem oral/escrita.

Aponta o processo de alfabetização como bem sucedido, quando a criança que aprende, teve oportunidade de contextualizar o mundo antes de chegar nas séries iniciais da escolaridade.

Discute também a respeito do que acontece quando o processo de aprendizagem é interrompido e aprisiona a inteligência. Reconhecendo nos dados de um relato de experiência, a modalidade de aprendizagem hipoassimilativa-hipoacomodativa como instauradora da dificuldade de aprendizagem em leitura e escrita.

Elegendo a contribuição Winnicottiana para compreender como ocorrem as tarefas que levam ao amadurecimento pessoal e a conquista da autoria.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 07

CAPÍTULO I ... 09

1.1 – O objeto de estudo da psicopedagogia: "o ser cognoscente'' ... 09

1.2 - Objetividade, subjetividade e a construção do conhecimento ... 11

1.3 - As modalidades de aprendizagem e a posição do ensinante ... 15

CAPÍTULO II ... 20

2.1 - Desenvolvimento da linguagem ... 20

2.2 - O processo de alfabetização e suas implicações ... 32

2.3 - Dificuldade para aprender ler e escrever ... 39

CAPÍTULO III ... 47

3.1 - A capacidade de ser humano: O Amadurecimento Emocional e o aprender em Winnicott ... 47

3.2 - O estágio da dependência absoluta ... 47

3.3 - O estágio da depedência relativa ... 54

CAPÍTULO IV ... 64

4.1 - Um relato de experiência sobre inteligência aprisionada do tipo hipoassimilativa-hipoacomodativa: a visão de Winnicott sobrea conquista da autoria ... 64

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 73

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INTRODUÇÃO

Escrever sobre os processos de ensino e aprendizagem bem como suas implicações é um tema que me interessa há algum tempo.

Inicialmente o assunto se relaciona com minhas próprias inquietações. A forma como vivenciei as experiências escolares não trazem boas recordações. Não aprender estava associado a punições drásticas para o problema e esta prática provocou um padrão de comportamento pessoal que gerou inibição para se aproximar do conhecimento.

A capacidade para acreditar em minha inteligência ficou durante muito tempo adormecida. Imprimindo assim, um aprendizado morno e não criativo cheio de idas e vindas, timidamente errando e acertando. Nunca sabendo como me aproximar do professor. Dizer “não sei” era quase um mantra dentro de mim. E desta maneira atingi o ensino médio, concluí a universidade de Comunicação Social, e depois me tornei Psicóloga.

Mas foi no exercício do segundo curso superior que desabrochei como aluna. Conheci professores que motivaram meu interesse pelo conhecimento. Descobri que era, sim, inteligente e sabia.

Claro que neste estágio já estava mais amadurecida pelo processo terapêutico e percebia como devia fazer para conquistar sucesso em minhas produções.

Freqüentar a disciplina Psicologia da Educação abriu horizontes para me apropriar das teorias escritas sobre os problemas de aprendizagem. A partir daí minha necessidade se voltou para entender “porquê uma pessoa não aprendia e o que estava em jogo nesta questão”.

Na trajetória profissional fui me deparando com crianças que não aprendiam e me flagrei na condição de não saber o que fazer com as demandas apresentadas. Não foi por acaso que acabei no curso de Psicopedagogia, afinal, ele veio me dizer exatamente o que precisava ouvir. Conhecer estudiosos que escreveram sobre os processos de ensino-aprendizagem foi uma boa oportunidade para me instrumentalizar munida de conhecimentos específicos.

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o que foi-não foi ensinado.

A Psicopedagogia como área de conhecimento está interessada em assinalar a conquista da autonomia do sujeito cognoscente através de um ambiente que facilite o reconhecimento de si mesmo, seus pensamentos e suas obras.

Apontando, porém, que quem ensina, subordina o sujeito que aprende à sua modalidade de atuar e essa interferência é o grande divisor de águas, pois quem deseja saber, deseja seguir em frente, descortinar sua verdadeira identidade e mostrar que é capaz de criar sua própria autoria.

No consultório crianças, adolescentes e adultos denunciam suas dificuldades de aprendizagem e estão em busca de encontrar respostas para seus sofrimentos e maior amadurecimento, fruto de uma modalidade de ensino-aprendizagem.

O campo da objetividade/subjetividade que inicialmente se apresenta diante do psicopedagogo parece desprovido de criatividade. Mas paradoxalmente este mesmo campo é o terreno fértil onde novas descobertas e aprendizagens renascem.

A pesquisa que vou apresentar será um passeio pelos caminhos da construção do conhecimento em leitura e escrita, abrangendo os aspectos implícitos neste campo. Qual posição o ensinante deve assumir para ensinar, sabendo que foi permeado pela subjetividade de outro ensinante? O que fazer quando uma dificuldade de aprendizagem se instala? O que faz uma criança não saber ler e escrever? Como criar um ambiente adequado ao aprendizado saudável? Que recursos utilizar com o sujeito que aprende para facilitar o processo de criatividade e autoria nele?

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CAPÍTULO I

"Sou o intervalo entre meu desejo e aquilo que o desejo dos outros fizeram de mim"

Fernando Pessoa

1.1 O objeto de estudo da psicopedagogia: "o ser cognoscente''

Segundo Maria Cecilia Almeida e Silva (1998) toda aprendizagem começa em casa, em meio á família e de maneira informal, mas extraordinariamente marcante, para todo o processo de aquisição de conhecimento que se seguirá ao longo da vida. É uma matriz modeladora, uma base indispensável, que, apesar de ser casual e empírica, prepara a criança, organiza seu mundo interno, inicia a sua socialização e inserção na cultura na qual nasceu.

A família imprime as primeiras disposições mentais com as quais a criança vai perceber o mundo social, que mais tarde vão ser complementadas e formalizadas pela escola. Para serem desenvolvidos e interiorizados, os comportamentos infantis não prescindem da atenção dos familiares, por meio de exemplos e repetições constantes, até se tornarem uma norma de conduta. O controle dos instintos humanos requer uma família disponível e consciente de sua responsabilidade para preparar a criança a assumir seu lugar na sociedade, o que personaliza a cultura de um povo ao longo das gerações.

A Psicopedagogia como saber, leva em consideração como o sujeito de aprendizagem constroe o conhecimento.

O ser cognoscente é uma unidade de complexidade é um ser pluridimensional com uma dimensão racional, afetiva/desiderativa e relacional, esta com implicação interpessoal e uma implicação contextual. A implicação contextual teria duas especificações: uma intrínseca que seria a biológica e outra extrínseca que seria a sociológica.

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A autonomia do sujeito corresponde a sua ação - quanto mais criativa e divergente em relação ao que já está instituído, mais autônoma ela será.

A atividade criadora associa e integra o que estava dividido ao mesmo tempo em que ela desequilibra as formas já articuladas permitindo uma nova organização.

Para a visão Piagetiana, a ação do ser cognoscente em todas as suas dimensões, pode assim ser decomposta: perceber, discriminar, organizar, conceber, conceituar e enunciar.

Na gênese da construção do conhecimento, a ação existe sempre com todas essas especificações. O que muda é sua qualidade, sua organização e seu funcionamento.

O sujeito percebe, discrimina, organiza, concebe, conceitua, enuncia de modo sensório-motor, em seguida de modo simbólico, pré-conceitual, pré-operatório, operatório. Assim, durante o estágio sensório-motor, o sujeito concebe o objeto por imitação e depois pela reprodução diferida.

Durante o estágio simbólico, a concepção se faz pelos jogos simbólicos. A inserção do sujeito na dialética da autonomia e da determinação está associada ás próprias dimensões que constituem o sujeito.

A dimensão relacional é constitutiva no processo, à medida que o ser cognoscente é um ser contextualizado, ou seja, determinado pelas condições de sua existência em sociedade. Sua percepção do mundo e o modo como ele destaca elementos determinados estão ligados à maneira pela qual ele constrói seus conceitos. Além disso, seus julgamentos são também determinados por sistemas de valores socialmente construídos.

A dimensão relacional é também constitutiva no processo á medida que o ser cognoscente é um ser determinado pelas condições biológicas de sua existência orgânica e também pelas inter-relações mediatizadas pela linguagem que ele estabelece com outros sujeitos.

A dimensão racional é constitutiva do processo, á medida que o ser cognoscente, por meio de sua ação sobre o objeto, constrói suas próprias estruturas no prolongamento dessa ação interiorizada.

É através da ação que a construção do conhecimento começa, mas ela só se faz através da estruturação do vivido, ou seja, por meio da formulação de conceitos pelo sujeito.

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contradições e nas sínteses que conduzem aos progressos.

A dimensão afetiva/desiderativa é constitutiva do processo, á medida que o sujeito cognoscente é determinado por um saber do qual ele não tem consciência, instituído pelas moções do desejo que trabalham dinamicamente todas as suas dimensões. O sujeito cognoscente não é o senhor absoluto dos seus próprios pensamentos, pois o inconsciente é a própria essência de sua vida mental.

Assim, todas as diferentes dimensões do ser cognoscente se articulam em uma totalidade dinâmica - autonomia e determinação, unidade e diversidade - em uma ação que organiza e modifica o meio. Essa ação do sujeito possibilita a construção do próprio conhecimento e, por seu caráter estruturante e totalizador, a construção do próprio sujeito cognoscente.

Essas articulações são processos conflitivos e complementares nos quais as dimensões tendo especificidades próprias não se fundem nem se excluem, mas se integram em sínteses provisórias.

Para que haja síntese, porém, é preciso admitir a existência de um núcleo organizador capaz de unificar a diversidade e que poderia chamar de EU cognoscente. É o EU cognoscente que permite o ser cognoscente tornar-se si-mesmo, e assim, construir e conservar sua autonomia.

Segundo Alicia Fernández (2001) aprendemos quando podemos confiar nos outros, em nós e no espaço, aprendemos com quem nos escuta, aprendemos se nos escutamos e aprendemos quando o ensinante nos reconhece como sujeito pensante.

1.2 Objetividade, subjetividade e a construção do conhecimento

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"Precisamos nos dar conta de que estamos situados na encruzilhada entre duas formas de construção de pensamento. Há um sujeito que deve aprender, e na aprendizagem, constituir-se como sujeito. Ele conta com um aparelho para elaborar pensamentos sobre a realidade e com um aparelho para fabricar fantasias, que embora cindidos, interpenetram-se”. Sara Paín

A objetividade instaura a realidade, isto é, aquilo que nós consideramos real, que está fora de nós, cujas leis não podemos modificar. Podemos repensar, mas não podemos anular essas leis. Por outro lado, o subjetivo se instaura na irregularidade, se constrói na esfera do desejo e é o que nos diferencia como pessoa singular. O desejo se instaura em uma irrealidade.

Os esquemas de conhecimento e os esquemas de desejo são cenários de fantasia. Através disso se julga uma representação ou um afeto, uma relação entre uma representação e um afeto e, do lado do conhecimento, se realizam conexões motoras. E todas as relações feitas através dos esquemas sensório-motores estão na base de todo conhecimento.

Para construir a dimensão lógica do pensamento é necessário transitar pelas categorias do objeto, tempo, espaço, número e causalidade. E o desejo está vinculado a representação dramática que um único objeto pode simbolizar e significar provocando inclusive idéias contraditórias e ambivalentes.

Todo conhecimento mesmo o que se faz de maneira prática, não pode ser considerado conhecimento até alcançar um nível de formulação. Formulação numa linguagem especial, numa metalinguagem, ou formulação na linguagem corrente. Quando é utilizado no conhecimento essa linguagem corrente, que foi feita para a estrutura dramática, ocorre a possibilidade de formular. A linguagem tem um aspecto positivo, que ajuda o conhecimento a alcançar um grau mais abstrato que leva o indivíduo em direção à conceituação.

A linguagem também é um obstáculo ao conhecimento por ser dramática, pois dramatiza o que se pretende comunicar como conhecimento. Desta forma o conhecimento fica a meio caminho e não atinge sua produção.

O conhecimento emerge quando a formulação encontra o fenômeno, quando o fenômeno pode se formular de modo inequívoco e sem ambigüidade, tão clara como o fato. Se não, enquanto isso, a linguagem rodeia os fatos, mas não chega a poder substituí-los, há sempre um mal-entendido.

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de comunicação com o meio, que constroem os elementos sobre os quais o pensamento pode atuar. Os mecanismos vão captar as coisas exteriores e metabolizá-las para que possam ser digeríveis. Há uma série de mecanismos entre o que é a matéria e o que é pensamento, para que haja elementos de pensamento. Primeiro os objetos precisam tornar-se cognoscíveis, transformados e passar de matéria para o pensamento.

Segundo Piaget não há organismo que não assimile e que não se acomode no ambiente, mediante certas transformações.

A assimilação é a capacidade que um organismo tem de utilizar alguma coisa de seu ambiente e o incorpora a si. É através dessa modalidade que o sujeito transforma a realidade para integrá-la à suas possibilidades de ação.

A assimilação resume a relação fundamental entre o sujeito assimilador e o objeto assimilado.

Sempre é assim: o conhecimento acontece na medida em que os instrumentos que são apresentados ao indivíduo permitem conhecer. Só é possível transformar o mundo depois de apropriar-se dele e isto acontece através dos esquemas.

A acomodação é o processo inverso. Modifica e diferencia os esquemas já assimilados em função da realidade. Para Piaget é através desta modalidade que o sujeito transforma e coordena seus próprios esquemas ativos que se manifestam como exploração, indagação, tentativa e erro, realização de experiências ou reflexão para adequá-los às experiências da realidade.

Há ainda os mecanismos de circularidade e inibição imprescindíveis ao processo de aprendizagem pois esta é repetida circularmente de modo a se automatizar e a inibição é necessária para todos os tipos de atividades.

Para ocorrer aprendizado o indivíduo precisa sair da circularidade uma vez que esta consiste apenas em exercer uma atividade que não leva em conta seu antecedente e seu conseqüente. Por exemplo: um bebê só emite sons porque interage com um terceiro que oferece à ele a possibilidade da repetição da língua de sua cultura.

Portanto, para descobrir que possui um ego precisa sair da circularidade utilizando a inibição. Quando reconhece que habita em um corpo capaz de agir, percebe a realidade inibindo a própria fala. Escuta o som mas não o repete, então se dá conta de que foi o outro quem falou e não ele.

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que acompanham o indivíduo ao longo da vida. Elas se desmembram em uma estrutura prática onde a lógica da ação vai desde o nascimento até os 2 anos. Onde todo o pensamento corresponde só à dimensão do conhecimento e que a representação serve só ao conhecimento, de tal forma que todo esse período é preparatório para o conhecimento.

Mas para Sara Paín, esse período está relacionado ao mundo da fantasia e a toda uma série de atividades ligadas ao mundo subjetivo. Onde o jogo, a imitação e a fala correspondem à estrutura que vai fazer do bebê um ego. A estrutura lógico-concreta que exerce suas operações internamente sobre as representações dos objetos. Cujas atividades estão relacionadas com a capacidade de conservação. E a estrutura lógico-formal que se define por ações permeadas por operações de operações, onde se pensa sobre outras operações, onde os objetos reais, materiais, não tem influência.

Na estrutura lógico-operatória, uma característica da gênese é que a estrutura se transforma no tempo. Transforma-se dialeticamente, pois uma estrutura serve para criar e acumular conhecimentos que num dado momento, não podem mais ser interpretados pela mesma estrutura e então se passa para outra. O aumento de conhecimento vem pela multiplicação de classes e por sua organização em hierarquias.

Sucessivamente, nas três estruturas, há primeiro uma tendência para voltar ao ponto de partida e reconstituir todo o sistema e, só depois, há a possibilidade de fazer um raciocínio tal que ele possa se encaixar em qualquer ponto do sistema.

Ou seja, através dos diversos níveis prático, operatório-concreto e formal, as mesmas organizações se repetem: a necessidade de conservação e as propriedades de associação, permuta et.Isto permite a construção operatória do universo, primeiro no nível prático, em seguida no nível representado e depois, em representações de segunda ordem.

Se não for possível conservar, não há como observar transformações. É preciso conservar para entender as transformações e, no sentido subjetivo, se o indivíduo não se reconhece no tempo como sendo ele mesmo, não há transformação para ele; ele é o outro.

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- e as circunstâncias. Esta forma dramática é fixa, está fixada por leis da linguagem. Mas o que diferencia desejo/conhecimento e objetividade/subjetividade? Um critério considerado na construção do conhecimento é a percepção enquanto que o desejo está relacionado com os afetos e as emoções. As representações usadas para simbolizar o desejo tem suas origens na percepção. O conhecimento também usa a representação.

Os afetos não tem uma estrutura,é uma qualidade da representação e a representação em si é completamente diferente de uma estrutura. Pois é levado em conta todos os mecanismos que produzem a construção tanto cognitiva como afetiva.

Portanto, um conhecimento não é somente seu conteúdo, mas também a significação que esse conteúdo pode ter.

1.3 As modalidades de aprendizagem e a posição do ensinante

“Cada pessoa tem uma modalidade singular de aprendizagem que, tal como um idioma, pode distinguir-se entre outros, mas não obriga todas as pessoas que o falam a dizerem, nem a pensarem, as mesmas coisas“.

Alícia Fernández

Cada pessoa se aproxima do conhecimento de uma maneira pessoal. Tal modalidade de aprendizagem constrói-se desde o nascimento, e através dela toda pessoa se depara com uma angústia inerente ao conhecer-desconhecer.

Alícia Fernández em Inteligência Aprisionada discrimina ‘modalidade de aprendizagem’ de ‘modalidade de inteligência’.

A aprendizagem é um processo em que intervêm a inteligência, o corpo, o desejo, o organismo, articulados em um determinado equilíbrio; mas a estrutura intelectual tende também a um equilíbrio para estruturar a realidade e sistematizá-la através de dois movimentos que Piaget definiu como invariantes: assimilação e acomodação.

‘Todo ato de inteligência, por mais simples e rudimentar que seja, supõe uma interpretação da realidade externa, quer dizer,

uma assimilação do objeto por conhecer à algum tipo de

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uma acomodação às demandas ou requerimentos que o

mundo dos objetos impõe ao sujeito”.

Jean Piaget

Assim, os processos representativos são permeados por diferentes constituições de modalidades de aprendizagem cujos extremos podem ser descritos como: hipoassimilação/hiperacomodação,hipoacomodação/hiperassimilação.

Para Fernández (1991, p. 110) uma aprendizagem normal supõe uma modalidade de aprendizagem na qual se produza um equilíbrio entre os movimentos assimilativos e acumulativos.

Porem, a mesma motivação que põe o sujeito de aprendizagem em direção ao conhecimento pode tingir de perigo ou culpa o acesso ao mesmo. Há modalidades fóbicas, maníacas ou obsessivas de se aproximar do não conhecido mas não implicam em um sintoma-problema de aprendizagem. A forma como operam as modalidades que perturbam o aprender, podem ser explicadas do seguinte modo:

Hipoassimilação: está caracterizada por uma pobreza de contato com o

objeto que redunda em esquemas de objeto empobrecidos, déficit lúdico e criativo.

Hiperacomodação: pobreza de contato com a subjetividade, superestimulação

da imitação, falta de iniciativa, obediência acrítica às normas, submissão.

Hipoacomodação: pobreza de contato com o objeto, dificuldade de

internalização de imagens, falta de estimulação ou de abandono.

Hiperassimilação: predomínio da subjetivação, desrealização do pensamento,

dificuldade para resignar-se.

As modalidades de aprendizagem estão necessariamente ligadas à estrutura de personalidade, sendo assim Alícia Fernández argumenta o seguinte em Inteligência Aprisionada (1991, p.112):

“...ante o perigo que implica aceder ao conhecimento e a angústia que acompanha o sujeito, há diferentes saídas possíveis. Aprender, ir construindo o saber, apropriar-se do conhecimento é uma delas. Outro caminho possível é fazer um sintoma, um problema de aprendizagem ou uma inibição cognitiva.”

Aprender é apropriar-se, apropriação que se dá a partir de uma elaboração objetivante e subjetivante.

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alguma estrutura hierárquica e de classe, enquanto que o desejo tende a apropriar-se do objeto, incluindo-o em alguma metáfora própria (elaboração subjetivante).

O sintoma cristaliza a modalidade de aprendizagem em um determinado momento, e a partir daí esta perde a possibilidade de ir transformando-se e de ser utilizada para transformar.

O sintoma implica colocar em outro lado, jogar fora, atuar o que não se pode simbolizar, enquanto que a simbolização permite ressignificar e a resssignificação, possibilita que a modalidade possa ir se modificando.

Segundo Alícia Fernández em Inteligência Aprisionada (1991, p.117)

“Ao não poder estabelecer este processo de ressignificação interno à própria modalidade de aprendizagem, esta modalidade fica enrijecida, impedindo ou dificultando a aprendizagem de determinados aspectos da realidade.”

O sintoma-problema de aprendizagem implica o fracasso da simbolização ante a anulação do desconhecimento.

O sentimento de perigo concomitante a toda busca do conhecimento e a angústia que transpassa a necessidade de conhecer são comuns a todo ser humano e dizem respeito à cisão constituinte do mesmo, criando um ser castrado, um ser que joga constantemente com o desejo de não depender absolutamente de ninguém ou depender absolutamente de outro.

A modalidade de aprendizagem supõe um molde relacional que se repete e muda ao longo da vida de uma pessoa diante das diferentes formas de relacionar-se com o objeto de conhecimento, consigo mesmo como sujeito autor e com o outro como ensinante.

Alícia Fernández em Idiomas do Aprendente (2001, p.78) observa:

“Quem ensina mostra um ‘signo’ do que conhece. Quem aprende toma, ‘agarra’ esse signo para construir os próprios. O que o ensinante entrega não é o mesmo que o aprendente toma.”

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Ampliando essa afirmação para o âmbito escolar Sara Paín afirma em A Inteligência Aprisionada (1991, p.82).

“A função da educação pode ser alienante ou libertadora, dependendo de como for usada, quer dizer, a educação como tal não é culpada de uma coisa ou de outra, mas a forma como se instrumente esta educação pode ter um efeito alienante ou libertador.”

Quem ensina precisa por em jogo seu saber, apelando simultaneamente às posições, aprendente e ensinante. Embora seja um processo intrasubjetivo, acontece na intersubjetividade.

A modalidade de ensino, embora se constitua desde o início da vida, é, de algum modo, uma construção a partir da própria modalidade de aprendizagem. Por isso, para modificar a modalidade de ensino, é preciso ressignificar a modalidade de aprendizagem.

Alícia Fernández (2001, p. 106-109) menciona quatro modalidades de ensino (mostrar, guardar/esconder ocultar/exibir e desmentir) que transitam entre três instâncias de acordo com o posicionamento assumido: quem ensina, quem aprende e o objeto de conhecimento.

Uma modalidade de ensino saudável articula simultaneamente o mostrar e o

guardar o que se conhece, sem necessidade de exibir ou esconder por insegurança, temor, culpa ou vergonha.

Mas há modalidades de ensino que patologizam a aprendizagem e assim se caracterizam:

-modalidade de ensino exibicionista - a posição do ensinante provoca impossibilidade do aprendente relatar aquilo que somente ele sabe dizer. Acaba interpelando seu relato por achar que pode advinhar o que acontece ou o que ele pensa.

-modalidade de ensino ‘adulto detetive’ - apresenta como característica a possibilidade de transformar o conhecimento em delação em decorrência da desconfiança. O aprendente é prejudicado em sua forma de constituir sua subjetividade como ensinante. Aprende que não é importante ter um espaço necessário de confiança para que possa fazer relato e construção de conhecimento.

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Uma modalidade de ensino supõe um modo particular de organização entre uma série de elementos heterogêneos:

- certo modo relacional entre si mesmo como quem conhece, o outro como quem pode conhecer e o objeto de conhecimento como objeto que se constrói entre ambos.

- um reconhecimento de si mesmo como autor. - um tipo de relação com o saber.

- a facilitação ou a restrição de vínculos solidários com pares da mesma faixa etária.

- experiências de vivência de satisfação ao ser continente, ou ao ter algo para dar ao outro que possa ser bem-recebido.

Para aprender são necessárias modalidades ensinantes que simultaneamente possam mostrar e guardar.

Somente se o ensinante ao mesmo tempo ‘mostra e guarda‘, o aprendente poderá conectar-se com o desejo de conhecer, elegendo e selecionando de acordo com sua história aqueles conhecimentos que poderão articular-se com seu saber.

Se o ensinante esconde o conhecimento, o aprendente pode significar seu pensar como um espiar, com a carga de culpa que isso gera pode expiar sinto matizando sua aprendizagem com a frase: “não posso”.

Se em vez de mostrar-guardar o conhecimento, o ensinante desmente o aprendente pode resignar-se, impedir, anular sua possibilidade de pensar assumindo uma atitude com a frase: “não sei” (oligotimia).

Sara Paín apud Alícia Fernández (2001, p.115) percebeu que o problema de aprendizagem oferece um terreno privilegiado para estudar as relações entre a dimensão cognitiva, objetivante, lógica e a dimensão simbólica, subjetivante dramática e ainda afirmou:

“no campo da produção inconsciente, as operações inteligentes podem cair na armadilha das equivalências simbólicas, perdendo sua capacidade específica de construir a realidade para passar a metaforizar o perigo do conhecimento, o que dá lugar a diferentes transtornos de aprendizagem configurados como sintomas ou inibição cognitiva.”

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CAPÍTULO II

“A linguagem é o veículo de simbolização, sem o qual o pensamento nunca pode se tornar realmente socializado e possivelmente lógico. Mas o pensamento todavia está longe de ser uma questão puramente verbal. Em essência, o que acontece é que a linguagem, adquirida primeiro através dos auspícios de uma função simbólica que surgiu antes, levará reflexivamente a uma assistência tremenda ao desenvolvimento da última.”

Flavell, 1963, p.155.

2.1 Desenvolvimento da linguagem

A aquisição e desenvolvimento da linguagem é obviamente dependente dos processos sensório-motores e se estes processos são o que eles significam para a cognição, então, nitidamente, o uso da linguagem depende da cognição.

A visão piagetiana postula, como não poderia deixar de ser, que a criança só pode conhecer, ou seja, construir seus conhecimentos, na e pela ação individual que exerce sobre os objetos à sua volta. A criança de Piaget é essencialmente, uma criança ativa.

Os esquemas de ação referem-se àquilo que é comum nas diferentes ações realizadas.

Isso significa que a cognição independe da linguagem, uma vez que a criança pequena, que ainda não aprendeu a falar, pode resolver muitos e diversificados problemas de seu espaço imediato, fazendo uso constante de sua inteligência prática, ou, melhor dizendo, de uma inteligência que se pauta na sensibilidade e na motricidade.

Na concepção de Piaget, o privilégio não é dado à linguagem e, sim, à função simbólica, cujo aparecimento inaugura o período pré-operatório.

A função simbólica, que diz respeito à capacidade humana de representar algo por um sinal, um símbolo ou objeto, inclui: a imagem mental, o desenho, o jogo simbólico, a imitação diferida (que se realiza quando o modelo não mais se encontra presente) e sobretudo, a linguagem.

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inteligência “pensamento”.

Nesse novo nível, a criança deve reconstruir, em temos conceituais, tudo o que já adquiriu no plano das ações: esquemas devem ser reconstruídos em um campo novo e muito mais amplo-o do passado e do futuro - visto a função simbólica permitir a representação e o pensamento. Assim, parece que existe uma relação de anterioridade entre cognição e linguagem, dada a presença até os 2 anos de idade, de um tipo peculiar de inteligência - a prática - que atua sobre o real independentemente da linguagem.

Quando a função simbólica é construída, a linguagem preenche, de imediato, outras funções que não as de comunicação, e uma análise dessas outras funções é reveladora de aspectos importantes da estrutura intelectual da criança. Centro involuntário de seu universo, a criança leva em conta apenas e exclusivamente seu próprio ponto de vista - seus esquemas e percepções - nas diferentes atividades em que se envolve.

Para ela, não existe a possibilidade de considerar a perspectiva do outro, ou seja, de perceber que o ponto de vista que adota é apenas um entre vários. Dessa forma, grande parte da “conversa” é consigo mesma: faz uso, mesmo quando em companhia de outras pessoas, de uma modalidade particular da linguagem - a egocêntrica - que carece da intenção de comunicar ou de entender o ouvinte. Posteriormente, a linguagem egocêntrica tende a fragmentar-se, a tornar-se sussurrada, até que finalmente desaparece. Em seu lugar, fica a linguagem socializada, que cumpre, efetivamente, uma função comunicativa, visto permitir a coordenação genuína de pontos de vista.

Segundo Piaget o que faz a criança se libertar do egocentrismo é a interação social, particularmente aquela que se passa no grupo de mesma idade. O convívio com os companheiros, notadamente em situações de conflito e de discussões, força a criança a reexaminar suas percepções, conceitos e idéias à luz das percepções, conceitos e idéias daqueles com quem interage.

Mas Vygotsky, foi além da visão Piagetiana. Em sua concepção, a criança além de ativa é essencialmente interativa. Vê o psiquismo humano como uma

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É pois, na e pelas interações dos homens que os signos se originam, vindo a constituir instrumentos que permitem a troca e a comunicação entre as pessoas. Ora, signos são palavras, e a palavra écarté inerente da linguagem. Ao privilegiar os instrumentos simbólicos (que regulam as ações sobre o psiquismo das pessoas) sobre os físicos (que regulam as ações sobre os objetos) Vygotsky faz da linguagem o ponto nodal de sua teoria. Sua unidade de análise é então, o significado da palavra,uma vez que este faz parte tanto da linguagem (enquanto sonoridade) quanto do pensamento (enquanto conceito).

A aquisição da linguagem é uma conquista importante do desenvolvimento, a criança, já ao nascer, encontra-se mergulhada no campo do simbólico, sendo dele parte integrante, na medida em que suas ações são, sempre, significantes para os outros, que lhes atribuem significado específico, em um sistema de condutas sociais.

Instrumentos de interação, os signos, além de propiciarem a comunicação, cumprem um papel central na regulação da conduta humana: de regulação externa, próxima aos estímulos e aos processos de condicionamento, passam para uma regulação de caráter interpessoal, até serem internalizados, convertendo-se em instrumentos internos e objetivos da relação que cada indivíduo mantém consigo mesmo.

Para Vygotsky, a consciência humana, é entendida enquanto experiência de muitas experiências: por meio da internalização dos instrumentos de relação entre as pessoas (os signos). Com isso, a consciência tem origem e natureza social, sendo semioticamente estruturada, ou, melhor dizendo, semanticamente estruturada.

A consciência é entendida, tal como as funções psicológicas superiores, como mecanismos de significação, ou seja, como formas que apreendem o real não de maneira direta e imediata, e sim através de categorias e conceitos, cujo significado muda ao longo do desenvolvimento.

A conexão pensamento/linguagem tem sua origem no desenvolvimento e se torna mais estreita em seu decorrer, constituindo o pensamento verbal, ou seja, a base essencial da estrutura semântica da consciência.

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desenvolvimento: linguagem converte-se em pensamento e pensamento em linguagem

Para Vygotsky:

“o verdadeiro sentido da palavra é determinado por tudo aquilo que na consciência, se relaciona com a palavra expressa. (...) Em última instância, o sentido de uma palavra depende da compreensão que se tenha do mundo como um todo e da estrutura interna da personalidade”.

Os conceitos não são entidades independentes dentro do funcionamento psicológico, mas formam parte de um todo complexo, no qual os elementos se relacionam entre sim de maneira constante e dinâmica, produzindo permanentemente o psiquismo humano, com formas de pensamento heterogêneas, que convivem no interior do mesmo sujeito.

Os seres humanos estão em constante interação com objetos de ação e de conhecimento, com signos e significados culturais e com outros sujeitos, em situações de construção coletiva de significados. A relação entre signos, sujeitos, significados e objetos, complexa, constante e intensa, gera conceitos e redes conceituais que nunca estão acabados, definitivos, mas sempre sujeitos a transformações.

Em ‘Sobre significação e sentido’ Ana Luiza Smolka(2004) argumenta:

“É nas práticas sociais que se ancoram as possibilidades de significação, compreensão, de conhecimento e de sentido. Onde a experiência compartilhada (nunca a mesma para todos) ganha lugar construção para relações interpessoais, que vão acontecendo, vão se legitimando e se instituindo. (...) Não há sentido predefinido, há múltiplas determinações que vão produzindo sentidos também múltiplos. (...) A produção é inescapavelmente conjunta, a resultante nem sempre controlada. (...) A significação, como produção de signos e sentidos, é (resultante de) um trabalho coletivo em aberto, que implica ao mesmo tempo acordo mútuo, estabilização e diferença”.

Pode-se ainda acrescentar que do ponto de vista fonoaudiológico a função linguagem desenvolve-se graças à capacidade de a criança fazer corresponder uma produção verbal a uma representação mental. A atitude de falar é essencialmente humana; a capacidade de falar precede ao biológico e ao social.

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regular as ações, poder evocar coisas ausentes (simbolizar), trocar emoções. Para falar, são necessários basicamente dois aspectos:

1) Aspectos físicos:

- possuir um centro de linguagem íntegro - possuir um aparelho fonador íntegro

2) Aspectos do meio ambiente: - escutar falar

- estímulos do ambiente - associações

- segurança afetiva e física

O retardo de linguagem pode ser estudado por, pelo menos, três vertentes: a medicina, a lingüística, a psicologia e atualmente também, a fonoaudióloga.

A medicina tem como preocupação determinar a causa (etiologia), a lingüística tem por objetivo classificar os desvios da linguagem como fonético, fonológico, semântico ou sintáxico. A psicologia procura relacionar o atraso de linguagem ou a relação existente entre linguagem e cognição ou a relação entre linguagem e comportamento. A fonoaudiologia lida com a linguagem patológica, abrangendo então várias perspectivas: comportamental, cognitivista, pragmática ou integracionista.

Algumas ciências ocuparam-se com o estudo da aquisição da linguagem:

- Comportamental (Skinner, 1957 - Bandura 1969)

A criança aprende a linguagem por influência do meio ambiente sem levar em conta suas capacidades inatas. Tem suas origens no condicionamento de Pavlov. O bebê aprende com nove meses a prestar atenção às vozes das pessoas em sua volta, imita o comportamento e as pessoas ao redor prestam atenção.

O propósito de Skiner ao formular sua teoria não foi de recusar a lingüística nem de substituir seu modo de análise. Ao contrário, foi para ficar bem marcada a diferença entre o objeto e a intenção que ele escolheu o termo verbal behavior

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Inatismo (Chomsky, 1965 - McNeil 1970)

O bebê nasce com (é inato) o equipamento físico básico (neural e estrutural) para falar, bastando para isso estar exposto à língua. Ninguém ensina as regras da língua à criança, ela adquire isso sozinha. Para Chomsky e McNeil, a criança nasce com LAD (language aquisition device ou equipamento de aquisição de linguagem) Para esses autores, desempenho e competência são diferentes. O fato central é que todo sujeito adulto falante de uma língua qualquer é capaz, a todo o momento, de emitir espontaneamente ou de perceber e a compreender um número infinito de frases que, muitas vezes, ele nem sabe pronunciar ainda. Todo sujeito possui então competência lingüística. O desempenho da função de falar, no entanto, submete-se às limitações de múltiplas variáveis extralingüísticas. Quando se fala em

competência, pode-se fazer referência ao modelo da teoria da aquisição da

linguagem e, ao falarmos em desempenho, estaremos fornecendo as bases do modelo do atraso da linguagem.

Estrutural (Bloom, 1973 - Brown, 1973)

A criança desenvolve competência tanto na compreensão como na expressão, estruturando sua linguagem. Ela passa o uso de palavras individuais ao uso de frases, igual ao modelo adulto. Primeiro, ela usa substantivos, verbos, adjetivos que se referem a pessoas, objetos, ações e qualidades. Depois, emprega pronomes, artigos preposições e verbos auxiliares. Em todos os idiomas é sempre a mesma estrutura.

Pragmática (Bates 1975 - Bruner 1975 - Halliday 1975)

Nos anos 70 a atenção voltou-se para o fator como as crianças utilizam a linguagem. Bates e Bruner dizem que a interação humana e as experiências do bebê estabelecem diversos papéis pragmáticos ou práticos muito antes que a criança esteja usando a linguagem real. Ela aprende que a situação ou o contexto tem relação com a forma das frases a construir. A criança fala com um propósito, ela aprende cedo quando dizer, o quê, para quem.

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desenvolve a linguagem, ela está aprendendo conceitos do mundo através da sua própria linguagem; dessa maneira ela esta construindo a noção de realidade, o que depende de habilidades cognitivas.

Biológica (Lenneberg, 1967)

Lenneberg em 1967 escreveu: “há evidências de que os tecidos do cérebro e do resto do corpo constituem uma unidade orgânica interdependente”. Os hemisférios cerebrais são especializados e trabalham em conjunto para facilitar a comunicação (HD- ritmo, tonalidade, emoções e HE - Compreensão e produção da linguagem). Os neurônios estão no seu lugar no momento do nascimento e as conexões entre células e áreas associadas necessárias para a linguagem, expandem-se rapidamente. Molfese (1990) demonstrou haver diferenças na resposta cerebral elétrica de crianças pequenas a palavras que elas aprenderam e a palavras que elas ainda não conheciam.

LOCKE (1990) colocou: “ a linguagem tanto pode ser inata e aprendida como possuir determinadas características biológicas que podem predispor uma criança a prestar mais atenção a informações relevantes à linguagem e aprender mais sobre ela. A partir deste ponto é mais produtivo explorar as interações entre a criança e suas experiências do que dividi-las artificialmente.

Segundo Jakybovicz (Atraso de linguagem, 2002 p.5):

“A linguagem é expressão, comunicação aprendida de alguma maneira, mas requer o conhecimento mínimo de experiências sociais, emocionais, psíquicas e cognitivas”.

Filogênese

Para Hockett (1972), o sistema de comunicação humana difere das outras espécies, sobretudo em 5 aspectos ou distinções:

1) Criatividade: novas frases podem ser geradas livremente e facilmente elaboradas sem nunca terem sido treinadas antes.

2) A comunicação é produzida e compreendida imediatamente devido a duas características:

- cada língua tem uma gramática que contém elementos significativos (palavras e frases) e que usa como mediadores elementos diferenciados (sons da língua).

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circunstâncias.

3) Uso da linguagem: a relação entre o elemento lingüístico e sua denotação ou significação é arbitrária ou independente.

4) Deslocamento: a linguagem é usada para se referir a coisas que podem ser remotas no tempo, no espaço ou em ambas. A comunicação humana pode:

- contar sobre o passado ou futuro. - comunicar algo sobre a comunicação. - formar hipóteses e mentiras.

5) A linguagem pode ser aprendida: um falante da linguagem humana pode aprender outra linguagem, um falante pode ser ouvinte e vice-versa. Hockett diz que embora alguns animais contenham elementos semelhantes, nenhum deles possui os que foram descritos. Mas outros fatores diferem a comunicação do animal da comunicação da espécie humana na área fisiológica, no meio e na estrutura:

- a memória do homem é finita e isso se deve ao fato de o nosso repertório ser reduzido. Se não fosse assim, iríamos ter uma memória infinita, capaz de armazenar frases e regras sempre diferentes umas das outras, o que iria causar transtornos para armazenagem.

- uso do canal auditivo-vocal. O repertório usado possui elementos que podem ser articulados e ouvidos pelo organismo humano.

- o repertório com significado é armazenado e manipulado; ele tem padrões capazes de serem guardados na memória, produzidos e compreendidos pelo organismo.

Tudo indica que a capacidade da raça humana em adquirir linguagem se deve ao funcionamento do seu sistema nervoso central, muito mais do que a suas estruturas físicas. Nenhuma espécie animal possui um sistema nervoso central igual ao do homem, nem capacidades iguais às dele.

Regina Jakubovicz ( Atraso de Linguagem, 2002, p.9) afirma:

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DESENVOLVIMENTO FONÉTICO/FONOLÓGICO

A fonologia e a fonética tratam dos fonemas, a relação destes na sílaba, a distribuição das sílabas na palavra e a prosódia (melodia da voz, ênfases). Ao mesmo tempo em que a criança aprende o significada de uma palavra, ela aprende a pronunciá-la. A língua é um sistema que se organiza através de regras. A criança gradativamente monta um sistema lingüístico a partir do padrão do meio ambiente adulto. Não é questão de adquirir regras uma a uma. É uma organização hierárquica, onde um nível superior só é atingido se os níveis mais baixos ou inferiores já estiverem adquiridos.

A criança organiza sua linguagem da mesma maneira que faz outras aquisições cognitivas ou de raciocínio, isto é, tentando e experimentando. Na sua experimentação aparecem equívocos considerados ERROS por não seguirem o padrão adulto. Muitas vezes estes erros são produtos de uma organização própria que não coincide com a norma ou regra da linguagem adulta.

A aquisição da linguagem se dá de maneira SINCRÉTICA, isto é, a fala acompanha a ação e é parte integrante de experiências visuais, olfativas, gustativas, táteis e auditivas. A criança deverá associar as frases que ouve a uma determinada experiência e ela poderá fazer isso de forma errada ou não.

A aquisição dos fonemas não se dá de um som a outro som. A criança organiza seu sistema fonológico partindo de oposições básicas. A aquisição dos fonemas não parece ser realizada exclusivamente por imitação dos sons propostos pelo meio ambiente, mas sim por um elemento mais forte que seria a seleção e diferenciação dos sons produzidos espontaneamente pela criança. As primeiras vocalizações espontâneas costumam ser emissões vocais muito breves. Somente aos seis meses aparecerão diferenciações entre as vogais e consoantes que, contudo, ainda não correspondem aos sons da língua.

A ordem de aquisição dos fonemas, depende, em grande parte, do nível de dificuldade sensório-motor, visto que certos sons envolvem um grande número de músculos, alguns exigindo controle preciso da amplitude do movimento e da coordenação fina. Certos sons possuem um uso mais freqüente do que outros. Vogais e consoantes desenvolvem-se paralelamente, mas as vogais são mais utilizadas do que as consoantes, apesar de estas possuírem um valor informativo mais importante para o sentido.

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concomitante muito mais do que interativa. Molfese e Betz (1987) consideram três perspectiva:

Uma perspectiva sugere maturação separada da lateralização cerebral para processos de linguagem e processos motores. Outra, descreve o desenvolvimento motor e lingüístico como processos que compartilham lugares justapostos no hemisfério cerebral. Na terceira perspectiva, o desenvolvimento motor e da linguagem evoluem em sincronia devido à maturação geral do sistema nervoso central.

DESENVOLVIMENTO SEMÂNTICO

A semântica é a relação entre o significado (referente) e o significante (o som e a palavra). Tudo indica que seja à medida que as crianças ouvem palavras associadas a ações e sentimentos que elas comecem a fazer ligações cognitivas entre as palavras com o sentido e as ações ou idéias. A partir deste ponto, ela começa a usar nomes para referir-se a... Ou a representar objetos e eventos ausentes ou presentes.

Dois tipos de sentido começam a desenvolver-se: os denotativos e os conotativos. Os primeiros são aqueles que exprimem um sentido literal da palavra, por exemplo: água-líquido incolor que nasce em fontes. Os conotativos são ligados a uma imagem real, no caso água é o que vem num copo que a mamãe tira da geladeira ou do filtro.

A partir da relação que a criança estabelece com tudo aquilo que a rodeia (pessoas, objetos, sons, cheiros, etc.), ela vai adquirindo o significado das palavras e expressões que acompanham a descoberta do mundo em que vive e isso é o que chamamos sincretismo. Essa relação sincrética pode-se dar de várias maneiras:

a) o objeto é conhecido antes da palavra. Por exemplo: a palavra mamar é integrada depois do contato com a mamadeira.

b) a palavra surge antes do seu real significado. Exemplo: a palavra quatro surge antes do domínio da noção numérica.

c) supergeneralização: a palavra é generalizada para objetos semelhantes. Exemplo: AU-AU, além de ser relacionado ao cachorro, passa a denominar todos os animais de pêlo.

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coelhos.

e) relação equivocada: a palavra é relacionada ao objeto errado.

DESENVOLVIMENTO LEXICAL

A palavra ’desenvolvimento’ pode ser definida como um ato ou um processo de progressão natural evoluída de um estágio inferior ou prévio para um mais avançado e/ou mais complexo.

Ao final do primeiro ano de vida, a criança começa a produzir formas de comunicação estáveis e que contêm alguns elementos de significação. Holiday (1975) distingue as funções de base da comunicação da seguinte maneira:

-Instrumental: para satisfazer as necessidades, obter coisas.

-Reguladora: para poder controlar o comportamento dos outros de acordo

com suas necessidades.

-Interativa: para fazer uma tomada de consciência do meio, interagir.

-Pessoal: para mostrar interesse, satisfação ou insatisfação.

-Heurísticas: para saber o porquê das coisas, aprender.

-Imaginativa: para criar seu próprio ambiente de acordo com o que imagina.

-Informativa: para fazer trocas com o ambiente.

DESENVOLVIMENTO SINTÁXICO

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A estruturação das frases sofre modificações no curso do seu desenvolvimento.

DESENVOLVIMENTO DA MORFOLOGIA

A morfologia é a composição da palavra em morfemas (partes) que dão significados variados de tempo, pessoa, gênero (come, comeu, o rato, a rata, eu saio, você sai). O morfema é a menor unidade de uma língua que possui sentido.

A morfologia estuda os morfemas e a maneira como eles são conectados para formar palavras. Indica como as palavras são formadas e faz uma ligação entre a fonologia e a sintaxe.

Existem os morfemas livres ou aqueles que podem sustentar-se: caderno (um morfema). Existem os morfemas ligados, pois, além de incluírem sufixos ou afixos, eles modificam o sentido das palavras (lentamente-dois morfemas: lento e o sufixo de modo mente). A organização da palavra em morfemas só começa a ser observada na fala infantil quando a criança começa a fazer transferências.

Outras habilidades não-lingüísticas que acompanham, em paralelo, o desenvolvimento da linguagem são:

.percepção auditiva

.desenvolvimento cognitivo .desenvolvimento do jogo .desenvolvimento da preensão .desenvolvimento da locomoção

.desenvolvimento da percepção das formas .desenvolvimento da alimentação

Para que a criança desenvolva a linguagem no tempo devido, o ambiente deve oferecer estimulação suficiente. Existem casos de crianças no período crítico da aprendizagem que ficam o dia todo sozinhas ou trancafiadas e que pela falta de atenção ou de estimulação acabam significativamente atrasas na aquisição da linguagem. Existem casos extremamente opostos em que a criança é superprotegida pelos pais ou babás que falam pela criança, não lhe dando nenhuma chance de praticar a fala e a linguagem.

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2.2. O processo de alfabetização e suas implicações

As palavras se propõem ao homem como coisas a decifrar.” Foucault

Baseados na teoria de desenvolvimento intelectual de Piaget, Marsh, Friedman, Welsh & Desberg (1981) descrevem o desenvolvimento da leitura e da escrita em quatro estágios: adivinhação lingüística, aproximação visual, decodificação seqüencial e decodificação hierárquica.

O estágio da adivinhação lingüística caracteriza-se pela aquisição de um

vocabulário visual, ou seja, um pequeno grupo de palavras que podem ser reconhecidas visualmente pela criança, como se fossem desenhos.

No segundo estágio, denominado estratégia de aproximação visual, há um

reconhecimento de certas características gráficas das palavras. A criança passa a fazer comparações com palavras já reconhecidas de seu vocabulário visual, encontrando algum nível de similaridade visual, valendo-se de pistas contextuais para auxiliar nessas comparações. Essas características gráficas podem ser desde o tamanho da palavra até a letra inicial.

O terceiro estágio, decodificação seqüencial, ocorre por volta dos sete anos,

sendo caracterizado pelo início do processo de decodificação mediante aquisição de algumas regras simples de correspondência fonema-grafema.

Finalmente, no quarto estágio, decodificação hierárquica, há a decodificação completa e a criança utiliza regras contextuais para cada novo estímulo.

Para Seymour & McGregor (1984) e Frith (1985), o desenvolvimento da leitura e da escrita ocorre em três etapas:

A primeira etapa é a logográfica, onde há o desenvolvimento do léxico

logográfico com acesso direto da palavra escrita à memória semântica. É nessa fase que as crianças que vivem em ambientes com muita exposição à escrita de logomarcas são capazes de ler com desenvoltura as mais freqüentes, como, por exemplo Coca-Cola. O papel desse tipo de reconhecimento da palavra para o desenvolvimento da capacidade de leitura é, no entanto, controverso, pois ignora a correspondência grafema-fonema em um nível sublexical.

Na segunda etapa a alfabética se inicia o processo de associação

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reconhecer as letras e associa-lãs aos sons apropriados; também do que não é suficiente memorizar os sons de cada uma delas. Para usar esses sons, a criança precisa perceber que eles representem e constituem a linguagem falada. Este é o insigth alfabético que subjaz às capacidades de decodificar foneticamente as palavras e dominar o princípio alfabético da escrita.

A terceira etapa a ortográfica se caracteriza pelo uso de seqüências de letras

e padrões de ortografia para reconhecer palavras visualmente, as relações entre grafemas são estabelecidas, o que possibilita a escrita e palavras irregulares.

Para Seymour (1984), os níveis mais avançados de leitura dependem da formação de uma estrutura central, chamado estrutura ortográfica, a qual se

desenvolve desde uma unidade central básica até incorporar, paulatinamente, partes mais complexas. Essa estrutura ortográfica codifica tanto as propriedades gerais de associação grafema-fonema como as propriedades lexicais específicas, além do que ela está sob o domínio das categorias fonológicas, sobretudo daquelas relacionadas à estrutura hierárquica das sílabas.

Mortos (1989), baseado no modelo de desenvolvimento de estratégias ao longo das etapas proposto por Frith (1985, 1990), sugere que o processo de alfabetização ocorre na seguinte ordem:

-Leitura logográfica: as crianças tratam as palavras como se fossem desenhos e usam pistas contextuais em vez de decodificação alfabética.

-Escrita logográfica: as crianças adquirem um vocabulário visual de palavras, incluindo seus próprios nomes, mas não são influenciadas pela ordem em que as letras aparecem nas palavras, exceto pela letra inicial.

-Escrita alfabética: as crianças tornam-se capazes de fazer o acesso à representação fonológica das palavras, bem como de isolar fonemas individuais e de mapeá-los nas letras correspondentes. Contudo, de modo a poder fazê-lo, elas precisam conhecer as correspondências entre os grafemas e os fonemas.

-Leitura alfabética sem compreensão: as crianças tornam-se capazes de converter uma seqüência de letras em fonemas, contudo elas ainda são incapazes de perceber o significado que subjaz à forma fonológica que resulta da decodificação fonológica.

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-Leitura ortográfica: as crianças tornam-se capazes de ler por reconhecimento das unidades morfêmicas, ou seja, passando a fazer acesso direto ao sistema semântico.

-Escrita ortográfica: as crianças tornam-se capazes de escrever usando um sistema léxico-grafêmica que dá conta da estrutura morfológica da cada palavra.

O processamento fonológico como habilidade necessária à alfabetização é fundamental e está dividido em três tipos de operações mentais: o acesso ao Léxico mental, a memória de trabalho fonológica e a consciência fonológica.

A expressão acesso ao léxico mental refere-se à habilidade de ter acesso

fácil e rápido à informação fonológica estocada na memória de longo prazo. Essa eficiência no acesso léxico parece facilitar o uso de informações fonológicas nos processos de decodificação e codificação durante a leitura e a escrita. Logo, diferenças individuais na habilidade de obter acesso lexical em pré-escolares tendem a ser fortes preditores do desempenho de leitura de palavras na primeira série. (Torgesen ET al., 1994).

A expressão memória de trabalho fonológica refere-se tanto ao

processamento ativo quanto ao armazenamento transitório de informações fonológicas (Eysenck & Keane, 1990), e reflete habilidades de representar mentalmente características fonológicas da linguagem. Crianças com dificuldades severas de leitura e escrita também freqüentemente apresentam distúrbios na memória de trabalho fonológica.

A consciência fonológica refere-se tanto à consciência de que a fala pode ser

segmentada, quanto à habilidade de manipular tais segmentos.

A consciência fonológica é um tipo de consciência metalingüística. Segundo Tunmer e Cole (1985), consciência metalingüística é a habilidade de desempenhar operações mentais sobre o que é produzido por mecanismos mentais envolvidos na compreensão de sentenças.

Portanto, a consciência metalingüística envolve tanto a consciência de certas propriedades da linguagem quanto a habilidade de tomar as formas lingüísticas como objetos de análise.

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alfabéticas, permite a auto-aprendizagem pelo leitor, pois, ao se deparar com uma palavra nova, ele a lerá por decodificação fonológica. Este processo aos poucos contribuirá para criar uma representação ortográfica daquela palavra, que poderá, então, ser lida pela rota lexical. Ou seja, o próprio processo fonológico é que possibilita a posterior leitura lexical (Share, 1995).

Para Byrne e Fielding-Barnsley (l989), a aquisição do princípio alfabético é uma condição necessária para a aquisição da leitura. Três fatores são necessários para a aquisição do princípio alfabético:

- a consciência de que é possível segmentar a língua falada em unidades distintas.

- a consciência de que tais unidades reaparecem em diferentes palavras faladas e

- o conhecimento das regras de correspondência grafo-fonêmicas.

Share (1995) concorda que estes três fatores são indispensáveis para a alfabetização e consequentemente afirma que o mecanismo fonológico é indispensável para a leitura competente. Procedimentos para desenvolver consciência fonológica que incluam tanto a segmentação quanto a combinação de fonemas podem promover ganhos significativos, facilitando a aquisição da leitura e da escrita alfabética. O desenvolvimento da consciência fonológica pode ser uma forma de facilitar o processamento (temporal ou fonológico) necessário para o domínio da fala e da escrita.

Mas ainda é preciso sinalizar sobre a relevância de estratégias fônicas durante a alfabetização. Duas abordagens principais se destacam em relação a essa questão: o método fônico e o método global.

O método fônico propriamente dito, preconiza o ensino sistemático e explícito

das correspondências entre as letras e seus sons nasceu provavelmente no século XVI, com educadores alemães.

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conhecimento das correspondências letra-som seria adquirido naturalmente pelas crianças após o reconhecimento total da palavra estar bem estabelecido. O método global difundiu-se nas escolas no presente século, e um dos maiores pesquisadores sobre tal método tem sido Goodman (1976, 1986). As idéias do método global soavam como progressistas e sensíveis às necessidades das crianças, buscando desenvolver a criatividade destas e permitindo a elas próprias ‘descobrirem’ os princípios subjacentes à leitura e à escrita, em vez de submetê-las a programas estruturados e sistemáticos como os programas fônicos e seu ensino sistemático e explicito de correspondências grafema-fonema.

O problema é que nem todas as crianças conseguem aprender os princípios da língua escrita quando estes não são explícita e sistematicamente ensinados pela professora, tal como ocorre na postura característica do método global.

O uso do método fônico não visa renegar a motivação dos alunos ou abandonar a importância do significado que o texto lido tem para a criança.

A diferença entre o método fônico e o método global refere-se a ênfase que é colocada sobre o ensino do princípio alfabético. No método fônico, o domínio deste princípio é visto como absolutamente necessário para a compreensão eficaz da leitura. (Adams, 1990).

O modelo conexionista de Seidenberg & McClelland (1989) descreve quatro

processadores interligados e conectados entre si envolvidos no processamento da linguagem escrita:

-processador ortográfico- representa o conhecimento visual das palavras escrita. É o processamento de seqüências ordenadas e conectadas de letras correspondentes a palavras familiares que os dá a sensação de reconhecê-las instantânea e holisticamente.

-processador semâtico - armazena significados de palavras familiares como conjuntos de elementos de significados mais primitivos interassociados. A compreensão da leitura depende da experiência de vida de cada leitor, o que de fato torna essa experiência tão singular.

-processador contextual- representa o conhecimento do contexto em que este enunciado se insere (Adams, 1991) e está a serviço da construção de uma interpretação coerente durante o processo de leitura do texto. Isto quer dizer que quando um leitor domina o assunto de um determinado texto, o processamento ortográfico será muito mais rápido.

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da leitura: provê um sistema alfabético de suporte, indispensável à manutenção da velocidade e à precisão do reconhecimento da palavra necessária para a leitura produtiva. Assim como promove um meio de expandir a memória durante a leitura, para as palavras individualmente, essencial para a compreensão do texto.

A grande peculiaridade deste modelo é a possibilidade de que o fluxo dinâmico de informações ‘viaje’ em todas as direções. Forma-se, desta maneira, uma verdadeira rede de conexões com diferentes pesos e forças. As inter-relações entre processadores conferem ao modelo uma aproximação real aos supostos mecanismos de funcionamento cerebral do ponto de vista das interações neuronais.

Para ampliar o conteúdo desta pesquisa, os argumentos de Emilia Ferreiro em Psicogênese da Língua Escrita (1999) demonstram que a aprendizagem da leitura, entendida como o questionamento a respeito da natureza, da função e do valor desse objeto cultural que é a escrita, se inicia muito antes do que a escola o imagina. Existe um sujeito buscando a aquisição de conhecimento e este sujeito se propõe problemas e trata de solucioná-los. Segundo Emilia Ferreiro (1999, p.8):

“a alfabetização é de natureza conceitual. A mão que escreve e o olho que lê estão sob o comando de um cérebro que pensa sobre a escrita que existe em seu meio social e com a qual toma contato através da sua própria participação em atos que envolvem o ler ou o escrever, em práticas sociais mediadas pela escrita”.

Para esta autora a importância de levar em conta o percurso do aprendiz e aquilo que ele já conhece sobre a escrita, faz toda diferença para pôr em prática o que se deve ensinar.

Portanto, a aquisição da leitura e da escrita vai transitando por vários níveis de evolução do aprendizado que respeitam a seguinte ordem observada por Ferrero:

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comprimento do traçado total se o objeto é maior, mais comprido, tem mais idade ou há maior número de objetos referidos.

Aqui a leitura do escrito é sempre global, e as relações entre as partes e o todo estão muito longe de serem analisáveis: cada letra vale pelo todo.

-nível II - para poder ler coisas diferentes deve haver uma diferença objetiva nas escritas. A forma dos grafismos é mais definida, mais próxima à das letras.

-nível III - tentativa de dar um valor sonoro a cada uma das letras que compõem uma escrita. Cada letra vale por uma sílaba é o surgimento da hipótese

silábica: a criança supera a etapa de uma correspondência global entre a forma

escrita e a expressão oral atribuída, para passar a uma correspondência entre partes do texto (cada letra) e partes da expressão oral (recorte silábico do nome). Pela primeira vez a criança traballha claramente com a hipótese de que a escrita representa partes sonoras da fala.

-nível IV - passagem da hipótese silábica para a alfabética. A criança abandona a hipótese silábica e descobre a necessidade de fazer uma análise que vá mais além da sílaba pelo conflito entre a hipótese silábica e a exigência de quantidade mínima de granas e o conflito entre as formas gráficas que o meio lhe propõe e a leitura dessas formas em termos de hipótese silábica (conflito entre uma exigência interna e uma realidade exterior ao próprio sujeito).

- nível V - escrita alfabética constitui o final desta evolução. Ao chegar neste nível a criança compreende que cada um dos caracteres da escrita corresponde a valores sonoros menores que a sílaba e realiza sistematicamente uma análise sonora dos fonemas das palavras que vai escrever. A partir daqui terá que se confrontar com questões pertinentes a ortografia mas não a escrita.

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A capacidade de decifrar a escrita, ou seja, a aquisição da escrita alfabética, não só permite a leitura com mais autonomia como também o acesso a um saber de grande valor social.

Como num ritual de passagem, a criança passa a fazer parte do mundo letrado da maioria dos adultos.

2.3 Dificuldade para aprender ler e escrever

Segundo Alícia Fernández (1991, p. 82):

“O problema de aprendizagem que constitui um ‘sintoma’ ou uma ‘inibição’ toma forma em um indivíduo, afetando a dinâmica de articulação entre os níveis de inteligência, o desejo, o organismo e o corpo, redundando em um aprisionamento da inteligência e da corporeidade por parte da estrutura simbólica inconsciente. Para entender seu significado é necessário descobrir a funcionalidade do sintoma dentro da estrutura familiar aproximando-se da história individual do sujeito e da observação de tais níveis operando.”

Crianças com distúrbio de leitura e escrita não tem muito interesse pela linguagem. O mundo das palavras não lhes atrai. Em geral, sua expressão oral é pouco organizada, seus relatos tem pobre construção frasal, faltando-lhes muitas vezes coerência e coesão. Além de dificuldades de domínio fonológico essas crianças apresentam outros distúrbios de linguagem, que incluem déficits da representação lexical e de integração sintático-semântica. (Bishop & Adams, 1990, Kahmi & Catts. 1989, Scarborough, 1991, Waltzman & Cairns, 2000). Desse modo, em conseqüência de seu déficit no processamento fonológico, apresentam dificuldade de memória verbal, vocabulário, nomeação e acesso lexical ou evocação, que em última estância, dependem das representações fonológicas.

Referências

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