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Olhar de Fortini: a presença italiana nas crônicas de Porto Alegre

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Sessão temática Literatura - 471

Olhar de Fortini: a presença italiana nas crônicas de Porto Alegre

Leonardo de Oliveira Conedera1 Resumo: O fenômeno migratório é um fenômeno complexo dentre os inúmeros existentes no espaço urbano. As cidades registram uma mobilidade permanente onde atuam diversas dinâmicas. O historiador da imigração precisa-se explorar os vários tipos de fontes disponíveis para reconstruir os percursos de um grupo migrante em um determinado meio. Então, a presente comunicação pretende analisar a imigração italiana através das crônicas realizadas por Archymedes Fortini, na primeira metade do século XX, a respeito da coletividade italiana e seus personagens.

Palavras-chaves: Imigração Italiana, Archymedes Fortini, Porto Alegre

O presente artigo pretende analisar a imigração italiana na capital gaúcha a partir das crônicas do jornalista Archymedes Fortini. Primeiramente, um contexto da imigração italiana e representatividade social no Brasil e em Porto Alegre. Em segundo momento, apresenta-se a trajetória de Fortini e suas ligações com a coletividade italiana. Por fim, analisam-se as crônicas produzidas por Fortini acerca da “colônia” italiana em sua obra: “O passado através da fotografia”.

Imigração italiana no Brasil e Porto Alegre

Em um século, de 1860 a 1960, mais de 20 milhões de pessoas abandonaram a Itália e mais de sete milhões fixaram-se no exterior. Os fluxos emigratórios recrudesceram no último quartel do século XIX. Dos portos de Gênova e Nápoles partiam navios repletos de indivíduos dispostos a buscar novas perspectivas em outros destinos (CONSTANTINO, 2007, p. 396).

A imigração é um fenômeno complexo que abrange uma multiplicidade de variáveis de expulsão e atração. No caso peninsular, inúmeras nuances favoreceram os deslocamentos de seus cidadãos (CONEDERA, 2012, p.99).

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Doutorando de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Bolsista do CNPQ. E-mail: leocone5@hotmail.com.

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Sessão temática Literatura - 472 Entre 1876 e 1914, Antonio Golini e Flavia Amato (2002, p. 48) enfatizam que a emigração dos peninsulares transcorreu, principalmente, por dois fatores de expulsão, um econômico-social e o outro político. O primeiro estava inter-relacionado com a economia pós-Unificação italiana, cujo alicerce era a agricultura e que sofreu duras perdas entre 1873 e 1879, quando houve a primeira grande depressão mundial, o que levou os preços dos produtos agrícolas a diminuírem de forma drástica. Isso ocasionou grave crise social e muitos agricultores e outros profissionais encontraram na emigração a única alternativa para as dificuldades existentes.

Outro fator vincula-se com a política emigratória tomada pelo governo italiano, que se caracterizava pela ausência de fiscalização e de tutela por parte das autoridades, visto que não havia uma lei orgânica que regulamentasse a saída dos emigrantes. Nesse período, portanto, a emigração caracterizava-se, majoritariamente, como espontânea e/ou clandestina. Também para contribuir com tal contexto a lei Crispi, de 1888, sancionou o direito de liberdade para os italianos partirem de sua terra natal. Desse modo, o binômio crise econômica e política liberal funcionou como facilitador à emigração italiana (GOLINI e AMATO, 2002, p. 49).

É importante lembrar que os peninsulares chegaram à América do Sul em um contexto de grande transformação. Vittorio Cappelli (2007, p. 12) aponta que:

A história urbana da América do Sul supera a fase da cidade capital, entrando naquela fase mais articulada da rede urbana, composta de numerosas cidades, pequenas e médias, assim como de novos municípios. Em 1870, as cidades com mais de 100.000 habitantes eram somente seis em toda a América do Sul; em 1900 tornam-se 13, e em 1930 são 35. No Brasil, no início do século XX, 10% da população vivia em cidades com mais de 10.000 habitantes. Os municípios, que eram 618 em 1871, tornam-se 1.168 em 1910; entre 1871 e 1920, aqueles que tinham como sede uma cidade com 5.000 habitantes, no mínimo, se quadruplicaram entre 1871 e 1920, passando de 200 a 800 municípios.

A América do Sul foi um dos grandes polos da migração transoceânica, onde as independências das coroas ibéricas foram alcançadas na primeira metade do oitocentos. O Brasil e a Argentina, principalmente, atraíram inúmeros imigrantes europeus para trabalharem em seus mercados internos.

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Sessão temática Literatura - 473 É importante frisar que a emigração transoceânica começou muito antes da Unificação italiana (1861). Essa era motivada por desastres naturais e baseada em uma longa frequência. Por exemplo, os soldados “napolitanos” eram mandados para a América Latina já no século XVII, assim como os contatos comerciais com as regiões americanas cresceram no decorrer do setecentos. Os Bourbons, que reinavam no sul da península, também utilizavam, no princípio do século XIX, o Novo Mundo como exílio forçado para os seus próprios prisioneiros, sobretudo os políticos. Assim, no oitocentos, a opção pelos Estados Unidos, Argentina, Brasil foi consequência de um processo já encaminhado (COLUCCI; SANFILLIPPO, 2010, p. 50-51).

Angelo Trento assinala que entre 1887 e 1902 aconteceu o fenômeno de emigração em massa de itálicos para o Brasil. Tal aspecto favoreceu, enormemente para o aumento demográfico do país (1989, p.17). O mesmo autor reintera que:

O Brasil colocava-se, assim, em 3º lugar no fluxo incessante da emigração italiana entre os anos 80 e a Primeira Guerra Mundial, depois dos Estados Unidos (5 milhões entre 1875 e 1913) e da Argentina (2.400.000) (TRENTO, 1989, p.18).

Os italianos radicaram-se em todas as regiões do país. No Rio Grande do Sul, de 1875 a 1914, ingressaram cerca de 80 a 100 mil peninsulares que formavam, então, o maior contingente de estrangeiros (CONSTANTINO, 2008, p.57). A maioria dos imigrantes encaminhou-se para as colônias criadas pelo Estado. No entanto, inúmeros italianos também se fixaram nos centros urbanos, especialmente, Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande.

Na segunda metade do século XIX, Porto Alegre era uma cidade em transformação. Na esfera comercial e industrial vislumbravam-se modificações significativas, cuja influência advinha, particularmente, das influências exercidas por imigrantes alemães e italianos, estabelecidos no Rio Grande do Sul no decorrer do oitocentos. Diégues Jr. sublinha que:

Nas Capitais, de modo geral, o imigrante foi introdutor de novos hábitos e de costumes novos, que, em grande parte, vieram modificar a estrutura luso-brasileira, baseada quase sempre em hábitos e costumes sob certos aspectos rurais, tendo em vista a

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Sessão temática Literatura - 474 transferência de populações desses meios para os novos núcleos urbanos (1964, p.245).

A maioria dos peninsulares que se fixou em Porto Alegre, desde o último quartel do oitocentos, era proveniente do mezzogiorno (CONSTANTINO, 2008, p.12). A maior parte dos imigrantes provenientes do Sul da Itália inseriram-se como pequenos burgueses na sociedade de destino dando prosseguimento ao modelo social comum no país de origem. A Itália, na ótica de Massimo Paci, “é um país caracterizado por amplas faixas de pequena burguesia independente, pequena burguesia artesã e camponesa, isto é, produtora de bens, e pequena burguesia comercial ou que presta serviços”(1982, p.82).

O cônsul Pasquale Corte em relatório de 1884 comenta que quando dirigia o consulado de Montevidéu nos anos de 1874 e 1875 expediu milhares de passaportes para imigrantes residentes em Montevidéu e Buenos Aires seguirem para o Brasil e, em especial, para o estado do Rio grande do Sul. O livro de registro de entrada de estrangeiros, entre 1877 e 1880, também confirma o deslocamento de imigrantes meridionais provenientes das cidades do Prata (CONSTANTINO, 2008, p.78).

Portanto, a capital gaúcho foi a meta de inúmeros italianos. Os imigrantes ocuparam lugares da cidade, erigiram instituições, incentivaram a prática de hábitos e novos costumes na sociedade receptora. Assim, a partir da obra de Archymedes Fortini pretende-se enfocar algumas nuances da coletividade italiana na sociedade porto-alegrense.

A trajetória de Archymedes Fortini

Archymedes Fortini nasceu em Argel (Argélia) em 1887. Apesar de ser proveniente da Argélia, seu laço cultural vinculava-se ao país de origem de seus pais: a Itália; como também ao Brasil onde viveu e trabalhou grande parte de sua vida.

Archymedes era filho do conhecido marmorista Ranieri Fortini e a Clara (chiara) Fortini. O marmorista Ranieri Fortini era natural da cidade de Cararra, localizada na Região da Toscana na parte central da Itália. A família Fortini deixou a península no período posterior a Unificação da Italiana (1861).

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Sessão temática Literatura - 475 A imigração dos toscanos no Brasil, como também no restante do Novo Mundo, mostrou uma peculiaridade de apresentar elevado número de artesãos especializados, isto é, uma imigração qualificada de profissionais que trabalhavam como escultores e marmoristas (DE RUGGIERO, 2011, p. 181-183). Antonio de Ruggiero assinala que

Seja do Circondario di Castelnuovo Garfagnana ou naquele de Massa Carrara, para muitos pedreiros, cinzeladores, serventes, mas também “artistas escultores” e “decoradores”, que partiram em direção à América do Sul com a finalidade de colher o fruto das suas próprias competências. Nas cidades brasileiras até o final do século XIX esta corrente de emigração profissionalmente qualificada haverá uma posição proeminente e caracterizará em boa parte o fenômeno migratório toscano (2011, p. 183).

Acerca da emigração da família Fortini, o filho de Archymedes, o médico Ruy Fortini, assinalou que

Mas depois da Marcha sobre Roma, quando os monarquistas tomaram conta do poder, deixando de lado os republicanos, o velho Ranieri meteu a boca no mundo, acabando por ter que fugir da Itália e indo morar em Argel, onde veio a nascer o seu Archymedes (Apud. TILL, 2001. p.9).

Ranieri Fortini era um italiano republicano, inspirado nos ideias de Giuseppe Garibaldi e Giuseppe Mazzini, e participou das campanhas do processo de Unificação (TILL, 2001, p.10). Como Ranieri Fortini, muitos peninsulares emigraram da Itália por circunstâncias políticas, econômicas, sociais.

O jovem Archymedes havia dois anos de idade, quando seus pais chegaram ao Brasil. A família Fortini instalou-se, primeiramente, em Juiz de Fora, Minas Gerais. A escolha de Ranieri Fortini não foi uma escolha aleatória. Sabe-se que no Estado de Minas Gerais havia a presença de italianos e muitos desses eram também provenientes da Lunigiana zona que compreende a cidade de Cararra, isto é, a localidade de origem de Ranieri. Provavelmente, um conterrâneo do marmorista o tenha chamado para Minas.

Ranieri e sua família não permaneceram por muito tempo em Juiz de Fora, posteriormente, o marmorista deslocou-se para outras cidades, como Rio de Janeiro, Montevidéu, Buenos Aires antes de se instalar em Porto Alegre. Em 1899, a família Fortini fixou-se na capital gaúcha (TILL, 2001, p.10).

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Sessão temática Literatura - 476 Archymedes começou seus estudos na Escola Distrital tendo como seus professores: Virgilia Rezende, Lourenço Langendock e Damasceno Vieira. Enquanto trabalhava, estudou frequentemente nas aulas noturnas da Associação dos Empregados do Comércio e da Associação Cristã de Moços e no Curso de Taquigrafia do Irmão Pedro, da Ordem de São Francisco de La Salle (TILL, 2001, p.12).

Antes de seguir a atividade jornalística, já com 14 anos, Archymedes começou a trabalhar como entregador de carne, vendedor de vassouras, atendente da Casa de Fumo Pavão, servente do Grande Oriente do Rio Grande do Sul, pedreiro (HAEFFNER, 1973, p.29).

Sua vida profissional nas redações começou a partir da sua atividade de tipógrafo. Enquanto trabalhava, estudou, assiduamente, as aulas noturnas da Associação dos Empregados do Comércio e da Associação Cristã de Moços e no Curso de Taquigrafia do Irmão Pedro, da Ordem de São Francisco de La Salle (HAEFFNER, 1973, p.29-30).

Em 1905, Fortini começou sua atuação jornalística no jornal do comércio no princípio do século passado, mas permaneceu somente dois anos nesse periódico. O jornalista desenvolveu sua atividade por mais de 65 anos ao serviço do Correio do Povo. No periódico criado por Caldas Junior, Archymedes assumiu as notícias relativas ao esporte (TILL, 2001, p.12).

Dirigiu durante vinte anos a seção esportiva do "Correio do Povo", cooperando decisivamente pela difusão do futebol, desde o primeiro jogo aqui efetuado. Em 1912, fundou, juntamente com Gustavo Bier Junior, a "Revista Esportiva", a primeira publicação sobre esporte a aparecer no Estado do Rio Grande do Sul. Também sempre foi grande animador de obras de caridade ou por sua própria iniciativa ou cooperando com outrem (TILL, 2001, p.11).

Archymedes Fortini, foi convidado, em diversas oportunidades, por membros representativos da política estadual, para participar de eleições como candidato certo de ser eleito, todavia, sempre alegava que, o seu compromisso e trabalho estava atrelado à imprensa (HAEFFNER, 1973, p.34).

A partir de 1925, o jornalista começou a realizar o seu serviço à religião católica, integrando as comissões construtoras do Pão dos Pobres, das Creches São Francisco de Assis e dos Navegantes, as obras das igrejas de Santo Antônio no bairro Parthenon, dos

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Sessão temática Literatura - 477 Navegantes e de Santa Teresinha, na Avenida José Bonifácio. Projetou e organizou a Legião dos 10.000 Construtores da Catedral Metropolitana em 1927, e posteriormente, a Legião para a construção da Capela do Divino Espírito Santo (HAEFFNER, 1973, p.34-35).

Em 1933, Fortini também dedicou seu tempo e ações filantrópicas em detrimento da Santa Casa de Misericórdia, sendo até 1942 como mordomo-procurador. O jornalista colaborou para as construções do Pavilhão Daltro Filho, Clausuras das irmãs Franciscanas, aumento do Hospital São Francisco, Galeria dos Benfeitores, Pavilhão São José e São Lucas, Capela São Joaquim, Gerais São Miguel, Santa Bárbara, São Luiz e São Lourenço, no Cemitério da Azenha, Hospital da Criança Santo Antônio, Câmaras Mortuárias São Francisco e São Camilo, Serviços de Neurocirurgia e de Oncologia, Pavilhão Cristo Redentor. (HAEFFNER, 1973, p.35).

Archymedes Fortini ainda fez parte do Conselho Consultivo do Plano Diretor da cidade. Atuou como professor de taquigrafia na Escola Superior de Comércio, anexa a Faculdade de Direito da UFRGS. Também exerceu a docência no Ginásio Bom Conselho, Instituto Porto Alegre, Escola Técnica do Sindicato dos Empregados do Comércio. Trabalhou como taquígrafo na Assembleia Legislativa e na Câmara Municipal em inúmeros Congressos e Conferências. Recebeu a condecoração da Cruz de Oficial de Instrução da França. Foi sócio honorário de várias instituições esportivas, beneficentes, intelectuais e educacionais (HAEFFNER, 1973, p.39).

Fortini ainda foi presidente na Associação Rio-grandense de Imprensa e, durante seu mandato, construiu a Casa do Jornalista. Ainda ele fora correspondente de inúmeros jornais de circulação nacional e internacional (TILL, 2001, p.13).

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Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/Impresso/?Ano=116&Numero=263&Caderno=0&Noticia=307074

Em 1957, no ano do seu cinquentenário de sua atividade jornalística, Archymedes Fortini foi homenageado pela Prefeitura de Porto Alegre, com a comenda de “Cidadão de Porto Alegre" devido aos serviços prestados a comunidade porto-alegrense (HAEFFNER, 1973, p.40-41).

Em sua vida privada, Archymedes casou-se duas vezes. Seu primeiro matrimônio foi com a senhora Assunta De Marchi com quem teve três filhos: Amnies, Ruy e . Seu segundo casamento foi com a senhora com quem teve duas filhas.

Entre as décadas de 50 e 60 do século passado, Fortini publicou suas obras acerca de temas dos quais escreveu na sua vida profissional de jornalista. A maioria dos livros, produzidos pelo jornalista, obras que tratam de Porto Alegre e seus aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais. Fortini deixou um legado significativo na história do jornalismo gaúcho (TILL, 2001, p.14-15).

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Sessão temática Literatura - 479 O Jornalista faleceu aos 85 anos, no dia 13 junho de 1973, curiosamente, no dia do seu Santo, Santo Antonio. Fortini partiu deixando filhos e netos e muitos textos que contam passagens importante e extensa da história do Estado.

Italianos sobre o olhar de Fortini

A obra, O Passado através da fotografia, foi publicada por Archymedes Fortini em 1959, e reúne um elenco de crônicas cujo autor escrevera. A partir da década de 50 do século XX, Fortini foi incumbido de se fixar na seção das reminiscências dos jornais da família Caldas. No Correio do Povo, o jornalista tinha a seção dominical: “Revivendo o Passado”, e na Folha da Tarde a seção: O Passado através da fotografia (TILL, 2001, p.13).

O livro, O passado através da fotografia, é uma publicação de 239 páginas que possui 90 crônicas compiladas por Fortini. Acerca da proposta da obra, na apresentação o autor refere que:

Ao lançar este volume intitulado “o passado atravez da Fotografia2”,

devo dizer que procurei atender aos pedidos de pessoas amigas me dirigiram ultimamente. Assim, publicando o presente livro, tenho a dizer que não me apresento como historiador, porque para tanto nãome sentia em condições, mas como coordenador do concurso prestado pela minha iniciativa por pessoas que para tal fim cooperaram. (...) Resolvi enfeixar em um volume os principais assuntos tratados em diversas crônicas em ordem de categorias e desta e daquela espécie. Tal motivo desta iniciativa que não tem fins econômicos, mas servirá para que todo rio-grandense, em um modesto livro, lendo-o, em horas vagas, se orgulhe de sua terra, de sua gente e tenha um ponto de partida para realizar, mais tarde, uma obra mais ampla de estímulo às futuras gerações, amando mais o Rio Grande do Sul e o Brasil (1959, p.5).

Em seu livro, Fortini reuniu um conjunto de crônicas que rememoram datas, espaços, instituições e indivíduos enfocando, principalmente, o Rio Grande do Sul e Porto Alegre.

Além disso, a literatura, produzida pelo jornalista-imigrante, constitui-se em fonte para historiadores e demais pesquisadores que analisam o contexto social gaúcho

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Sessão temática Literatura - 480 do oitocentos, como também a primeira metade do século passado, já que os textos de Archymedes Fortini retratam esse espaço temporal.

O pesquisador, Carlo Ginzburg, (2007, p.178-179) afirma que “a realidade é opaca, mas existem certos pontos privilegiados – indícios, sintomas – que nos permite decifrá-la.” A crônica3, como outras fontes históricas, revelam uma série de sinais e pequenos indícios que podem assinalar fenômenos sociais mais amplos e complexos.

Dentre as crônicas apresentadas por Archymedes Fortini em “O passado através da Fotografia”, existem 9 seções que o autor refere indivíduos ou instituições da “colônia” italiana em Porto Alegre.

Assim, podem-se elencar as crônicas intituladas: “Morador de Porto Alegre com 103 anos de idade”, “Antigo Atelier Fotográfico”, “Morreu Rocco Gallo”, “O casal Puggini e sua descendência”, “O comércio de livros usados em outros tempos”. Nestas 5 crônicas Fortini apresentava aos seus leitores histórias de indivíduos italianos que compuseram e contribuíram para o contexto social de Porto Alegre.

Na primeira crônica, “Morador de Porto Alegre com 103 anos de idade”, Fortini escreve:

Quando em 1917, Olimpio de Azevedo Lima publicou sua magnífica sobre o recenseamento da população de Porto Alegre, efetuado por ordem do prefeito José Montaury Leitão, ilustrou-a também com algumas fotografias bastante interessantes. (...) A foto ilustrativa4 desta nota é a de Cristovão Pasqual Ratto. No segundo decênio deste século era uma das mais populares. Em 1917, já estava no Brasil há, nada menos, de 72 anos. Foi negociante de molhados, estabelecido à rua dos Andradas, onde se acha instalado o café América, no largo dos Medeiros (1959, p.48).

Essa crônica informa através da história de Cristovão pasqual Ratto o aparecimento de imigrantes italianos vivendo e trabalhando em Porto Alegre já na primeira metade do século XIX. Assim, como Núncia Santoro de Constantino assinalou em seu livro, O italiano da esquina, a existência de mais de 41 famílias radicadas na

3 A Crônica, segundo o dicionário Houaiss é “gênero literário que consiste na apreciação pessoal dos fatos

da vida cotidiana” (2004, p.408). Trata-se de uma narrativa histórica acerca de fatos que seguem uma ordem cronológica.

4 A coluna, O passado através da fotografia, normalmente, vinha com uma foto ou imagem que se

relacionava com a crônica de Fortini. No entanto, somente algumas crônicas apresentam fotos o ilustrações no livro publicado em 1959.

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Sessão temática Literatura - 481 capital gaúcha através das certidões de batismo da Cúria Metropolitana (2008, p.12). Evidenciando-se assim uma presença anterior ao período da Colonização italiana no Rio Grande do Sul (1875).

Na Crônica, O antigo Atelier fotográfico, Fortini rememora com nostalgia os antigos ateliers dos fotógrafos da capital do início do século passado, que, na opinião do jornalista, eram muito maiores e mais requintados (1959, p.78). Citando como exemplo o Atelier fotográfico do Cav. Virgilio Calegari, bem como ressaltando a importância e colaboração do fotógrafo italiano para a imprensa de Porto Alegre e Estado.

Outra crônica interessante, Morreu Rocco Gallo, nesta crônica o jornalista informa que:

Quando em fins de 1899 chegamos a Porto Alegre, entre as primeiras relações de meu progenitor contou-se Rocco Gallo,recentemente falecido aos 78 anos de idade. Era então estabelecido com o salão Roma, situado em prédio da rua dos Andradas, fronteiro onde se encontra agora o Tribunal de Regional Eleitoral. Tinha vindo de sua querida Morano Calabro e o seu estabelecimento girava a sociedade com seu irmão Leone Gallo e outro, falecido contando pouco mais de 20 anos de idade. (...) De cada cliente fazia um amigo. Tinha-os em todos os credos religiosos, nacionalidades e meios políticos. Sabia conduzir com certa discrição. Embora privando com altos elementos da administração do Estado, Civil, militar e eclesiástico, dando-lhe a conceber segredos de certos bastidores... Rocco Gallo mantinha-se numa discrição absoluta, ouvindo tudo, mas guardando tudo para si. (...) Quanto a condecoração conferida pelo governo da Itália de Cavaleiro da Ordem do trabalho, bem a merecia. Trabalhou para coletividade local, para o Brasil, que considerava sua segunda pátria, mas também nunca deixou de recordar sua origem, sua querida Morano Calabro, auxiliando moral e materialmente seus patrícios nos momentos mais difíceis da vida (1959, p. 148-149).

Através deste texto em homenagem ao barbeiro, Rocco Gallo, Fortini enfatisa sobre os italianos que foram profissionais liberais na capital. Além disso, salienta a sua integração destes na sociedade receptora, como também, ao mesmo tempo, o sentimento de pertencimento ao país de origem, e, ainda mais a sua cidade natal, Morano Calabro. Vale referir que o senhor Gallo era componente do maior grupo de peninsulares radicados em Porto Alegre.

Em “O casal Puggini e sua descendência”, o jornalista refere um casal de profissionais peninsulares que tinham seu estabelecimento na “quadra dos italianos” à

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Sessão temática Literatura - 482 rua dos Andradas, entre Caldas Junior e a Bento Martins. O casal, Giacomo Puggini e Emilia Dalla Porta, somavam-se aos vários comerciantes fixados nas imediações da rua dos Andradas no começo do novecentos.

Já no texto, “O comércio de livros usados em outros tempos”, Fortini descreve os diálogos e histórias de estudantes que frequentavam o sebo dos irmãos Maximino. Segundo o jornalista

Poucas casas, diremos mesmo pouquíssimas, existem presentemente, em Porto Alegre, dedicando-se à venda de livros usados. (...) Porto Alegre teve, até 1930 mais ou menos, uma das mais populares, situada à rua dos Andradas entre as de Caldas Junior e de Gen. João Manuel, fronteira à Catedral da Igreja Episcopal Brasileira. (...) Pertencia aos irmão Maximino, de nacionalidade, italiana, sendo parte uma parte da casa, ocupada pela barbearia dos mesmos e outra pelo “cebo”(1959, p.178).

Além disso, a crônica ainda reproduz conversa de clientes com os irmãos Maximino onde o jornalista frisa a fala que misturava língua italiana e portuguesa, destacando a forma da linguagem empregada pelos comerciantes peninsulares com sua clientela na nova pátria.

Outras matérias que referem à coletividade italiana seriam: “Antigos Jornais de Porto Alegre 1906”, “O Esporte do Remo”, “Uma Granja no Passo da Areia”, “Diretoria da Elena de Montenegro”. No primeiro texto, “Antigos Jornais de Porto Alegre 1906”, O eterno repórter do Correio do Povo discorreu sobre os periódicos que a capital dispunha entre a segunda metade do século XIX e o princípio do XX. A data de 1906 foi elencada no título desta sua seção, porque Fortini usou como fonte o livro do viajante Vittorio Buccelli, Un viaggio a Rio Grande do Sul. Através da leitura da obra de Buccelli, o autor conseguiu apontar os diversos jornais que circularam em Porto Alegre, incluindo, principalmente, aqueles em língua estrangeira como: Koseritz e

Allegmeine Zeitung (em alemão), Corriere Italiano e Stella d”Italia (em italiano), Viribus Unitus (em austríaco). A respeito desta crônica, é possível verificar a recepção

das literaturas de viagens, produzidas em abundância no final do oitocentos, na sociedade porto-alegrense (FORTINI, 1959, p.69-73).

Em “O Esporte do Remo”, e “Diretoria da Elena de Montenegro”, o jornalista faz menção a duas instituições italianas existentes em Porto Alegre: o Club Italiano

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Duca degli Abruzzi e a Società Elena di Montenegro (FORTINI, 1959, p.51-114).

Nestas duas matérias, Fortini rendeu homenagem aos imigrantes que integravam essas duas agremiações onde inúmeros peninsulares reuniam-se para confraternizar, celebrar datas significativas da história italiana, bem como praticar esportes como o Remo. Além disso, as seções reinteram a identificação do autor com os indivíduos da comunidade oriundos da Itália.

Outra crônica, que trata de peninsulares em Porto Alegre, é “Uma granja no Passo da Areia” referiu a história do imigrante Giacomo Bernardi e sua Granja que em meados do oitocentos destacava-se como um dos mais importantes estabelecimentos do bairro Passo da Areia (FORTINI, 1959, p.80-81). O texto aponta a presença de italianos residentes na zona norte de Porto Alegre, anteriormente, a criação de parque industrial e comercial que se desenvolveria no final do século XIX.

Analisando a obra de Archymedes Fortini encontram-se informações e uma fonte significativa para os pesquisadores que se ocupam da história do Rio Grande do Sul e, especialmente, de Porto Alegre, visto que sendo um profissional da comunicação, Fortini, conheceu e registrou, como poucos, diversas histórias em suas crônicas publicadas. Aliás, o jornalista do Correio do Povo, como descendente de italianos e identificado com a cultura de seus progenitores, conheceu e escreveu sobre seus patrícios e os espaços e trabalhos por eles executados no Estado.

Portanto, buscou-se apresentar e analisar a imigração italiana através da obra, O passado através da fotografia, de Archymedes Fortini. O jornalista do Correio do Povo evidenciou diversos aspectos da sociabilidade de seus compatriotas na capital. A partir das crônicas de Fortini, evidencia-se o quanto os imigrantes peninsulares foram indivíduos presentes e sigificativos na sociedade porto-alegrense.

Referências

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Sessão temática Literatura - 484 (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2012.

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Referências

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