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Entrevista com a atriz do grupo Clowns de Shakespeare, Paula Queiroz, realizada por Diogo Spinelli

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Academic year: 2021

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LABORATÓRIO – PORTAL TEATRO SEM CORTINAS

POÉTICAS ATORAIS – ENTREVISTAS

Entrevista com a atriz do grupo Clowns de Shakespeare, Paula Queiroz,

realizada por Diogo Spinelli

Revisão: Edilaine Dias

Arquivo: 07.PA.0008

Laboratório - Portal Teatro Sem Cortinas

Poéticas Atorais 07.PA.0008

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Transcrição de entrevista realizada por Diogo Spinelli com Paula Queiroz, atriz do Grupo de Teatro Clowns de Shakespeare/Natal-RN, no dia 20 de Abril de 2014, no St. Paul Hotel, em Brasília. Essa entrevista foi originalmente publicada nos anexos da dissertação de Spinelli, intitulada O Teatro de Grupo e a relação com encenadores convidados na formação, profissionalização e manutenção do Grupo de Teatro Clowns de Shakespeare, disponível em http://repositorio.unesp.br/handle/11449/138968

Diogo: Para começar, eu queria saber como é que você conheceu os Clowns de Shakespeare.

Paula: Conheci o Grupo no Festival de Guaramiranga. Eu fazia parte da graduação em artes cênicas do CEFET, e aí nesse tempo, os alunos iam para esse festival, se apresentavam, ou iam assistir. Os Clowns estavam lá com o Fábulas e O Casamento. Eu assisti aos espetáculos e conheci os meninos na sinuca, porque lá tem uma sinuca e é onde todo mundo se encontrava. Então meu primeiro contato com o Grupo foi assistindo no festival, e depois conversando na sinuca. E nesse festival, Fernando e Marco ficaram o festival inteiro. O resto dos meninos voltaram pra Natal, então fiz mais amizade com os dois. E foi quando conheci Fernando, foi quando a gente começou a se paquerar, então eu fiquei mais em contato com ele e o grupo ainda. Depois o Grupo voltou pelo palco giratório em Fortaleza, e eu fui assisti-los novamente. Foi quando eu vi os outros espetáculos. Vi o Roda Chico e o Muito barulho por quase nada, que é o que faltava ver na época. E depois começamos a namorar, eu e Fernando. A gente passou dois anos namorando à distância. Eu trabalhava com um grupo que estudava teatro físico e mímica e a gente ficava nesse dilema se ele ia para Fortaleza ou se eu ia para Natal. Terminei a graduação e minha monografia tinha como objeto de estudo o espetáculo Fábulas do grupo. E como ele já tinha um vínculo de trabalho mais estabelecido, quem foi para Natal fui eu. A gente sempre pensava como é que ia ser. Porque eu tinha meu trabalho em Fortaleza. Era pouco, mas era o que eu tinha. Eu fazia especialização também, quando terminei, fui para Natal. Foi no processo d’O capitão e a sereia, porque os meninos precisavam de alguém para registrar o processo e Fernando sugeriu o meu nome e todo mundo topou, e foi quando eu comecei a trabalhar com o Grupo. Mas antes disso, com Fernando, eu já acompanhava o Grupo em viagens, fui para o TUSP, depois fui pra Assu durante a pesquisa do Ricardo III. Eu já acompanhava o Grupo por Fernando, mas a trabalho mesmo foi a partir d’O capitão e a sereia.

Diogo: E como foi esse trabalho de documentar O capitão e a sereia?

Paula: Foi a primeira vez que fiz isso. Nunca tinha feito isso nem na faculdade, nem dentro do Grupo que eu participava antes. Foi muito legal, foi um aprendizado muito grande porque eu podia ver atores experientes, e não tão experientes como Camille, em cena. Fazia as observações para mim enquanto atriz, do tipo: “Isso é muito legal, posso fazer isso com o meu

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trabalho também”, e ao mesmo tempo ia conseguindo ter um olhar que eu nunca tive que é o olhar de direção. De certa forma fui ajudando Fernando, mesmo sem nenhuma experiência e meu olhar foi ficando mais apurado para o que é que a gente tem que pensar quando estamos construindo um espetáculo. Por que a princípio meu trabalho de atriz era só pensar no que eu estava fazendo e o que é que eu posso melhorar ali, ali e ali. E o olhar do diretor é no todo, é na construção do espetáculo. Então eu ia vendo isso, e observando como é que Fernando dirigia também, que era um processo completamente diferente do que eu já tinha vivido, um processo colaborativo onde todo mundo participava e a dramaturgia estava sendo construída junto. Esse trabalho de registro foi muito legal por isso, porque eu pude acompanhar uma direção, pude ter um olhar de “assistente de direção”, e escrever exigia também um cuidado e uma reflexão sobre o que eu estava vendo. Então isso foi muito legal. Mas acho que deixei muito a desejar no trabalho de registro porque eu era muito inexperiente. Acabou que esse trabalho reflexivo sobre o que estava acontecendo veio muito posterior. Na época eu não conseguia escrever sobre o que pensava, ou não tinha maturidade para escrever sobre o que pensava. Mas acho que isso que é legal: como o Grupo tem um trabalho continuado, esse aprendizado vai se juntando, e posso aproveitar depois dentro do próprio Grupo. Se eu quiser registrar já tenho uma bagagem, que ficar de fora do processo me trouxe. No começo foi bem difícil, porque eu queria estar em cena também, aquela coisa de atriz que quer estar no palco. Mas era muito legal porque os meninos me deixavam participar. No trabalho do Helder Vasconcelos, por exemplo, que foi trabalhar o Cavalo Marinho durante um período, eu participei junto com os meninos. Aí quando ia para a criação eu saía, mas durante esse período eu participei, respeitando o espaço dos meninos, e fiz o contato improvisação também que era uma preparação corporal, com Sávio de Luna da UFRN. Até Fernando fazia junto, todo mundo fazia, foi bem bacana esse trabalho no processo.

Diogo: E desde quando você entrou como atriz no Grupo, agora vai ser a primeira vez que você vai ser dirigida pelo Fernando, depois de duas experiências com encenadores convidados?

Paula: Mais ou menos, porque quando eu entrei no Grupo eu fiz esse trabalho de registro, e o Grupo me acolheu. Com isso, sempre quem está perto e está precisando de trabalho, quem é parceiro, o Grupo vai acolhendo. Se tem um trabalho extra, indicam aquela pessoa que não está no espetáculo para fazer. Então durante esse período entre o Nuestra Senhora e O capitão tiveram alguns trabalhos de esquetes para empresas, e Fernando me dirigiu nesses trabalhos.

Diogo: E teve também a cena curta que vocês fizeram para o festival do Galpão, não é? Paula: Sim, a cena curta do Galpão, e também no A mulher revoltada, que foi um espetáculo que fizemos. Uma produtora do Rio fez um projeto chamado Novos Dramaturgos, no qual quatro autores que não escreviam para teatro fizeram textos novos. Foram chamados alguns

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diretores para encenarem esses textos, e Fernando foi convidado para dirigir e os diretores convidavam os atores para fazer esses trabalhos. Fernando falou com o Grupo, o Grupo topou, só que os meninos que estavam n’O capitão e a sereia não podiam estar no espetáculo, então quem estava chegando, que éramos eu, Titina, Dudu e Joel, fomos fazer A mulher revoltada, e a gente passou um mês morando no Rio para fazer esse espetáculo.

Diogo: Tem registro desse espetáculo?

Paula: Tem, tem registro. É um espetáculo com estilo brega, super legal, é um texto do Xico Sá. E foi bem legal, os meninos não gostam muito não, mas eu gosto. Eu e Titina, a gente fazia a mulher revoltada e os meninos faziam os outros personagens. A gente apresentou aqui em Brasília e no Rio. Depois o espetáculo morreu, mas foi bem legal. Fora esquetes, essa foi a primeira vez que eu fui dirigida por Fernando. Só que foi um processo muito curto. Mas eu acho que a afinidade com a direção de Fernando já vem d’O capitão e a sereia. Eu já via ele dirigindo, eu já via como que era, o que ele pedia... Essa coisa de Fernando estar preocupado sempre mais com o todo o tempo inteiro, já me incomodava desde O capitão e a sereia. Eu ficava: “mas gente, e os atores?”. Camille, por exemplo, que era mais nova. Eu colaborei muito com a construção do personagem de Camille porque Fernando tinha essa preocupação, mas não podia se preocupar com aquilo no momento porque tinha várias outras coisas para dar conta. Então eu que ficava passando texto com Camille, eu ficava meio desesperada nesse sentido, e hoje eu estou passando novamente por isso no Nuestra Senhora, mas esse é um processo diferente. Também Fernando é um diretor diferente depois de ter vivido os outras experiências, de ter visto Marcio e Gabriel e trabalharem, porque a formação dele como diretor é principalmente dentro no grupo.

Diogo: Voltando para o Ricardo III, como foi a direção do Gabriel? Como é que foi esse processo?

Paula: É engraçado, porque vou falar com um olhar de quem já passou pelo processo, já passou por uma circulação enorme, que não é o mesmo olhar que eu teria na época. Sendo bem sincera, na época era outra coisa que eu pensava, que talvez eu nem traga com a mesma leitura que eu teria na época. Eu lembro que o começo do processo foi muito tenso, porque Gabriel sempre foi muito sensível, muito gentil, mas era um diretor novo pra gente e a gente queria dar conta e a gente não sabia como é que ia ser, então tinha essa mistura de ansiedade e responsabilidade, e como eu estava chegando no Grupo – esse foi meu primeiro processo como atriz no Grupo – tinha aquela coisa de eu estar trabalhando com atores bem mais experientes que eu. Eu tinha que trabalhar, mostrar serviço, então eu era muito cdf, nesse sentido de ficar estudando muito no processo do Ricardo, e o Gabriel me deixava meio tensa porque ele tinha a mão forte e de certa forma você tem medo de levar um carão por estar fazendo alguma coisa errada. Eu era muito

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inexperiente, na época. Mas ao mesmo tempo, Gabriel dava muita liberdade para a gente. Era uma mistura de liberdade e pressão, no começo. E depois a gente foi se soltando, entendendo como era, o jeito dele de trabalhar. Foi muito legal o começo do processo porque primeiro ele começou a trabalhar o texto com Babaya, ao mesmo tempo que na sala de ensaio a gente trabalhava a música e já começava a trabalhar figurino. Então foi uma novidade muito grande isso porque no primeiro dia de ensaio a gente já vestiu o figurino. Não era o figurino que é hoje, mas a gente já ia vestindo saia, e blusa, e ele ia testando coisas no cabelo da gente, ia botando salto, meia arrastão. A gente ia se divertindo compondo esse personagem que a gente nem sabia ainda qual iria ser, mas ele já estava criando imageticamente na cabeça dele uma possibilidade de leitura do espetáculo. Isso foi uma novidade para mim, eu nunca tinha trabalhado com isso. Babaya também ia dando toques para a gente durante a leitura dos textos sobre como dizer esses textos. Gabriel não queria que a gente ficasse criando muita modulação de voz, ele queria que o texto fosse contado, essa foi uma palavra muito utilizada no processo e que fica até hoje como um aprendizado: contar o texto, principalmente de Shakespeare. Ele falava: “Já está tudo aí, a única coisa que vocês precisam fazer é contar, não fica inventando coisa, contem!”. No meu caso eu tive que trabalhar com um pouco de modulação, porque eu não tinha muito disso no meu trabalho, mas no caso de Marco, ele tinha que tirar e deixar o texto mais limpo, então cada um teve um desafio diferente nesse trabalho de texto, para equalizar e para deixar o texto limpo. O Gabriel queria muito que o texto chegasse muito bem dito, que fosse muito claro o que estava sendo dito. E isso eu acho que a gente conquistou no trabalho, e é uma coisa que eu trago para o Nuestra Senhora, para todos os trabalhos. O figurino também é uma coisa que a gente já traz no Nuestra Senhora. A gente sente essa necessidade de estar provando. A gente não tem o mesmo arsenal que Gabriel trouxe no primeiro dia, que a gente armou uma estrutura e estava tudo pendurado para estar à mão. A gente não tem isso, mas dentro do possível a gente traz esse elemento do figurino, da vestimenta do ator, que de certa forma ajuda para a cena. No começo era um barato, porque a gente cantava as músicas dos Beatles, Queen, e tinha uma coisa que Gabriel sentava e a gente ficava ao redor do piano de Marco que na época ficava no Barracão, e a gente tinha que cantar olhando para o Gabriel, tinha que cantar para ele, diferentemente de outros diretores que não querem que a gente olhe para o diretor, ele gostava que a gente olhasse para ele e isso era outra coisa diferente, porque dava outro tipo de nervosismo. A dinâmica de trabalho dele era muito divertida, nesse sentido de você se sentir fazendo várias coisas, tocando, cantando e trabalhando o texto, era muito legal.

Diogo: Ao longo do processo isso foi feito tudo ao mesmo tempo: não trabalharam primeiro texto, depois música, e depois cena?

Paula: Cena foi um pouco depois. Mas a gente já criava cena de música, por exemplo, ficava em formação. De alguma forma a gente já estava em cena. Mas foi texto e música no início.

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Depois das primeiras leituras do texto ele quis fazer o primeiro workshop em cima do primeiro ato. E aí ele definiu quem ia fazer quais cenas. A gente meio que já sabia que Marco seria o Ricardo III, isso já estava certo, a gente achava que Titina iria fazer Margareth porque antes desse primeiro encontro eles tinham tido o encontro na fazenda, no qual eu não estava, e ela tinha trabalhado Margareth. Nós tínhamos algumas ideias e algumas mudaram e algumas permaneceram. Nesse primeiro ato meio que já deu uma definida. Acho que nesse primeiro workshop Titina chegou a testar Lady Anne, mas acabou ficando com a rainha. O legal desse primeiro workshop é que foi o primeiro contato com o entendimento da linguagem dele. Porque ele começou: “Olha para fora, vocês ficam muito olhando uns para os outros”. Até a gente se acostumar a não se olhar em cena foi difícil, porque a gente sentia uma falta tremenda. E depois a gente entendeu que não precisa. Realmente, a gente não precisa se olhar para estabelecer o jogo. E a linguagem da rua pedia isso. O olhar é para fora, é para o público. Ele não dizia assim: “O olhar é para fora porque é teatro de rua, porque é circo”. Ele não dizia isso. Ele mandava a gente olhar para fora. Mas daí a gente ia fazendo essas conexões posteriores. Todo o aprendizado com Gabriel para mim foi assim: reflexão posterior. Foi na prática, e depois na reflexão. Foi legal que a cena dos assassinos foi o primeiro workshop meu e de Camille, e a gente já foi propondo figurino, que até hoje ficaram, aquelas jaquetas pretas, as boinas. E ele foi adequando os elementos que a gente trazia, o clarinete, a lamparina. Tudo surgiu nesse primeiro workshop e foi bacana porque ele falava: “Olha, isso é circo, isso tem a ver com a linguagem”. Depois que ele colocou o nariz. As cenas iam surgindo assim.

Diogo: Então muitas cenas surgiram de vocês, surgiram de workshops de vocês que depois foram reorganizados pelo Gabriel?

Paula: Sim, tinham coisas que ele aproveitava, e coisas que ele descartava. Mas tem muita coisa nossa em cena. Por mais que também tenha muita coisa dele, a gente tinha uma liberdade de criação, tinha que trazer elementos. A cena da moeda foi César quem trouxe, e daí Gabriel rearranjou de outro jeito. Eu e Camille, nessa cena das crianças com a vovó, tínhamos proposto uma cena na gangorra, e ele reaproveitou de outra forma. E ele ia criando dessa forma. Tinha dias que não. Tinha dias que ele chegava e era: “Sobe lá, faz isso, faz não sei o quê, e dá o texto”.

Diogo: E com o Marcio? Como foi o processo do Hamlet?

Paula: Com o Marcio a gente começou o trabalho na mesa, começamos o trabalho de texto e foi muito legal. Como o Marcio tinha um aprofundamento muito grande na obra do Hamlet, ele ia dando aulas para a gente, sobre o que é que a obra dizia, o que ela trazia filosoficamente. Enquanto a gente ia lendo, ele ia dando toques sobre os personagens. Todo mundo passou por todos os personagens, isso foi muito rico. No Ricardo a gente não fez isso. A gente deu uma

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explorada, no começo, mas eu nunca li o Ricardo III, por exemplo. E no Hamlet eu li o Hamlet, Camille leu o Hamlet, Renata leu o Hamlet, todos leram todos os personagens. E ele tinha o interesse de que a gente tivesse uma compreensão total da obra, porque no trabalho dele ele dizia que podia escolher os personagens na véspera de estrear. Não aconteceu isso. A gente até ficou na expectativa, mas não aconteceu isso, não. Acho até porque não tinha como decorar tantas coisas. Se a gente tivesse mais tempo de processo, talvez até tivesse como, porque a gente tem feito isso no Nuestra Senhora, mas é um texto diferente, não é um Shakespeare.

Diogo: Só o texto do personagem Hamlet já é enorme.

Paula: Exatamente. Imagina só todos nós termos o texto todo do Hamlet decorado? Ainda assim foi bacana porque a gente teve a compreensão do todo. A gente não teve foi a apropriação do texto em si. E ele aplicou jogos interessantes no começo, que tinham a ver com objetividade, foco, que faz muito parte da linguagem teatral que ele traz para a gente, um novo jeito de fazer. Só que acho que a gente estava muito aberto para receber, mas ele foi pouco propositivo para dar, para poder misturar mais no processo. Não sei. Acho que tiveram incômodos durante o processo que a gente não falava sobre. Ao mesmo tempo, Marcio sempre escutou muito a gente, então é esquisito isso. O que fazia a gente não dizer, já que ele escutava tanto, era compreensivo? Não sei. Eu tinha muitos questionamentos acerca do meu personagem, porque eu queria ser mais dirigida, e o Marcio trouxe um jeito de dirigir que trabalhou muito com a autonomia da gente, da gente ir se descobrindo ao longo do processo. Isso foi muito bacana, só que ao mesmo tempo eu precisava de uma justa medida enquanto atriz. Eu precisava ter mais observações acerca do meu trabalho, e ter meu espaço de autonomia. Acho que eu não soube dosar junto com ele, porque muitas vezes eu e Camille – porque a gente fez dupla de novo – a gente ficava: “Gente, mas eles não falam nada... e aí, o que é que a gente faz? Continua fazendo?”, chegava para a Ligia e ela falava: “Não, está tudo certo!”, “Marcio, e aí?”, e ele daquele jeitinho dele: “Faz, faz”. Então acho que no Hamlet a gente precisava ter se misturado mais no processo. Agora, o processo foi muito rico, e reverbera até hoje. A cada apresentação do Hamlet iam caindo fichas ao longo da apresentação, mas já durante o período das apresentações.

Diogo: Qual que foi o maior ganho para você no processo do Hamlet, enquanto atriz ou enquanto pessoa?

Paula: Não sei. Porque é tanta coisa, e a cada processo a gente enfrenta muitos desafios, e no processo do Hamlet especificamente, eu tinha acabado de ser mãe, então tem um grau de pessoalidade para além da parte técnica do aprendizado, que talvez se for para nomear um, talvez esse tenha sido o maior aprendizado durante o processo: ser mãe, ser atriz, e dar conta

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disso tudo. Talvez o meu maior desafio no processo tenha sido esse. Talvez seja isso mesmo, essa pessoalidade: mãe, atriz, junto com tudo de humano que Hamlet traz.

Diogo: Você acha que a gente pode considerar esse recurso de se convidar diretores de fora como uma pedagogia do Grupo para se formar?

Paula: Sim, e acho que é essencial, dentro do que conheço do Grupo, desde que entrei. Porque eu tive uma formação acadêmica, mas se for pensar bem, eu trago a minha formação acadêmica comigo, mas me formei enquanto atriz no Grupo, fazendo, na prática. E cada diretor traz um olhar diferente sobre o fazer teatral. E isso acho muito legal, porque a gente está criando um jeito de fazer próprio, baseado em muitas trocas. E o teatro é feito de trocas, de elementos diferentes: é uma luz, é o ator, é o texto. Acho que o teatro de grupo que eu acredito é feito disso também, de muitos elementos, de vários diretores, vários iluminadores, vários atores. Acho que tudo isso acrescenta muito no trabalho da gente. Acho que pedagogicamente a gente se forma através dos processos. Então quando a gente consegue trabalhar com profissionais diferentes, é um aprendizado enorme, porque eles muitas vezes trazem coisas que a gente às vezes não tem tempo, dentro da dinâmica de trabalho de grupo, de estudar fora. Às vezes a gente não tem tempo de fazer uma oficina que a gente queria muito, porque a gente passa por um processo e depois começa a viajar, viajar, viajar, apresenta, apresenta, apresenta, e não consegue parar para fazer um curso.

Diogo: Eu também acredito que deva ser diferente você fazer um curso individualmente, e ter essa formação dentro do Grupo.

Paula: É, porque a gente assimila de um jeito diferente. Se eu fosse fazer um curso fora, quando eu trouxesse para o Grupo, eu traria uma visão minha. Dentro do Grupo, a gente constrói uma visão nossa. Temos o nosso olhar individual, mas a gente constrói um pensamento nosso. Tanto que às vezes a gente se repete no discurso, mas é porque aquilo já está tão dentro do nosso trabalho, a gente já discutiu tanto na mesa e chegou em um lugar interessante, que a gente se repete.

Diogo: Isso é muito interessante: ver o que converge e o que diverge das visões de vocês. Porque é interessante ver que realmente existe um pensamento de grupo, mas que ao mesmo tempo não é limitador das individualidades.

Paula: E essa foi uma discussão muito presente no grupo no processo d’O capitão. Essa questão do individual e do coletivo.

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Paula: Isso! Foi uma discussão muito profunda. Que espaço de autonomia damos para o outro, e qual o espaço do coletivo? Hoje a gente passa por uma transição que está tratando justamente disso. Parece que esse assunto está o tempo todo no ar. Porque é uma vida em família.

Diogo: Mesmo a partir dessas mudanças todas, você acha que existem características que a gente pode identificar como da poética dos Clowns de Shakespeare?

Paula: Vou falar um ponto que acho que todo mundo deve ter dito, da solaridade, porque eu acho que essa é uma característica sim. Porque acho que o Grupo tem um jeito muito feliz de trabalhar. E acho que a música traz muito isso para a gente. Talvez seja uma característica esse jeito musical que o Grupo vai descobrindo no seu decorrer. Acho que é isso, a gente quase não consegue se separar da música. Acho que agora a gente vai se separar bem. A gente se separou no Hamlet de certa forma, e agora nos dois processos a gente deve se separar bem da música, pelo menos dela ao vivo. Mas enquanto característica, é uma brincadeira que está relacionada à solaridade, desse teatro popular que acho que a gente traz. Desde que eu cheguei que o Grupo trabalha com workshops: o ator traz o seu jeito de fazer e o diretor vai ajustando de acordo com seu olhar. E talvez esse jeito de fazer do ator trazer a sua proposição, fez com que a gente acabasse tendo ideias muito parecidas de proposição. Não sei se é porque a gente vai conhecendo o trabalho do outro, achando legal, e pegando para a gente, que vai ficando uma coisa tão homogênea... é heterogênea porque somos diferentes, mas é um jeito de fazer que a gente vai ficando com os mesmos vícios, e acho que dentro desses vícios está essa solaridade, esse brilho no olho que Ernani traz para a gente.

Diogo: Sinto que chamar diretores de fora é até uma maneira de experimentar outras coisas, para não ficar só ensimesmado.

Paula: Exatamente. Acho que é por isso que a gente queria tanto trabalhar com o Marcio. Porque ele traz outra coisa, totalmente diferente. Com certeza no trabalho do Nuestra Senhora e do Abrazo, vai ter muito de Marcio, vai ter muito de Gabriel e vai ter muito de Fernando. Com certeza. A gente traz isso na gente. Essa limpeza que o Marcio traz no movimento da cena, está. A gente não faz mais um gesto qualquer. A gente pode até fazer, mas a gente tem a consciência de que está exagerado. Talvez isso tenha faltado no processo do Marcio, porque a gente ia construindo a cena já junto com o texto. Eu trazia o texto decorado, e a gente ia construindo a cena, fazendo, a gente não combinava antes. A gente ia fazendo e ia ficando. Foi muito interessante.

Diogo: Os atores não faziam uma pré-cena para apresentar para o Marcio?

Paula: Não, isso só aconteceu poucas vezes no processo. Inclusive a gente sentia falta, porque o nosso jeito de trabalhar é esse, mas ao mesmo tempo a gente queria se permitir experimentar

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essa nova forma, de ir fazendo. Talvez se a gente tivesse mesclado, fazendo desse jeito, mas tendo mais momentos fora, a gente tivesse chegado num meio-termo. Eu acho o espetáculo muito legal, só que talvez a gente tivesse um crescimento maior dos personagens se tivéssemos optado em mesclar mais o jeito de fazer. Porém o processo de construção do Hamlet foi um pouco tumultuado por viagens nossas de trabalho, e acho que isso pode ter influenciado os encaminhamentos da direção e o nosso jeito de participantes do processo.

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