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TRANSPARÊNCIA NA ESFERA PÚBLICA INTERCONECTADA

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Academic year: 2021

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FACULDADE CÁSPER LÍBERO

COORDENADORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO

DANIELA BEZERRA DA SILVA

TRANSPARÊNCIA NA

ESFERA PÚBLICA INTERCONECTADA

ORIENTADOR: PROF. DR. SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA

SÃO PAULO FEVEREIRO DE 2010

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Creative Commons 2.5

Atribuição - Compartilhamento sob a Mesma Licença http://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.5/br

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DANIELA BEZERRA DA SILVA

TRANSPARÊNCIA NA

ESFERA PÚBLICA INTERCONECTADA

Dissertação apresentada para o programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, mestrado em Comunicação, da linha de pesquisa “Processos Midiáticos: Tecnologia e Mercado”, da Faculdade Cásper Líbero, como requisito parcial à obtenção do título de mestre, sob a orientação do Prof. Dr. Sérgio Amadeu da Silveira.

São Paulo 2010

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O progresso é impossível sem mudança. Aqueles

que não conseguem mudar as suas mentes não

conseguem mudar nada.

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Agradecimentos

Aos meus pais, por todo o apoio dedicado aos meus estudos e a este trabalho; pelo amor, carinho e confiança incondicionais; e por serem os grandes exemplos de persistência, luta e dedicação que não me permitem desistir dos desafios que surgem nas nossas vidas,

À minha irmã Fernanda, pelo amor e afeto, pela torcida verdadeira e por cuidar bem de mim em todos os momentos,

À irmã do coração Juliana, pelo carinho, pela alegria e pelo companheirismo, Ao amigo Diogo, pelo incentivo e pelas ideias compartilhadas,

À minha família, em especial vó, tias e madrinhas – mulheres guerreiras e solidárias como eu gostaria de ser um dia – pelo amor, cuidado e afeto,

Ao amigo Pedro, parceiro nas reflexões sobre internet e transparência que inspiram este trabalho, por me fazer companhia e tornar mais divertido o desafio,

À amiga Bianca, pelo carinho e pelo apoio para continuar seguindo em frente, Ao amigo Thiago, pelo companheirismo e pelas conversas sempre alucinantes, Aos colegas da Casa de Cultura Digital, por dividirem comigo o cotidiano, os sonhos e os ideais,

Ao colega pesquisador Tiago Peixoto, pelas referências para este trabalho, Aos meus professores e aos membros da banca, pelos ensinamentos e pelo conhecimento compartilhado,

Ás funcionárias Nalva e Gi, e aos funcionários Daniel e Jairo, pelo apoio e pelo incentivo,

Ao meu orientador Prof. Sérgio Amadeu, por compartilhar comigo seus conhecimentos e provocações sobre tecnologia, política e sociedade; e por ter apoiado esta pesquisa em todos os momentos, mesmo quando as estruturas burocráticas e concentradoras de poder desejaram o contrário.

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Sumário

1. Introdução

1.1.Apresentação, 7

1.2.Observação de um caso: transparência nos EUA, 8 1.3.Dados governamentais abertos, 20

1.4.Contribuições esperadas, 27 2. Fundamentação teórica

2.1.O poder público em público, 32 2.2.Democracia e accountability, 41 2.3.Esfera pública interconectada, 48

3. Cenário histórico-institucional da transparência no Brasil 3.1.Leis de transparência, 58

3.2.Lei de Acesso à Informação Pública, 78 4. Tecnologias e práticas da transparência

4.1.Arquitetura em rede, 85 4.2.Formatos abertos, 89 4.3.Mashups, 93 4.4.Crowdsourcing, 98 4.5.Hacks, 100 5. Considerações Finais, 104 6. Bibliografia, 109

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1. Introdução

1.1.Apresentação

O conceito de transparência, tal como é aplicado no campo da política, nasce de uma apropriação metafórica de um conceito das Ciências da Terra. Na Física, transparência é a propriedade dos materiais que têm a capacidade de permitir que se veja através deles. Na política, essa propriedade é atribuída a instituições que permitem que os cidadãos “vejam através” de suas estruturas, e possam assim tomar consciência dos fluxos informacionais que transpassam os centros de poder.

A presente pesquisa tem a intenção de abordar o conceito de transparência, advindo do campo da política, considerando a existência de um novo contexto comunicacional, que provoca alterações profundas na esfera pública. Ela tem o objetivo de dar uma resposta ao seguinte problema: como as possibilidades de informação e comunicação inauguradas pelas tecnologias em rede, que transformam diversos aspectos da esfera pública na contemporaneidade, influenciam a questão da transparência?

A percepção de que tais transformações existem se baseia na observação dos fenômenos de uma nova esfera pública, diferente daquela que existia no contexto da mídia de massa. Com a descentralização proporcionada pelas tecnologias da informação da comunicação e pela arquitetura comunicacional em rede, o espaço de discussão dos assuntos de interesse público, onde a informação ganha o potencial de se transformar em poder, sofre profundas alterações, que se refletem em diversas áreas da sociedade e, consequentemente, nos processos políticos.

Trata-se de um período de ressignificação dos processos de decisão coletiva, bem como das instituições e dos atores que, no contexto da esfera pública mediada pela mídia de massa, protagonizavam esses processos. O que muda nessa nova esfera pública, em relação à questão da transparência, é que os fluxos informacionais de interesse público, antes concentrados em algumas instituições, como os governos, por exemplo, agora transpassam a periferia das redes, de forma distribuída e independente – ou pelo menos têm esse potencial.

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Esse potencial dos cidadãos controlarem diretamente (em oposição a representativamente) as informações de interesse público impacta na ideia de que cabe às instituições simplesmente permitir que se veja através de suas estruturas. Entender o que isso muda na transparência; e levantar questões sobre como esses novos paradigmas transformam o jeito que a sociedade faz política e, em última instância, a democracia, são ações que fazem parte dos objetivos desta pesquisa.

1.2.Observação de um caso: transparência nos EUA

A inspiração para esta pesquisa surgiu da percepção de que uma revolução de práticas e valores acontece na comunicação contemporânea, e que essa mesma revolução também afeta – ou pelo menos deveria afetar – o campo da política.

No projeto desta pesquisa, ela ainda era apresentada como uma investigação de possibilidades, uma articulação de conceitos e teorias que demonstraria as relações potenciais entre processos de comunicação, transparência e participação política. A observação empírica, até então, se dava sobre iniciativas pontuais como a do governo local de Washington, DC e do governo da Grã Bretanha; pioneiros no convite à sociedade ao trabalho colaborativo com informações governamentais1, e na

manifestação contundente pela transparência do governo federal norte-americano, sob gerência do novo presidente Barack Obama, logo no seu início, o que será abordado em seguida. No decorrer da investigação, foi verificado o interesse crescente da opinião pública pelo tema da transparência, e o surgimento de diversas iniciativas relacionadas à disponibilização de informações governamentais para o uso dos cidadãos na rede. De forma que o que nasceu como a análise conceitual de uma possibilidade tornou-se um exercício de observação de uma realidade concreta, passível de exemplificação com

1 Em 19 de outubro de 2007, o governo de Washington, DC, que já disponibilizava dados governamentais

em formato de feeds RSS, organizou os bancos a disposição dos cidadaãos no website Data Catalog. Um mês depois, novos formatos foram adicionados para facilitar a integração das informações públicas com tecnologias comuns da rede, como os serviços Google Maps e Google Earth. Mais informações em http:// data.octo.dc.gov/. Acesso em Fev/2010.

Em 18 de junho de 2008, o governo da Grã Bretanha, por iniciativa de um movimento da sociedade civil chamado Power of Information Taskforce, disponibilizou informações governamentais para que fosse lançado o Show Us a Better Way, um concurso de desenvolvimento de soluções web com o mote “mostre-nos o que você construiria com informação pública que nós ajudamos a subsidiar seu projeto”. Mais informações em http://www.showusabetterway.co.uk/. Acesso em Fev/2010.

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alguns casos de uso, e orientada por princípios emergentes de posicionamento em relação à informação pública.

É possível identificar o crescente interesse da opinião pública pelas correlações entre tecnologias e política, principalmente a partir da eleição do presidente dos Estados Unidos Barack Obama. A articulação de eleitores por meio de redes sociais e de dispositivos de comunicação móveis, altamente inspirada no movimento grassroots – prevendo a emergência de manifestações locais, direcionadas pela auto-organização dos cidadãos em torno de interesses comuns – já havia sido decisiva para a vitória das eleições prévias contra a então favorita senadora Hillary Clinton, e foi identificada como um os fatores mais importantes do processo eleitoral2. O uso da rede na

campanha, tanto de Obama quanto de seu adversário, John McCain, também foi celebrado como uma estratégia vencedora na promoção da participação dos cidadãos na política, já que esses compareceram em número recorde às urnas, apesar do sistema eleitoral americano não ser orientado pela obrigatoriedade do voto. O índice de 61,7% de votos válidos entre os potenciais votantes norte-americanos é o maior desde 1968. Apesar de tais acontecimentos terem sido motivados por diversos fatores, o fato é que a eleição de Obama, além de criar um ambiente de otimismo em relação ao uso das tecnologias de informação e comunicação com fins de mobilização política, também representou uma transição importante em relação ao trato com as informações públicas nos Estados Unidos.

No dia 21 de janeiro de 2009, o presidente Obama direcionou um memorando entitulado Transparency and Open Government a todos os chefes de departamentos executivos e agências. Segundo esse memorando, a atual administração se comprometia a criar “níveis sem precedentes de abertura” no governo. O presidente chamava os representantes do poder executivo a trabalharem para “assegurar a confiança e estabelecerem um sistema de transparência, participação pública e colaboração. A abertura vai fortalecer a democracia e vai promover eficiência e efetividade ao governo” 3. O memorando determina também três dimensões da abertura a serem

exploradas no Poder Executivo norte-americano:

2 As informações sobre a campanha de Obama são baseadas em um artigo da publicação Technology

Review, do MIT, disponível em http://www.technologyreview.com/Infotech/21222/?nlid=1283&a=f. Acesso em Fev/2010.

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O Governo deve ser transparente Transparência promove accountability e provê informação para os cidadãos sobre o que o Governo deles está fazendo. Informações mantidas pelo Governo Federal são propriedade nacional. Minha Administração tomará ações apropriadas, consistentes com as leis e com as políticas públicas, para tornar públicas as informações de forma que o público possa encontrá-las com facilidade e utilizá-;as. Departamentos executivos e agências devem fazer uso de novas tecnologias para colocar informações sobre suas operações e decisões em meios online e imediatamente dispo-níveis para o público.

Departamentos executivos e agências devem também solicitar feedback público para identificar que informações tem o melhor uso por parte do público.

O Governo deve ser participativo O engajamento público amplia a efeti-vidade do Governo e aumenta a qualidade das suas decisões. O conhe-ciemento está largamente disperso pela sociedade, e oficiais públicos se bene-ficiam ao ter acesso a esse conhe-cimento disperso.

Departamentos executivos e agências devem oferecer aos Americanos maiores oportunidades de participar na criação de políticas públicas e de fornecer ao seu governo os benefícios da sua informação e expertise coletiva.

Departamentos executivos e agências também devem solicitar sugestões públicas de como nós podemos ampliar as oportunidades de participação pública no Governo.

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O Governo deve ser colaborativo A colaboração engaja ativamente os Americanos no trabalho com o seu Governo. Departamentos executivos e agências devem usar ferramentas inovadoras, métodos e sistemas para cooperar entre si, através de todos os níveis do Governo, e com organizações não-governamentais, empresas e indi-víduos do setor privado.

Departamentos executivos e agências devem solicitar feedback público para avaliar e melhorar o seu nível de colaboração e para identificar novas oportunidades para a cooperação.

Não obstante – e ressaltando, mais uma vez, o protagonismo do uso das tecnologias em prol da transparência – a presidência dos Estados Unidos encarregou o Chefe de Tecnologia de Informação do Estado da criação de uma diretiva detalhada de governo aberto, composta por estratégias e políticas públicas que garantissem a manutenção dos três fatores abordados no memorando.

Em resposta ao memorando, foi lançada uma política chamada Open

Government Initiative4, liderada pela especialista em democracia eletrônica da New

York University e agora Chefe de Tecnologia para Governo Aberto, Beth Noveck; e pelo próprio Chefe de Tecnologia de Informação, Vivek Kundra.

Um projeto consistente e de grande abrangência relacionado à disponibilização de informações governamentais para a sociedade, com foco em possibilidades de uso e recombinação dessas informações, faz parte dessa iniciativa. O catálogo de dados

Data.gov5 foi lançado na internet em 22 de maio de 2009, com a proposta de

disponibilizar largas quantidades de dados governamentais de órgãos do governo federal para a sociedade.

Tal política demonstra a grande ligação que o tema da transparência passa a ter com a disponibilização de dados governamentais. Dados, na computação, são grupos de

4 Disponível em http://www.whitehouse.gov/Open/. Acesso em Fev/2010. 5 Disponível em http://data.gov. Acesso em Fev/2010.

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informação que representam as características de uma ou de mais variáveis6. No

contexto desta pesquisa, podem ser entendidos como parcelas de uma informação maior e estruturada, que não têm necessariamente sentido quando isoladas de seu contexto, mas que justamente pelo fato de serem simples parcelas, têm a capacidade de ganhar múltiplos sentidos quando recombinadas a outras. A relação intrínseca dos dados governamentais com a questão da transparência será abordada com maior detalhamento no próximo item desta pesquisa.

Grande parte dos dados disponibilizados pelo Data.gov já estavam dispersos pelas agências e departamentos do Governo Federal norte-americano. A consolidação deles em um catálogo, com informações adicionais sobre formato e periodicidade, faz parte da estratégia de convite à sociedade para o uso continuado dos dados e das tecnologias. Segundo a missão do site:

“Participação pública e colaboração serão as chaves do sucesso do

Data.gov. O Data.gov permite que o público participe do governo

deixando disponíveis para download datasets federais, para construir aplicativos, conduzir análises e realizar pesquisas. O Data.gov vai melhorar baseado no feedback, nos comentários e nas recomendações do público, e por isso nós encorajamos os indivíduos a sugerirem datasets que eles gostariam de ver, além de avaliar e comentar os datasets atuais, e sugerir formas de melhorar o site.”7

Apesar da baixa quantidade de conjuntos de dados disponibilizadas no momento do lançamento, o Data.gov – assim como muitos outros catálogos de dados governamentais públicos surgidos no período – pode representar uma experiência coletiva de gerenciamento de informação pública, muito mais distribuída do que poderia acontecer no contexto da mídia de massa, com os aparelhos comunicacionais centralizados nas mãos do governo ou de grandes corporações.

A Sunlight Foundation, fundação norte-americana especialmente ligada à questão da transparência e com foco voltado para a questão dos dados governamentais e suas formas de disponibilização na rede, fez críticas a alguns pontos relacionados ao

Data.gov. Segundo a avaliação do Sunlight Labs – braço de desenvolvimento e

inovação da fundação –, é um problema que as centenas de datasets prometidas pelo

6 Baseado no artigo Data da Wikipedia em inglês. Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Data.

Acesso em Fev/2010.

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Chefe de Tecnologia da Informação do Estado Vivek Kundra no dia 26 de maio, dias depois do lançamento do catálogo, ainda não tivessem sido publicados até meados de novembro deste ano. Além disso, em 13 de novembro, “aproximadamente metade dos

datasets (293/600) no catálogo de dados ‘brutos’ [do inglês raw, que define os dados em

sua forma primária, a mais próxima possível de como foram gerados, sem alterações] são conjuntos de dados de inventários de eliminação de resíduos tóxicos, quebrados em estados individuais e territórios, e depois mais quebrados ainda em anos individuais, de 2005 a 2008. Isso está muito aquém das expectativas, e de estar em dia com as diretrizes públicas. Isso precisa ser consertado”8. Após as críticas, Clay Johnson, diretor da

Sunlight Labs, escreveu em 29 de novembro: “Apesar de nós reclamarmos sobre o

alcance e a qualidade dos dados no Data.gov, nós acreditamos que ele é um grande passo para a transparência. Esperamos que mais esforços sejam dedicados a consolidar os dados todos num mesmo lugar”9.

Em mais uma resposta ao memorando por transparência, colaboração e participação de Obama, no dia 8 de dezembro de 2009, o chefe de tecnologia de informação dos Estados Unidos adereçou uma diretiva de governo aberto a todos os dirigentes de órgãos públicos federais do país.

A diretiva relembra que “os três princípios de transparência, participação e colaboração formam a ‘pedra angular’ de um governo aberto. Transparência promove

accountability10 por prover ao público as informações sobre o que o governo está

fazendo. Participação permite que o público contribua com ideias e expertise, então, o governo pode fazer políticas públicas com o benefício das informações que estão largamente dispersas pela sociedade. Colaboração melhora a efetividade do governo, encorajando parcerias e cooperação na instância federal, através dos níveis do governo e entre instituições privadas” 11. Além de dar instruções claras em relação à políticas de

governo aberto no plano federal norte-americano, a diretiva coloca prazos para as ações, encorajando as agências do governo a avançarem no plano o quanto for possível de

8 Trecho do post publicado no blog da Sunlight Labs na ocasião do lançamento do Data.gov. Disponível

em http://www.sunlightlabs.com/blog/2009/get-your-act-together-datagov/. Acesso em Fev/2010.

9 Disponível em http://www.sunlightlabs.com/blog/2009/open-data-were-thankful/. Acesso em Fev/2010. 10 As teorias do accountability serão abordadas nos referenciais teóricos, no capítulo 2.

11 Disponível em http://www.whitehouse.gov/omb/assets/memoranda_2010/m10-06.pdf. Acesso em Fev/

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acordo com as suas possibilidades. Resumidamente, a diretiva determina que é responsabilidade das agências do governo federal:

1. Publicar informação online

Para aumentar o accountability, promover a participação informada do público e criar oportunidade econômica, cada agência deve tomar prontamente atitudes que aumentem o acesso à informação tornando-a disponível online e em formatos abertos – independentes de plata-forma, processáveis por máquina e sem restrições de reuso da informação.

A diretiva orienta para que as agências respeitem a abertura como prerrogativa, publiquem dados frequen-temente, de forma que eles possam ser recuperados, baixados, indexados e buscados por aplicativos web. E para que usem a tecnologia para disseminar informação útil, em vez de esperar por requisições.

Prazos:

- 45 dias para a liberação de 3 datasets em formatos abertos no Data.gov;

- 60 dias para a criação de uma página específica relacionada às atividades ligadas à diretiva de governo aberto tem cada uma das agências federais, com direcionamento para os datasets, espaço aberto para requisições de informação e para sugestões, reports anuais de informação pública, etc.

2. Ampliar a qualidade da informação governamental

Para ampliar a qualidade da informação governamental disponível para o público, líderes senior devem se certificar que a informação segue padrões de qualidade e deve adequar sistemas e processos das agências federais para se adequarem a essa conformidade.

Prazos:

- 45 dias para designar um oficial responsável pela qualidade das informações orçamentárias a serem levadas a público;

- 60 dias para que o diretor do Office of Management and

Budget publique uma estrutura técnica para a qualidade

das informações orçamentárias a serem publicadas em websites como o USAspending.gov;

- 120 dias para que o diretor do Office of Management and

Budget publique um plano estratégico de longo prazo

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3. Criar e instituciona-lizar uma cultura de Governo Aberto

Para criar níveis sustentáveis e sem precendentes de abertura e accountability, os líderes sênior devem fazer grandes esforços para incorporarem os valores da transparência, da colaboração e da participação no dia a dia das suas agências. Alcançar o objetivo de um governo mais aberto requer que as várias disciplinas profissionais do governo (de políticas públicas, de escopo legal, de finanças, de operações tecnológicas) trabalhem juntas para definir e desenvolver soluções de governo aberto. A integração das várias disciplinas facilita a organização e a duração das transformações na forma como o governo trabalha.

Prazos:

- 120 dias para a publicação de um Plano de Governo Aberto, sobre como as agências vão ampliar a transpa-rência e a participação pública nas suas atividades;

- 45 dias para o estabelecimento de um grupo de trabalho no Governo Federal com foco em transparência,

accountability, participação e colaboração. Esse grupo de

agentes sêniores deverá criar um fórum interno para o compartilhamento de práticas; criar também um fórum externo, com os mesmos objetivos, convidando a sociedade, empresas e pesquisadores à participação; e coordenar esforços relacionados à diversas demandas legais de transparência orçamentária;

- 90 dias para que o diretor do Office of Management and

Budget publique um direcionamento sobre como as

agências podem usar desafios, prêmios e outras estratégias de incentivo para encontrar maneiras inovadoras e com alto custo-benefício para ampliar o governo aberto.

4. Criar uma política de permitir a

estrutaenabling framework para Governo Aberto

As tecnologias emergentes abrem novas formas de comunicação entre o governo e as pessoas. É importante que as políticas evoluam para se dar conta do potencial da tecnologia para um governo aberto.

Prazo:

- 120 dias para que o o chefe de Tecnologia de Informação, o administrador do Office of Information and Regulatory

Affairs revisem as políticas orçamentárias para identificar

impedimentos burocráticos ao governo aberto e para usar as tecnologias e, quando necessário, propor novos procedimentos nessa área.

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O acompanhamento das políticas determinadas pela diretiva ao longo do tempo é que vai permitir avaliar a capacidade de cumpri-las e sua efetividade. O importante, neste momento, é que o plano mostra que é possível priorizar a transparência e a abertura enquanto princípios, e que também é possível transformar essas prioridades em um plano ágil, interdisciplinar e participativo de ação conjunta entre estado e sociedade.

É preciso lembrar que o status do trato com informações públicas nos Estados Unidos, e o pioneirismo nas iniciativas de disponibilização de dados governamentais de forma sistemática e estruturada, encontram fortes embasamentos legais no país. Desde 1966, os norte-americanos contam com o Freedom of Information Act (Ato pela Liberdade de Informação), ou FOIA12. O Ato entrou em vigor no ano seguinte,

determinando que a partir de então documentos governamentais anteriormente sob sigilo de Estado viessem inteira ou parcialmente a público.

O FOIA é um artefato jurídico importante com o qual os cidadãos podem contar para pedir a liberação de conteúdos em poder do governo dos Estados Unidos, mas além disso, ele prevê que as informações governamentais devem ser liberadas, a não ser quando classificadas dentro de exceções, como casos de segurança de Estado e quebra de privacidade. Há projetos desse mesmo caráter em tramitação no Brasil, mas até o presente momento, o país não conta com uma lei específica de acesso à informação pública – o que será abordado com maiores detalhes no capítulo 3.

É importante dizer que, desde 1 de novembro de 2001, por causa do Decreto 1323313, assinado pelo então presidente George W. Bush, o FOIA era vigente nos

Estados Unidos com severas restrições. Por conta das investigações dos atentados terroristas ao Pentágono e ao World Trade Center, ocorridos em setembro daquele ano, e do posterior agravamento das políticas de segurança nacional, a liberdade de informação e a transparência ficaram comprometidas. Durante os anos da gestão Bush, o FOIA foi muito mais utilizado para justificar negativas de acesso a informação, com base nas exceções que prevê, do que para garantir o acesso a documentos e dados governamentais.

12 Disponível em http://www.justice.gov/oip/index.html. Acesso em Fev/2010.

13 Informações disponíveis em http://en.wikipedia.org/wiki/Executive_Order_13233. Acesso em Fev/

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O primeiro memorando assinado pelo atual presidente Barack Obama, sobre a transparência e abertura do governo, fez-se assim essencial para uma mudança de postura em todos os níveis do Poder Executivo – saindo de tempos de sigilo e obscuridade, e voltando as diretivas do governo lançadas a partir de então em direção à transparência e à abertura. Além dele, um outro memorando, entitulado Freedom of

Information Act14, pede do Departamento de Justiça novas diretrizes15 para o Ato

(publicadas e vigentes desde 19 de março deste ano), derrubando as praticadas no governo Bush, com a seguinte justificativa:

“O Ato de Liberdade de Informação deve ser administrado com uma presunção clara: em caso de dúvida, a abertura deve prevalecer. O Governo não deve manter informações confidenciais apenas porque os oficiais públicos podem ser envergonhados por sua liberação, porque erros ou falhas podem ser revelados, ou por causa de medos especulativos ou abstratos. A não-liberação nunca deve ser baseada em um esforço para proteger os interesses pessoais dos oficiais do Governo, custando àqueles a quem esses deveriam servir. Em resposta a pedidos de informação baseados no FOIA, agências do Poder Executivo devem agir prontamente e em espírito de cooperação, reconhecendo que tais agências são servidoras do público”.16

Outro dispositivo legal que regula o acesso às informações, principalmente no que tange as possibilidades de uso e ressiginificação destas por parte dos cidadãos, é a seção 10517 da Lei de Direitos Autorais norte-americana, ou Copyright Law, que define

que o trabalho produzido por oficiais do governo norte-americano não é protegido por direito autoral – mas ficando guardada uma ressalva de que o governo não está necessariamente proibido de fazê-lo. Segundo o ativista do movimento político pela abertura dos governos David Eaves,

14 Memorando disponível em http://www.whitehouse.gov/the_press_office/FreedomofInformationAct.

Acesso em Fev/2010.

15 Disponíveis em http://www.justice.gov/opa/pr/2009/March/09-ag-253.html. Acesso em Fev/2010. 16 Idem 11.

17 O texto da seção 105, integral e em inglês, é “Subject matter of copyright: United States Government

works. Copyright protection under this title is not available for any work of the United States Government, but the United States Government is not precluded from receiving and holding copyrights transferred to it by assignment, request, or otherwise”. Disponível em http://www.law.cornell.edu/uscode/ 17/105.html. Acesso em Fev/2010.

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“os dados criados pelo governo dos EUA são, quase literalmente, os dados das pessoas. Não, nada previne legalmente que o governo dos Estados Unidos restrinja o acesso à informação e aos dados. Mas a filosofia de organização do país dá poder aos cidadãos para que eles levantem e digam ‘esses são os nossos dados, nós gostaríamos de ter acesso a eles, por favor’. Nos Estados Unidos, a dificuldade é do governo ao explicar porque está tirando o acesso àquilo que as pessoas têm (uma tradição que admitidamente está longe de ser perfeita, como qualquer um que esteve vivo nos anos de 2000-2008 poderá atestar). Mas não subestime o poder desta norma. Suas manifestações estão em todos os lugares, como no requerimento legal de que qualquer documento criado pelo governo dos Estados Unidos seja de domínio público (e.g. não possa estar sob nenhuma restrição de copyright) ou nas vastamente superiores Leis de Liberdade de Informação da América.”18

É importante ressaltar que o Copyright Law norte-americano, da forma como protege conteúdos não produzidos dentro do governo, representa uma grande barreira para a transparência, já que dificulta o compartilhamento de informação em diversos sentidos. A ressalva da seção 105 é uma pequena vantagem, principalmente se forem tomadas em comparação a outras formas de licenciar a informação pública, como o

Crown Copyright19, em vigência nos países que fazem parte do Commonwealth. De

acordo com o Crown Copyright, toda a produção de dados e de informação advinda dos governos dos países ligados à Coroa Britânica – incluindo, com diferentes aplicações, nações como a Nova Zelândia e o Canadá – pertence à rainha, e não às pessoas.

Dando origem a um formato ainda mais avançado de licenciamento de informações governamentais, a gestão atual norte-americana colocou os conteúdos do novo website da Casa Branca, o WhiteHouse.gov, sob licença Creative Commons, com liberação do uso e restrição apenas para a atribuição da fonte. Qualquer cidadão americano pode utilizá-los, modificá-los e ressignificá-los na rede, sem sofrer por isso sanções relacionadas a direitos autorais, abrindo assim mais um convite à participação. No Brasil, onde a disponibilização da maioria dos conteúdos governamentais, quanto ao âmbito legal, se baseia no princípio constitucional da publicidade – tal como será abordado no capítulo 3 desta dissertação –, o debate acerca deste tema muitas vezes passa pela percepção de que não faz sentido que conteúdos governamentais recebam qualquer tipo de licença. Isso considerando que, sendo esses conteúdos públicos, devem

18 Disponível em http://eaves.ca/2009/10/08/open-data-us-vs-canada/. Acesso em Fev/2010. 19 Disponível em http://www.opsi.gov.uk/advice/crown-copyright/index.htm. Acesso em Fev/2010.

(19)

estar completamente sob o poder do cidadão, ou seja, sob domínio público. Apesar disso, essa discussão se valida e se torna necessária a partir do momento que se verificam na rede diversos conteúdos governamentais expressamente protegidos por

copyright20 – o que minimamente demonstra que o posicionamento dos gestores

públicos acerca desse tema é de que as informações produzidas pelo governo não podem ser utilizadas pelas pessoas irrestritamente, contrariando a pretensa obviedade da aplicação do princípio da publicidade, e dando força a ideia de que vale a pena expressar, por meio da licença, quais os direitos dos cidadãos sobre as informações advindas do governo.

O exemplo dos Estados Unidos serve para mostrar que decisões governamentais baseadas nos processos emergentes de participação que acontecem na sociedade e nas possibilidades inauguradas pelas tecnologias da informação e da comunicação contribuem para disparar uma série de transformações profundas na questão da transparência. As motivações desta pesquisa moram na percepção de que tais transformações, considerando as características transnacionais da rede, também impactam na forma como a transparência tem sido vista no Brasil.

O governo brasileiro também alcança grandes avanços em relação à transparência por meio da utilização das tecnologias de informação e comunicação. Citando brevemente alguns exemplos, o Brasil é pioneiro em relação à disponibilização de informações orçamentárias em websites, contando com uma das legislações mais fortes do mundo para garantia de liberação deste tipo de informação. O Brasil também tem políticas consistentes de utilização de software livre em ambiente governamental, bem como algumas iniciativas de adoção do Creative Commons no licenciamento de produção de conteúdo em governos, de uso de padrões e formatos abertos em documentos públicos, e um programa já avançado de interoperabilidade de serviços eletrônicos.

Entretanto, até o presente momento, não existe ainda nenhuma iniciativa de disponibilização sistemática, atualizada e em larga escala de dados e informações governamentais federais, com foco claro e expresso de possibilitar a ressignificação destes dados e informações por parte dos cidadãos, criando assim novas formas de

20 Para citar alguns exemplos em diferentes instâncias de governo: http://www.brasil.gov.br/, http://

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participação política. Os portais de transparência de diversos governos no Brasil têm grande foco na fiscalização das contas públicas e do comportamento dos políticos, com menor vocação para a participação na gestão pública do que as iniciativas que estão aparecendo, muito recentemente, ao redor do mundo. Mas a discussão sobre essas possibilidades já acontece no país. E existem condições sociais, legais e tecnológicas para que o país avance mais nesse processo. Justificando assim a realização desta pesquisa, motivada também pelo interesse de contribuir com o entendimento e a possível ampliação dessas condições.

1.3.Dados governamentais abertos

Na esfera pública interconectada – que é o conceito adotado nesta pesquisa para caracterizar uma nova esfera pública, mediada pela rede, em oposição àquela mediada pelos meios de comunicação de massa –, o conceito de transparência é impactado pelas possibilidades das tecnologias da informação e comunicação. Sendo o digital o espaço onde se manifestam essas possibilidades, e sendo a internet o seu principal meio de proliferação, o conceito de transparência passa a se associar às formas de disponibilizar informação na web.

Tal como pode ser previsto pelas inclinações das diretivas de transparência e governo aberto em execução nos EUA desde 2009, alguns fatores sobre a forma como a informação pública é disponibilizada na rede tem diretamente a ver com a capacidade de uso e de reaproveitamento que os cidadãos terão dessa informação. A integridade dos dados, bem como a sua atualidade e a possibilidade de acessá-los sem depender de nenhuma plataforma tecnológica específica são alguns desses fatores, que estão altamente relacionados com a questão da transparência.

Portanto, associa-se ao entendimento de transparência, nesta pesquisa, também o conceito de dados governamentais abertos, que vem sendo consagrado por diversas discussões, documentos e experiências de uso como uma forma de disponibilizar informação pública na rede em prol da abertura, da colaboração e da participação dos cidadãos.

Utiliza-se aqui o termo dados governamentais abertos como tradução de open

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definição de dados governamentais abertos foi lançada na rede nesse mesmo ano de 2007, tendo sido concebida nos dias 7 e 8 de dezembro. Trata-se do resultado do trabalho de 30 ativistas em prol da abertura dos governos (tradução livre para

government advocates), convidados por Tim O’Reilly, dono da O’Reilly Media, e Carl

Malahmud, do movimento em prol do conhecimento em domínio público

Public.Resource.Org; tendo entre eles o então professor de direito em Stanford e criador

do Creative Commons Lawrence Lessig, representantes da Sunlight Foundation (patrocinadora do encontro, em ação conjunta com as empresas concorrentes Google e Yahoo), além de diversos empreendedores da rede que já trabalhavam com formas de mobilização social, intervenção urbana e ação política na internet.

O encontro em Sebastopol, na Califórnia, tinha o objetivo de “desenvolver um entendimento mais robusto de porque dados governamentais abertos são essenciais para a democracia”21. Segundo o relato:

“A internet é o espaço público do mundo moderno, e através dela os governos agora têm a oportunidade de entender melhor as necessidades dos seus cidadãos, e os cidadãos podem participar mais completamente do seu governo. A informação se torna mais valorosa quando é compartilhada, e menos valorosa quando é guardada. Dados abertos promovem mais debate cívico, melhor bem-estar público e um uso mais inteligente dos recursos públicos.”22

O grupo chegou a um conjunto de princípios fundamentais para os dados governamentais abertos, argumentando que, “ao adotar esses princípios, os governos do mundo poderiam se tornar mais efetivos, transparentes e relevantes para as nossas vidas”. 23

Seguem, na tabela abaixo, os oito princípios dos dados governamentais abertos. Dados governamentais, segundo os ativistas presentes nesse encontro, serão considerados abertos quando tornados públicos de uma forma que sejam:

21 A documentação completa dessa experiência está disponível a partir do site http://resource.org/

8_principles.html. Acesso em Fev/2010.

22 Idem 17. 23 Idem 22.

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Completos Todos os dados públicos são disponibilizados. Dados públicos são dados que não se submetem à limitações válidas de privacidade, segurança ou privilégio.

Primários Os dados são coletados na sua fonte, com o maior nível possível de granularidade, não estando em formas agregadas ou modificadas.

Atualizados Os dados são disponibilizados tão rápido quanto seja necessário para preservar seu valor.

Acessíveis Os dados estão disponíveis para o maior escopo possível de usuários e para o maior escopo possível de finalidades.

Legíveis por máquina Os dados estão razoavelmente estruturados para permitir processamento automatizado.

Não-discriminatórios Os dados estão disponíveis para todos, sem necessidade de registro.

Não-proprietários Os dados são disponibilizados num formato do qual nenhuma entidade tem controle exclusivo.

Livres de licenças Os dados não estão sujeitos a nenhuma forma de direito autoral, patente, propriedade intelectual ou segredo industrial. Restrições razoáveis de privacidade, segurança e privilégio podem ser permitidas.

Os princípios elencados na tabela garantem que a disponibilização de dados governamentais seja orientada de acordo a possibilitar a apropriação desses dados por parte dos cidadãos, que podem reutilizá-los na rede. Recombinadas, recontextualizadas e exibidas de diversas formas – contando para isso com as possibilidades do processamento automatizado, da granularidade e primariedade das bases de dados – a informação ganha valor, passando a representar diferentes realidades e formas de pensamento.

Outra série de princípios para a definição de dados governamentais abertos é de autoria do ativista pela abertura David Eaves. Em 30 de setembro de 2009, em um evento durante a Right to Know Week24 (que reúne programações e eventos relacionados

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ao direito à informação pública no Canadá), Eaves apresentou o painel Conference for

Parliamentarians: Transparency in the Digital Era. O objetivo do painel era

“engajar parlamentares no debate e na reflexão sobre o novo paradigma que o mundo digital inaugura para o direito à informação. Maior transparência na era digital requer mais gerenciamento de informação e mais uso do estado da arte das tecnologias da informação. Ela chama por uma mudança fundamental de atitudes, desde a liberação das informações imediata até o gerenciamento da informação com a consciência de que a disponibilização passa a ser o procedimento comum. Como as instituições públicas podem começar e acelerar essas mudanças em benefício dos Canadenses?”25

Como parte desse painel, Eaves apresentou aos parlamentares as suas três leis dos dados governamentais abertos, que seguem na tabela abaixo:

Se os dados não podem ser agregados por ‘spiders’ ou indexados, eles não existem.

Se os dados não estão disponíveis em formatos abertos e legíveis por máquina, eles não engajam pessoas.

Se um suporte legal não permitir que os dados sejam recombinados, eles não dão poder aos cidadãos.

As leis propostas por Eaves26 conversam diretamente com as possibilidades

técnicas garantidas pela rede. A legibilidade por máquina, citada também nos oito princípios concebidos em 2007, representa uma mudança de paradigma em relação a ideia que se tem de transparência fora do contexto da esfera pública interconectada. Diferente de cobrar dos governos informações claras e dados bem contextualizadas, para garantir que se tenha visibilidade do que acontece dentro das instituições, num contexto de barateamento das formas de manipulação da tecnologia e de não-necessidade de mediação dos fluxos informacionais, a cobrança passa a ser por informações que não precisam ser entendidas diretamente pelas pessoas, mas sim

25 Disponível em http://www.righttoknow.ca/en/Calendar/events-e.asp?date=9/29/2009. Acesso em Fev/

2010.

26 Versão original disponível em http://eaves.ca/2009/09/30/three-law-of-open-government-data/. Acesso

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processadas pelas máquinas. A ideia é que a informação pública esteja pronta para ser utilizada em softwares e aplicativos, que as recombinem e lhes atribuam novos sentidos. O conceito de dados governamentais abertos, portanto, se relaciona com um entendimento de que a forma como os governos disponibilizam suas informações permite que a inteligência coletiva crie melhores formas de trabalhar com elas do que os próprios governos poderiam fazer. Um exemplo simples de como isso pode funcionar é o das centrais de controle do tráfego urbano. É possível garantir um melhor gerenciamento da informação pública, e também alguma otimização de recursos, se as centrais guardarem seus recursos para gerenciar o trânsito, liberarem dados em formatos abertos e deixarem que os cidadãos se encarreguem de usar as tecnologias da informação e comunicação e a rede para produzir mapas e gráficos ilustrativos da situação do trânsito, por exemplo, de forma distribuída e auto-gestionada.

Ainda quanto à definição de dados governamentais abertos, vale notar que o processo de produção de conhecimento sobre esse tema também acontece de forma muito influenciada pelas dinâmicas da rede. Os oito princípios concebidos em 2007 foram criados em uma reunião descentralizada de ativistas por uma causa emergente, discutidos por meio de uma plataforma wiki, divulgados por um vídeo no YouTube e altamente disseminados pela internet. As três leis de David Eaves foram postadas por ele em seu blog, e a quantidade de retorno recebido motivou o ativista a lançar, dois meses depois, um chamado para tradução colaborativa do artigo27.

Em maio de 2009, foram concebidos, também por meio da colaboração e de forma auto-gestionada – pelos participantes do Government 2.0 Camp, uma “desconferência” sobre governo eletrônico e suas relações com a chamada web 2.0 – as 10 medidas para o governo aberto, mais um conceito que se alinha com a ideia de transparência na esfera pública interconectada. A primeira das medidas, open data, foi reproduzida no blog da Sunlight Foundation da seguinte forma: “abrir os dados: o governo federal deve tornar todos os dados procuráveis, encontráveis e acessíveis”28.

Na sequência, as medidas abordam outras características dos dados governamentais abertos:

27 Disponível em http://eaves.ca/2009/11/29/three-laws-of-open-data-international-edition/. Acesso em Fev/2010.

28 Versão completa disponível em

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Abrir os dados

Liberar dados de despesas orçamentárias

Agregar dados sobre orçamento e criar formas de medir os sucessos

Abrir um portal para requisições públicas de informação sob o FOIA

Distribuir os dados, garantindo sua redundância Abrir as reuniões e as agendas políticas

Abrir a pesquisa governamental Coletar informações do público com transparência

Permitir que o público fale diretamente com o presidente

Disponibilizar dados indexáveis, passíveis de serem estruturados por crawlers e acessíveis.

No Brasil, a questão dos dados governamentais abertos tem sido abordada pelo escritório regional do World Wide Web Consortium, W3C. Sendo um consórcio internacional com preocupação em desenvolver colaborativamente padrões universais para a web, o W3C acabou assumindo, no Brasil, uma posição de articulação dos poderes públicos em torno dos dados governamentais abertos, orientando quanto às formas de disponibilização.

No documento Melhorando o Acesso ao Governo com o Melhor Uso da Web aborda o fato de que “grande parte das informações do setor público era e ainda está sendo publicada em formatos proprietários, ou de maneiras que impedem que sejam acessíveis a todas as partes interessadas, como, por exemplo, por causa da incompatibilidade de equipamentos para uma pessoa que usa um equipamento móvel ou um computador antigo, ou da falta de informações para alguém que usa um computador sem o software proprietário necessário, e de barreiras de acessibilidade para pessoas com deficiências”. O documento alega que a grande produção de dados pelas organizações públicas tem sido publicada em diferentes formatos desde antes da digitalização dos processos comunicacionais, chegando dessa mesma forma aos dias de

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hoje. Em oposição a esse contexto, os dados governamentais abertos “referem-se à publicação de informações do setor público em formato bruto aberto, de maneira a torná-las acessíveis a todos e permitir sua reutilização, como a criação de mashups de dados (mashup sendo a mistura de dados de dois ou mais aplicativos ou fontes de dados diferentes, produzindo pontos de vista comparativos das informações combinadas)”29.

Os dados governamentais abertos, portanto, possibilitam a ação direta do cidadão sobre a informação pública. A transparência na esfera pública interconectada está relacionada ao entendimento das formas de disponibilização desses dados por parte dos governos, e maior responsabilidade em relação aos formatos da informação, representando uma mudança em relação ao que tem sido feito até hoje. É preciso compreender que a transparência, nesse novo contexto comunicacional, não será garantida pela simples publicação de dados e informações na rede, mas sim por meio de uma estratégia clara de gestão informacional, que considere fatores como acessibilidade e interoperabilidade.

No documento Melhorando o Acesso ao Governo com o Melhor Uso da Web,

“A atual tecnologia da Web permite que governos partilhem com o público uma grande variedade de informações em quantidade ilimitada, de acordo com a procura. A tecnologia também está disponível para permitir que os cidadãos tragam as questões que os preocupam à atenção do governo local, regional e nacional. Entretanto, explorar essas possibilidades dentro dos sistemas do governo é um desafio que inclui aspectos ambientais, políticos, legais e culturais. Criar um e-Governo exige abertura, transparência, colaboração e conhecimento para aproveitar as vantagens da World Wide Web”. 30

O objeto desta pesquisa, portanto, é a transparência na esfera pública interconectada, com atenção especial às formas de disponibilização de dados governamentais na rede, em consonância com as possibilidades de interação proporcionadas pelas tecnologias da informação e da comunicação em rede.

É preciso ressaltar que, nesse contexto, a simples ação dos governos quanto à disponibilização de dados governamentais abertos na rede não é suficiente para garantir uma ação em prol da transparência. É preciso que haja um braço de utilização

29 Disponível em http://www.w3c.br/divulgacao/pdf/gov-web.pdf. Acesso em Fev/2010. 30 Idem 23.

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sistemática e radical desses dados na sociedade, por parte de cidadãos interessados em não apenas em fiscalizar o governo, mas também em melhorar os serviços públicos, influenciar ativamente a gestão e ampliar o escopo dos seus direitos, participando ativamente dos processos políticos.

1.4.Contribuições esperadas

Esta pesquisa pretende contribuir para localizar a questão da transparência no contexto da esfera pública interconectada, sendo transformada por conta de novas interações possbilitadas pelas novas tecnologias da informação e comunicação – configurando-se esse como um problema não só político, mas também comunicacional. Giovandro Marcus Ferreira (2003), baseado em Breton e Proulx, afirma que “em períodos de crise na definição de identidades individuais e coletivas, o tema da comunicação se torna particularmente oportuno”. Citando o livro Une Societé de

Communication?, do sociólogo Erick Neveu, Ferreira afirma que, nos conflitos sobre os

limite do campo da comunicação, corre-se o risco de se construir o mito de uma sociedade em que todos os fenômenos passam ser analisados como sendo comunicacionais. Mas ele o ressalta o papel central das redes, sobretudo da internet, nas descrição de novas dinâmicas da sociedade:

“A partir desse novo patamar de funcionamento social, a mesma sociedade produzirá discursos contraditórios. De um lado, enaltecerá suas características de maior transparência, democratização da cultura e da política, fomentação da autonomia dos agentes sociais. De outro lado, ressaltará o perigo de controle social retomando as descrições de teóricos (Tocqueville...) que alertavam para um novo tipo de despotismo.”

(FERREIRA, 2003: 255)

A discussão dos meios se faz central na análise do problema proposto. É a transição de uma esfera pública mediada pela mídia de massa para uma esfera pública mediada pelas redes que gera um contexto social e político potencialmente transformador do conceito de transparência.

Diversos pesquisadores contemporâneos têm se procupado em debater essa mesma questão, a da relação entre a transparência e as tecnologias, especialmente a internet e a rede.

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Archon Fung, Mary Graham e David Weil (2007) escreveram uma importante obra para o entendimento da transparência na contemporaneidade, entitulada Full

Disclosure: The Perils and Promise of Transparency. O livro, baseado em diversas

análises empíricas que descrevem o trato com as informações públicas nos EUA, obedecendo a diferentes vontades políticas, trata da questão da transparência como se fosse um dogma político – suscitando diversas polêmicas, riscos, perdas e ganhos da adoção extensiva desse princípio.

Além de tratar da abertura de informações públicas, o livro também aborda a transparência nas instituições privadas, um assunto delicado para a economia norte-americana. Segundo os autores:

“[pesquisas apontam e justificam porque] as políticas de transparência podem ser benéficas socialmente. Os mercados sozinhos não oferecem informações necessárias aos consumidores, empregados e investidores para que esses possam fazer escolhas informadas. E mesmo quando há informação suficiente disponível, as pessoas nem sempre processam essas informações com acurácia e lógica para tomarem suas decisões. Por causa disso, barganhas como a das causas ambientais e outros riscos podem não levar a resultados sociais ótimos. (...) Juntos, esses comentários indicam que o fluxo natural da informação em um mercado sem restrições, e suas aplicações na tomada de decisões dos indivíduos no mundo real podem nem sempre levar aos ótimos resultados previstos pelas teorias políticas.”

(FUNG, GRAHAM e WEIL, 2007:30)

Antes das perspectivas de transparência e governo aberto iniciadas pela gestão Obama, Brito (2008) publicou um artigo com preocupações em relação à transparência e o accountability nos EUA:

“A democracia é fundamentada no princípio de que a autoridade moral do governo deriva do consentimento dos governados. Esse concentimento não é muito significativo, de todo modo, a não ser que ele seja informado. Quando um governo toma decisões em segredo, a oportunidade para a corrupção aumenta e o accountability diminui. É por isso que a transparência do governo deveria ser uma prioridade.”

(BRITO, 2008:120)

Também os pesquisadores Phineas Baxandall and Benet Magnuson (2008) realizaram, antes do governo Obama, estudos sobre a situação da transparência e da sua associação com as tecnologias em rede nos governos estaduais norte-americanos. De

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seu estudo, eles chegaram a uma divisão do conceito de Transparência 1.0 e Transparência 2.0 (BAXANDALL e MAGNUSON, 2008:1):

Transparência 1.0 Transparência 2.0

Incompleta: Cidadãos têm acesso apenas a informações limitadas sobre gastos públicos. Informações sobre contratos, subsídios, taxas ou despesas não estão abertas online e a maioria das vezes não podem ser coletadas.

Compreensiva: Portais com interface amigável fornecem aos cidadãos a possibilidade de procurar por informações detalhadas sobre contratos, gastos, subsídios, taxas e despesas do governo.

Dispersa: Determinados cidadãos que visitam numerosos sites de agência ou fazem requisições de informações públicas podem conseguir juntar informações sobre despesas do governo, incluindo contratos, subsídios e relatórios de taxas especiais.

Uma parada só: Cidadãos podem procurar por todas as despesas de governo em apenas um site.

Ferramenta para “intrusos” bem informados: Pesquisadores que sabem o que eles estão procurando e já entendem a estrutura dos programas de governo podem buscar nos relatórios dados enterrados sob camadas de categorias e jurisdições.

Encontrável por um clique: Cidadãos podem procurar por dados com uma consulta simples ou navegar por categorias compreensíveis pelo senso comum. Eles podem ordenar os dados de gasto do governo por receptores, quantias, distrito, agência, objetivo ou palavra-chave.

Baxandall e Magnuson (2008) fazem a comparação de que, no setor privado, a possibilidade de fazer buscas na internet revolucionou a acessibilidade e a transparência da informação, fazendo com que as pessoas se acostumassem com a possibilidade de monitorar entregas pela internet, checar minutos de contas de celular, comparar ações na Web, e até enxergar imagens de satélite ou no nível da rua de qualquer endereço. Mas, por outro lado, no caso de monitorar gastos de governo, por exemplo, os cidadãos norte-americanos foram “deixados no escuro” (BAXANDALL e MAGNUSON, 2008:5).

Segundo o estudo dos pesquisadores, os cidadãos querem a transparência. Citando a pesquisa Public Attitudes Toward Government Accountability and

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Transparency31, Baxandall e Magnuson (2008) afirmam que os “cidadãos estão ansiosos

pela Transparência 2.0”: 90% dos norte-americanos acreditam que eles tem o direito à informação transparente sobre como o governo dirige suas finanças, 5% dos norte-americanos acreditam que o governo do seu estado fornece informações financeiras compreensíveis, e 30% dos norte-americanos já tentaram encontrar na web informações sobre gerenciamento financeiro do governo do seu estado (BAXANDALL e MAGNUSON, 2008:9)

Albert Meijer (2009) escreveu sobre o debate intenso da transparência e das tecnologias da informação e comunicação, que segundo ele não acontece sob uma perspectiva aporofundada das tendências culturais da sociedade. Ele cita Oliver (2004) entre os “proponentes” da transparência, que acreditam que ela é um ingrediente essencial no sucesso da política, dos negócios e até das esferas pessoais da vida, trazendo sociedades mais democráticas. Também cita O’Neill (2002) entre os “oponentes” da transparência; aqueles que não são contra a transparência, mas duvidam que ela trará contribuições à sociedade, já que uma enxurrada de informação não-escolhida e errônia deverá levar a mais incerteza, o que leva à confusão – uma questão conceitual complexa, já que a informação errônia está diretamente conectada à transparência (O’NEILL, 2002:73, citada por MEIJER, 2009:257).

Segundo Meijer (2009), a abordagem dos proponentes da transparência é moderna, pois considera que a transparência mediada por computador dá melhores informações às pessoas e contribui para a racionalização da sociedade. Já a abordagem dos oponentes da transparência é pré-moderna. Ela entende as as tecnologias têm efeitos perversos, e que a democracia tem mais benefício quando está baseada nos modos tradicionais de produzir confiança. Meijer ainda percebe uma ausência no debate, a de uma análise pós-moderna da transparência, que enxergaria esse conceito sob o ponto de vista das novas realidades produzidas pela informação.

Meijer (2009) ainda esclarece que esses três pontos de vista – pré-moderno, moderno e pós-moderno – podem ser considerados coexistentes na sociedade de hoje. No caso descrito por ele, sobre a publicação das avaliações de escolas norte-americanas: os proponentes (modernos) da transparência argumentam que os pais têm o direito a

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receber informações para tomarem decisões sobre a educação de seus filhos, o que é ajudado pelas publicações das avaliações; enquanto os oponentes (pré-modernos) acreditam que a qualidade escolar não pode ser medida por números, e que as publicações incentivam uma cultura de “educação em prol testes”; e os pós-modernos diriam que as informações publicadas sobre a avaliação das escolas produzem uma imagem da escola que não está conectada com a sua realidade, mas que em vez disso constroi uma nova realidade, com mais ambiguidade de sentidos.

A solução do conflito, em compensação, pode estar no entendimento, pelos pré-modernos, de que as tecnologias da informação e comunicação são diferentes dos meios de comunicação de massa, e que elas podem gerar novas relações de confiança por conta de bidirecionalidade dos fluxos comunicacionais. O autor ainda lembra, citando Postman (1998), a ambivalência das tecnologias, e o fato de que elas são produzidas pelas pessoas, ou seja, “devemos debater que formas de transparência mediada por computadores nós querermos criar” (MEIJER, 2009: 264; 266).

Esses são apenas alguns exemplos do debate que acontece, principalmente nos EUA, sobre a questão da transparência e sua relação com as tecnologias da informação, com a qual essa pesquisa tem o interesse de dialogar.

Além disso, apesar de não objetivar diretamente a proposição de medidas, políticas ou atitudes relacionadas ao uso das tecnologias em prol da publicidade das ações relacionadas ao estado, esta pesquisa tem a intenção de contribuir para que exista conhecimento estruturado a respeito da forma como governos e sociedade podem trabalhar com informação pública na rede, garantindo assim maior transparência e abertura aos processos.

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2. Fundamentação teórica

2.1.O poder público em público

A fundamentação teórica desta pesquisa se inicia com um resgate histórico. Para compreender o conceito de transparência na contemporaneidade, é necessário entender as suas primeiras aplicações no campo da política – ou mais precisamente, como a ideia de publicidade, que é como diversos teóricos do estado se referem à prática de atribuir visibilidade às ações de governo, passa a se relacionar com a concepção moderna de democracia. Observa-se, então, a França do século XVIII, berço do estado constitucional como conhecemos, num estágio um pouco anterior ao que se iniciou quando a informação política extrapolou as cortes, foi reforçada nas ruas e eclodiu em revolução; isso para entender como se tratava dessa informação antes da democracia.

O historiador Robert Darnton (2005) oferece uma descrição de como a sociedade francesa ficava sabendo das informações da corte; para assim compreender como se relatava e se dava sentido a essas acontecimentos, fomentando, ciclicamente, novos acontecimentos, novos relatos, novos sentidos. A observação desse ciclo pode oferecer uma linha de pensamento útil para a reflexão sobre sociedades de todos os tempos – já que, segundo o argumento de Darnton, todas as sociedades são sociedades da informação. Sem querer desfazer algum mito de sociedade informacional que esteja fortalecido hoje, o objetivo dessa estratégia de descrição social com base nos sistemas de informação é, de certo modo, análogo ao desta pesquisa: reconsiderar as conexões entre as diferentes formas de se comunicar (seja pelos meios de comunicação de massa, pela rede ou mesmo pela discussão presencial em espaços públicos) e as formas por meio das quais a sociedade faz política – convive, pensa, forma opinião pública e toma decisões que afetam o coletivo.

De acordo com o relato, a Paris do século XVIII, havia um contexto de proibição e censura da imprensa, característico do Antigo Regime. A imprensa arcaica e oficialesca se contrapunha à expansão do público leitor da França (no norte da França, quase 50% dos homens adultos já eram alfabetizados em 1789). Mas a censura da imprensa quanto às decisões de estado, diferentemente de abusiva, era, neste caso, sistemática e coerente.

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Política, no Antigo Regime, não era assunto de deliberação pública. Segundo Darnton (2005), “informações sobre o andamento do sistema interno de poder supostamente não deveriam poder circular sob o Antigo Regime na França. A política era atribuição do rei, le secret do roi, uma ideia derivada de uma visão do fim da Idade Média e do Renascimento, que tratava a ciência de governar como arcana imperii, uma arte secreta restrita aos soberanos e seus conselheiros” (DARNTON, 2005:46). A vida pessoal e íntima da corte e, principalmente, do rei, por outro lado, devido à tradição religiosa de sua função, é que exercia influência sobre o futuro de todo o reino. Saber das relações pessoais do soberano e de seus protegidos, e avaliá-las de acordo com as medidas da tradição religiosa, essas sim eram posturas legítimas de contestação política, motivadas pelo fato de que, dependendo da moralidade e da ética de tais ações, é que Deus concederia mais ou menos sucesso ao país. Segundo essa visão, o futuro dos franceses pouco dependia, portanto, do tratamento atribuído pelo estado às questões que hoje seriam consideradas de interesse público. Mais importante eram as pessoas com quem o rei se relacionava, se ele havia ou não comparecido à confissão antes da Páscoa, se ele tinha ou não amantes e filhos bastardos, e assim por diante.

Mesmo apesar de não ter possibidade de atuar nas questões estatais, ou de fazer parte do processo de tomada de decisões relativas ao estado, a sociedade francesa desenvolveu interesse pelas questões de governo, de forma a convergir esse interesse em força política. Alinhadas a um processo de dessacralização da figura do rei, as notícias da Paris pré-revolucionária eram altamente focadas nas intimidades da coroa, mas já evidenciavam uma sensação coletiva de perda do carisma da realeza e de decadência da corte, com grande potencial de transformação.

Tudo com o que os parisienses podiam contar para publicar essas apreensões eram os boatos, as canções, os manuscritos clandestinos e os livros proibidos; passados de mão em mão, copiados e reinventados constantemente – compondo, dessa forma, um complexo sistema de comunicação multimídia, altamente baseado na criação coletiva e, porque não dizer, no remix.

Sem querer escapar longamente deste momento de resgate histórico, vale considerar, a respeito da contemporaneidade, que com meios de comunicação altamente influenciados por interesses políticos e de mercado, constitui-se também hoje uma rede alternativa de informação e de deliberação pública, fundamentada nas tecnologias de

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