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A MEMÓRIA DA GUERRA E A GUERRA PELA MEMÓRIA. SARGENTOS DA FEB E A 2ª GUERRA MUNDIAL

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Academic year: 2021

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A MEMÓRIA DA GUERRA E A GUERRA PELA MEMÓRIA.

SARGENTOS DA FEB E A 2ª GUERRA MUNDIAL

Mestrando História Moises Bastos de Morais Orientadora: Marly Vianna

INTRODUÇÃO

Observando o nome das unidades militares do Exército Brasileiro, percebemos que nenhuma fazia alusão a uma praça1; somente oficiais haviam recebido tal homenagem. Transformamos a observação inicial em uma investigação: será que de fato não haveria nenhuma praça homenageada?

Realizamos uma pesquisa e descobrimos que somente duas dentre mais de uma centena de unidades existentes tinha sua denominação relacionada à homenagem de uma praça. O nome do agraciado é o sargento Max Wolf Filho, morto em combate na 2ª guerra mundial. Continuando nossa investigação, e já delimitando o recorte temporal para o período da 2ª Guerra Mundial, tentamos localizar material bibliográfico sobre o próprio Max Wolf Filho e sobre outros sargentos que haveriam participado desse embate. Para grande espanto, não localizamos tais materiais.

Aprofundando tal pesquisa e reduzindo-a ao círculo dos sargentos da ativa, promovemos uma entrevista com o objetivo de identificar se, a ausência de homenagens era sinônimo de ausência de conhecimento sobre o papel que esses homens haviam desempenhado nos eventos em que o Exército Brasileiro havia participado. O resultado foi de que em 92% das unidades em que os entrevistados estavam alocados, nunca havia sido mencionado nenhum sargento que houvesse participado de algum conflito externo ou interno. Tal fato justifica a sensação que 86% dos pesquisados tem de que o Exército Brasileiro e a sociedade de um modo geral não valorizam historicamente os sargentos participantes de quaisquer conflitos. Agravando tal quadro, 89% dos sargentos que responderam a pesquisa tem a percepção de que o Exército Brasileiro e a sociedade em geral não valorizam de forma eqüitativa seus líderes nos diversos círculos hierárquicos.

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O resultado da pesquisa demonstra que pouco se conhece sobre imensa quantidade de indivíduos que compunham grande parcela do efetivo do Exército Brasileiro. Em se tratando da atuação brasileira na 2ª Guerra Mundial, essa discrepância ganha proporções alarmantes: considerando apenas os 467 mortos, 22 eram oficiais e todos os outros 445 eram praças. Desse universo, 68 eram sargentos. Com base nesses resultados, observamos que seria de grande relevância acadêmica, social e historiográfica o estudo da atuação dos sargentos da Força Expedicionária Brasileira – FEB - na 2ª Guerra Mundial.

Os sargentos desempenharam relevante papel nos combates e acreditamos que essa lacuna historiográfica poderá ser preenchida com o desenvolvimento da pesquisa por nós proposta nesse anteprojeto. A principal contribuição do trabalho será resgatar a memória desses praças, mortos ou não em combate, para que a história, até então excludente, ceda espaços para pessoas que pagaram com sangue e suor o seu tributo a nação.

Nos caminhos da memória

Segundo Jacques Le Goff, o conceito de memória é crucial. Para o autor, uma das propriedades da memória é conservar certas informações e trazê-las à tona quando necessário, voluntária ou involuntariamente. Ressalta também que no próprio processo de memória do homem existe uma ordenação e uma releitura dos vestígios2. Essa reordenação e releitura, de acordo com Michael Pollak, deriva do caráter seletivo da memória, onde a construção em nível individual pode ser consciente ou inconsciente3. Para Pierre Nora, essa construção está diretamente ligada com a afetividade; a herança afetiva das pessoas em relação ao passado torna a mesma confortável e organizada; com sentindo completo e perfeitamente inteligível 4.

2 Le GOFF, Jacques. História e Memória, p. 423-424. 3 POLLAK, Michel. Memória e Identidade Social, p. 5.

4 “A memória é a vida (...), ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do

esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações (...). Porque é afetiva e mágica, a memória não se acomoda a detalhes que a confortam: ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas, censuras ou projeções (...). A memória é um absoluto e a história só conhece o relativo.” NORA, Pierre. Entre Memória e História. A problemática dos lugares, p. 9.

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Voltando a Jacques Le Goff, a memória teria também a função social de comunicar uma informação a outrem, possibilitando trazer o passado para o presente.

Em se tratando de memórias coletivas, essa possibilidade é bastante sedutora, pois ter o domínio sobre a memória coletiva é estabelecer lembranças e manipular esquecimentos, transformando-se assim a memória num instrumento de poder. É justamente essa memória coletiva que dá a coesão dos grupos sociais, comunidades e nações5. Michael Pollak tem particular preocupação com a instituição das memórias coletivas, dando destaque para construção da memória nacional.

Estudar as memórias coletivas fortemente constituídas, como a memória nacional, implica preliminarmente a análise de sua função. A memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpenetrações do passado que se quer salvaguardar, se integra, como vimos, em tentativas mais ou menos conscientes de definir e reforçar sentimentos de pertencimento e fronteiras sociais entre coletividades de tamanhos diferentes(...). A referência ao passado serve para manter a coesão dos grupos e das instituições que compõem uma sociedade, para definir seu lugar respectivo, sua complementaridade, mas também suas oposições irredutíveis. Manter a coesão interna e defender as fronteiras daquilo que um grupo tem em comum, em que se inclui o território (no caso dos Estados), eis as duas funções da memória em comum. Isso significa fornecer um quadro de referências e de pontos de referência6.

O mesmo autor, de forma bastante criteriosa, reconhece o que chama de “caráter potencialmente problemático de uma memória coletiva” onde o pesquisador precisa assumir a tarefa de analisar como determinados fatos sociais ganham relevância e destaque e como e por quem são consolidados e dotados de duração e estabilidade7.

A partir da idéia de que a memória coletiva é construída e que, além de seletiva, é organizada de forma a atender interesses determinados, nossa pesquisa tem como objetivo geral propor uma análise e um debate sobre a memória nacional produzida

5

Le GOFF, Jacques. História e Memória, p. 426. Eric Hobsbawm tem seu livro “Invenção das tradições” discute a importância do estabelecimento de um passado comum e, preferencialmente, glorioso para despertar o sentimento de nacionalidade e pertencimento a uma grande unidade. Nesse caso, a memória coletiva, ainda que manipulada, será responsável pelo estabelecimento dos laços de identidade.

6

POLLAK, Michel. Memória, Esquecimento, Silêncio, p. 9.

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acerca da atuação das tropas brasileiras na 2ª Guerra Mundial, tendo como objeto o cotidiano dos sargentos da FEB.

A FEB, os sargentos e a história

A Força Expedicionária Brasileira, formada por 25.445 homens e mulheres, que sob o comando do General Mascarenhas de Morais, foram enviados para Itália e lá incorporados ao V Exército Americano. Os primeiros brasileiros chegaram a Itália em julho de 1944, praticamente cinco anos após o início da guerra e dez meses antes do término da mesma. Ainda que o lapso de tempo pareça pequeno em termos comparativos, foi o suficiente para que, dentre o efetivo enviado, 467 não pudessem retornar a seus lares brasileiros.

A historiografia brasileira sobre tal assunto é ainda deveras limitada em diversos aspectos. Tal problema foi levantado por Cesar Campiani Maximiano que elenca como principais problemas a falta de disponibilidade de obras que versam sobre o assunto nas editoras/livrarias, ficando tais publicações quase que exclusivamente para Biblioteca do Exército, Bibliex, que não distribui seus livros comercialmente. Em geral, as obras da Bibliex tendem a apresentar um outro problema, que dificulta a vida do pesquisador: a maior parte das obras está ligada a oficiais superiores e intimamente ligada as concepções que as próprias Forças Armadas tem de si e que estimulam a seu próprio respeito8. Percebemos, assim, que a historiografia produzida ainda é bastante excludente em relação as praças da FEB e que isso deve ser modificado9.

Desvendar o cotidiano dos sargentos da FEB é dar visibilidade a indivíduos que, ao lado de oficiais, escreveram a história do Brasil na 2ª guerra. A idéia é buscar fontes para reconstruir a história da FEB, com espaço para comandantes e comandados, fazendo uma releitura da atuação do sargento. A proposta não é uma narrativa de feitos heróicos ou glorificação de “injustiçados”; desejamos por em debate a memória coletiva instaurada e (re) construí-la com a participação de novos personagens.

8

MAXIMIANO, Cesar Campiani. Trincheiras da memória. Brasileiros na campanha da Itália, 1944-1945, p.15-16.

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Ainda que tal bibliografia não produza grandes questionamentos, é essencial a sua utilização para estabelecer as linhas de análise dessa pesquisa. Alguns desses títulos estão arrolados na bibliografia.

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Sargentos da FEB: um novo olhar

A partir do uso de três tipos de documentação – os relatos dos atos meritórios dos sargentos, os relatos dos correspondentes de guerra e os jornais da época – faremos uma interlocução que tentará analisar o cotidiano dos sargentos da FEB; examinar como os correspondentes de guerra viam as ações dos sargentos da FEB; observar como tais ações chegavam (ou não) a grande imprensa n Brasil e comparar como a memória coletiva da 2ª guerra foi construída, com enfoque na participação dos sargentos e na afirmação de Max Wolf como o herói sargento.

REFERÊNCIA DOCUMENTAL

Para o desenvolvimento dessa pesquisa utilizaremos fontes contidas no Arquivo Histórico do Exército e na Biblioteca Nacional

No Arquivo Histórico do Exército (AHEx) serão consultadas as caixas que contém a documentação referente a Força Expedicionária Brasileira (FEB), dos anos de 1944-1945, mas especificamente, as caixas que contém as propostas de condecorações e as reportagens de correspondentes de guerra.

As propostas de condecoração trazem os relatos da atuação dos sargentos no combate na linha de frente. Tal documento era usado pelos comandantes para requerer medalhas aos seus subordinados. A importância da utilização desse tipo de documentação na pesquisa é deslindar a atuação dos sargentos nos combates travados e observar o cotidiano desse grupo dentro da FEB.

As reportagens de correspondentes de guerra são, na verdade, os rascunhos feitos pelos civis que faziam a cobertura da guerra para grandes jornais brasileiros. Neles também temos os relatos dos combates realizados no front, porém utilizando uma abordagem com cunho jornalístico. Tais relatos serão confrontados com as propostas de condecorações. A relevância do uso dessa fonte se dará a partir de uma interlocução da mesma com as propostas de condecoração (na perspectiva de como um relato de guerra se transformava numa crônica de guerra, observando quais as mudanças/alterações se davam nessa transformação) e como tais reportagens eram publicadas em seus jornais de destino (analisando se haviam mudanças/alterações no conteúdo das mesmas e até mesmo se todas eram publicadas).

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Um pequeno exemplo dessa interlocução se mostra a partir da leitura da de um dos rascunhos de Egydio Squeff, correspondente de guerra do jornal O Globo:

Retomo a estrada, e ao ver de longe Abetaia, lembro-me que ali morreram muitos brasileiros, numa emboscada nazista. Isso, de certo modo, já é natural, estamos numa guerra. Mas eu nunca tinha visto procedimento semelhante aos que tiveram os fascistas alemães, deixando insepultos os nossos mortos, leais e valorosos adversários10.

O tratamento dado aos combatentes mortos do Exército Brasileiro era bastante diferente do que era dado pelos nazistas, como bem observou Egydio Squeff, tanto que o recolhimento de cadáveres era um ato meritório para uma medalha de Cruz de Combate de 2ª Classe:

José Alves de Vasconcelos (...) como encarregado da coleta de cadáveres, transpunha as nossas linhas, a qualquer hora do dia ou da noite, em terrenos minados, bombardeados e metralhados pelos alemães, sem o menor temor, em busca de mortos que se encontravam entre alinha das tropas aliadas e a dos adversários, abandonados por motivo do retraimento das nossas patrulhas, impossibilitadas de conduzi-los, como também na coleta de mortos por ocasião da grande ofensiva11.

Das caixas que acondicionam esses materiais, 80% já foi consultado, tendo seu material sido reproduzido e arquivado em forma digital.

Na Biblioteca Nacional (BN) serão consultados as edições do jornal O Globo, Correio da Manhã, Diário Carioca e Diários Associados, no período de 1944-1945, período este em que os mesmos mantiveram correspondentes na guerra (Egydio Squeff, Rui Brandão, Rubem Braga e José Carlos Leite e Joel Silveira, respectivamente) para que a proposta de interlocução possa ser complementada.

10 FEB. 1ª DIE. Secretaria Especial do Comando da FEB. Correspondente SQUEFF. 11 FEB. 1ª DIE. Secretaria Especial do Comando da FEB. Q.G. Campanha da Itália.

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BIBLIOGRAFIA BÁSICA

ARRUDA, Demócrito C. et al. Depoimentos de Oficiais da Reserva sobre a FEB. 3 ed, Rio de Janeiro: Cobraci Publicações. s/d..

BRAGA, Rubem. Crônicas da guerra na Itália. Rio de Janeiro: Bibliex, 1996.

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Estado-Maior na Campanha da Itália-1943-1945. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

CASTELO BRANCO, Manoel Thomaz. O Brasil na II Grande Guerra. Rio de Janeiro: Bibliex, 1960.

CASTRO, Celso. A invenção do Exército Brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.

FERRAZ, Francisco César Alves. A guerra que não acabou. A reintegração social dos

veteranos da FEB (1945-2000). Tese de doutorado. São Paulo: USP, 2003.

____________________________. Os brasileiros e a Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.

HOBSBAWM, Eric. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008 Le GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Editora Unicamp, 1996.

LINS. Maria de Lourdes F. A Força Expedicionária Brasileira: uma tentativa de interpretação. São Paulo: Editora Unidas, 1975.

MASCARENHAS DE MORAES, João B. A FEB pelo seu Comandante. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1949.

MAXIMIANO, Cesar Campiani. Trincheiras da memória. Brasileiros na campanha da Itália,

1944-1945. Tese de doutorado. São Paulo, USP, 2004.

MCCAN, Frank D., Jr. Nação Armada. Recife: Editora Guararapes, 1982.

NORA, Pierre. Entre Memória e História. A problemática dos lugares. Revista Projeto História, São Paulo, vol. 10, 1993.

PARENTE, Emerson. “A FEB-1ª Manifestação do Brasil Potência”. Revista militar Brasileira, vol. 52, n. esp, ano LIX, 1973.

PILLAR, General Olyntho. Os patronos das Forças Armadas. Rio de Janeiro: Bibliex, 1981.

POLLAK, Michel. Memória e Identidade Social. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, nº. 10, 1992.

_______________. Memória, Esquecimento e Silêncio. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, nº. 3, 1989.

REMOND, René. Por uma nova História Política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. SEGADAS VIANA, João de. Anotações para História da FEB. Rio de Janeiro: Imprensa Militar, 1946.

Referências

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