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O STF e a judicialização de políticas: lócus de resistência ou governança autoritária? INTRODUÇÃO

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O STF e a judicialização de políticas: lócus de resistência ou governança autoritária? Luciana Gross Cunha

Fabiana Luci de Oliveira Lívia Gonçalves Buzolin

INTRODUÇÃO

A proposta do artigo é discutir a judicialização de políticas em contextos não democráticos e de democracias ameaçadas. Para isso, analisamos a atuação do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade em dois períodos diferentes da história recente do Brasil: na transição política do regime militar, entre os anos de 1978-1988, englobando o último ano da presidência de Geisel, a presidência de Figueiredo (último presidente militar), e a de Sarney; e na primeira metade do governo Bolsonaro, que vem sendo caracterizado como um governo com preferências autoritárias. O recurso a esses dois períodos não visa uma abordagem comparativa, mas nos permite verificar se e em que medida o tribunal atuou, e vem atuando, como lócus de resistência, ou como mais um ator na governança autoritária imposta por governos não democráticos, e por um governo que tem atuado de forma a fragilizar as instituições democráticas.

O primeiro momento permite explorar a perspectiva aberta por Ginsburg e Moustafa (2008), da possibilidade de ocorrência de judicialização da política em regimes autoritários. Segundo os autores, os tribunais serviram, e servem, a regimes autoritários na medida em que ajudam a manter o controle social (marginalizando e mesmo neutralizando adversários políticos e mantendo a coesão entre as várias facções dentro da coalizão governista); contribuem para reforçar a legitimidade do regime, com o crivo da “legalidade” (contribuindo, entre outras coisas, para a atração de investimentos); colaboram para manter a disciplina burocrática (fazendo avançar a disciplina administrativa dentro das instituições do Estado), e para a adoção de políticas impopulares (sendo a eles delegadas reformas controversas).

Ao serem promovidos como instrumentos de governança autoritária, os tribunais possibilitariam, também, caminhos para ativistas políticos desafiarem os Governos e os regimes autoritários, transformando-se em arenas animadas de contenção, resultando em uma “judicialização da política autoritária" (Moustafa, 2014: 282). A democratização como condição necessária para haver judicialização da política, conforme a clássica definição de Tate e Vallinder (1995) é, portanto, problematizada.

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O segundo momento possibilita discutir a judicialização da política em um cenário de ameaça a democracia, a partir dos conceitos de constitucionalismo autoritário (Tushnet, 2015) e de constitucionalismo abusivo (Landau, 2013).

Esses conceitos vêm sendo empregados para problematizar a atuação de governos legitimamente eleitos, que se recusam a seguir regras democráticas, como o autocontrole no uso de prerrogativas institucionais, e a tolerância mútua na relação com os adversários políticos, configurando um processo de recessão democrática global (Diamond, 2015), ou retrocesso democrático (Levitsky e Ziblatt, 2018). Tal retrocesso ocorreria após a eleição de governos populistas, que se valem de vias formais, como leis e emendas constitucionais, para desmantelar as instituições do Estado de Direito e restringir a competição eleitoral, e de meios informais para neutralizar o Judiciário, desacreditando-o. Esses governos se valem das próprias instituições para subverter a democracia, propondo soluções autoritárias revestidas de legalidade, acabando por enfraquecer algumas de suas salvaguardas institucionais, como a imprensa e o sistema de justiça. Entre os expedientes adotados, Levitsky e Ziblatt citam o aparelhamento de tribunais, e outros meios que “podem até mesmo ser retratados como esforços para aperfeiçoar a democracia – tornar o Judiciário mais eficiente, combater a corrupção ou limpar o processo eleitoral” (Levitsky e Ziblatt, 2018: 17).

Mas esses processos não se dão sem resistência. Como colocam Huq, Gisburg e Versteeg (2018),

Talvez a instituição mais confiável para proteger a democracia liberal seja o Poder Judiciário. Na teoria constitucional, a revisão judicial é vista como as cordas que, na parábola de Homero, prendem Ulisses ao mastro de seu navio para que ele possa resistir ao canto das sereias. Os tribunais constitucionais fazem isso invalidando leis e regulamentos que violam as proteções constitucionais, protegendo assim simultaneamente a democracia contra o retrocesso autoritário e a tirania da maioria (Huq, Gisburg e Versteeg, 2018: 251-52)

Vislumbramos a possibilidade de analisar a atuação do STF nessa perspectiva, para discutir como os tribunais constitucionais se comportam em momentos de instabilidade política e institucional. Na linha proposta por Moustafa (2014: 294-295), tal discussão permite conhecer as formas pelas quais o direito e as instituições de justiça podem ser subvertidas e reconfiguradas para tentar minar direitos, sob o disfarce de Estado de Direito, e se e como podem ser espaços para proteção do constitucionalismo liberal, na linha proposta por Huq, Gisburg e Versteeg (2018).

Para além desses parâmetros teóricos, a atuação do STF nesses dois momentos nos ajuda a compreender melhor o protagonismo do STF na arena política brasileira, sua relação

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com os poderes Executivo e Legislativo, e os limites da divisão de poderes na democracia. Buscamos mobilizar variáveis que permitam endereçar a legitimidade democrática das cortes constitucionais, como independência, transparência e responsabilidade, testando os limites das instituições democráticas.

Utilizamos como fonte de dados ações de controle concentrado de constitucionalidade de normas federais no STF, que tenham o Presidente da República no polo passivo considerando as Representações de Inconstitucionalidade (RPs) propostas no período de 1979-1988, e as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs), Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) e Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão (ADOs) impetradas no governo Bolsonaro, até agosto de 2020.

Esses dados permitem observar quais políticas públicas produzidas em nível federal foram contestadas judicialmente, quais foram os atores que buscaram inviabilizar tais políticas e como o Supremo respondeu, verificando se o tribunal se comportou como uma arena de contenção das políticas autoritárias e de reforço da sociedade civil, como um player político importante (Moustafa, 2014).

O período de 2020 possibilita, ainda, verificar a atuação do STF durante a pandemia. Nessa análise, utilizamos a proposta de Vieira (2018) de classificação do comportamento do Judiciário na determinação dos conteúdos das normas constitucionais. Para Vieira, nos regimes democráticos, espera-se que os tribunais se posicionem com deferência e responsividade à Constituição, respeitando a vontade do legislador e a separação dos poderes de forma que o texto constitucional e os direitos fundamentais sejam garantidos da maneira mais ampla possível. Porém, dada a discricionariedade que é dada aos tribunais, esses podem atuar de forma “degenerada”, se omitindo ao serem incapazes de fazer cumprir o texto constitucional, ou mesmo usurpando prerrogativas dos outros poderes do Estado (2018: 175).Essa forma “degenerada” de atuação dos tribunais, proposta por Vieira (2018), permite resgatar o conceito de constitucionalismo autoritário, que para Pozas-Loyo e Rios-Figueroa (2019), se refere a um conjunto de regimes políticos que mesmo apresentando características democráticas, tendem a extrapolar o seu poder político para além do que a constituição, no seu preceito liberal, autoriza. O artigo segue estruturado em cinco seções, trazendo, primeiro, um breve panorama do desenho institucional a partir do qual o STF foi e é chamado a agir politicamente, nos dois períodos em análise, seguida da apresentação da metodologia que empregamos para a seleção dos casos e apresentação dos dados relativos às RPs, ADINs, ADPFs e ADOs. As seções

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seguintes apresentam os dados descritivos dos dois períodos em análise. Ao final, sumarizamos os principais resultados da pesquisa.

O SUPREMO COMO PLAYER POLÍTICO

O STF passou por mudanças significativas durante a ditadura militar, seja no que diz respeito à sua competência, seja quanto à sua composição. O golpe militar em 1964 significou uma gradativa concentração de poder no Executivo, em detrimento do Legislativo e do Judiciário. Em 1965, o Ato Institucional (AI) nº 2 aumentou o número de ministros do STF, passando de 11 para 16; aboliu as garantias constitucionais dos juízes de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade; e excluiu da apreciação do judiciário os atos do Executivo (Del Rio, 2014: 1173 – 1174).

Ao mesmo tempo, a Emenda Constitucional nº 16, de 1965, autorizou o STF julgar os pedidos de inconstitucionalidade de normas estaduais federais, por meio das Representações de Inconstitucionalidade (RPs) apresentadas pelo Procurador Geral da República, cuja nomeação era definida única e exclusivamente pelo Presidente da República.

Apesar de parecer uma ampliação de poderes do STF, essa previsão estava alinhada aos usos que regimes autoritários buscam fazer do direito e dos tribunais, valendo-se deles como instrumentos de controle político e fortalecimento do Executivo Federal no processo legislativo, servindo, no caso brasileiro, a uma política de intervenção nos estados (Oliveira, 2019).

Com o AI nº 5, em 1968, a competência do STF foi restringida, sendo que a partir daquele momento nenhum dos casos relativos à cassação de direitos políticos e ao fechamento do Congresso Nacional ou atos correlatos, poderiam ser objeto de revisão judicial. Com isso, como afirma Koerner (2012), o STF “... foi desvestido de seu papel de garantir os direitos políticos da oposição e da contestação política” (Koerner, 2012: 34).

Como desdobramento do AI nº 5, em 1969, o AI nº 6 reduziu o número de ministros do Supremo para 11, aposentando os integrantes que tinham sido nomeados nos períodos anteriores ao golpe militar.

A maioria dos pesquisadores observa que no período entre a instituição do controle concentrado de constitucionalidade até a revogação do AI-5, o STF esteve ausente da cena política. Oswaldo Trigueiro do Vale (1976), por exemplo, afirma que a concentração de iniciativa das RPs no PGR, fazia do STF um órgão “politicamente morto” (Vale, 1976: 166). Oscar Vilhena Vieira vai além, entendendo que durante todo o período militar o STF teria agido

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de forma a proteger os interesses do regime. Para o autor, que reconhece a escassez de estudos sobre a atuação do tribunal no período, durante a transição democrática, sem as amarras dos atos institucionais, o STF teria permanecido em silêncio, frustrando as expectativas dos litigantes que recorriam ao tribunal (1993: 73).

Em trabalho anterior, uma de nós (Oliveira, 2012) analisou a cobertura feita pela mídia da atuação do STF durante o regime militar, e verificou que as notícias permitem afirmar que o STF esteve sim em silêncio quando o regime autoritário se acirrou (1968-1977), e que com a revogação do AI-5, o tribunal voltou a se manifestar politicamente (Oliveira, 2012: 166). Em artigo subsequente, analisando as representações de inconstitucionalidade julgadas entre 1978-1988, constatou que os governadores foram os principais usuários desse instrumento, solicitando ao PGR ingresso de RPs, seguidos de representantes do Poder Executivo (IBGE, Ministérios, etc.), de sindicatos patronais e associações profissionais. Conclui, assim, que é possível falar em judicialização da política no Brasil durante o período de transição democrática, com o Supremo tendo atuado, sobretudo, como um órgão de governança, mediando conflitos ligados à administração dos estados e ao arranjo federativo (Oliveira, 2019: 93).

Aqui analisamos esse mesmo período, mas considerando apenas as representações que contestaram normas com origem no Executivo Federal.

A Constituição Federal de 1988 inaugurou um novo desenho político jurídico institucional, ampliando a possibilidade de controle constitucional concentrado do STF por meio da ADI, ADO (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão) e ADPF1. Não por

acaso, a atuação do STF na arena política brasileira no período pós-redemocratização já foi definida pela literatura como a de um importante player político (Taylor, 2008) que atua revertendo decisões dos Legislativos e Executivos com amplos apoios políticos. Mais recentemente, quando da análise da sua atuação em momentos de forte instabilidade política, como no recente impeachment da presidente Dilma Rousseff, o STF foi percebido como um agente de desestabilização política e institucional (Meyer, 2018; Almeida, 2019). Seja pela falta de deferência aos precedentes do tribunal (Rodriguez, 2013), seja pelo excesso de decisões monocráticas (Arguelhes e Ribeiro, 2018) ou pela pouca transparência na definição da agenda decisória que dificulta identificar uma posição institucional frente a questões importantes e urgentes do país (Oliveira, 2016), o diagnóstico mais comum é que a atuação do STF, muitas

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vezes, deixa de atender ao requisito da segurança jurídica, contribuindo, assim, para a não efetivação de um Estado democrático de direito. Mas e quanto à sua relação com o regime democrático e o seu comportamento em períodos quando as instituições democráticas estão sob ameaça? É essa a pergunta mais geral que pretendemos responder.

METODOLOGIA DE SELEÇÃO DOS CASOS

Uma vez que nosso interesse está em discutir a judicialização de políticas em cenários não democráticos ou de democracias ameaçadas, elegemos dois períodos específicos da história do país: o período de transição da ditadura militar para a redemocratização do país, de 1978-1988 e os primeiros dos anos do governo Bolsonaro2.

Conforme pontuado no tópico anterior, o controle concentrado de constitucionalidade foi instituído no país somente em 1965, no início da ditadura, deixando nas mãos do PGR a iniciativa exclusiva desse tipo de ação. A literatura sobre a atuação do STF nesse período aponta que entre a edição do AI-5 em 1968, até a sua revogação em 1978, o STF teve sua atuação restrita nesse campo. E que a partir do projeto de “distensão” e abertura do regime, a possibilidade de ação política do Supremo seria alargada, embora predomine a interpretação de que o tribunal foi pouco ativo em toda a transição (Vieira, 1993).

O período da transição, sem as amarras dos AIs, tem recebido pouca atenção por parte dos autores. É um período marcado por um grande silêncio por parte do Supremo, e dos tribunais em geral, em trabalhar em função da reconstrução do estado de direito e da democracia. (Vieira, 1993: 73)

A escolha deste período visa suprir tal lacuna, analisando todas as RPs propostas e decididas pelo STF entre 1978 e 1988.

O segundo período, relativo aos dois anos iniciais do governo Bolsonaro, permite observar como o controle de constitucionalidade é utilizado em momento de ameaça à democracia. Para o segundo período, analisamos todas as ações de controle concentrado de constitucionalidade (ADI, ADPF e ADO) propostas entre 01/01/2019 até 12/08/2020.

Para ambos os períodos, uma vez localizadas a totalidade de ações impetradas no STF, observamos o âmbito da(s) norma(s) questionadas na ação, selecionando apenas os processos em que diplomas federais eram questionados, descartando ações que não tivessem o Presidente da República como um dos requeridos. Com isso, nossa base final contém 53 Representações de Inconstitucionalidade (1978-1988) e 170 ADIs, 74 ADPFs e 4 ADOs (2019-2020)

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Essas ações foram classificadas a partir das seguintes variáveis: tema e objeto da(s) norma(s) questionada(s)3; requerentes das ações; tipo de norma questionada; resposta do STF

ao pedido.

Como já pontuado, não visamos comparar a atuação do Supremo Tribunal Federal nos dois períodos em análise, uma vez que o desenho institucional e a composição do STF em cada um desses momentos é muito diversa, assim como os instrumentos processuais utilizados para realizar o controle concentrado de constitucionalidade e os atores legitimados para utilizar tais instrumentos. Além disso, cada um desses períodos conta com contextos sociais, econômicos e históricos diferentes.

Entre 1978 e 1988, nos encontrávamos em um contexto de guerra fria, mas de grande mobilização social para reconstrução democrática, com o enfraquecimento das bases de apoio aos regimes militares no Brasil e na América Latina, de forma geral. Já a vitória de Bolsonaro em 2018 e os primeiros meses de seu governo, tem como pano de fundo um processo de recessão democrática global (Diamond, 2015), marcado por governos democraticamente eleitos mas que adotam práticas marcadas por baixa tolerância à oposição, pouco ou nenhum diálogo com os poderes legislativo e judiciário, fortes embates com os meios de comunicação, pouca transparência e políticas que colocam em risco as minorias sociais e econômicas (Frankengerg, 2019). O que esses dois momentos guardam em comum, e nos movem a pesquisá-los, é o papel que o controle de constitucionalidade das leis pode desempenhar para garantir a democracia, seja na sua reconstrução, seja na sua preservação.

A REVISÃO JUDICIAL NO PERÍODO DE TRANSIÇÃO: RPs

O quadro 1 apresenta dados de ingresso de ações de controle concentrado de constitucionalidade, de acordo com o período. O primeiro período estudado, que compreende o último ano do governo Geisel, o governo Figueiredo e os quatro primeiros anos do governo Sarney, teve 703 pedidos de Representações de Inconstitucionalidade impetrados no STF. A maior parte dessas representações (87%) questionava normas de origem estadual; uma pequena parte (5%) das normas contestadas era proveniente do Poder Judiciário, e 8% tinham origem federal. Das RPs que questionavam normas de origem federal (59), nos interessa analisar aqui apenas aquelas em que o Presidente da República aparece como requerido - 53 ações, correspondendo a 8% do total de RPs no período.

3 Para desenvolver as categorias temáticas adaptamos as classificações propostas por Vianna, Burgos e Salles (2007) e Oliveira (2016; 2019). Detalhamos essas categorias na análise dos dados.

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O quadro 2 traz os temas das normas questionadas, considerando as ações em que o Presidente da República aparece no polo passivo - e que compõem a base de dados utilizada nesse trabalho. O tema mais recorrente é relativo à sociedade, categoria que engloba ações que questionam normas relativas aos direitos sociais, com destaque para os direitos trabalhistas; direitos difusos, como meio ambiente e direitos indígenas; a regulação do exercício profissional; e liberdades civis. Esse tema responde por pouco mais de 1/3 das representações de inconstitucionalidade (36%) que questionam o Presidente da República no período de transição democrática. Em segundo lugar, estão as ações que contestam normas relativas à política fiscal e tributária (15%), como aquelas referentes ao imposto de renda, e ao imposto sobre serviços e sobre circulação de mercadorias. Em terceiro, está o questionamento de políticas econômicas (13%), incluindo normas que regulam a produção e comercialização de produtos e serviços.

A maior parte dessas representações (43 ações, ou 81%) foi impetrada no governo Sarney (15/03/1985 - 04/10/1988). Apenas 10 RPs questionaram presidentes militares em exercício (01/01/1978 - 14/03/1985), 9 delas arguindo a inconstitucionalidade de normas promulgadas durante a vigência do regime militar: Lei 6.515/77, que dispunha sobre pedido de divórcio; Lei 6.533/78, que regulamentava direitos autorais; Lei 6.697/79, tratando do limite de idade de censura aplicado pela autoridade judiciária; Lei 6.316/75, que regulamentava o exercício profissional de fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais; Decreto 73.140/73, referente à licitação e contratos relativos a obras de engenharia; Lei 6.739/79, tratando do registro de propriedade de imóveis rurais; Decreto-lei 2.019/83, sobre remuneração dos magistrados federais; Lei 6.896/81, que tratava da remoção de juízes; e Decreto 88.147/83 que regulamentava o valor das anuidades e taxas devidas aos órgãos fiscalizadores do exercício profissional. A ação que não questionou norma editada na vigência do regime militar, contestava a Lei 4.215/63, que previa quarentena de dois anos para operadores do direito voltarem a advogar uma vez que deixassem seus cargos públicos.

Quatro dessas ações obtiveram sucesso (ou seja, foram declaradas procedentes pelo STF) – 3 delas encaminhadas ao PGR por associações de magistrados: derrubando a necessidade de quarentena dos operadores do direito para voltarem a advogar depois de deixarem os cargos públicos; estabelecendo que o pagamento de gratificação adicional aos magistrados federais não se aplicaria aos magistrados estaduais automaticamente e derrubando a previsão de 3 anos de exercício de magistratura para remoção, mantendo 2 anos, conforme previsto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional. A outra ação que obteve sucesso foi

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proposta pelo governador de São Paulo, contra diploma que regulamentava contratos e licitações, impedindo o Estado de legislar sobre a matéria.

Dentre as 43 RPs propostas no governo Sarney, 60% contestaram normas aprovadas durante o regime militar. Por exemplo, a RP 1254 que arguiu a inconstitucionalidade da Lei 6.001/73 e do Decreto 88.985/83, dispondo sobre exploração de riquezas no subsolo de terras indígenas; e a RP 1298, questionando o artigo 76 da Lei 5.250/67 (Lei da Imprensa), que previa que em qualquer hipótese de procedimento judicial instaurado por violação dos preceitos da lei, a responsabilidade do pagamento das custas processuais e honorários de advogado seria da empresa. Outros 33% dizem respeito a normas aprovadas no próprio governo Sarney. Por exemplo, a RP 1516, arguindo a inconstitucionalidade do decreto lei 2.351/87, que estabelecia o salário-mínimo. Por fim, 7% contestaram normas anteriores à 1964, como a RP 1455, arguindo a inconstitucionalidade do artigo 387 da CLT, que dispunha sobre proibições no trabalho de mulheres.

Dez dessas 43 ações foram julgadas procedentes pelo STF, sendo três delas solicitadas ao PGR por magistrados ou suas associações, arguindo a inconstitucionalidade da Lei Complementar 54/1986, que alterava a Lei Orgânica da Magistratura, no tocante ao pagamento de auxílio moradia e transporte aos magistrados; a Lei Complementar 35/1979 e o Decreto 2.019/1983, que passavam a tributar gratificação adicional paga aos magistrados da União; e a Lei 7.645/1987, que dispunha sobre seleção e preenchimento dos cargos dos tribunais regionais eleitorais e no TSE.

Os demais pedidos julgados procedentes nas representações objeto de nossa análise, diziam respeito à seguinte legislação: Leis 6.025/1975 e 6.423/1977, estabelecendo critérios de reajuste das prestações mensais dos contratos de financiamento para aquisição de imóveis residenciais do Sistema Financeiro da Habitação; Lei 7.412/1985, tratando da remuneração de policial militar; Decreto 2.159/1984, tratando dos cargos de Subprocurador-Geral da República; Decreto 2.323/1987, relativo a imposto de renda de pessoa jurídica; Leis 6.686/1979 e 7.135/1983, que dispunham sobre exercício profissional na área da saúde por biólogos; Decreto 90.927/1985, tratando do cargo de trabalhador avulso de portos e o Decreto lei 1.641/78, que determinava incidência de IR sobre alienação de imóveis.

O quadro 3 traz o perfil dos autores dos pedidos de Representação. Embora a RP fosse de iniciativa exclusiva do PGR, era prática comum que os interessados em contestar uma política pela via judicial peticionassem ao PGR a propositura da RP. Os principais usuários

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dessa via para contestação de políticas presidenciais foram a OAB (21%), seguida de grupos de interesses empresariais (20%) e dos executivos e legislativos estaduais (17%). O quadro 4 apresenta o tipo de norma questionada, com o predomínio de leis e decretos, acompanhados de algumas portarias. Seis ações questionaram mais de um tipo normativo – contestando conjuntamente a lei e o decreto que regulamenta a política em questão.

Por fim, quanto à resposta dada pelo STF para as RPs nas quais o Presidente da República figurava como requerido (quadro 5), a maioria (74%) das ações não obteve sucesso, sendo ou julgadas improcedentes no mérito, ou prejudicadas, extintas ou, ainda, tiveram negado o seguimento4. Apenas 26% dessas ações, portanto, obtiveram sucesso, com mérito

procedente, no todo ou em parte, inviabilizando as normas questionadas.

A REVISÃO JUDICIAL DURANTE A PRIMEIRA METADE DO GOVERNO BOLSONARO: ADINs e ADPF

Ainda durante a campanha para a eleição presidencial de 2018, Jair Bolsonaro já se apresentava como resistente às regras democráticas, ao declarar que só aceitaria o resultado das eleições se fosse o vencedor5. Mesmo sendo eleito, a todo momento afirma, sem provas, que o

sistema de voto eletrônico brasileiro não é confiável e que o processo eleitoral que o elegeu foi fraudulento6. Da mesma forma, tem uma relação conturbada com a imprensa, denunciando-a

de mentirosa e corrupta. Em 2020, nos piores momentos da pandemia, o chefe do Executivo se comportou de forma contrária às regras de distanciamento social e uso de máscara, incitando a desobediência civil e a autoridade de governadores e prefeitos. Isso sem falar da sua participação em manifestações populares a favor do fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal7.

4 O julgamento de mérito pressupõe a análise da existência de inconstitucionalidade pelo julgador, sendo que o julgamento de improcedência significa o entendimento da Corte pela ausência de incompatibilidade entre o ato impugnado e a Constituição Federal. Nas ações julgadas prejudicadas, extintas ou que tiveram seguimento negado há a constatação da presença de uma questão processual que impede a análise do mérito como, por exemplo, perda do objeto da ação, inadequação da via eleita, dentre outras.

5 Bolsonaro diz: 'Não aceito resultado das eleições diferente da minha eleição'. Portal G1, 28/09/2018. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/eleicoes/2018/noticia/2018/09/28/bolsonaro-diz-que-nao-aceitara-resultado-diferente-do-que-seja-a-minha-eleicao.ghtml Acessado em 24.nov.2020

6 Em março de 2020, Jair Bolsonaro afirmou que teria provas de que houve fraudes nas eleições de 2018 e que teria vencido o pleito já no primeiro turno. Até março de 2021, não foi apresentado nenhum documento a esse respeito. Fonte: Jornal Folha de São Paulo, 8.janeiro.2021, disponível em:

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/01/veja-o-que-bolsonaro-ja-disse-sobre-urnas-eletronicas-e-fraude-em-eleicao-sem-apresentar-provas.shtml, acesso em 1.março.2020.

7 No dia 19 de abril de 2020, Jair Bolsonaro participou em Brasília de uma manifestação a favor da intervenção militar no país. Fonte: Jornal Folha de São Paulo, 20.abril.2020, disponível em: https://folha.com/o4mwqts5, acesso em 1.março.2020.

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Com relação a direitos e garantias institucionais, também não surpreendem as investidas de Bolsonaro contra a agenda de direitos relacionados à proteção do meio ambiente, de grupos indígenas e minorias sociais, ao delinear reformas e políticas contrárias ao caráter inclusivo e pluralista da Constituição. Isso pode ser verificado ao menos nas duas denúncias apresentadas por organizações da sociedade civil brasileira ao Tribunal Penal Internacional contra Bolsonaro: uma delas diz respeito à incitação ao genocídio de povos indígenas por parte do executivo federal, e outra, apresentada em 2020, denuncia o governo por crimes contra a humanidade e genocídio devido a sua postura diante da pandemia de covid-19, além das representações apresentadas na ONU8.

No início do mandato de Bolsonaro, uma de nós perguntouse poderíamos depositar nossas esperanças democráticas na capacidade do STF atuar como contraponto forte para fazer prevalecer os princípios fundamentais da Constituição, e conter práticas autoritárias do governo (Oliveira, 2019). Naquele momento já era esperado que os ataques às instituições democráticas se intensificariam, porém a expectativa (ou esperança) era a de que o tribunal resistiria, e protegeria um núcleo mínimo de direitos fundamentais.

Bolsonaro continuou atribuindo ao Congresso Nacional e ao STF a responsabilidade por tornar o país ingovernável, mobilizando seus apoiadores em atos e manifestações frequentes contra essas instituições. No primeiro semestre de 2020, durante os primeiros meses da pandemia, o presidente subiu o tom nos ataques ao Supremo, declarando: “Acabou, Porra! (…) Ordens absurdas não se cumprem e nós temos que botar um limite nessas questões” 9.

Seguindo essa perspectiva, a fim de afinarmos a análise sobre o papel do STF frente a um governo que apresenta posturas antidemocráticas, verificamos como o tribunal se comportou no controle concentrado de constitucionalidade desde o início do governo Bolsonaro até agosto de 2020. Para esse fim, levantamos as ADINs, ADPFs e ADOs protocoladas entre 1º de janeiro de 2019 e 12 de agosto de 2020. Reconhecemos que o período analisado é curto, tendo como parâmetro o tempo médio de análise do mérito das ações em

8 2019: Denúncia de 27.11.2019 realizada pela Comissão Arns e do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos contra Jair Bolsonaro por "crimes contra a humanidade" e "incitação ao genocídio de povos indígenas". Fonte: https://migalhas.uol.com.br/quentes/316075/bolsonaro-e-denunciado-ao-tribunal-penal-internacional-por--crimes-contra-a-humanidade . 2020: Denúncia de 02.04.2020 realizada pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) contra Jair Bolsonaro por "crimes contra a humanidade" em razão da COVID-19. A petição inicial da denúncia segue anexa. Fonte: https://apublica.org/2021/01/exclusivo-raoni-denuncia-bolsonaro-em-corte-internacional-por-crimes-contra-a-humanidade-leia-denuncia/

9 Jornal O Estado de S. Paulo. “Ordens absurdas não se cumprem, temos que botar um limite’, diz Bolsonaro”, 28 de maio de 2020. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ordens-absurdas-nao-se-cumprem-temos-que-botar-um-limite-diz-bolsonaro,70003317466>. Acessado em 24.nov.2020.

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controle concentrado10. Contudo, dado o volume de decisões liminares proferidas no período,

é possível observar os impactos da atuação do STF nas políticas do governo Bolsonaro. Nesse período, foram impetradas 650 ações de controle concentrado, sendo 477 ADIs, 164 ADPFs e 9 ADOs. A maior parte dessas ações questionou normas federais (46%), seguidas por normas estaduais (43%), normas originadas no Judiciário (8%) e 3% de outras origens (municipal, Ministério Público, etc.) (quadro 6). Consideramos aqui apenas as ações cujo objeto são normas federais e incluem o Presidente da República no polo passivo, totalizando 248 ações, o que representa 38% do total de ações de controle concentrado iniciadas no STF no período analisado, sendo 170 ADIs, 74 ADPFs e 4 ADOs (2019-2020) (quadro 1).

Quase um quarto dessas ações (23%) teve liminar deferida - total ou em parte. E até agosto de 2020, aproximadamente metade das ações (47%) não tinha obtido nenhum tipo de resposta do tribunal, até setembro de 2020.11

Entre as ações que tiveram liminar deferida contra o presidente da república, vale destacar as ADPFs 581 e 586, que questionam mudanças no estatuto do desarmamento; as ADPFs 622 e 623, sobre alterações nos Conselhos Nacionais da Criança e do Meio Ambiente; as ADPF 656 e 658, que tratam da política de agrotóxicos do governo; a ADPF 695, sobre compartilhamento de dados das carteiras de motorista com a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência); além da ADI 6173, que trata das terras indígenas.

No que diz respeito aos temas das normas questionadas, o assunto mais recorrente é relativo à sociedade, como direitos sociais, direitos difusos, regulação do exercício profissional, liberdades (38%), seguido das ações sobre a administração pública (32%); das ações sobre administração da justiça (9%) e agentes públicos, (7%) (quadro 2).

Quanto ao perfil dos autores dessas ações (quadro 3), os partidos políticos foram responsáveis por pouco mais da metade dos pedidos (53%), seguidos pelos servidores públicos (11%) e trabalhadores (9%). Essa presença marcante dos partidos como os principais usuários da via judicial para controle dos atos do presidente remete ao padrão observado no governo FHC, quando as ADINs serviram como estratégia política de oposição (Taylor e Da Ros, 2008).

10 De acordo com o Relatório Supremo em Ação de 2018, as ações de controle concentrado no STF, levam, em média de 2 anos e 2 meses (em 2016) a 2 anos e 7 meses (em 2011). Fonte: Relatório Supremo em Ação de 2018 do CNJ. Disponível em:

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11 O dado sobre a ausência de julgamento significa que não foi proferida qualquer decisão liminar ou de mérito no caso. Estamos considerando que a decisão liminar, é aquela proferida no início do processo e, normalmente, sem a oitiva da parte contrária.

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As normas federais mais frequentemente questionadas são as leis (35%), seguidas das medidas provisórias (31%) e atos administrativos (12%) – quadro 4.

Das ações que questionam medidas provisórias (78 ações), 21% foram extintas sem julgamento do mérito, 13% foram consideradas prejudicadas e foi negado o seguimento em 9% dessas ações. Em 5% das ações, as liminares foram indeferidas. Esses casos somam 48% das ações que questionam medidas provisórias, que por sua vez é um instrumento importante utilizado pelo executivo federal para implementar suas políticas.

O STF inviabilizou liminarmente quase 1/3 das medidas provisórias editadas pelo Presidente da República, proporção que não pode ser ignorada, sobretudo se considerarmos, com Taylor (2008), que nem sempre quem recorre à via judicial tem por objetivo inviabilizar uma norma, havendo outros objetivos estratégicos que levam à judicialização de uma política, como atrasar a implementação de políticas públicas; declarar publicamente oposição à norma ou, ainda, chamar a atenção da mídia e da opinião pública para o caso.

Por outro lado, 32% das ações que questionam medidas provisórias tiveram a liminar deferida total ou parcialmente.

As medidas provisórias questionadas no período, em controle concentrado, tratam em sua grande maioria da temática “sociedade” (59%), seguida por temas ligados à administração pública (22%) e economia (8%) – ver quadro 6. Das ações que questionam medidas provisórias e tratam da temática “sociedade”, 34,8% tiveram liminares concedidas na sua totalidade ou em parte (quadro 7). Nas ações que questionam medidas provisórias e tratam de questões sobre administração pública, 53% tiveram liminares concedidas em parte ou na totalidade.

Conclusão

O objetivo desse artigo foi examinar a judicialização de políticas em contextos não democráticos e de democracias ameaçadas em diálogo com uma literatura que identificou usos da judicialização da política em regimes autoritários (Ginsburg e Moustafa, 2008), buscando também testar a aplicabilidade dos conceitos de constitucionalismo autoritário e constitucionalismo abusivo, cunhados por Tushnet (2015) e Landau (2013), respectivamente, para compreender a forma como o STF vem se comportando no controle concentrado de constitucionalidade com relação aos atos do governo Bolsonaro.

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Como indicado anteriormente, segundo Ginsburg e Moustafa (2008), em períodos autoritários, os tribunais constitucionais podem representar um espaço no qual setores da oposição conseguem resistir às políticas autoritárias do Executivo, ou mesmo do Legislativo. Por outro lado, nesses mesmos momentos o controle de constitucionalidade pode ser um instrumento de afirmação da legitimidade de tais políticas anti-democráticas.

No caso brasileiro, no período de transição para a democracia (1978 – 1988) o Procurador Geral da República atuava como um gatekeeper do STF para as ações de controle concentrado, impedindo que diversas demandas questionando a constitucionalidade de políticas caras ao Executivo Federal chegassem ao STF12. Embora de difícil verificação

empírica, é possível considerar que esse aspecto pode ter contribuído para que raras ações questionando normas provenientes do Executivo Federal tenham chegado ao STF no período, sobretudo sob presidentes militares. Como visto, a maior parte das RPs arguindo a inconstitucionalidade de normas federais tendo o Presidente da República no pólo passivo foram protocoladas já no governo Sarney. Com isso, é possível considerar que nesse caso a judicialização da política esteve mais próxima de uma estratégia de governo, portanto, de governança autoritária.

Seguindo a classificação proposta por Brinks e Blass, a justiça constitucional no Brasil se caracteriza por ter alta autonomia e autoridade “alargada” (2017). A responsabilidade do Supremo Tribunal Federal, como corte constitucional, nesse ambiente jurídico-político, segundo esses autores, além da “tarefa tradicional”13, de resolver disputas em torno da

competição política e dos princípios do rule of law, tem um papel central nas políticas redistributivas do estado.

Quando estamos diante de uma realidade na qual o líder do Executivo vem se mostrando arredio e ignorante quanto ao papel e funcionamento das instituições políticas democráticas e da importância e necessidade de estabelecer um diálogo entre as diferentes instâncias de tomada de decisão em uma democracia, respeitando e buscando a construção de consensos para a implementação das políticas públicas, o protagonismo da justiça constitucional é ainda mais urgente. O que vivenciamos hoje no Brasil, é um governo que incita o extremismo e a violência, chamando de “inimigos da pátria” aqueles que não concordam com as suas atitudes, ameaçando e coibindo direitos humanos fundamentais, base da participação democrática e pilar do estado

12 Sobre o arquivamento de petições de representações de constitucionalidade, ver Oliveira e Ribeiro, 2021. 13 Por “tarefa tradicional” das cortes constitucionais, seguindo a proposta de análise de Brinks e Blass, 2017.

(15)

democrático de Direito. Nesse cenário a postura do STF é fundamental para coibir tais comportamentos e garantir alguma segurança jurídica.

No que se refere à atuação do STF no governo Bolsonaro, embora o período de análise seja curto (19 meses), os dados da movimentação processual em controle concentrado de constitucionalidade, sobretudo no que concerne à judicialização das políticas no combate à pandemia, permitem identificar que o Tribunal vem sendo acionado por partidos da oposição e por atores críticos à postura presidencial como ponto de veto a essas políticas, podendo caracterizar o tribunal como um espaço de resistência onde as forças políticas de oposição conseguem vocalizar suas reivindicações.

No período 2019 – 2020 os partidos políticos foram responsáveis pela maior parte das ações de controle concentrado de constitucionalidade (52%), levando para o STF temas de embate político, o que caracteriza a continuidade da judicialização da política. Nesse período também prevaleceu o questionamento de atos do poder executivo: 62,1% das ações questionaram medidas provisórias, atos administrativos, decretos, portarias e resoluções ministeriais, além de instruções normativas.

ANEXO – DADOS

Quadro 1. Quadro resumo da quantidade de ações de controle de constitucionalidade: representatividade de ações que questionam normas federais e do subconjunto das ações que questionam o Presidente da República

Total Ações que questionam normas federais Presidente da República Ações que questionam o

1978-1988 (RP) 703 59 8% 53 8%

2019-2020 (ADI, ADPF, ADO) 650 296 45% 248 38%

Quadro 2. Temas das ações que o Presidente da República aparece como requerido

Tema 1978-1988 2019-2020 Sociedade 19 36% 93 38% Adm. Pública 4 8% 79 32% Adm. Justiça 3 6% 23 9% Agentes Públicos 5 9% 17 7% Economia 7 13% 17 7%

Política fiscal e tributária 8 15% 12 5%

Eleitoral 1 2% 5 2%

Agentes Justiça 6 11% 1 -

Federalismo - - 1 -

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Quadro 3. Autores das ações que o Presidente da República aparece como requerido Autor 1978-1988 2019-2020 Partidos 2 4% 132 53% Trabalhador 7 13% 21 9% Servidores Públicos 1 2% 26 11% Setor Empresarial 10 20% 18 7% PGR - - 11 4% OAB 11 21% 12 5% Interesses Específicos 1 2% 11 4% Magistratura 3 6% 7 3% Presidente Da República 1 2% 3 1% Cidadão 2 4% 1 40% Executivo e Legislativo Estaduais 9 17% 5 2% Outros 6 11% 1 - Total 53 100% 248 100%

Quadro 4. Percentual de ações por tipo de norma federal nas ações que o Presidente da República aparece como requerido (%)

Tipo de norma 1978-1988 Lei 60% 35% Medida Provisória - 31% Ato administrativo - 12% Decreto 51% 10% Portaria 4% 4% Resolução - 3% Instrução Normativa - 1% Outro - 1%

Obs.: Totais podem exceder 100%, pois uma mesma ação pode questionar mais de um tipo de norma

Quadro 5. Decisão das ações que o Presidente da República aparece como requerido

1978-1988 2019-2020

Pró-Presidente 74% 30%

Contra o Presidente 26% 23%

Sem decisão - 47%

(17)

Quadro 6. Quadro resumo da quantidade de ações de controle de constitucionalidade por tipo de ação e representatividade das normas questionadas no período 2019-2020

Origem norma questionada

Estadual Federal Judicial Municipal Outro Total

ADI 262 55% 203 43% 11 2% 1 - - - 477 100%

ADO - - 8 89% 1 11% - - - - 9 100%

ADPF 18 11% 85 52% 39 24% 21 13% 1 1% 164 100%

Total 280 43% 296 46% 51 8% 22 3% 1 - 650 100%

Quadro 7. Temas das ações que questionam Medidas Provisórias e que o Presidente da República aparece como requerido (2019 – 2020)

2019-2020

Adm Pública 17 22%

Agentes Públicos 4 5%

Economia 6 8%

Política fiscal e tributária 5 6%

Sociedade 46 59%

Total 78 100%

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