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Afeganistãao: Uma encruzilhada para o imperialismo

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A atual situação do Afeganistão está marcada por três problemas funda-mentais. O primeiro é, obviamente, a guerra, que já dura oito anos, entre os mais de cem mil soldados das forças de ocupação imperialista e a guerrilha do Talibã. O segundo é a crise do governo e do regime político colonial, monta-dos e sustentamonta-dos pelos EUA, afundamonta-dos em corrupção, tráfico de drogas e fraudes eleitorais. O terceiro é o dilema da política global do imperialismo, que deve decidir entre aumentar a escalada militar de envio de tropas e ar-mamentos ou se arriscar a que o Talibã tome outra vez o poder. Partindo da análise destes três aspectos, queremos chegar às questões mais importantes que estão em jogo na guerra do Afeganistão.

A guerra

No Correio Internacional de setembro deste ano, a LIT resumia assim a atual situação militar dos Estados Unidos neste conflito:

Tropas dos Estados Unidos ocupam o Afeganistão há oito anos, um período quase 50% mais longo que o envolvimento do país nas duas Guerras Mundiais. No entanto, depois de todo este tempo, o Talibã, que foi deposto do governo no momento da ocupação em 2001, mantém uma atividade guerrilheira permanente em quase todo o país.

Segundo o centro de estudos britânico International Council on

Secu-rity and Development (citado pelo Estado de São Paulo de 11/09/2009)

o Talibã age em 97% do território afegão. Em 80% do país a presença de insurgentes seria permanente. Esta porcentagem vem crescendo bernardo cerdeira

ediTor de MarxisMo vivo

Afeganistãao:

Uma encruzilhada para o

imperialismo

~

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rapidamente, já que em novembro de 2007 era de 54% e em 2008, 72%, segundo o mesmo estudo. Um mapa produzido pelo instituto mostra que quase metade do país está sob controle dos Talibãs ou sob risco de ataque. Nos últimos meses, os insurgentes aumentaram seus ataques no norte do país, uma região que até então era considerada pacífica. As baixas americanas e dos outros países da OTAN vêm crescendo constantemente e atingiram seu número mais alto este ano. As tropas de ocupação controlam apenas a região da capital Cabul, mas mesmo assim não conseguem evitar os ataques do Talibã, inclusive um atentado a bomba em frente ao quartel-general da OTAN que matou 7 pessoas.1

A situação descrita acima não só se confirmou como se agravou sen-sivelmente nos últimos dois meses. Em outubro morreram 55 soldados americanos, o maior número de baixas em um único mês desde o início da guerra. Por outro lado, o Talibã intensificou os ataques aos caminhões que abastecem regularmente as tropas imperialistas com combustíveis, alimen-tos e suprimenalimen-tos. Vários comboios que vêm do Paquistão, atravessando as montanhas pela rota do Passo Khyber, têm sido atacados e destruídos.

O aumento de ações do Talibã prossegue apesar do governo Obama ter procurado fortalecer sua posição militar este ano: enviou mais 30 mil solda-dos ao país e deslocou quatro mil deles para a província de Helmand, para combater a presença dos insurgentes na região, uma das mais conflagradas do Afeganistão.

Atualmente, 68 mil soldados dos Estados Unidos e 32 mil de outros países da OTAN ocupam o país, totalizando 100 mil militares, o maior nú-mero desde o começo da guerra. As forças da OTAN, além dos EUA, são compostas principalmente por soldados de países imperialistas europeus: a Inglaterra com 8300 homens; a Alemanha tem 3600; França, 3300; Espanha, 2400; Itália 2800.

Mesmo assim, o general Stanley McChrystal, comandante das forças de ocupação no Afeganistão, pediu ao governo o envio de mais 40 mil soldados, sem os quais, segundo ele, os EUA estariam sob risco de sair derrotados desta guerra.

Não é necessária tal declaração para se concluir que os Estados Unidos e a OTAN estão com graves problemas do ponto de vista militar. A maior evidência é o próprio pedido de aumentar as tropas americanas em 60%, o que significa um esforço de guerra extraordinário, com o equivalente em armas e suprimentos. Com as Forças Armadas dos EUA esgotadas depois de combater durante oito anos em duas guerras simultâneas, é fácil entender que não se apelaria para tal medida se esta não fosse decisiva.

O imperialismo não pode se dar ao luxo de sofrer outra derrota militar, desta vez no Afeganistão. A derrota no Vietnã custou anos de crise até que os Estados Unidos pudessem retomar sua ofensiva contra os povos explorados do mundo. A derrota no Iraque, ainda que o governo dos EUA tente atenuar seus efeitos e busque uma retirada “honrosa”, significou o fim do projeto de um novo “século americano” e da ofensiva bonapartista que o acompanhava. Uma derrota no Afeganistão pode abrir uma nova crise de grandes proporções.

1 Correio Internacio-nal, n. 152, setembro 2009

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O Talibã e a extensão da guerra ao Paquistão

Outro aspecto fundamental da situação militar é a facilidade geográfica que o Talibã encontra para desenvolver sua atividade guerrilheira. Como to-dos os movimentos de guerrilha bem-sucedito-dos, o Talibã se fortalece porque tem um país vizinho, neste caso o Paquistão, que pode utilizar como refúgio para seus militantes. Os insurgentes do Talibã atravessam a fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão, porosa e com muito pouca vigilância, e se abrigam no país vizinho. Aproveitam-se dos laços étnicos, culturais e até familiares, já que sua principal base de apoio encontra-se entre o mesmo povo, os pashtun, que vive dos dois lados da fronteira.

O povo pashtun, que constitui a maior etnia do Afeganistão com 40% da população, também está presente em grande número no Paquistão, principal-mente na chamada Província da Fronteira Noroeste, nas Áreas Tribais e no norte da Província do Baluquistão. Além disso, no Paquistão existem mais de cinco milhões de refugiados afegãos, a maioria de pashtuns, uma grande parte concentrada ao redor da cidade de Peshawar. No total, 26 milhões de

pashtuns vivem no Paquistão.

O Talibã chegou a dominar uma região, o Vale do Swat na Província da Fronteira Noroeste, onde implantaram a Lei muçulmana da sharia2, com o

acordo implícito do governo paquistanês. Recentemente, o governo rompeu o acordo e atacou o Talibã, expulsando-o do Vale. No entanto, a ofensiva do exército paquistanês gerou mais de dois milhões de refugiados paquistaneses em seu próprio país.

Nos últimos dias de outubro, o exército paquistanês começou outra ofensiva, desta vez para tentar desalojar o Talibã do Waziristão do Sul, uma região das chamadas Áreas Tribais do Paquistão.

Para se ter uma idéia do que significa a presença do Talibã nesta área, é interessante ver o depoimento do jornalista David Rohde do New York Times. Rohde foi sequestrado no Afeganistão e mantido como refém durante sete meses pelos Haqqani, uma das facções do Talibã. Depois foi levado para o Waziristão do Sul e mais tarde para o Waziristão do Norte. Ali, o Talibã criou um mini-Estado, um “emirado islâmico” no feitio do que havia no Afega-nistão antes da invasão das tropas dos EUA. O jornalista afirma: “A perda de milhares de vidas afegãs, paquistanesas e americanas e bilhões de dólares em ajuda americana apenas deslocaram o Estado alguns quilômetros para o leste, não o eliminaram”.3

O que fica evidente com as campanhas do exército paquistanês no Vale do Swat e no Waziristão é que a guerra estendeu-se ao Paquistão. As razões são políticas e sociais, facilitadas pela geografia. Os dois países compartilham 2400 quilômetros de fronteira, mas esta linha existe somente nos mapas.

Ou seja, como pano de fundo da extensão do conflito ao Paquistão está uma questão nacional muito presente nesta região: a divisão artificial do povo pashtun promovida pelo imperialismo britânico em 1893, quando estabeleceu a Linha Durand, uma fronteira traçada entre a Índia Britânica e o território afegão. Durante décadas, nacionalistas pashtuns defenderam a criação do Pashtunistão como um paísindependente, constituído pelas áreas sob domínio desta etnia no Afeganistão e Paquistão.

2 Corpo de Direito islâmico, adotado pela maioria dos mussul-manos. Constitui um código detalhado de conduta, na qual se incluem também as normas relativas aos modos do culto, os critérios da moral e da vida, as coisas per-mitidas ou proibidas, as regras separadoras entre o bem e o mal. 3 The New York Times,

artigo reproduzido pela Folha de S. Paulo (02/11/2009)

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Esse processo, portanto, deve ser entendido no seu contexto regional e mundial. A guerra do Afeganistão é uma guerra de libertação nacional contra a ocupação militar imperialista. Por isso une diferentes etnias de países da região, que também lutam contra a opressão do imperialismo e seus agentes nacionais e a divisão promovida pelo imperialismo.

A guerra não só já está desestabilizando o Paquistão como pode chegar a desestabilizar toda a região, porque, além disso, o Afeganistão tem uma posi-ção estratégica no Oriente Médio: está localizado entre o Irã, a Ásia Central e o subcontinente indiano e tem laços étnicos com os povos iranianos, turcos e indianos de vários países da região.

Porém, o mais importante é que esta guerra de libertação nacional se insere no contexto geral da luta dos povos islâmicos contra o imperialismo. Por isso, assistimos ao fenômeno de combatentes de diferentes nacionalidades islâmicas apoiando a insurgência.

Por fim, ao golpear e enfraquecer diretamente o imperialismo, a guerra de libertação nacional do povo afegão transforma-se em um fato de repercussão mundial para os trabalhadores e os povos de todo o mundo.

Antes, porém, de abordar a situação política da ocupação militar e a política de Obama, parece-nos útil aportar alguns dados que permitam com-preender melhor o Afeganistão e alguns elementos de sua história recente.

O que é o Afeganistão?

O Afeganistão é um país com 85% do seu território formado por mon-tanhas, numa área de 647,5 mil km². Sua população estava estimada em cerca de 32 milhões de habitantes em 2008.

É um dos países mais pobres do mundo. A taxa de mortalidade infantil é de 160,23 mortes a cada 1000 nascimentos. A expectativa de vida é de 43 anos. A instabilidade política e os conflitos internos arruinaram a já débil economia e infra-estrutura. Hoje, cerca de 1/3 da população afegã já abandonou o país. No Afeganistão convivem diferentes grupos étnicos que em sua maioria são povos iranianos, ou seja, falam idiomas indo-europeus do subgrupo das línguas iranianas (os pashtuns, os tadjiques e os balúchis, por exemplo). Ou-tras etnias falam línguas do grupo turco (como os uzbeques e turcomanos). O idioma dari, também chamado de persa oriental ou farsi oriental, é falado em 50% do país e utilizado como língua franca de comunicação entre os diferentes povos iranianos.

Como não há um censo sistemático no país, não existem estatísticas exatas do tamanho e da composição dos variados grupos étnicos. Segundo o

CIA World FactBook4, uma distribuição aproximada é a seguinte: pashtuns,

42%, tadjiques 27%, hazaras 9%, uzbeques 9%, aimaks 4%, turcomanos 3% e balúchis 2%.5

Estes grupos étnicos vivem também em vários dos países com os quais o Afeganistão faz fronteira. Por exemplo, existem cerca de 26 milhões de

pashtuns no Paquistão, segundo o último censo. A maioria vive na Província

da Fronteira Noroeste, cuja capital é Peshawar, mas também existem 3,5 milhões de pashtuns em Karachi, a maior cidade do Paquistão e que abriga a maior concentração da etnia pashtun em uma única cidade. Outras etnias

4 Espécie de anuário da CIA onde analisam dados geográficos, econômicos e sociais de todos os países do mundo.

5 CIA World Fact-Book, 2007.

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são majoritárias em países vizinhos, como Tadjiquistão, Uzbequistão e Tur-comenistão.

As bases históricas da guerra atual

Os elementos da história recente do Afeganistão que explicam as raízes da guerra atual começaram a ser gerados há três décadas: a Revolução iraniana e a invasão soviética do Afeganistão. Em 1979, uma revolução operária e popular no Irã derrubou a ditadura do Xá Reza Pahlevi. Este acontecimento teve um tremendo impacto sobre os povos islâmicos oprimidos pelo imperialismo.

Também teve repercussão entre as então Repúblicas de maioria islâmica da fronteira sul da ex-União Soviética (Uzbequistão, Cazaquistão, Turco-menistão, Tadjiquistão, Quirquistão)6, assim como entre as etnias islâmicas dentro da Rússia (como os chechenos), todas oprimidas pelo “chauvinismo” grão russo, incentivado pela burocracia stalinista.

O Afeganistão tinha um governo próximo ao da União Soviética, mas ameaçado por uma crescente oposição islâmica e problemas internos. Te-mendo a constituição de uma república islâmica na sua fronteira e a possível extensão da revolução islâmica a suas repúblicas da Ásia Central, a União Soviética invadiu o Afeganistão.

A invasão soviética desencadeou uma luta guerrilheira de resistência. Os Estados Unidos aproveitaram-se da insatisfação gerada pela invasão para combater a influência soviética nessa parte do mundo e desgastar a burocra-cia comunista. Para isso, apoiaram e armaram uma guerrilha muçulmana, os “mujaheddin”, à qual se uniram combatentes islâmicos de vários países, entre os quais Osama Bin Laden e boa parte das organizações islâmicas fundamen-talistas atuais. Alguns dos principais atores da guerrilha foram os “senhores da guerra”, oligarcas que hoje dirigem as principais nacionalidades do país.

Depois de dez anos, a guerrilha islâmica expulsou os soviéticos em 1989 e tomou o poder, mas, em seguida, os grupos se dividiram, passaram a se enfrentar e o país mergulhou na guerra civil.

Diante desta situação, os Estados Unidos, agindo por meio de seu aliado, a ditadura militar que governava o Paquistão, buscaram criar um instrumento para estabilizar o país. O ISI (organismo de segurança do governo paquista-nês) incentivou a formação de uma organização de estudantes das Madrassas (escolas islâmicas) da região onde predomina a etnia pashtun. Seus membros ficaram conhecidos como Talibãs, palavra emprestada do árabe talib (estu-dante ou quem estuda o livro, isto é, o Corão) e utilizada no plural Talibã (em farsi e em pashtun).

O Talibã entrou na guerra civil e, depois de uma campanha militar vitoriosa, conseguiu tomar o poder e governar o país de 1996 a 2001. No princípio, o Talibã foi visto com muita simpatia porque trazia ordem a um país mergulhado no caos e na destruição devido aos confrontos entre os “senhores da guerra”. Depois, no entanto, foi se desgastando, à medida que foi instituindo uma república islâmica das mais reacionárias e repressivas do mundo, especialmente em relação às mulheres.

No entanto, por mais reacionário que fosse, o governo do Talibã não gozava da confiança dos Estados Unidos, pois não estava sob seu controle. O

6 O nome desses pa-íses é formado pela adição do sufixo os-tan (que quer dizer “lugar” em farsi ou persa) e o nome da etnia principal do país. Assim, Uzbequistão significa “lugar ou terra dos uzbeques”, Tadjiquistão, “lugar ou terra dos tadjiques” etc. Afeganistão sig-nifica “lugar, terra ou país dos afegãos”, que é o nome pelo qual eram conhecidos os pashtuns.

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atentado de 11 de setembro de 2001 e o objetivo declarado de capturar Osama Bin Laden, aliado do governo Talibã, foi o pretexto para Bush invadir o país. Mas as verdadeiras razões da guerra eram econômicas e geopolíticas. Um dos objetivos centrais do imperialismo é o escoamento da produção das principais empresas petrolíferas dos países da Ásia Central (Cazaquis-tão, Uzbequistão) por um oleoduto que atravessaria todo o Afeganistão até um porto no Paquistão. Desta maneira, aquele teria o controle total sobre os oleodutos e gasodutos, ou seja, o transporte do petróleo que atualmente está nas mãos da Rússia.

Além disso, o Afeganistão tem uma posição geográfica estratégica para a estabilidade da região. Está localizado entre o Oriente Médio, região deten-tora das maiores reservas de petróleo do mundo, a Ásia Central, que também tem importantes reservas, e o subcontinente indiano. Um dos objetivos da ocupação era manter bases militares permanentes dos EUA no Afeganistão.

Expulso do governo, o Talibã voltou a se organizar e desencadeou uma guerra de guerrilha contra as tropas de ocupação. O imperialismo, mais uma vez, atuou como “aprendiz de feiticeiro”, criando um instrumento que mais tarde voltou-se contra ele. Contraditoriamente, um movimento reacionário atualmente luta de armas na mão contra o imperialismo.

A crise política da dominação colonial

Com a ocupação militar por tropas do imperialismo norte-americano e seus aliados, o Afeganistão transformou-se numa verdadeira colônia, sem independência política ou econômica.

Como na maioria das colônias, a ”metrópole” procura transferir para um regime político e um governo “local” algumas tarefas da administração da máquina estatal civil e, inclusive, uma parte da repressão interna (embora, no caso do Afeganistão, a guerra de libertação nacional force a que a maior parte da repressão seja assumida pelas forças de ocupação).

Os Estados Unidos nomearam diretamente o governo de Hamid Karzai para cumprir este papel no Afeganistão. É um governo colonial fantoche que depende totalmente das tropas de ocupação. E se baseia em um regime de democracia colonial farsesco, em que todas as instituições se apoiam nas tropas de ocupação ou em organismos internacionais para poder existir. Mas, apesar disso, o imperialismo tenta conferir ao regime uma aparência democrática e ao governo um reconhecimento internacional que justifique a ocupação militar.

No entanto, os Estados Unidos enfrentam uma dificuldade enorme não só para montar este regime e governo coloniais locais como para organizar o próprio Estado. O aparato estatal e a própria infraestrutura do país são muito débeis devido ao atraso, às dificuldades geográficas e aos quase trinta anos de guerras permanentes desde a invasão pela União Soviética.

O próprio exército afegão, a mais importante instituição de qualquer Estado, não passa de uma junção dos exércitos dos “senhores da guerra”, que controlam as principais etnias do país (tadjiques, uzbeques e hazaras). A polícia afunda-se em incompetência e corrupção e o tráfico de ópio e heroína atinge os principais escalões do governo.

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A produção de drogas é um dos elementos não só de corrupção, mas também de fragilização do Estado. E não é um problema qualquer: no Afega-nistão, o ópio, proveniente das plantações de papoula, é o principal produto de exportação, com um valor estimado em US$ 5 bilhões anuais. O país produz 93% da matéria-prima mundial necessária para a fabricação da heroína.

O imperialismo utiliza frequentemente as drogas como uma arma políti-ca. Mas, neste caso, existe um grande risco, nos dois sentidos. Por um lado, não há como controlar as plantações de papoula, principalmente nas regiões mais conflagradas. Por isso, o dinheiro da droga é uma das principais fontes de financiamento do Talibã. A província de Helmand, com forte presença do Talibã, produz 70% do ópio afegão. Por outro lado, o narcotráfico infiltra-se diretamente no aparato do Estado fantoche. Um dos principais traficantes do país é Walid Karzai, irmão do atual presidente e denunciado como sendo um agente pago pela CIA desde 2001.

Neste aspecto, a situação no Afeganistão se parece cada vez mais com o Vietnã, onde os principais traficantes do país chegaram a ser Nguyen Van Thieu e Cao Ky, respectivamente presidente e vice-presidente do governo fantoche do Vietnã do Sul. O perigo para Karzai é terminar como Cao Ky ou Ngo Dinh Diem, alijados do poder por disputas internas entre os grupos de traficantes do governo.

Esses problemas estruturais do regime colonial, que têm a ver com uma produção econômica e uma burguesia local extremamente frágeis e com o apoio maciço à insurgência guerrilheira, constituem o pano de fundo da atual crise política do processo eleitoral e do governo de Karzai. Em setembro, o

Correio Internacional já assinalava a crise do processo eleitoral e os problemas

que isso trazia para o objetivo do imperialismo de tentar dar uma aparência de legitimidade à ocupação militar e à guerra.

Esta conclusão tornou-se evidente com as últimas eleições presidenciais no país, realizadas em 21 de agosto. O processo eleitoral custou 300 milhões de dólares e muito esforço para seus organizadores, mas o desfecho é de crise.

Calcula-se que somente compareceram às urnas cerca de 40% a 50% dos 15,6 milhões de eleitores em condições de votar. O resultado é bem inferior à eleição anterior, realizada em 2004, quando a participação, segundo os organizadores, chegou a 70% dos eleitores.

A abstenção eleitoral mostrou a fragilidade do governo afegão e das “ins-tituições” criadas pelo imperialismo. Um só dado mostra bem esta situação: em Kandahar, província e cidade do mesmo nome, localizada no sul do país e santuário do Talibã, a abstenção pode ter chegado à incrível porcentagem de 95% de um milhão de eleitores registrados, segundo observadores inter-nacionais independentes.

O processo de votação esteve marcado pelas denúncias de fraude que favoreceram o presidente Karzai, que tenta ganhar no primeiro turno para evitar o prolongamento da campanha eleitoral até 1º de outubro, quando se daria o segundo turno.7

Das eleições para cá, a crise e o desmascaramento da farsa só aumentaram. As denúncias de fraude nas eleições foram tão grandes que obrigaram os or-ganismos internacionais a pedirem a anulação de mais de um milhão de votos.

7 Correio Internacio-nal, 152, setembro de 2009.

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A pressão obrigou a Comissão Eleitoral Independente (sic), ligada a Karzai, a anular estes votos. Com a anulação, Karzai não atingiu a maioria para ser eleito no primeiro turno, o que obrigaria a realização de um segundo turno.

O imperialismo, que antes das eleições já percebia a ineficiência do governo de Karzai para cumprir seu papel de fantoche com um mínimo de credibilidade, pressionava para um acordo para a participação de Abdullah Abdullah e outros candidatos no novo governo.

O segundo turno chegou a ser anunciado, mas o candidato de oposição Abdullah Abdullah, que deveria enfrentar Karzai, renunciou da segunda, denunciando que não havia garantias mínimas para uma eleição democrática. Com isso, Karzai foi declarado finalmente vencedor (sic), depois de dois meses de crise que só confirmaram a fraude do sistema eleitoral e do regime. Ou seja, um verdadeiro desastre político.

A conclusão a que chegava o Correio Internacional há dois meses é mais válida que nunca: “(...) as eleições serviram muito pouco ao propósito do imperialismo de criar a imagem de um regime democrático e de uma situa-ção mais estável, apesar da guerra”8. Esta crise política do regime colonial

de dominação faz recair mais ainda sobre as tropas de ocupação o peso do combate à insurgência guerrilheira.

A política de Obama

A estratégia e as táticas do atual governo dos Estados Unidos para a guerra do Afeganistão só podem ser consideradas no marco da política geral do imperialismo contra os trabalhadores e os povos explorados de todo o mundo. Esta política é analisada por Alejandro Iturbe em outro artigo deste número da Marxismo Vivo, que explica a mudança de tática do imperialismo para continuar enfrentando a luta dos trabalhadores e povos do mundo no novo cenário criado pela derrota da ofensiva militar do governo Bush.

A nova política do imperialismo está marcada por duas orientações gerais. Por um lado, continua sendo imperialismo e, por isso, mesmo com um pre-sidente negro que utiliza um discurso conciliador, democrático, que prega a união de povos e classes, continua tendo como objetivo principal explorar a classe operária de todo o mundo e saquear as riquezas dos países explorados. Para isso, continua disposto a utilizar todos os recursos e a violência necessária e possível na atual situação mundial.

Mas, por outro lado, a derrota do projeto de Bush enfraqueceu o impe-rialismo e obrigou-o a adotar uma tática preferencial de negociações, planos de “paz” e manobras “democráticas” para desviar e derrotar revoluções e processos de insurgência armada. Isso não significa que o imperialismo aban-done as guerras e as ações armadas, mas que prioriza a tática das negociações, utilizando a força para pressionar os inimigos e obrigá-los a claudicar, capitular e a colaborar em troca de concessões “democráticas”.

Mas, quando passamos da análise da tática mundial do imperialismo para abordar a situação concreta do Afeganistão, parece haver uma contradição: o novo governo de Barack Obama vem intensificando a intervenção militar neste país. Desde a campanha eleitoral, Obama vem defendendo que é no

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ao contrário da guerra do Iraque, as tropas americanas podem sair vitoriosas. Depois da posse, Obama mandou mais 30 mil soldados ao país e prome-teu transformar o Afeganistão no centro da “guerra contra o terrorismo”. Utiliza os mesmos argumentos de Bush, de que esta seria uma “guerra justa” porque é contra o terrorismo, e prometeu “destruir, desmantelar e derrotar a Al-Qaeda e seus aliados extremistas”, inclusive os talibãs.

Este discurso e estas iniciativas poderiam indicar que o presidente dos EUA estaria preparando uma volta à ofensiva guerreira de Bush, senão em todo o planeta, pelo menos no Afeganistão? Em nossa opinião é o contrário: este é um dos países onde o governo Obama mais busca aplicar sua nova táti-ca. O problema é que também é o lugar onde o imperialismo está em piores condições de aplicar qualquer política.

Obama sabe que o curso desta guerra não pode ser mudado com o envio de mais tropas, a não ser em uma escala que não seria aceita pela opinião pública norte-americana. Um ex-agente da CIA chegou a afirmar que seriam necessários um milhão de soldados para derrotar o Talibã e estabilizar o país. Por quê? Porque é evidente que a insurgência guerrilheira tem apoio de massas entre a população. Se não, não seria possível para o Talibã desenvolver uma ação permanente em 80% do país. E por que os insurgentes têm apoio? Porque a ocupação militar piorou muito a situação do país. Produziu bombardeios constantes que atingem indiscriminadamente a população e já mataram dezenas de milhares de civis. Só em 2008, os EUA realizaram 3572 ataques aéreos, boa parte por meio de drones, aviões sem piloto. O regime político, agora supostamente “democrático”, governa baseado na corrupção, na fraude eleitoral, na violência e, principalmente, nas tropas estrangeiras. A situação de atraso do país, que gera a violência contra a mulher, não mudou, mantendo-se inclusive o amplo uso da burka. Em resumo, o Talibã recebe apoio simplesmente porque as massas não aceitam mais a presença das tropas de ocupação.

Uma das ironias desta guerra é que o reacionário Talibã encabece a luta armada contra o imperialismo. Esta contradição não é casual. A política sistemática de recolonização dos países periféricos e o ataque militar brutal protagonizado pelo governo Bush acabaram levando a que uma força aliada do imperialismo até pouco tempo atrás terminasse se enfrentando com ele.

Diante desta situação extremamente difícil, o governo Obama e a burgue-sia norte-americana estão discutindo possíveis saídas. E existem divergências, como seria previsível face à delicada posição dos Estados Unidos na guerra. Há setores do imperialismo - inclusive conservadores como o conhecido colunista reacionário do Washington Post, George Will, que escreveu um artigo com o sugestivo título É preciso saber quando se deve parar – que começam a se declarar contra a continuidade da intervenção no Afeganistão.

Entre os setores que defendem a continuidade da ocupação e da guerra e no próprio governo Obama existe uma divergência interna, ou pelo menos duas tendências, sobre a estratégia a seguir. Segundo a informação vazada por integrantes do governo para a imprensa americana9, haveria dois grandes

esquemas em discussão e em disputa. Um, encabeçado pelo comandante ame-ricano no Afeganistão, Stanley McChrystal, prevê manter a tática atual e um

9 Noticiado por Sér-gio Dávila, correspon-dente em Washington da Folha de S. Paulo

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acréscimo de 40 ou até 60 mil homens na força militar. O outro, defendido pelo vice-presidente Joe Biden, manteria o atual contingente, mas substitui-ria uma parte dos soldados por oficiais treinadores que tesubstitui-riam o objetivo de formar uma força de segurança afegã.

Mas, segundo a mesma notícia, a discussão mais importante seria sobre uma nova estratégia para a guerra. O foco, ou seja, os alvos da ação militar norte-americana dividir-se-iam em dois. A prioridade passaria a ser eliminar os líderes do Al Qaeda, vistos por Washington como uma rede global jihadista que procura atacar os EUA. Esta é, evidentemente, uma declaração pró-forma, porque o Al Qaeda não tem nenhuma influência no movimento de resistência.

Quanto ao Talibã, que constitui a organização central do movimento de resistência e tem apoio de massas, continuaria a sofrer ataques do imperialismo e do exército paquistanês, “mas não estaria descartada a negociação com o baixo clero da organização e até a possibilidade de se negociar uma trégua”10. Analisando essas diferentes posições e variantes, fica claro que nenhuma tem como estratégia conseguir uma vitória militar nesta guerra, isto é, que as tropas de ocupação esmaguem a resistência e destruam o Talibã. Isso por-que, obviamente, a situação da luta de classes em todos os seus aspectos – a insatisfação das massas com a guerra e a ocupação, o repúdio às tropas inva-soras, o apoio ou neutralidade em relação ao Talibã, a debilidade do governo fantoche – torna impossível a vitória.

A própria posição do general McChrystal assemelha-se à política do

Surge11 no Iraque, da qual ele foi o principal executor militar. Esta política

consistiu num aumento de tropas, mas com o objetivo de pressionar a re-sistência sunita a um acordo baseado em concessões políticas e econômicas. O aumento de tropas explica por que o imperialismo americano não pode aceitar, pelo menos num primeiro momento, a posição do setor burguês que propõe uma retirada imediata. Uma decisão desse tipo provavelmente teria como conseqüência uma vitória rápida da resistência e a volta do Talibã ao poder. Um fato desta dimensão significaria, sem dúvida, um golpe no impe-rialismo e abriria uma crise no governo Obama.

Esse dilema do governo Obama reflete a própria situação da guerra e do imperialismo. Mas, justamente por isso, reafirmamos o que dissemos ante-riormente: o imperialismo não só tenta aplicar no Afeganistão sua tática de negociações como esta é a melhor tática de que dispõe para tentar derrotar a insurgência. E será neste país que esta política será submetida ao seu mais duro teste. Neste contexto, pode ser até que o governo Obama envie ainda mais tropas, mas sempre com o objetivo de negociar um acordo com o Talibã para estabilizar o país e permitir uma saída negociada das tropas imperialistas.

A ofensiva militar subordina-se ao aspecto principal da política, isto é, a ação militar busca pressionar o Talibã a negociar, obter uma posição mais vantajosa para o imperialismo e, se possível, a capitulação da resistência.

Na verdade, tudo indica que esta política de negociação já está em curso. Segundo a Red IslamOnline.net, um alto funcionário do governo afegão infor-mou a este órgão, sob a condição de permanecer anônimo, que o governo dos EUA já teria feito uma primeira proposta ao Talibã, por meio dos governos da Arábia Saudita e Turquia. A proposta consistiria em ceder a este movimento

10 Idem.

11 Surge: Política de Bush en 2007 para aumentar as tropas no Iraque.

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o governo de seis províncias (Kandahar, Zabul, Helmand, Orazgan, no sul, e Nuristán e Kunar, no nordeste do país). Em troca, o Talibã aceitaria a pre-sença das forças da OTAN e a existência permanente de oito grandes bases militares imperialistas no país.12

É certo que, aparentemente, o Talibã rechaçou a proposta, mas o mais importante é constatar qual é a verdadeira política do imperialismo. Outras notícias informam que Hillary Clinton, em sua recente viagem ao Paquistão, teria acertado com os militares deste país que seriam eles os interlocutores das negociações com o Talibã. Se non è vero...

Os revolucionários não são neutros nesta guerra: lutamos pela vitória da resistência e pela derrota do imperialismo

A guerra do Afeganistão estará cada vez mais no centro dos acontecimen-tos mundiais e, portanto, exigirá dos revolucionários, das organizações de esquerda e de todos os ativistas dos movimentos sociais tomar uma posição. Isso é ainda mais importante porque grande parte da esquerda, inclusive uma parte da que se reivindica trotsquista, tomou uma posição de “neutrali-dade” quando os Estados Unidos invadiram o Afeganistão há oito anos. Na época, a Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT-QI) posicionou-se na trincheira militar do reacionário Talibã contra os Estados Unidos “democrá-ticos”. Acreditamos que o balanço desses oito anos de guerra nos deu razão.

Mas agora a situação é ainda mais evidente: trata-se de uma guerra de libertação nacional contra um exército imperialista de ocupação formado por mais de 100 mil homens. Nenhum ativista anti-imperialista do mundo pode vacilar quanto ao lado da trincheira em que deve estar. Neste sentido, a posição recente da LIT resume o que está em jogo nesta luta.

O destino da guerra do Afeganistão interessa a todos os trabalhadores e povos explorados do mundo. Uma derrota do imperialismo americano nesta guerra pode significar um golpe tremendo contra o opressor. É preciso lutar para que esta guerra termine sendo o Vietnã de Barack Obama. Por isso, a LIT chama todas as organizações populares e democráticas do mundo a denunciar a ocupação militar do Afeganistão e exigir a retirada das tropas invasoras. Chamamos especialmente os trabalhadores de países imperialistas que mantêm tropas de ocupação no país, como é o caso da Inglaterra, Alema-nha e EspaAlema-nha, entre outros, a mobilizarem-se para exigir de seus governos a retirada imediata de seus soldados.

Nós não somos neutros na guerra que está sendo travada nas montanhas daquele país. Estamos do lado dos oprimidos e agredidos pela invasão e ocupação imperialista. A luta do povo afegão é para expulsar as tropas im-perialistas de ocupação e conseguir a verdadeira independência nacional do Afeganistão. Por isso, sem que signifique qualquer tipo de apoio político às posições do Talibã, a LIT declara seu apoio às ações militares da resistência. A luta guerrilheira que enfrenta o imperialismo, ainda que dirigida por uma organização burguesa reacionária, é um dos fatores fundamentais para as baixas e o desgaste das tropas, para a crescente queda de popularidade do governo Obama e para a crise da ocupação militar. É esta luta militar de re-sistência, junto às mobilizações e à pressão da opinião pública principalmente dos países imperialistas, que pode infligir uma derrota ao imperialismo.13

12 LATIFF, Aamir.

Los talibanes rechazan la oferta de EE.UU. de 6 provincias por 8 bases. www.IslamOn-line.net, 05/11/2009, reproduzido por Re-belión.org.

13 Correio Internacio-nal, n. 152, setembro de 2009

Referências

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