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Processo 14575/18.4T8SNT.L1-7 Data do documento 23 de fevereiro de 2021 Relator Isabel Salgado

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Simulação de contrato > Contrato promessa > Eficácia real > Incumprimento definitivo > Direito de retenção

SUMÁRIO

1.Constituindo um dos elementos típicos na simulação invocada entre simuladores, que o engano simulatório tenha como objectivo enganar um terceiro, a Ré não o alegou, nem demonstrou, i.e, quem pretendiam enganar com o contrato objecto de simulação, e se, com o contrato prometido pretendiam frustrar ou desviar-se dos comandos legais, em particular que com o «contrato simulado», ainda que de um arrendamento se tratasse, sobreviria uma conduta ilícita conducente a ludibriar uma ordenação imperativa. 2. Mostra-se inverosímil, que acaso fosse sua intenção o arrendamento dissimulado da fracção, a Ré enquanto empresa imobiliária, ciente das responsabilidades em que incorria, tenha convocado o Autor para a celebração da escritura de compra e venda, atribuindo a ocorrência a “um lapso”, facilmente superável através de carta, ou de outro elemento de prova que não apresentou.

3. Face à subsistência da força probatória do documento particular que titula o contrato, as declarações das partes nele compreendidas correspondem em verosimilhança à realidade material apurada.

4.É possível extrair do documento contratual, tal como seria entendido por um declaratário normalmente diligente, que os outorgantes celebraram um contrato de promessa de compra e venda da fracção nele identificada, com apoio nas cláusulas estipuladas e que definem a economia deste tipo contratual.

5. Equiparando-se ao incumprimento definitivo da prestação ( possível e com interesse para o credor) a manifestação expressa ou tácita por parte do devedor no sentido de que não cumprirá a obrigação, o que se infere, designadamente da falta injustificada da Ré à escritura, em coerência com a defesa da simulação do contrato.

6. Para que o contrato promessa de compra e venda de imóvel seja dotado de eficácia real - artigo 413º, nº1 do Código Civil - pressupõe, que: a) o contrato conste de escritura pública; b) os seus outorgantes declarem expressamente que atribuem eficácia real ao contrato; c) que seja feita inscrição no registo predial dos direitos emergentes da promessa.

7. Aproximando o regime legal ao contrato promessa de compra e venda ajuizado, constante de documento particular com assinaturas sem reconhecimento notarial, logo se conclui que não reúne os

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requisitos- base da atribuição de eficácia real à promessa, e por decorrência não poderá o promitente comprador reclamar a sua execução específica.

8. Os créditos que resultem do incumprimento do contrato promessa pelo promitente vendedor, na condição da traditio do bem, beneficiam da garantia do denominado direito de retenção, nos termos do artigo 755º, al) f) ex vi artigo 754º do Código Civil.

9. Afigura-se razoável e coerente com o sistema, a conclusão segundo a qual, não tendo o legislador contemplado distinção quanto à tradição da coisa bastante para operar o benefício do direito de retenção, inexistir motivo para que a produção de tal efeito, dependa da verificação dos poderes de facto circunscritos à definição legal da posse constante do artigo1251º do Código Civil.

TEXTO INTEGRAL

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.RELATÓRIO 1.Da Acção

F… impetrou acção declarativa de condenação em processo comum, contra A… Unipessoal,Lda,[1] pedindo na sua procedência, que o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes em Julho de 2014, seja considerado incumprido definitivamente, por culpa imputável à Ré, e assim, proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Ré, declarando-se transmitido para o Autor, o direito de propriedade sobre a fracção autónoma prometida, declarando-se ainda que, o Autor beneficia de direito de retenção sobre a fração autónoma em causa, havendo por parte do Autor lugar ao pagamento do valor em falta, para satisfação do preço acordado, cujos reforços irão manter-se até ao trânsito em julgado dos presentes autos; - seja reconhecido como sinal e princípio de pagamento, pago pelo Autor à Ré, até à presente data, a quantia de € 22.360,00 (vinte e dois mil trezentos e sessenta euros), sem prejuízo dos reforços mensais de pagamento que irá efetuar nos termos aludidos, os quais serão depositados na CGD, à ordem do processo; e, declarado a favor do Autor o direito de retenção sobre a fração prometida transacionar, desde a sua posse efetiva e fruição, em função da tradição verificada.

Em alternativa, pediu que seja determinada a restituição ao Autor do sinal em dobro, nos termos do art.º 442.º do Código Civil, que à presente data se contabiliza no montante de € 44.720,00 (quarenta e quatro mil setecentos e vinte euros), sem prejuízo dos valores vincendos de reforço de sinal a liquidar mensalmente até ao trânsito em julgado da sentença a ser proferida no presente pleito; ser reconhecido ter havido tradição da coisa, objecto do contrato-promessa de compra e venda (imóvel para habitação) a favor do Autor, cuja traditio deve ser qualificada como posse em nome próprio (“animus possidendi”), considerando as condições negociais verificadas, beneficiando do direito de retenção sobre o imóvel, pelo valor do sinal em dobro e juros, resultante do incumprimento definitivo do contrato pela promitente-vendedora, ora Ré, nos termos do art.º 442.º do C.C., retenção que se deve manter enquanto não se

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extinguir o crédito do Autor.

Para sustentar a sua pretensão alegou em síntese, que em 17 de julho de 2014 celebrou com a Ré contrato-promessa de compra e venda do bem imóvel identificado; que quanto ao preço acordado, no acto da assinatura entregou à Ré cheque no valor de 860, 00 euros, ficando o restante (84 140, 00 euros) de ser pago mediante transferência mensal do valor de 430, 00 euros até ao dia 8 de cada mês, a título de acréscimo de sinal, a ser subtraído ao valor global da venda; mais ficou consignado, que a escritura de compra e venda devia ser marcada pela Ré, pelo menos, com 10 dias de antecedência; com o pagamento daquele sinal, o imóvel foi entregue ao Autor e sua esposa para habitação própria e permanente destes; e o Autor foi pagando, a título de reforço de sinal, 430, 00 euros, mensais, pelo que já entregou o total de 21 500, 00 euros; o Autor veio a ser notificado pela Ré, por carta registada com A.R. de que se encontrava marcada a escritura para o dia 12 de julho de 2018, pelas 15 h. em certo Cartório Notarial; o Autor compareceu, mas, não a Ré, revelando-se afinal que a Ré não tinha marcado a escritura, assim, não cumpriu nem queria cumprir aquele promessa; pretende o Autor, o cumprimento de tal contrato-promessa, através da sua execução específica; ou, em alternativa, a restituição do sinal em dobro; mais invoca o seu direito de retenção sobre o imóvel para garantia desse crédito.

A Ré contestou, pugnando pela improcedência da acção e absolvição dos pedidos.

Em defesa por impugnação e excepção , alegou em suma que, a vontade real das partes no acordo celebrado, não foi de promessa de compra e venda, mas, de arrendamento; dado que, à data desse acordo, e pretendendo o Autor ocupar o imóvel, este ainda não era propriedade da Ré; que era mera promitente compradora desse mesmo imóvel, não lhe sendo, por isso, viável celebrar contrato de arrendamento com o Autor; tendo sido escolhida aquela forma por assim permitir ao Autor habitar o imóvel, e à Ré rentabilizar essa utilização de imóvel; de forma que se trata de uma simulação de contrato de arrendamento, o que leva à nulidade do contrato (art. 241º, do Código Civil). Mais alegou que, antes da celebração deste acordo, Autor e Ré já haviam celebrado contrato idêntico ao imóvel, em que o Autor aceitou tratar-se, na verdade, de um arrendamento, nada tendo reclamado nem pedido a transferência de tais valores para o novo apelidado “contrato-promessa”; mais defendendo a Ré, que a indicação da possibilidade de outorga de escritura e a indicação de preço, no contrato dos autos, serviu, apenas, para preencher requisito de contrato-promessa; e, o valor do cheque entregue corresponde exatamente a dois meses de renda e, não, a sinal; a agendada data de celebração da escritura corresponder à data do próprio contrato agora invocado pelo Autor; o que é revelador de que, na verdade, estava em causa outra obrigação diferente de contrato-promessa, bem sabendo aquele, que a Ré não iria marcar escritura de compra e venda em cumprimento de contrato-promessa de compra e venda, tendo a notificação expedida ao Autor se tratado de mero lapso; além do que, o Autor continua a pagar a quantia mensal acordada, o que é revelador de que sabe que se trata de uma renda, incompatível com o alegado incumprimento do “contrato-promessa”.

Na sua resposta o Autor pugnou pela improcedência da excepção da simulação e manteve o peticionado. 2. Do Recurso

Inconformado, o Autor interpôs recurso da sentença que foi regularmente admitido como apelação e efeito devolutivo.

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As suas alegações culminam com as conclusões[2] que se transcrevem:

«i. Salvo o devido respeito, que é muito, a actuação do Douto tribunal “a quo” mais não foi que uma gritante violação da justiça e uma inadmissível desvirtuação da letra da lei, fazendo tábua rasa da verdade material. ii.O Douto Tribunal procurou colar a situação do Recorrente à da Testemunha V…, apesar dos factos e dos depoimentos conduzirem em sentidos distintos, uma vez que a testemunha procurou junto da imobiliária arrendar uma casa, enquanto o interesse do Autor sempre foi o da compra da sua habitação. iii.E a prova provada da diferença entre ambos quanto à sua motivação, está patente no próprio comportamento da Ré:

iv. A Recorrida para denunciar o contrato de arrendamento celebrado com a Testemunha V…, bastou-se com um simples envio de uma mensagem de texto para o seu número de Telemóvel, comunicando que denunciava o contrato de arrendamento e que a inquilina procurasse outra casa. v.Por a situação ser totalmente distinta, a Recorrida não enviou ao Autor uma simples mensagem de texto para o seu Tlm denunciando o contrato de arrendamento, denunciando qualquer famigerado contrato de arrendamento, vi.Ao invés, notificou o Autor, com o devido prazo de antecedência por carta registada com aviso de recepção, dirigida para o seu domicílio, para comparecer à outorga da escritura publica de compra e venda do CPCV celebrado entre ambas as partes, identificando o local, (Cartório Notarial) , dia e hora a escritura. vii. E caso faltasse, considerava o contrato incumprido e a perda de todas as quantias entretanto pagas pelo promitente-comprador, como decorre do CPCV (Cláusula Sexta) celebrado.

viii.A Ré para não celebrar a escritura de compra e venda do CPCV outorgado, justifica se que que celebrou com o Recorrente um CPCV, em vez de um contrato de arrendamento, pois à data da outorga do CPCV com o Autor não era ainda proprietário,

ix.Mas reconhece, está igualmente provado nos autos que detinha a posse do imóvel e queria rentabilizar o imóvel.

x.E foi nessas circunstâncias que a Ré propôs, e o Autor aceitou, que o sinal do CPCV fosse pago em prestações mensais até à data da celebração da escritura publica

xi.Ora, xii.A Ré é uma sociedade imobiliária que tem por actividade a compra e venda de imóveis e arrendamento. xiii.A Ré tinha celebrado com os anteriores proprietários do imóvel um CPCV e detinha a posse efectiva do imóvel, o que lhe permitia arrendar a fracção autónoma ao Autor, caso fosse essa a intenção das partes.

xiv.Na verdade, como é do conhecimento da Ré, a intenção do autor sempre fora adquirir fracção autónoma prometida e nunca celebrar nenhum famigerado contrato de arrendamento, como a Ré astuciosamente pretende fazer crer.

xv.A Ré prometeu adquirir para si o imóvel para vender ao Autor, o que veio a ocorrer mais tarde, conforme registo a seu favor, como consta da caderneta predial e certidão da CRP da Amadora, junto aos autos ( Vide Doc. 2 junto com a PI) .

xvi.Arrepiou caminho e faltou dolosamente à escritura pública de compra e venda

xvii.Nunca comunicou ao autor que tinha cometido um LAPSO, fosse qual fosse o meio a utilizar, nem nunca lhe comunicou que denunciava qualquer contrato de arrendamento e quando pretendia a entrega do locado.

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xviii.Como é possível que o Doutro Tribunal possa alegar que não foi celebrado entre as partes um CPCV e que não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.

xix.Se o Douto Tribunal tinha tantas dúvidas sobre a credibilidade dos factos trazidos a julgamento e da isenção das testemunhas, não se percebe em nome da verdade material, da boa decisão da causa e da credibilidade da justiça, tenha decidido não ouvir o sócio e gerente da Ré, responsável por toda esta situação.

xx.O artigo 411º do CPC é claro: “ Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.xxi. O sócio e gerente da Ré que assistiu a toda a produção de prova, se considerasse aquilo que as testemunhas não correspondia á verdade, solicitava junto do seu I. Mandatário para que fossem tomadas as suas declarações de parte. Mas remeteu-se ao silêncio.

xxii.É indesmentível que a Ré prometeu a venda de um bem futuro, que adquiriu para a sua realização. xxiii.Na venda de bens futuros, o vendedor fica obrigado a exercer as diligências necessárias para que o comprador adquira os bens vendidos (art. 880.º do CC).

xxiv.Tratando-se de um contrato-promessa de compra e venda de coisa futura, há-de o promitente-vendedor diligenciar para que seja possível celebrar o contrato prometido nas condições acordadas com o promitente-comprador, isto é, há-de providenciar para que o promitente-comprador venha a adquirir, nas condições estipuladas, o bem prometido vender. xxv.Em 04/05/2018, a Ré adquiriu o imóvel (Vide Doc. 2) xxvi. Em 21/06/2018, conforme resulta da cláusula 6ª do CPCV outorgado por ambas as partes, a Ré comunicou ao Autor com a antecedência mínima de 10 dias fixada, a data para a realização da escritura publica, indicando o local, dia e hora, ou seja, para o dia 12 de julho de 2018, pelas 15H00, no Cartório notarial de Maria João Pereira, em Agualva, Cacém.

xxvii. A Ré faltou à escritura pública de compra e venda, por si marcada nos termos contratuais. xxviii.Apesar de contactada, não compareceu, nem voltou a designar nova data.

xxix.Em momento algum, a Ré comunicou ao Autor fosse por carta simples, registada, correio eletrónico, contacto telefónico, sinais de fumo ou outro meio que queira criar, que a marcação da escritura tinha sido um “LAPSO” ”. xxx.Mais, a farsa do “lapso” não se fica por aqui.

xxxi.A Ré comunicou ao Autor a data da escritura por carta registada com aviso de recepção. Ora, a Ré recebeu o aviso recepção assinado pelo Autor quase 15 antes da data designada para a outorga da escritura publica, tempo suficiente para rectificar qualquer “lapso” ocorrido.

xxxii. Para além das Declarações de parte, da prova testemunhal, é profusa a prova documental junta aos autos, incontestada pela Ré, designadamente:

xxxiii.O contrato promessa de compra e venda celebrado entre a Ré e o Autor (Doc.1),

xxxiv.Os pagamentos do sinal e reforço de sinal do Autor à Ré, e não aos anteriores proprietários do imóvel, Srs. M… (Docs. 3 a 45), xxxv.A carta registada com Aviso de Recepção enviada pela Ré ao Autor, marcando a escritura de compra e venda (Docs.46 e 47).

xxxvi.A carta registada com AR enviada pela Ré ao Autor a marcar a escritura pública de compra e venda é inequívoca, onde expressa:

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designadamente a inscrição na matriz e descrição na competente Conservatória do Registo Predial;A licença de utilização e respectiva validade;Que o Promitente-comprador deve comparecer pessoalmente, munido do seu cartão de cidadão;Local, a data e hora para a realização da escritura pública de compra e venda; A carta registada com AR foi expedida em 21 de Junho de 2018 para a escritura ser realizada no dia 12 de Julho de 2018, ou seja, com uma antecedência não inferior a 10 (dez) dias, conforme a cláusula 6ª do CPCV. Identificação do Cartório Notarial da Dra. Maria João dos Santos Pereira e sua localização;A consequência prevista no CPCV outorgado pelas partes: caso o contrato definitivo não se vier a realizar por culpa do Autor, se considerava incumprido definitivamente da fracção em referência.

xxxviii.Os Documentos que a Autora juntou ao processo, recolhidos no Cartório Notarial, onde a Ré marcou a escritura pública. (Vide Docs. 48, 49, 50, 51, 52, 53 e 54).

xxxix.O Autor juntou não apenas prova profusa, mas credível e evidente da sua vontade em celebrar o contrato prometido.

xl.Apesar dos contactos telefónicos encetados pelo Autor, a Ré não compareceu no Cartório na data que fixou, nem outro dia !!!.

xli.Nem naquele dia nem em momento ulterior efectuou qualquer contacto a alegar/justificar que não pretendia realizar a escritura,

xlii.Com todo desplante, a Ré alegou na sua Contestação que o Autor sabia bem que a Ré não marcaria escritura de compra e venda em cumprimento de contrato-promessa de compra e venda.

xliii.Se o Autor sabia bem que a Ré não marcaria escritura de compra e venda em cumprimento de contrato-promessa de compra e venda”, então: xliv.Por que razão se deu ao trabalho de marcar a escritura publica? xlv.Exactamente nos termos convencionados no CPCV?

xlvi.Com as mesmas consequências? xlvii.Segundo o entendimento plasmado pelo Douto Tribunal, um indivíduo por ser formalmente parte (Autor/condutor) que sofra um acidente de viação provocado pela parte contrária, sem outros ocupantes no veículo e testemunhas, fica impedido de produzir prova, ou seja, relatar a dinâmica do acidente, enquanto a parte contrária é arrolada como testemunha pela companhia de seguros. Visto desta forma, ainda corre o risco de ser condenado por este Tribunal!

xlviii.Por último, sempre se dirá que até a prova da existência do contrato promessa de compra e venda celebrado assume nos autos a necessária forma escrita, pelo que se consubstancia uma formalidade ad substantiam. (cf. Artigo 425º do Código Civil;

xlix.Quanto ao depoimento da Testemunha C…, esposa do Autor, não obstante ser esposa do Autor, depos de forma credível e corroborada pela testemunha V…, comum às partes., l.Depois, contámos com o depoimento da testemunha V… que também disse desconhecer o que terá sido acordado entre Autor e Ré, embora saiba que o ora demandante dizia que queria comprar a casa. (...)

li.B - Indicação de quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e de quais os concretos meios probatórios, constantes (ou ausentes) do processo que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

lii.B.1 Pontos de facto que o Recorrente considera incorretamente julgados e de quais os concretos meios probatórios, constantes (ou ausentes) do processo que impunham decisão diversa da recorrida: os Pontos: 1, 2, 3, 4, 5 e 6 da matéria dada por provada.

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liii.B2. Factos que devem ser dados por provados, em substituição dos impugnados:1.A Ré “…, UNIPESSOAL, LDA.” tem como principal atividade a compra e venda de bens imobiliários. Matéria assente. 2.Em 17 de julho de 2014, foi celebrado entre o A. e a Ré um contrato-promessa de compra e venda, onde a Ré prometeu vender e o A prometeu comprar a fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente à Cave Esquerda, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida ..., inscrita na matriz predial sob o artigo …, descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial da Amadora, sob o n.º … da respectiva freguesia, licença com o número …, emitida em 05 de maio de 1965 pela Câmara Municipal da Amadora. Meios probatórios:(Docs. 1 a 53 juntos com a PI); Declarações de parte do Autor e Depoimento da testemunha C…, 3.Neste contrato-promessa de compra e venda, consta sob a sua “cláusula 1ª” que a aqui Ré, … LDA.” celebrou com A… e M…e um “Contrato-Promessa de Compra e Venda” onde a “A…UNIPESSOAL, LDA.” está referenciada como promitente compradora do imóvel objeto deste contrato, estando a aqui Ré “…., Lda.” autorizada a indicar um terceiro para a outorga da escritura da fração autónoma destinada à habitação, designada pela letra A, correspondente à cave esquerda do prédio urbano sito na Av. …, freguesia da Reboleira, concelho da Amadora, inscrita na matriz predial sob o art. …º e descrito na Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o nº … da mesma freguesia.4.Foi acordado entre as partes o pagamento do preço, no valor de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), da seguinte forma:

liv..No acto da assinatura do presente contrato de promessa, o Autor entregou à Ré um cheque no valor de € 860,00 (oitocentos e sessenta euros), a título de sinal e princípio de pagamento. Meios probatórios: lv.(Docs. 1 a 53 juntos com a PI), Declarações de parte do Autor, Depoimento da testemunha C…,

lvi.A restante parte do preço em dívida, ou seja, a quantia de € 84.140,00 (oitenta e quatro mil cento e quarenta euros), a ser paga da seguinte forma: a) O Autor irá transferir para a Ré, mensalmente até ao dia 8 de cada mês, para o NIB: 0018 …, a quantia de € 430,00 (quatrocentos e trinta euros), a título de acréscimo de sinal, que será subtraído ao valor global da respectiva venda. (Vide Cláusula 3ª do CPCV – Doc. 1) Meios probatórios:(Docs. 1 a 53 juntos com a PI);Declarações de parte do Autor; Depoimento da testemunha Carla ...,

lvii.Com o pagamento daquele sinal, o imóvel foi entregue ao Autor e sua esposa para habitação própria e permanente destes. Meios probatórios:(Docs. 1 a 53 juntos com a PI); Declarações de parte do Autor; Depoimento da testemunha Carla ...,

lviii.O Autor foi pagando, a título de reforço de sinal, o valor de 430, 00 euros mensais, pelo que já entregou até à data, o total de 22.360,00 (vinte e dois mil trezentos e sessenta euros). Meios probatórios: (Docs. 3 a 45 juntos com a PI); Declarações de parte do Autor; Depoimento da testemunha Carla ...,lix.Mais ficou consignado que a escritura de compra e venda devia ser celebrada com 10 dias de antecedência; Meios probatórios: (Docs. 3 a 45 juntos com a PI); Declarações de parte do Autor; Depoimento da testemunha C… lx.O Autor veio a ser notificado pela Ré, por carta registada com A.R. de que se encontrava marcada a escritura para o dia 12 de julho de 2018, pelas 15 h., no Cartório Notarial da Dra. Maria João dos Santos Pereira, sito na Rua Anta Agualva, 8C, loja 3, Agualva, com menção de que se tal contrato definitivo não se realizar por culpa do ora Autor, se considera definitivamente incumprido o contrato-promessa da fração em referência. Meios probatórios: (Docs. 46 e 47 juntos com a PI); Declarações de parte do Autor; Depoimento

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da testemunha C…,

lxi.O Autor, acompanhado da sua esposa compareceu no dia, hora e local designado para a realização da escritura de compra e venda, mas, chegada a hora a que se alude na sobredita missiva, a Ré não compareceu, nem na hora por si designada, nem em hora posterior. Meios probatórios: (Docs. 48 a 53 juntos com a PI); Declarações de parte do Autor; Depoimento da testemunha Carla ...,

lxii. A Ré não havia marcado tal escritura de compra e venda; e não veio a marcá-la posteriormente. Meios probatórios: (Docs. 48 a 53 juntos com a PI); Declarações de parte do Autor; Depoimento da testemunha ..z,

lxiii. Da cláusula 6ª/2 do supra referido contrato, consta que o não pagamento pelo ora Autor do valor de 84 140, 00 euros consubstancia incumprimento definitivo do contrato imputável ao Autor e constitui causa justificativa para a não celebração da escritura pela ora Ré, fazendo suas todas as importâncias recebidas e entregues a título de sinal. Meios probatórios: (Docs. 1, 46 a 48 juntos com a PI); Declarações de parte do Autor; Depoimento da testemunha C…, lxiv.Autor e a Ré acordaram que o ora Autor receberia da Ré, para sua habitação, a fração autónoma acima identificada, com a contrapartida do pagamento da quantia de 860, 00 euros na data desse acordo, em julho de 2014; e do pagamento subsequente da quantia mensal de 430, 00 euros. Meios probatórios: (Docs. 1, 46 a 48 juntos com a PI); Declarações de parte do Autor; Depoimento da testemunha C…,

lxv. Do Direito aplicável

lxvi. Foram violados os artigos 236º, 344º, 410º, 830º, artº 755º, nº 1, al. f) e 880º do Código Civil. lxvii. Vejamos, o Douto Acórdão da Relação de Lisboa: www.dgsi Processo: 9356/2003 7“(...)

lxviii. Sendo a posse um direito real provisório, o possuidor de boa-fé pode dar de arrendamento um prédio urbano, ficando, porém, o arrendamento sujeito às contingências da provisoriedade da posse.

lxix. Encontra-se nesta situação a promitente-compradora de uma loja para quem esta foi antecipadamente entregue e que, em relação a ela se passou a comportar como se sua proprietária fosse (animus domini).” lxx. Como muito bem ensina, em consequência da celebração do contrato-promessa de compra e venda celebrado pela Ré com o anterior proprietário, da posse efectiva que reconhece que detinha sobre o imóvel e da sua vontade em o rentabilizar, podia desde logo dá-lo em locação a um terceiro, portanto, pode dá-la em aluguer ou arrendamento, conforme, respectivamente, se trate de coisa móvel ou imóvel (art. 1023° do Cód. Civil).

lxxi. Por outro lado, não se pode esquecer que o primeiro direito do possuidor é usar a coisa segundo o conteúdo do direito possuído, como decorre da própria noção legal de posse e da tutela concedida ao possuídor, tem o direito de adquirir os frutos da coisa (jus fruendi), sejam eles civis ou naturais (art. 1270°, n.° 1 do Cód. Civil)

lxxii. Se fosse a intenção do Autor celebrar com a Ré um contrato de arrendamento não o faria de outra forma, sob pena de não poder deduzir no seu IRS as rendas por si liquidadas e muito menos pactuar com a Ré num crime de evasão fiscal, sujeito a ser condenado em multa e no prejuízo causado à Autoridade Tributária.

lxxiii.A Ré não juntou um único recibo de Renda do famigerado contrato de .arrendamento....

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contidas nos arts. 236.º e segs. do CC.

lxxvi.Na venda de bens futuros, o vendedor fica obrigado a exercer as diligências necessárias para que o comprador adquira os bens vendidos (art. 880.º do CC).

lxxvii.Nada dizendo a lei acerca das diligências que o promitente deve implementar, nem resultando elas de convenções ou das circunstâncias do contrato ajuizado, poderá o promitente-vendedor adquirir ao terceiro proprietário a coisa prometida vender e depois outorgar com o promitente-comprador a escritura definitiva, assim como poderá ainda negociar com o terceiro proprietário de modo a conseguir que este outorgasse a escritura de compra e venda directamente com o promitente-comprador, nas condições estipuladas no contrato-promessa.

lxxviii.Em qualquer dos casos se obterá a satisfação do interesse do credor/promitente-comprador em adquirir o bem prometido vender, sendo cumprida a obrigação que do contrato-promessa resulta para o promitente-vendedor (de bem futuro).

lxxix.Aquisição posterior à celebração do contrato-promessa de compra e venda de bem futuro pela sociedade da qual os promitentes-vendedores são os únicos sócios e gerentes, não é susceptível de, por si só, tornar impossível ou dificultar a celebração da escritura pública do contrato-prometido que aqueles, em nome próprio, se obrigaram a celebrar com os promitentes-compradores.”

lxxx.Foram violados os artigos 236º, 344º, 410º, 830º, artº 755º, nº 1, al. f) e 880º do Código Civil, pois estamos perante a celebração de um contrato promessa de bem futuro que entrou na esfera jurídica da promitente vendedora, que culposamente não cumpriu o contrato, a que estava obrigada, sujeitando às consequenciais legais, previstas nos artigos invocados.

lxxxi.D) Do Pedido.lxxxii.Que o presente contrato-promessa de compra e venda seja considerado incumprido definitivamente, por culpa imputável à Ré

.lxxxiii.Que seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Ré, declarando-se transmitido para o Autor o direito de propriedade sobre a fracção autónoma prometida, comprometendo-se e depositar o valor do remanescente do preço fixado.

lxxxiv.Ser reconhecido como sinal e princípio de pagamento, pago pelo Autor à Ré, até à presente data, a quantia de € 22.360,00 (vinte e dois mil trezentos e sessenta euros), sem prejuízo dos reforços mensais de pagamento que irá efetuar nos termos aludidos, os quais serão depositados na CGD. lxxxv.Ser declarado a favor do Autor o direito de retenção sobre a fracção prometida transacionar, desde a sua posse efectiva e fruição, em função da tradição verificada. lxxxvi.b) OU, em alternativa,

lxxxvii.Que seja determinada a restituição ao Autor do sinal em dobro, nos termos do art.º 442.º do Código Civil, que à presente data se contabiliza no montante de € 44.720,00 (quarenta e quatro mil setecentos e vinte euros), sem prejuízo dos valores vincendos de reforço de sinal a liquidar em execução de sentença, exercendo o direito de retenção. Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui Douto o suprimento de Vexas, deve o presente Recurso ser dado por procedente, substituindo-se anterior sentença por outra que colha o pedido do Recorrente, nos termos formulados, fazendo-se habituada justiça, proclamada por todos os cidadãos de bem, dignificando desta forma a Justiça portuguesa.»

*

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contrato não revestirem as características de um contrato de compra e venda, mas sim, de um contrato de arrendamento, que como provado, resultou da vontade plena das partes.

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Corridos os Vistos, cumpre decidir. 3.Objecto do recurso- tema decisório

São as conclusões que delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem- artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil - salvo em sede da qualificação jurídica dos factos, ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, não podendo ainda conhecer de questões novas; o tribunal de recurso também não está adstrito à apreciação de todos os argumentos recursivos, debatendo apenas aqueles que se mostrem relevantes para o conhecimento do recurso, e não resultem prejudicados pela solução preconizada - artigos 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma.

Sob estes parâmetros suscita-se o debate e decisão das seguintes questões: - A impugnação da matéria de facto;

- A excepção do acordo simulatório; meios probatórios; requisitos legais de procedência;

- O conteúdo do documento contratual e a subsunção à figura do contrato de promessa de compra e venda de imóvel;

- Os pressupostos jurídicos da pretensão do Autor - pedido principal- pedido alternativo. II. FUNDAMENTAÇÃO

A. Os Factos

O Tribunal a quo teve como provado:

«1. A Ré “A…UNIPESSOAL, LDA.” tem como principal atividade a compra e venda de bens imobiliários. 2. Com data de 17 de julho de 2014, os ora Autor e Ré assinaram o escrito que se mostra junto aos autos a fls. 13 e 14, denominado “Contrato-Promessa de Compra e Venda”.3.Neste escrito, sob a sua “cláusula 1ª”, consta que a aqui Ré, “.” celebrou com A… e M..um “Contrato-Promessa de Compra e Venda” onde a “A.. UNIPESSOAL, LDA.” está referenciada como promitente compradora do imóvel objeto deste contrato e autorizada a indicar um terceiro para a outorga da escritura da fração autónoma destinada à habitação, designada pela letra A, correspondente à cave esquerda do prédio urbano sito na Av. …, freguesia da Reboleira, concelho da Amadora, inscrita na matriz predial sob o art. …º e descrito na Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o nº … da mesma freguesia. 4. Deste mesmo escrito, sob a “cláusula 2ª” consta que, por este contrato ora em apreço, a “A…, Lda.” promete indicar aos srs. A.. M…e, F.., para a outorga da escritura da fração autónoma acima indicada, livre de ónus e encargos; e este último, promete aceitar essa indicação pelo preço de 85 000, 00 euros. 5. Da cláusula 3ª deste mesmo escrito consta que, no ato da assinatura de F… entrega à A… UP, Ld.ª, um cheque no valor de 860, 00 euros a título de sinal e princípio de pagamento; e que a restante parte do preço em dívida, ou seja, 84 140, 00 euros será entregue da seguinte forma: o ora Autor irá transferir para a ora Ré, mensalmente, até ao dia 8 de cada mês, a quantia de 430, 00 euros, a título de acréscimo de sinal que será subtraído ao valor global da respetiva venda. 6. Da “cláusula 6ª” do mesmo contrato consta que “a escritura definitiva de compra e venda” deverá ser celebrada no máximo até ao dia 17 de julho de 2014, e será marcada pela ora Ré que avisará o aqui Autor, através de carta registada com avieso de receção com, pelo menos, 10 (dez) dias de

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antecedência. 7.A partir da sobredita data, o Autor e sua esposa passaram a habitar na identificada fração. 8.O Autor foi pagando, mensalmente, a quantia acima referida, de 430, 00 euros. 9. O Autor recebeu da Ré, carta registada com AR, através da qual o informa, que se encontra marcada a escritura de compra e venda da fracção, para o dia 12 de julho de 2018, pelas 15 Horas, no Cartório Notarial de Maria João dos Santos Pereira; e com menção de que se tal contrato definitivo não se realizar por culpa do ora Autor, se considera definitivamente incumprido o contrato-promessa da fração em referência. 10.O Autor, acompanhado da sua esposa compareceu no dia, hora e local designado para a realização da escritura de compra e venda, mas, chegada a hora a que se alude na sobredita missiva, a Ré não compareceu, nem na hora por si designada, nem em hora posterior. 11.A Ré não havia marcado tal escritura de compra e venda; e não veio a marcá-la posteriormente. 12.Da cláusula 6ª/2 do suprarreferido contrato, consta que o não pagamento pelo Autor do valor de 84 140, 00 euros consubstancia incumprimento definitivo do contrato imputável ao Autor e constitui causa justificativa para a não celebração da escritura pela ora Ré, fazendo suas todas as importâncias recebidas e entregues a título de sinal. 13.Autor e Ré acordaram que o Autor receberia da Ré, para sua habitação, a fração autónoma acima identificada, com a contrapartida do pagamento da quantia de 860, 00 euros na data desse acordo, em julho de 2014; e do pagamento subsequente da quantia mensal de 430, 00 euros.

E, Não Provado que:

- No dia 17 de julho de 2014, a Ré celebrou com o Autor contrato-promessa de compra e venda de bem imóvel, através do qual a Ré prometeu vender e o Autor prometeu comprar a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente à Cave Esquerda, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida…., inscrita na matriz predial sob o artigo …, descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial da Amadora, sob o n.º … da respetiva freguesia; tendo sido estipulado o preço da compra e venda a celebrar entre ambas as partes, no valor de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros).»

B. Enquadramento Jurídico 1. Impugnação de facto

1.1. O apelante cumpriu em suficiência os ónus enunciados nos artigos 639º e 640º, nº1, do Código de Processo Civil.

1.2. O seu dissentimento radica em última análise no erro de julgamento da matéria consignada no Facto Não Provado –“ No dia 17 de julho de 2014, a Ré celebrou com o Autor contrato-promessa de compra e venda de bem imóvel, através do qual a Ré prometeu vender e o Autor prometeu comprar a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente à Cave Esquerda, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida …, inscrita na matriz predial sob o artigo …, descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial da Amadora, sob o n.º … da respetiva freguesia; tendo sido estipulado o preço da compra e venda a celebrar entre ambas as partes, no valor de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros).”

Na verdade, assim se tem de interpretar a alegação/conclusão de o apelante também impugnar a matéria provada constante dos pontos 1. a 6. da sentença recorrida, cuja alternativa que propõe não consubstancia qualquer alteração da matéria de facto.

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simples modificação da redacção consignada na sentença, afeiçoada à valoração /conclusão dos factos sobre a sua tese da validade do contrato –promessa.[3] Tal exercício impugnatório não suporta, portanto qualquer erro de julgamento da matéria de facto e, em nada altera ou interfere em relevância no desfecho da causa sob as várias soluções plausíveis de direito.

Nessa discorrência, a reapreciação da matéria resulta inútil e como tal a impugnação improcede.

De todo em todo, sublinha-se que tais factos foram ditados pela inabalável força da confissão e admissão por acordo, constam dos documentos neles indicados e não impugnados, acompanhando-se a convicção do julgador de primeira instância.

Resta o cerne da impugnação do apelante - se, deverá reverter-se o sentido do ponto 1. Não provado- para considerar ao invés, que através do documento em apreço, as declarações prestadas pelo apelante, o depoimento da sua mulher e demais elementos documentais, resulta que as partes manifestaram vontade real de celebraram contrato promessa de compra e venda da fracção, vinculando-se ao seu cumprimento nos precisos termos de que dele consta.

1.3. O Tribunal a quo motivou a convicção sobre a matéria adrede, como melhor se transcreve:[4]

«Com vista à decisão da matéria de facto provada e não provada o Tribunal analisou criticamente e concatenou as provas produzidas e juntas aos autos, em conformidade com o disposto pelo art. 607º, nºs 4 e 5, do C.P. Civil. (….)[5]Dos factos não provados. Quanto ao facto não provado, diga-se, em suma, que o Tribunal não contou com qualquer elemento de prova objetivo e fiável que permitisse dar tal realidade como certa. Isto porque contámos com as declarações de parte do próprio Autor, com o depoimento testemunhal da companheira do Autor que vive com este; e com o teor do depoimento de testemunha que nada sabe sobre tal acordo outorgado entre o Autor e a Ré. Mais se tendo considerado o teor do próprio “contrato” junto aos autos a fls. 13 e 14 e que infra melhor apreciaremos. Assim, é verdade que o Autor, nas suas declarações de parte, afirmou a sua tese de que celebrara com a Ré um contrato-promessa de compra e venda da casa em que habita e que aguardava a celebração da escritura de compra e venda. Diga-se, contudo, quanto à suficiência deste meio probatório (declarações de parte) que o Tribunal encontra expressão do seu entendimento, nas “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, de Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, de Almedina, p. 364, onde pode ler-se: “A experiência sugere que a fiabilidade das declarações em benefício próprio é reduzida. Por esta razão, compreende-se que se recuse ao depoimento não confessório força para, desacompanhado de qualquer outra prova, permitir a demonstração do facto favorável ao depoente.” Ora, conforme acima referido, no caso em apreço, o Tribunal não contou com qualquer outro elemento probatório que permitisse afirmar ter sido celebrado tal contrato-promessa. Assim, também, a companheira do Autor, que disse viver com este há 10 anos e terem um filho em comum, afirmou que o objetivo era comprar o imóvel; e que os sinais eram para abater ao preço final. Porém, manifestamente esta testemunha depôs acerca de causa do seu manifesto interesse e claramente como se estivesse a falar de causa própria. Ademais, nada soube dizer que fora concretamente acordado entre Autor e Ré, pois que, como referiu, a negociação era entre estas duas partes e não consigo. Não soube, ainda, explicar porque razão, no caso do contrato similar a este que o Autor teve com a Ré quanto a uma outra fração (cfr. fls. 66 - verso - a 68 dos autos) aquele, pretendendo mudar para esta outra fração, aceitou, sem mais, perder todas as prestações efetuadas ao abrigo desse contrato; e celebrar este

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outro contrato; pois que seria lógica a transferência de tais quantias (se correspondessem efetivamente a sinal, e, não, a contraprestações pelo uso de imóvel). Depois, contámos com o depoimento da testemunha V…que também disse desconhecer o que terá sido acordado entre Autor e Ré, embora saiba que o ora demandante dizia que queria comprar a casa. Contudo, esta testemunha, também, deu conta ao Tribunal de ter assinado com a Ré um denominado contrato-promessa (por sinal incidente sobre a fração objeto do anterior contrato outorgado entre Autor e Ré e atrás referido) quando, na verdade, bem sabia tratar-se de um arrendamento; de tal forma que, quando a Ré fez cessar este contrato celebrado com a testemunha V…, esta não se prevaleceu da celebração de um contrato-promessa. Nenhuma outra prova foi produzida em audiência. O Tribunal contou, ainda, com o conteúdo do contrato invocado pelo Autor e junto aos autos a fls. 13 e 14. E, a verdade é que, com a maior relevância probatória, importa que se realce que, do contrato, não consta qualquer promessa de compra e venda de imóvel. Conforme pode ler-se na cláusula 2ª desse contrato, o que sucede, em termos de promessas, é que a ora Ré promete indicar aos srs. A… e M.. (promitentes vendedores do imóvel em contrato em que a ora Ré será promitente compradora) o ora Autor, F.., para a outorga da escritura da fração autónoma em apreço nos autos, livre de ónus e encargos; e este último (o aqui Autor) promete aceitar essa indicação. A Ré, no contrato objeto dos autos e ora referido, não promete vender a fração ao Autor e este não promete comprá-la. A isto acresce a circunstância de o sinal entregue na data da assinatura do contrato em causa corresponder aritmeticamente a duas das mensalidades previstas para “o pagamento da restante parte do preço”; ressaltando a importância do pagamento das mensalidades por comparação com o pagamento do preço em si; o que vem a ser confirmado pelo teor das cláusulas 5ª e 6ª, nº 2 por via das quais se sanciona com a resolução do contrato/com o incumprimento definitivo, o não pagamento de tais prestações. Mais se considera a circunstância de a data derradeira fixada no contrato para a celebração da escritura ser 17 de julho de 2014, correspondente à data de assinatura desse mesmo contrato; de forma que, na data da celebração do contrato, a Ré já estaria em situação de incumprimento; o que, durante anos, não parece ter levado o Autor a considerar qualquer espécie de incumprimento de “contrato-promessa”, tendo iniciado e continuado a pagar as fixadas prestações (conforme afirmou em audiência, nas suas declarações de parte, até ao início do ano de 2019). Irreleva, naturalmente, de per si, a denominação do contrato (contrato-promessa de compra e venda) ganhando prevalência o seu conteúdo. Em face de todos estes elementos probatórios (e da ausência de quaisquer outros reveladores de que Autor e Ré prometeram, respetivamente, entre si, comprar e vender) o Tribunal não contou com elementos de prova que lhe permitissem afirmar a outorga de um contrato-promessa de compra e venda de imóvel entre as partes.» 1.4. Sucede que, apesar do objecto de impugnação coincidir com o eixo principal da demanda e de incontornável pertinência no seu desfecho, cabe sublinhar, que o ponto 1. NP da sentença não enuncia um “facto”, no sentido conceptualizado no artigo 607º, nº4, do Código de Processo Civil.

Trata-se, outrossim de asserção do julgador de teor manifestamente conclusivo, que deverá retirar-se a jusante, aquando da apreciação jurídica dos factos recolhidos. [6]

A fundamentação de facto na sentença por inerência ao seu objecto e à definição legal, destina-se a enunciar os factos provados e não provados que concretizam a normatividade do direito reclamado. Apelando à lição de Anselmo de Castro - « (..)são factos não só os acontecimentos externos, como os

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internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos (..)só, (…), acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objecto da especificação e questionário (isto é, matéria de facto assente e factos controvertidos), o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstractos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste.»

Á semelhança do que se extrai do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de setembro de 2017-«Saber se um concreto facto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui questão de direito, porquanto não envolve um juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração ou não desse mesmo facto enquanto realidade da vida. Como se observou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 10.01.2017 (proc. 761/13.7TVPRT.P1. S1), em tal caso este Tribunal não está a interferir na apreciação dos factos, não está a corrigir, indevidamente, um eventual erro na apreciação das instâncias, mas antes a proceder à sua qualificação como tal de acordo com as regras de direito aplicáveis.»[7]

Independe da técnica e metodologia utilizadas e o alargamento dos poderes interventivos do juiz no actual CPC, a selecção da matéria de facto provada e não provada, que compreende acontecimentos ou factos concretos da vida real, deverá estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.[8]

Na situação e objecto da lide que analisamos, o teor do ponto NP preenche a solução jurídica da causa, extrapolando a definição legal da fundamentação de facto da sentença.

Perante tal ocorrência processual, respaldados na orientação densificada na jurisprudência, deverá então ser suprimida a matéria constante do elenco dos factos (provados e não provados) susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo também pacificamente aceite, integra por analogia juízos de valor ou conclusivos.[9]

Serve isto para concluir, que a controversão suscitada pelo apelante sobre o tema não é sindicável em sede de impugnação da matéria de facto, remetendo para a apreciação e fundamentação jurídica dos factos apurados.

Em suma, atentas as razões expostas e, o disposto nos artigos 607º, nº4 e 662º, nº1, do Código de Processo Civil, resta concluir pela eliminação do ponto 1. Não provado da sentença recorrida, o que se determina.

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Improcedendo a impugnação da matéria de facto, significa então que este tribunal ad quem irá proceder à reapreciação valorativa e jurídica da lide, tendo por base os articulados das partes, os factos dados por assentes na sentença recorrida e ora estabilizados, bem como os documentos carreados aos autos e não impugnados.

2. Sinopse do litígio

No desenvolvimento da instância, o cerne do dissentimento radica em definir qual a foi afinal a vontade real das partes e efeitos que quiseram atribuir ao contrato celebrado – promessa de compra e venda do imóvel, segundo o Autor, mera formalidade “simulatória” do contrato de arrendamento para habitação do imóvel, na versão veiculada pela Ré.

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A Ré sustenta que o documento contratual encerra uma simulação, sendo a vontade real e querida de ambas as partes, a respectiva vinculação a um contrato de arrendamento da fracção e destinada à habitação do Autor.

Alegando para tanto, que a utilização daquela forma contratual se deveu em exclusivo, à circunstância de o imóvel não ser então da sua propriedade, apenas detendo a posição de promitente compradora, conforme contrato promessa celebrado com os proprietários em 2010, bem sabendo o Autor que o interesse de ambas as partes era apenas a vigência de arrendamento da fracção, contra o pagamento à Ré da renda mensal no valor convencionado.

2.1.A simulação e os meios probatórios

O segmento crucial do recurso diz respeito ao apontado erro de julgamento, pretendendo o apelante que na sua reapreciação este tribunal ad quem reverta a decisão recorrida, em prol da efectiva prova da vontade (real) de vinculação das partes ao contrato promessa de compra e venda de imóvel nos precisos termos do documento junto, declarando-se o incumprimento definitivo da Ré com as consequências legais do regime contratual em referência, conforme peticionou.

O Autor ancora a causa de pedir no referido contrato titulado pelo documento junto a fls.13 e 14, cujo conteúdo se dá por reproduzido e se encontra plasmado nos pontos 2. a 6. e 13. dos Factos Provados. O documento epigrafado como “contrato de promessa de compra e venda” diz respeito à fracção A, destinada a habitação e integra imóvel sito na Reboleira, Amadora; encontra-se assinado por ambas as partes e está datado de 17.07.2014. Juntou ainda suporte documental relativo às transferências bancárias realizadas pelo Autor a favor da Ré, no valor mensal estipulado no contrato, e a carta enviada pela Ré notificando o Autor da marcação da escritura de compra e venda do imóvel.

Na demonstração do acordo de arrendamento dissimulado, a Ré juntou o contrato de promessa de compra e venda da fracção em causa, celebrado em Agosto de 2010 com os então proprietários; o documento contratual de igual conteúdo ao versado nos autos, celebrado com o Autor em Agosto de 2012 e respeitante àquela fracção do imóvel; e, os emails endereçados à Ré por V…, dando notícia do “pagamento de renda”, com indicação de outra fracção do mesmo prédio; juntou ainda cópia da escritura do contrato de compra e venda da fracção que veio ulteriormente a celebrar com os anteriores proprietários.

Por definição a simulação traduz um fingimento, que visa criar a aparência de um negócio que não foi querido pelas partes (simulação absoluta), ou que foi celebrado para esconder um outro, esse sim querido pelas partes (simulação relativa) com o intuito de enganar terceiros.

Ao invocar a simulação o simulador afirma que a vontade declarada intencionalmente não correspondeu à vontade representada e querida pelas partes, através de um concerto defraudatório, fingido, emitindo intencionalmente declarações não consonantes com aquilo que efectivamente queriam e com o fito de enganar terceiros – artigos 240º e 242º, do Código Civil – ou seja, simularam declarações negociais.[10] Importará assim aferir dos meios probatórios produzidos – designadamente, a prova testemunhal e por presunção judicial no tocante à excepção da simulação invocada pela Ré por oposição à vontade declarada pelas partes no documento contratual em presença. perante o que dispõe o artigo 394º, nº2, do Código Civil.

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“por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores”.[11]

Já o nº2 do artigo 394º, do Código Civil deixa claro que a proibição é aplicável ao “acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocado pelos simuladores”.

A consulta da doutrina e a resenha histórica do preceito, permitem concluir que na vigência do Código Civil 1867, a matéria merecia tratamento unânime, no sentido da exclusão da prova testemunhal em caso de simulação.[12]

No entanto, e logo no decurso dos trabalhos preparatórios do novo Código Civil e na sua vigência, o tema abriu interpretações não coincidentes.

Em breve síntese, sinalizam-se duas posições.

Enveredando por alguma flexibilidade em favor da admissão da prova testemunhal no acordo simulatório invocado pelos próprios, situou-se Vaz Serra no âmbito dos trabalhos preparatórios;[13] concebendo uma norma que permitia que os simuladores pudessem, excepcionalmente usar a prova testemunhal, mas apenas se, existisse um princípio de prova escrita “proveniente daquele contra quem a acção é dirigida ou do seu representante” ou quando “da qualidade das partes, da natureza do contrato, ou de quaisquer outras circunstâncias seja verosímil que tenham sido feitas contradeclarações”; impossibilidade material ou moral de obtenção de prova escrita; mantendo igual entendimento já na vigência do diploma e à redacção do artigo 394º, nº2, do actual Código Civil.[14]

Seguindo idêntica orientação, também Carvalho Fernandes, [15] Mota Pinto e Pinto Monteiro[16] veicularam a admissão de prova testemunhal , em ordem a evitar eventuais “resultados injustos de aproveitamento do acto simulado por um dos simuladores em detrimento do outro”, embora sem colocar em causa a «ratio» do preceito, a certeza da prova documental, e “a fragilidade e a falibilidade da prova testemunhal e por presunções judiciais”.

Porfiando a exclusão absoluta da prova testemunhal situou-se Rodrigues Bastos, considerando que essa flexibilização colide com a letra da norma ; [17] e, de igual modo, se pronunciaram Pires de Lima e Antunes Varela.[18]

A densificação doutrinária do preceito legal e a sua aplicação jurisprudencial acabaram por dar prevalência a uma concepção menos exigente quanto à previsão do artigo 394º nº2, do Código Civil, na esteira e desenvolvimento da argumentação proposta por Vaz Serra.

Na doutrina, inter alia, Menezes Cordeiro[19] defende a admissão da denominada prova testemunhal secundária na simulação invocada entre os simuladores , destinada a complementar outro documento -princípio da prova escrita-adicionando a existência de acordo simulatório ou negócio simulado arguido pelos próprios.[20]

No mesma vertente e com actualidade, Luís Pires de Sousa, refere que « (…)sempre os simuladores poderão acautelar a infirmação do negócio, por meio de contradeclarações escritas, e para este efeito essa prova escrita não tem de satisfazer os requisitos do documento particular, podendo atender-se a outros escritos, nos termos do artigo 366º, do Código Civil ».[21]

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partes, evidenciando-se que o artigo 394.º, n.º 2, do Código Civil não impede a produção de prova testemunhal e, as presunções judiciais inferentes, quando apresentadas em complemento de outras provas, maxime documentos.[22]

Do que se retira com interesse para o caso, que se mostra justificada a prova testemunhal produzida e o funcionamento das presunções judiciais a propósito da simulação invocada.

2.2. Alegação e prova da simulação

Está em causa saber, se a matéria de facto alegada e provada permite acolher a existência do contrato promessa de compra e venda de imóvel através da vontade declarada no documento, ou, se a divergência da vontade real por simulação defendida pela Ré, determinará a sua nulidade.

Apreciando.

Não se ignora que a tese da simulação é de difícil prova directa, havendo na normalidade das situações de se consolidar em indícios, (prova indirecta) através de factos que a façam presumir - artigos 349º e 351º, do Código Civil. [23]

A simulação tem como requisitos cumulativos - a divergência entre a vontade real e a vontade declarada; o acordo entre as partes com o fim de criar uma falsa aparência do negócio; e o intuito de enganar ou iludir terceiros – artigo 240º e 241º do Código Civil.

Ora, na verdade, da factualidade fixada, forçoso é concluir que a Ré não logrou efectuar prova do invocado vício de simulação da vontade declarada pelas partes no contrato documentado.

De resto, tal como a Ré configurou a oposição à pretensão do Autor, dificilmente se comprovariam os pressupostos legais da simulação invocada, v.g. uma vez que omitiu a alegação de qual a entidade terceira que poderia ser enganado/prejudicada com o acto simulatório.

Com efeito, um dos elementos típicos confluentes na simulação é que o engano simulatório tenha como objectivo enganar um terceiro - artigo 240.º do Código Civil - tendo legitimidade para arguir a simulação os próprios simuladores entre si – artº 242º, nº1, do Código Civil.[24]

A Ré não alegou - quem pretendiam enganar com o contrato objecto de simulação; e se, com o contrato prometido pretendiam frustrar ou - desviar-se dos comandos legais ; em particular, não alegou( e provou) que com o «contrato simulado», ainda que de um arrendamento, sobreviria uma conduta ilícita conducente a ludibriar uma ordenação imperativa.[25]

Além do mais.

Em explicação da vontade real do negócio querido, adiantou circunstância que se prendia com um motivo sério – não ser a Ré ainda proprietária da fracção, mas apenas promitente compradora da fracção, rentabilizando-a até à outorga da escritura de compra e venda, estando o Autor nela interessado para a sua habitação; situação que poderia ser compaginável com a formalização do acordo através de outra figura jurídica que não o contrato de arrendamento, ou através do arrendamento consentido pelos promitentes vendedores da fracção.

Bem sabendo a Ré pela experiência da actividade lucrativa que prossegue, das implicações de um contrato de arrendamento, também não juntou quaisquer documentos /recibos ou outro princípio de prova documental, que permita indiciar o arrendamento da fracção e, o recebimento dos valores estipulados no contrato promessa, a título de rendas.

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No que se prende com a análise comparativa dos preços de venda do imóvel, de par com as respectivas características da descrição registral, constantes do contrato promessa celebrado entre a Ré e, os anteriores proprietários em 2012 – cerca de Euros 30.000,00 e do contrato celebrado com o Autor em agosto de 2014 – de 84.140, 00, não se retira elemento que inculque discrepância ou incongruência com o objecto do negócio e os valores do mercado.

No tocante ao valor do sinal inicial(Euros 860,00), conquanto se trate de quantia inferior à prática corrente (até 20% do preço de venda), a verdade é que a liberdade contratual não o impede, tendo de resto ficado estabelecido o reforço mensal do sinal até à celebração da escritura de compra e venda; por outro lado e não despiciendo, a Ré era então apenas promitente compradora da fracção, podendo antever-se dificuldade ou demora na transmissão definitiva, objectivamente influente na definição do montante do sinal a pagar pelo Autor.

Por último, é inverosímil que acaso existisse o dito arrendamento dissimulado, a Ré, ciente das responsabilidades em que incorria, tenha convocado o Autor para a celebração da escritura de compra e venda, com a antecedência de cerca de 10 dias, e atribuía agora a ocorrência a “um lapso”, facilmente denunciado através de carta, ou de outro elemento probatório que não apresentou.

De igual sorte, o documento contratual idêntico ao do contrato ajuizado e celebrado entre as partes em 2012, au contraire, reforça a demonstração da vontade persistente do Autor em adquirir a fracção, logo que se consumasse a venda à Ré pelos anteriores proprietários.

Admite-se no contexto factual apurado, poderem erguer-se cenários variegados para a invocada aparência contratual de promessa de compra e venda, como por exemplo, a Ré contar que tudo se passaria como se de um arrendamento se tratasse, e desse modo providenciaria por outros interesses espúrios e paralelos; e o Autor, por seu turno, poderia cumprir dois interesses, o imediato, de habitar a casa, sem excluir a hipótese futura de tornar-se futuro proprietário.

Todavia, tal não ultrapassa o campo das meras suposições ou conjecturas, pois que, como se explanou, a Ré não alegou ou provou factos bastantes à invocada simulação, (a existência de mero acordo simulatório não se basta) sendo exigido a alegação e prova do intuito de enganar o terceiro, seja para o prejudicar seja para o iludir,[26] não tendo a intenção de dar aos seus interesses a regulamentação jurídica que do acto se depreenda.

Realçando-se, com reporte ao expendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.02.2017: [27] «Embora se mostre a existência de um acordo simulatório, não pode ser declarada a nulidade do negócio celebrado por simulação se não se provar o intuito de enganar o terceiro, seja para o prejudicar seja para o iludir.»

3. As declarações contratuais; força probatória

Aqui chegados, afastada a divergência da vontade real das partes em relação à vontade declarada, consentânea à excepção de simulação, não se descortina outra solução que não seja, concluir que as declarações contratuais subscritas pelo Autor e Réu correspondem com verosimilhança à realidade dos respectivos factos materiais, em face da subsistência da força probatória do documento particular que titula o contrato.

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documento particular consideram-se verdadeiras quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado (…)», e o seu nº2 ( em harmonia com o artigo 358º, nº2 do CC) [28] estatui - «o documento particular, cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento, e, (….)os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante.»

Recordemos a esclarecedora lição de Vaz Serra: [29]

«Os factos compreendidos na declaração e contrários aos interesses do declarante valem a favor da outra parte, nos termos da confissão, sendo indivisível a declaração nesses termos. Portanto, nessa medida, o documento pode ser invocado como prova plena, pelo declaratário contra o declarante; (…)»

Do que há a retirar, que os factos documentados ter-se-ão por provados enquanto declaração confessória de eficácia probatória plena do documento particular nas relações inter-partes.[30]

Nos autos, não sendo questionada a autenticidade do documento e valendo este, do ponto de vista material, como confissão extrajudicial, por reporte a factos que possam ser tidos como declarações dos seus subscritores, fazem prova bastante da realidade que exteriorizam.

Destarte, não podemos convergir com a sentença recorrida, e embora por fundamentação distinta, assiste razão ao apelante quanto à eficácia jurídica das declarações contratuais constantes do documento ajuizado.

4. Interpretação e caracterização do contrato

Questão distinta reside agora em apreciar o conteúdo das declarações/convenções. Está em causa, portanto o enquadramento legal do contrato celebrado , independe do nomen juris atribuído pelos outorgantes,[31] e a respeito do qual o tribunal se move livremente.

O Tribunal a quo considerou que o acordo não reveste a natureza de contrato promessa de compra e venda, apontando quando muito para uma cessão da posição contratual, interpretação que s.d.r., não sufragamos.

Explicitando.

A qualificação do contrato passa pela interpretação das suas cláusulas, tendo em conta as regras contidas nos artigos 236º e segs. do Código Civil.

No empreendimento deve o intérprete - «procurar aquele dos possíveis significados da declaração que o seu destinatário podia julgar conforme às reais intenções do declarante; mas o sentido assim encontrado só poderá ser definitivamente atribuído à declaração litigiosa, na medida em que o próprio declarante também devesse orientar-se por ele.» [32]

Na definição ínsita do artigo 410º nº1, do Código Civil, o contrato-promessa corresponde à convenção pela qual os sujeitos se obrigam a celebrar certo contrato (obrigação de prestação de facto positivo), emitindo a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido.

Conforme entendimento unânime na doutrina e na jurisprudência, o contrato-promessa é um contrato de natureza preliminar, instrumental, preparatório e provisório de um outro contrato.[33]

Na circunstância de o negócio jurídico prometido se traduzir na celebração futura de compra e venda de bem, rege o disposto no artigo 410º, nº3, do Código Civil.

(20)

Olhando ao conteúdo convencionado e ao que resultou provado, compreende-se o preenchimento dos elementos definidores da figura tipificada como de contrato promessa de compra e venda - a Ré prometeu vender ao Autor a fracção identificada, vinculando-se a outorgar futuramente o respectivo contrato de compra e venda, pelo preço convencionado e a entrega imediata de sinal/princípio de pagamento. Esta é a economia base da convenção.

Por outro lado, dado que a Ré ainda não era proprietária do imóvel, coexiste à vontade na celebração de promessa de compra e venda de bem futuro- cláusula 1ª.

Por esta via se obtendo, de igual modo, a satisfação do interesse do promitente-comprador em adquirir o bem prometido vender e, o cumprimento da obrigação do promitente-vendedor do bem futuro.

As referidas cláusulas, a nosso ver, fazem sentido no âmbito de um verdadeiro contrato-promessa de compra e venda de coisa futura, que a Ré enquanto promitente vendedora, implicitamente se obrigou a adquirir.

De acordo com o disposto no artigo 880º, do Código Civil, na venda de bens futuros o vendedor fica obrigado a exercer as diligências necessárias para que o comprador adquira os bens vendidos.

Na circunstância de contrato-promessa de compra e venda de coisa futura, há-de o promitente-vendedor diligenciar para que seja possível celebrar o contrato prometido nas condições acordadas com o promitente-comprador.

Ora, precisamente neste domínio ficou convencionado entre as partes que o terceiro proprietário outorgasse a escritura de compra e venda directamente com o promitente-comprador e ora Autor-cláusula 2ª.

Ademais, no contrato promessa de compra e venda não ocorre transferência da propriedade da coisa, as partes apenas se vinculam a celebrar o identificado contrato definitivo de compra e venda; característica fundante da sua eficácia meramente obrigacional. Ou seja, a obrigação de emitir, no futuro, as declarações de vontade integrantes do contrato definitivo prometido, não interferindo, pois, com a titularidade do bem, objecto mediato do contrato prometido.

Em reforço do sobredito atente-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-01-2004, [34] que motivou a apreciação de situação com elementos análogos ao caso dos autos, nos seguintes termos: « Sendo na prática muito difícil distinguir se o que as partes estipularam foi a realização de um negócio relativo a coisa futura concreta (rei speratae) ou de um contrato com carácter aleatório (emptio spei), deve, na impossibilidade de provar qual das duas modalidades foi convencionada, aceitar-se que existe uma presunção favorável a afirmar a existência da primeira, por ser esta a solução que está mais de acordo com a forma ordinária dos negócios e a que mais se aproxima do carácter geralmente comutativo do contrato.»

Acolhendo igualmente a orientação de ausência de impedimento a que o promitente vendedor assuma a obrigação de vender bem do qual ainda não proprietário, lê-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 4 de Junho de 2013:[35]

«Nada obsta a que o promitente-vendedor se vincule a alienar uma coisa que não tem legitimidade ou capacidade para alienar, uma vez que sempre pode adquirir, entretanto, essa capacidade ou legitimidade, pode adquirir a propriedade ou o consentimento do proprietário desta, de modo a poder cumprir a

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