22º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 14 a 19 de Setembro 2003 - Joinville - Santa Catarina
II-051- ESTUDO DA POTENCIALIDADE DE PROCESSOS OXIDATIVOS
AVANÇADOS INTEGRADOS A PROCESSOS BIOLÓGICOS PARA TRATAMENTO DE CHORUME DE ATERRO SANITÁRIO
Josmaria Lopes de Morais (1)
Formada em Química (Bacharelado e Licenciatura) pela Universidade Federal do Paraná, Mestre em Ciências pelo Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná. Professora do CEFET-PR e doutoranda em Química na Universidade Federal do Paraná.
Carla Sirtori(1): Aluna do curso de Química da Universidade Federal do Paraná (Licenciatura e Bacharelado), desenvolve atividades de Iniciação Científica (Bolsista CNPq) desde 2001.
Airton Kunz(2): Formado em química pela Universidade Federal de Santa Maria. Mestrado e Doutorado no Instituto de Química da UNICAMP. Atualmente desenvolve atividades de pesquisa junto a Empresa Brasileira de Agropecuária (EMBRAPA, Concórdia-SC).
Patricio Peralta-Zamora(1): Formado em Química pela Universidad de Chile e com curso de Mestrado em Química e Doutorado em Ciências no IQ-UNICAMP. Professor do Departamento de Química da UFPR, onde desenvolve atividades de pesquisa na área de tratamento de resíduos industriais.
Endereço(1): Laboratório de Química Ambiental e de Materiais, Departamento de Química, Universidade Federal do Paraná, C.P. 19081, 81531-990, Curitiba-PR.
Tel: (41) 361-3176, Fax: (41)361-3186, e-mail: josmaria@cefetpr.br
O percolado de aterro sanitário (chorume), produto da degradação química e
microbiológica do lixo, é um líquido escuro, de odor desagradável, contendo alta carga orgânica e grande número de poluentes. Devido ao considerável potencial poluente, o chorume deve ser coletado e tratado adequadamente, a fim de se evitar a contaminação do solo e dos corpos d’água.
Nos aterros sanitários em funcionamento no Brasil, o sistema de tratamento mais comum, quando existente, costuma ser fundamentado em processos biológicos. No entanto, devido à composição complexa e significativamente variável do chorume, sua reduzida
biodegradabilidade e presença de compostos orgânicos recalcitrantes, a eficiência desse tipo de tratamento é reduzida.
O principal objetivo do presente trabalho consiste na avaliação do potencial de (POAs), representado pelos sistemas UV-H2O2 e foto-Fenton, para o aumento da
biodegradabilidade do chorume gerado em aterro sanitário.
PALAVRAS-CHAVE: Chorume de aterro sanitário, Biodegradabilidade, Processos Oxidativos Avançados, Processos Integrados.
INTRODUÇÃO
A disposição inadequada de resíduos sólidos representa uma das principais ações responsáveis pela contaminação do solo e da água. Quando a água de chuva percola as camadas de resíduos promove a lixiviação das diferentes substâncias formadas a partir da degradação química e microbiológica do lixo, gerando um líquido escuro, de odor
desagradável, contendo alta carga de poluentes. Esse líquido é denominado chorume e, se não for coletado e tratado adequadamente, contamina o solo, os corpos d’água, chegando a atingir lençóis freáticos [1, 2, 3].
A composição química do chorume é a mais variada possível, como pode ser observado na tabela 1, dependendo, dentre outros fatores, das condições ambientais (geologia,
temperatura, regime pluviométrico), e composição dos resíduos que chegam ao aterro, bem como a sua idade [4,5,6].
Tabela 1. Composição do chorume de aterros sanitários. (Adaptada de Christensen e colaboradores [6].
Parâmetro Faixa
.pH 4,5 – 9 Sólidos totais 2000 – 60 000 Matéria orgânica (mg/L)
Carbono orgânico total 30 – 29 000
Demanda biológica de oxigênio (DBO5) 20 – 57 000
Demanda química de oxigênio (DQO) 140 – 152 000 DBO5/DQO 0,02 – 0,80 Nitrogênio orgânico 14 – 2500 Macrocomponentes inorgânicos (mg/L) Fósforo total 0,1 – 23 Cloretos 150 - 4500 Sulfatos
8-7750 HCO3- 610-7320 Sódio 70-7700 Potássio 50-3700 Nitrogênio amoniacal 50-2200 Cálcio 10-7200 Magnésio 30-15 000 Ferro 3-5500 Manganês 0,03-1400 Sílica 4-70
Elementos traços inorgânicos (m g/L)
Arsênico 0,01-1 Cádmio
0,0001-0,4 Cromo 0,02-1,5 Cobalto 0,005-1,5 Cobre 0,005-10 Chumbo 0,001-5 Mercúrio 0,00005-0,16 Níquel 0,015-13 Zinco 0,03-1000
Devido à composição complexa e significativamente variável do chorume, sua reduzida biodegradabilidade e a presença de compostos orgânicos recalcitrantes, o chorume não é adequadamente remediado apenas por processos biológicos. Em decorrência desses fatores, torna-se absolutamente essencial a busca de novas alternativas para o tratamento desta matriz.
Recentemente um grande número de publicações descreve novos tipos de associações entre processos químicos e tratamentos biológicos [4,7-9]. Normalmente, processos de maior capacidade e velocidade de degradação podem ser utilizados como sistemas de pré-tratamento, de maneira a favorecer o tratamento biológico subsequente.
Uma vez que os Processos Oxidativos Avançados (POAs) têm sido empregados com excelentes resultados na remediação de águas residuárias, efluentes industriais e
pré-tratamento (em relação a sistemas biológicos), possibilitará incremento significativo na remediação do chorume.
A proposta deste trabalho é empregar processos oxidativos avançados (UV-H2O2 e foto-Fenton), como pré-tratamento do chorume, com o objetivo de aumentar sua
biodegradabilidade, ou seja, torná-lo mais adaptável ao um tratamento biológico
subseqüente. Este trabalho é parte integrante da pesquisa de doutorado (em andamento), que visa o estudo da potencialidade de diversos processos oxidativos avançados, isolados e integrados com processos biológicos tradicionais, para tratamento de chorume de aterro sanitário.
MATERIAIS E MÉTODOS
O chorume utilizado neste estudo é proveniente do Aterro Sanitário da Cachimba (Curitiba-PR). As coletas foram realizadas durante o ano de 2002, junto a celas da parte mais antiga do aterro sanitário. As amostras foram preservadas em temperaturas inferiores a 4ºC, para posterior utilização[10].
Tratamento fotoquímico
Chorume foi submetido a tratamentos fotoquímicos pelos sistemas UV-H2O2 e foto-Fenton, processos estes que foram otimizados via planejamento fatorial. Os tratamentos fotoquímicos foram realizados em Reator fotoquímico clássico de 120 mL de capacidade, equipado com refrigeração por água, agitação magnética e sistema de oxigenação. A
radiação ultravioleta é proporcionada por uma lâmpada a vapor de mercúrio de 125 W (sem o bulbo protetor), inserida na solução por meio de um bulbo de quartzo. O oxigênio
comercial é borbulhado na solução com vazão de aproximadamente 40 mL.min-1 (Figura 1). Em todos os casos, alíquotas serão tomadas em tempos convenientes, filtradas, quando necessário em membrana (Milipore, 0,45 m m) e submetidas à análise.
Figura 1. Reator fotoquímico clássico.
Tratamento biológico
Antes de ser empregado para o tratamento do chorume, o lodo ativado, coletado na ETE Belém (Curitiba-PR), foi aclimatado com amostras de chorume associado a um meio nutriente por um período de 3 dias (12 em 12 horas). Os parâmetros índice Volumétrico de Lodo (IVL), Oxigênio Dissolvido (OD) e pH, foram determinados e/ou controlados, para
garantir a manutenção da viabilidade do sistema de lodo ativado. Também foi realizado um acompanhamento microscópio do lodo.
Após a etapa de aclimatação, uma quantidade determinada de lodo foi colocada em cada reator aeróbio com aeração prolongada. Foram empregados 8 reatores similares (de
batelada e, em escala de bancada) com capacidade unitária para 300 ml de lodo. Os reatores receberam as denominações Controle (contendo lodo e meio nutriente), Bruto (contendo chorume sem pré-tratamento), UVP e FF (contendo chorume previamente tratado pelos processos UV-H2O2 e foto-Fenton). Os reatores biológicos foram preparados em duplicata e o processo foi repetido duas vezes, nas mesmas condições.
Em intervalos de 0, 24, 48 e 72 h foram coletadas amostras do efluente em tratamento e o valor da DQO foi determinada. Durante este período foi realizado um acompanhamento dos parâmetros: pH, IVL, OD e viabilidade microscópica do lodo[11].
Metodologias para caracterização e controle analítico
Demanda Química de Oxigênio (DQO), determinada de acordo com Standard Methods [10] (método de refluxo fechado).
Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO): determinada de acordo com Standard Methods[10].
Cloretos: determinado pelo método de Mohr (método titulométrico, com AgNO3), adaptada de Standard Methods[10].
Metais: determinados por Espectroscopia de Absorção Atômica, utilizando-se chama ar/acetileno.
Espectroscopia UV/Vis: Medidas de absorção na região do ultravioleta e do visível foram realizadas em um aparelho Scinco, modelo S-1100.
Peróxido de Hidrogênio Residual: Procedimento baseado na reação do íon metavanadato (VO3-) com o peróxido de hidrogênio, e formação do complexo peroxovanadato (VO3+), que possui uma absorbância máxima em 446 nm, medidos por espectroscopia de UV/Vis.
RESULTADOS E DISCUSSÃO. Caracterização do chorume
A caracterização do chorume obtido em cada coleta (Tabela 1), demonstrou características de um chorume na fase metanogênica, ou seja, pH básico, e uma razão DBO5/DQO inferior a 0,3 o que é considerado indicativo de reduzida biodegradabilidade.
Para os estudos descritos a continuação, utilizou-se uma mistura das 4 amostras coletadas no período. As características físico-químicas desta mistura de trabalho são apresentadas na Tabela 2.
Tabela 1: Caracterização das amostras de chorume em 4 coletas realizadas durante o ano de 2002. Data coleta .pH DQO (mgO2/L) DBO5 (mg O2/L) DBO5/DQO Nitrogênio orgânico (mg/L) Cloretos (mg/L) 16/04 8,3 5800 1320 0,23 - - 26/04 8,1 5450
960 0,18 - 2860 17/07 7,6 8600 1260 0,14 650 2630 08/10 8,3 5500 < 20 0,00 860 2450
Tabela 2: Caracterização do chorume de composição média.
Parâmetro Valor
pH 8,1 DQO (mgO2/L) 5842 DBO5(mg O2/L) 1294 DBO5/DQO 0,22 Nitrogênio orgânico(mg/L) 700 Macrocomponentes inorgânicos (mg/L) Cloretos 2630 Fe total 599,5 Tratamento fotoquímico
Durante a aplicação dos POAs em estudo, amostras foram coletadas e submetidas a caracterização espectroscópica (UV-VIS). Os resultados (Figura 2), indicam que ambos processos induzem significativas modificações nas características químicas do chorume, o que se traduz em eliminação praticamente completa da cor (absorção entre 400 e 700 nm) e significativa redução das espécies aromáticas, caracterizadas por absorção centrada em 300 nm.
O efeito de cada um destes tratamentos propostos na biodegradabilidade do chorume, foi avaliado em função da razão DBO5/DQO. Os resultados (Tabela 3), demonstram que os tratamentos de 30 minutos (chorume 1:1) permitem um substancial aumento da razão DBO5/DQO. O aumento deste parâmetro é considerado benéfico para a ação dos microorganismos presentes no sistema de lodo ativado [7].
(a)(b)
Figura 2. Cinética de degradação do chorume (Espectroscopia UV-VIS). a)Sistema UV-H2O2 b)Sistema Foto-Fenton.
Tabela 3: Valores determinados após tratamento de 30 minutos (chorume médio 1:1). Processos de tratamento DBO5 (mgO2/L) DQO (mgO2/L) DBO5/DQO UV-H2O2 1082 2460 0,37 foto-Fenton 840 2260 0,44
Tratamento biológico.
Durante o período de aclimatação do lodo ativado, os parâmetros físico-químicos e biológicos foram analisados para verificar a sua viabilidade. O parâmetro DQO foi
empregado para verificar a eficiência do sistema integrado, o que permitiu a obtenção dos resultados apresentados na Figura 3.
Estes resultados indicam que, quando aplicado ao chorume bruto, o sistema de lodo permite uma redução de DQO da ordem de 30%, em 72 h de tratamento. Utilizando-se qualquer um dos processos avançados propostos observa-se uma redução superior a 50% o que, junto com a remoção de DQO observada inicialmente, leva a uma remoção total da ordem de 90%.
Conclusões
Os sistema estudados UV-H2O2 e foto-Fenton induzem importantes modificações no chorume, fato que se traduziu em aumento da biodegradabilidade, representada pela relação DBO5/DQO, e que foi confirmado pelos melhores resultados de redução de DQO para o chorume previamente tratado por Processos Oxidativos Avançados.
A manutenção de melhores condições do lodo ativado durante os processos de tratamento biológico também é um indicativo da potencialidade do emprego dos POAs, como pré-tratamento para chorume de aterro sanitário.
Figura 3. Redução da DQO do chorume sem pré-tratamento e pré-tratado por POAs (quando submetido ao tratamento biológico).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CHRISTENSEN, J. B.; BAUN, A.; ALBRECHTSEN, J.; HERON, G. Biogeochemistry of landfill leachate plumes. Applied Geochemistry. Vol. 16, p. 659-718, 2001.
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[10] APHA Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater, 19th edition. American Public Health Association, Washington, DC. ,1995
[11] VAZOLLÉR, R. F. Microbiologia de lodos ativados. Séries Manuais CETESB, 23 p., 1989.