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Proteção jurisdicional dos direitos humanos na ordem brasileira pós1988: a adoção dos tratados de direitos humanos como parâmetros de controle da produção normativa doméstica

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE MESTRADO EM DIREITO

MARCUS VINÍCIUS PARENTE REBOUÇAS

A PROTEÇÃO JURISDICIONAL DOS DIREITOS HUMANOS NA ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA PÓS-1988: A ADOÇÃO DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS COMO PARÂMETROS DE CONTROLE DA PRODUÇÃO

NORMATIVA DOMÉSTICA.

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MARCUS VINÍCIUS PARENTE REBOUÇAS

A PROTEÇÃO JURISDICIONAL DOS DIREITOS HUMANOS NA ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA PÓS-1988: A ADOÇÃO DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS COMO PARÂMETROS DE CONTROLE DA PRODUÇÃO NORMATIVA DOMÉSTICA.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito, na área de concentração ―Ordem Jurídica Constitucional‖.

Orientador: Prof. Dr. Juvêncio Vasconcelos Viana.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE MESTRADO EM DIREITO

A PROTEÇÃO JURISDICIONAL DOS DIREITOS HUMANOS NA ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA PÓS-1988: A ADOÇÃO DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS COMO PARÂMETROS DE CONTROLE DA PRODUÇÃO

NORMATIVA DOMÉSTICA.

MARCUS VINÍCIUS PARENTE REBOUÇAS

Dissertação defendida em ____/____/____, às ___ h ___min., Com menção: _____________________.

COMISSÃO EXAMINADORA

____________________________________________________ Prof. Dr. Juvêncio Vasconcelos Viana (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

____________________________________________________ Prof. Dr. João Luís Nogueira Matias

Universidade Federal do Ceará (UFC)

____________________________________________________ Prof. Dr. André Studart Leitão (Convidado)

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“You may say I'm a dreamer But I'm not the only one I hope some day You'll join us And the world will be as one”

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela existência; pela consciência do meu ser e do mundo; e pela capacidade de refletir sobre a realidade em que vivo.

À minha esposa Analice, minha companheira, amiga e eterno amor, por todo suporte e atenção que me dedicou durante os longos meses de pesquisa; pela paciência e compreensão nos vários momentos furtados de sua convivência; por ter-se colocado à disposição sempre que precisei; por ter-se desdobrado nos cuidados com as nossas filhas; pelo acompanhamento e correção do trabalho; e por servir de inspiração para a minha vida.

Às minhas amadas filhas, Marina e Clarice, por me revelarem o que há de mais belo e sublime da vida a cada instante do dia; por convidarem a me tornar um ser humano melhor; por servirem de fonte de inspiração e motivação para continuar lutando por um mundo mais justo e fraterno; e pela compreensão com o ―trabalho do papai‖.

À minha mãe, Dulce, pela minha formação pessoal; pelo senso de humanidade que inspira meus pensamentos e atitudes; pela compreensão em relação aos momentos de ausência; e pelos livros, sobretudo de História e Filosofia, que me emprestou.

Aos meus irmãos Paulo e Gisele, pelas palavras de incentivo.

À D. Jandira, pela disponibilidade e dedicação às minhas filhas nos muitos momentos em que precisei.

Às minhas sobrinhas Hilanna Gomes Fossile e Isabele Gomes dos Santos, estudantes de Direito, pelos empréstimos de livros na Biblioteca da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), e ao Marcelo, pelas dicas de informática.

Ao Professor-Orientador Dr. Juvêncio Vasconcelos Viana, homem culto, generoso, cordial e de grande humildade, pelas lições de Direito; por ter assumido o encargo de operar como Orientador; pela atenção dispensada ao trabalho e à minha pessoa; pelas orientações sempre muito lúcidas e pertinentes; pelas palavras de otimismo; e pelo respeito, confiança e liberdade acadêmica.

Aos Profs. Drs. João Luís Nogueira Matias e André Studart Leitão, por me honrarem imensamente com a participação na Banca Examinadora; pelas palavras de incentivo e otimismo; por todo o esforço pessoal e tempo despendidos na análise do trabalho, que não é, de fato, dos menores; e pela paciência.

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Aos Professores do Mestrado, pelas aulas e lições de Direito.

Aos colegas da Faculdade, pela rica convivência e pelos conhecimentos compartilhados, em especial Leopoldo Fontenelle Teixeira, Pedro Miron de Vasconcelos Dias Neto e Álisson Melo, pelas demonstrações de amizade; pela atenção e disponibilidade; e pela ajuda e incentivo.

Aos funcionários e estagiários da Coordenação do Mestrado e da Biblioteca da UFC, em especial a Marilene Arrais, sempre disposta a ajudar a todos, com carinho, eficiência e atenção.

Aos Drs. Agapito Machado e Antônio Carlos Machado, pessoas de coração leve e grandioso, sinceros e tolerantes, com os quais tenho grande honra e felicidade de trabalhar, pela confiança, paciência e companheirismo; pelas palavras positivas e de incentivo; e pela compreensão das minhas restrições pessoais e ausências.

A todos os servidores da 21ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará, em especial Gilberto Leal de Araújo, Maria Evanda de Oliveira Pinto, Maria Risalva Farias Lobo, Guyllewma Damasceno de Araújo e Rita de Cássia Memória Barroso (Ritinha), por todas as razões expostas no item anterior; e pela eficiência, dedicação e paz de espírito que me proporcionaram, sem o que eu não teria, decerto, condições pessoais de conciliar as atividades acadêmicas e a magistratura.

Ao Desembargador Federal Dr. Francisco Barros Dias, Corregedor-Regional do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), e aos funcionários da Escola Superior da Magistratura Federal da 5ª Região (ESMAFE5) e do Núcleo de Assuntos da Magistratura (NAMAG), pela presteza, eficiência e compreensão na análise de meus requerimentos administrativos, proporcionando-me o tempo necessário para a conclusão desta pesquisa.

À Radio Tempo FM de Fortaleza (103.9), pelas trilhas musicais que me acompanharam ao longo das madrugadas.

Enfim, a todos que contribuíram, de algum modo, por ações e pensamentos, para a realização deste trabalho e para a concretização deste grande sonho.

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À Analice, Marina e Clarice,

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RESUMO

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, vem-se fomentando um vertiginoso ciclo de reestruturação progressiva do ethos mundial e de suas instituições fundamentais, na perspectiva da dignidade da pessoa humana. A dogmática hodierna afirma os direitos humanos como instrumentos postos, por excelência, a serviço da dignidade humana em suas múltiplas dimensões materiais e espirituais. Nesse contexto, vem tomando curso o fenômeno da internacionalização dos direitos humanos, marcado pela disseminação planetária da cultura moral desses direitos e pela institucionalização de diversos sistemas internacionais de proteção. Na dimensão jurídica, referido fenômeno dos tempos atuais vem sendo respaldado, sobretudo, por tratados internacionais. Em meio aos novos fluxos normativos, colocou-se em perspectiva uma forte tendência do constitucionalismo contemporâneo de prestigiar, no direito interno, normas convencionais preconizadas em tratados de proteção da pessoa humana. Elementos desse ideário humanista foram assimilados pela Constituição de 1988, o que impeliu o Estado brasileiro a participar ativamente do sistema internacional de proteção dos direitos humanos, com o aperfeiçoamento de vários tratados. No Brasil, instituiu-se também um sistema constitucional aberto de direitos que alcança tratados humanistas (art. 5º, § 2º). Imersa nesse universo problemático, esta pesquisa destina-se a analisar as premissas dogmáticas e histórico-filosóficas do discurso afirmativo da dignidade da pessoa humana e da prevalência dos direitos humanos; os desdobramentos práticos desse discurso no domínio jurídico, em especial na experiência constitucional brasileira pós-1988; os procedimentos de conclusão e incorporação desses tratados no direito interno; a hierarquia normativa dessas convenções humanistas; e as suas relações normológicas com as demais fontes normativas do direito nacional. Para tanto, efetuou-se um estudo principalmente bibliográfico e documental. Conclui-se que, atualmente, os tratados de direitos humanos gozam de uma posição normativa de preeminência jurídica no direito brasileiro pós-1988, em consonância com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da prevalência dos direitos humanos. Exercem, por conseguinte, uma superior função de legitimação material da produção normativa nacional, em prol da pessoa humana em seus valores fundamentais, razão pela qual devem contar com um regime reforçado de proteção jurídica.

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RÉSUMÉ

Depuis la fin de la Seconde Guerre Mondiale, vient de développer un cycle vertigineux de restructuration progressive de l´ethos mondiale et ses institutions fondamentales, en direction de la dignité de la personne humaine. La dogmatique d´aujourd´hui affirme les droits de l´homme comme instruments placés par excellence au service de la dignité humaine dans ses multiples dimensions materielles et spirituelles. Dans ce contexte, il y a le phénomène de l´internationalisation des droits de l´homme, caractérisé par la diffusion planétaire de la culture morale de ces droits et l´institutionnalisation des différents systèmes de protection internationale. Dans la dimension juridique, ce phénomène des temps modernes a été soutenue principalement par les traités internationaux. Au milieu de la nouvelle flux normatif mettre en perspective une forte tendance du constitutionnalisme contemporain de prestige dans le droit interne les normes conventionnelles préconisé dans les traités qui protègent la personne humaine. Éléments de cet idéal humaniste ont été assimilés par la Constitution de 1988, qui a poussé le État brésilien à participer activement au système international de protection des droits de l´homme, avec la conclusion de plusieurs traités. Au Brésil, institué aussi un système constitutionnel ouverts des droits fondamentaux qui contient des traités humanistes (art. 5, § 2º). Dans cet univers problématique, cette recherche vise à analyser les premisses dogmatiques et historique-philosophiques de ce discours de la dignité de la personne humaine et de la prévalence des droits de l´homme; les conséquences pratiques de ce discours dans le domaine juridique, en particulier dans l´expérience constitutionnelle brésilienne post-1988; les procédures de célébration et incorporation de ces traités dans le droit interne; la hiérarchie normative de ces conventions humanistes; et leurs relations juridiques avec d´autres sources normatives du droit national. Pour cela, nous avons effectué une étude principalement bibliographique et documentaire. Nous concluons que, actuellement, les traités relatifs aux droits de l´homme ont une position normative de prééminence juridique dans le droit brésilien post-1988, en ligne avec les principes constitutionnels de la dignité humaine et de la prévalence des droits de l´homme. Les traités exercent par conséquent une fonction supérieure de légitimation substantielle de la production normative nationale en faveur de la personne humaine dans ses valeurs fondamentales, donc ils doivent avoir un régime renforcé de protection juridique.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADC – Ação Declaratória de Constitucionalidade

ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADIn – Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADO – Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão ADPF – Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental AI – Ato Institucional

CCB/1916 – Código Civil de 1916 CF/1988 – Constituição Federal de 1988 CNV – Comissão Nacional da Verdade CPC – Código de Processo Civil CTN – Código Tributário Nacional DJ – Diário da Justiça

DJe – Diário da Justiça Eletrônico DL – Decreto-Lei

DOU – Diário Oficial da União

DUDH – Declaração Universal dos Direitos do Homem EC – Emenda Constitucional

HC –Habeas Corpus

MC – Medida Cautelar

NCCB/2002 – Novo Código Civil de 2002 OEA – Organização dos Estados Americanos OIT – Organização Internacional do Trabalho ONU – Organização das Nações Unidas PIB – Produto Interno Bruto

PIDCP – Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos

PIDESC – Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais RE – Recurso Extraordinário

REsp – Recurso Especial

RHC – Recurso em Habeas Corpus

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 15

PARTE I - Crenças Dogmáticas do Imaginário Humanista Contemporâneo: a Pessoa Humana, a sua Dignidade Imanente e os Direitos Humanos ... 28

1. A PESSOA HUMANA E A SUA DIGNIDADE IMANENTE ... 29

1.1. A pessoa humana ... 29

1.1.1. Um ponto de partida necessário ... 29

1.1.2. A formulação histórico-conceitual da moderna concepção de pessoa humana ... 47

1.2. A dignidade da pessoa humana ... 69

1.2.1. Considerações preliminares ... 69

1.2.2. Evolução histórica do conceito de dignidade da pessoa humana. ... 73

1.2.3. A Segunda Guerra Mundial e o fenômeno da institucionalização jurídica do princípio da dignidade da pessoa humana. ... 93

1.3. Notas conclusivas... 108

2. DIREITOS HUMANOS ... 116

2.1. Considerações preliminares ... 116

2.2. Concepções acerca dos direitos humanos e a dicotomia “direitos humanos vs. direitos fundamentais”... 118

2.3. A afirmação histórica dos direitos humanos no mundo ocidental ... 148

2.3.1. Importância da dimensão histórica e periodização. ... 148

2.3.2. A proto-história dos direitos humanos: a evolução doutrinária da concepção jusnaturalista e os documentos pré-revolucionários de direito positivo. ... 152

2.3.2.1. A proto-história dos direitos humanos na perspectiva da evolução doutrinária da concepção jusnaturalista. ... 152

2.3.2.2. A proto-história dos direitos humanos na perspectiva dos antecedentes documentais das declarações liberais de direitos do final do século XVIII. ... 170

2.3.3. A história propriamente dita dos direitos humanos. ... 178

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2.3.3.2. Antecedentes históricos do fenômeno da internacionalização dos direitos humanos: o Direito Humanitário, a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho (OIT). ... 194 2.3.3.3.A internacionalização dos direitos humanos ... 199 2.3.3.3.1. A Era Hitler, a Segunda Guerra Mundial e o fenômeno da internacionalização dos direitos humanos... 199 2.3.3.3.2. O Direito Internacional dos Direitos Humanos ... 204

2.4. Notas conclusivas ... 220

PARTE II - A Ordem Constitucional Brasileira e os Tratados de Direitos Humanos .. 233

1. DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL À CONSTITUIÇÃO CIDADÃ ... 234

1.1. Considerações preliminares ... 234

1.2. Um pouco de história político-constitucional brasileira: da Segunda Guerra Mundial à Constituição de 1988. ... 238

1.2.1 O fim da Segunda Guerra Mundial, a derrocada da ditadura estadonovista e a Constituição de 1946 ... 238 1.2.2A turbulenta experiência democrática de 1946 a 1964. ... 250 1.2.3. A institucionalização da ditadura militar e a Constituição de 1967/1969 . 260 1.2.4 A abertura política, as ―Diretas já‖, o movimento popular pró-Constituinte e processo democrático de reconstitucionalização. ... 276

1.3. A violência institucionalizada do Estado da Segurança Nacional e a emergência dos movimentos de luta pelslos direitos humanos no Brasil………...287

1.4. A institucionalização da abertura internacionalista do sistema constitucional de proteção dos direitos e garantias fundamentais: a gênese do § 2º do art. 5º da CF/1988. ... 296 1.5. O vetor humanista da Constituição de 1988... 299 1.6. Notas conclusivas... 312 2. CONDIÇÕES GERAIS DE APLICABILIDADE DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS NA ORDEM CONSTITUCIONAL PÓS-1988: CONCLUSÃO E INCORPORAÇÃO AO DIREITO INTERNO. ... 321

2.1. Considerações preliminares ... 321 2.2. Relações normológicas entre o direito internacional e o direito interno: o

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2.3. O procedimento de conclusão de tratados internacionais de direitos humanos pelo Estado brasileiro ... 344 2.4. A recepção dos tratados de proteção de direitos humanos pela ordem jurídica brasileira ... 364 2.5. Notas conclusivas... 375 3. A HIERARQUIA NORMATIVA DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS NO DIREITO BRASILEIRO PÓS-1988 E A PROBLEMÁTICA NORMOLÓGICA DA PARAMETRICIDADE CONVENCIONAL ... 380

3.1. Considerações preliminares ... 380 3.2. A hierarquia normativa dos tratados de direitos humanos no direito brasileiro pós-1988 ... 381

3.2.1. A construção jurisprudencial do paradigma normológico da paridade hierárquica infraconstitucional e os seus efeitos normativos ... 381 3.2.2. A institucionalização da prisão civil do devedor fiduciante no direito brasileiro ... 390 3.2.3. A continuidade da orientação pretoriana do STF acerca da prisão civil do devedor fiduciante sob a égide da Constituição de 1988 e a lenta e gradativa consolidação de uma nova racionalidade institucional da Suprema Corte acerca dos tratados de direitos humanos. ... 397 3.2.4. A cláusula de abertura do § 2º do art. 5º da Constituição de 1988 e as correntes doutrinárias acerca do problema da hierarquia normativa dos tratados de proteção de direitos humanos ... 419 3.2.5. A radical mutação constitucional quanto à hierarquia normativa dos tratados humanistas na jurisprudência do STF ... 434

3.3. Os tratados de direitos humanos como parâmetros de controle da produção normativa doméstica ... 445

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3.3.4. Possíveis sentidos para os §§ 2º e 3º do art. 5º da CF/1988 diante da qualificação das convenções humanistas sobrelegais como normas constitucionais

interpostas e da sua inserção no bloco de constitucionalidade. ... 477

3.3.5. O controle de convencionalidade: o princípio pro homine e o diálogo de fontes. ... 480

3.4. Notas conclusivas... 490

CONCLUSÃO ... 505

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INTRODUÇÃO

Introduzido sob o espírito cultural da Belle Époque, o século XX foi marcado pelo vertiginoso progresso material e por extraordinários benefícios experimentados pela humanidade com suporte nas revolucionárias conquistas operadas pelo homem nos campos da ciência e da tecnologia (controle de patologias e aumento da expectativa da vida humana; domínio de artefatos nucleares; viagem ao espaço sideral; decifração do genoma; informatização de sistemas de dados; modernização dos meios de transporte e de comunicação; aumento da produtividade e combate de pragas agrícolas etc). Sem embargo, no itinerário histórico do século passado, viveu-se uma genuína ―era de extremos‖ em matéria de violação de direitos humanos, ao ponto de imergir a sociedade global numa grave e inquietante crise moral em torno dos supostos éticos da civilização humana nos tempos hodiernos e das perspectivas do amanhã para a humanidade.

De fato, a par do imenso flagelo da fome e da miséria, catástrofes humanas colossais mancharam, com sangue e sofrimento, destruição e morte, o tecido histórico de todos os quadrantes do século passado, ceifando, com requintes de extrema crueldade, a vida e a felicidade de populações inteiras e gerações. Durante o referido século, ódio e violência física e moral, num gradiente ímpar de nossa complexa condição humana, contagiaram diversos povos, fomentando caldos de cultura insana, ricos em soluções finais genocidas e de práticas de extermínio ou limpeza étnica. Estas se traduziram, em várias nações, no uso indiscriminado da força bruta, institucionalizada ou não, no cometimento de atrocidades bárbaras, sem paralelo, por seres humanos contra seus pares.

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facto, como indesejáveis e supérfluas. Mormente quando categorizadas como ―inimigos do Estado‖ no contexto de teorias da conspiração, tornam-se passíveis serem mecânica e burocraticamente sacrificadas, liquidadas, expurgadas ou eliminadas do conjunto da nação (―superfluidade do homem‖; ―descartabilidade da pessoa humana‖).

Dentro desse contexto crítico, a Segunda Guerra Mundial destacou-se pelo sombrio epílogo marcado pela descomunal cifra de mais de 50.000.000 (cinquenta milhões) de mortes, na maioria civis, e pelas incomensuráveis perdas materiais num espaço de tempo de cerca de seis anos de hedionda beligerância (1939-1945). Em razão disso, constitui, sem sofismas, o evento cataclísmico mais marcante, trágico e desumano não só das páginas mais sangrentas do século XX e da história recente do homem, mas, decerto, de toda a cronologia sinuosa da existência humana. Por suas proporções ímpares e episódios abomináveis, que evidenciaram como e até que ponto podemos, racionalmente, nos extraviar por caminhos tão nefastos em nossa peregrinação vacilante pelas vicissitudes factuais da história, a Segunda Guerra escandalizou e ultrajou profundamente a consciência humana global. Lançou, ademais, projeções terrificantes sobre o nosso imaginário a respeito dos destinos irresolutos da humanidade.

O ocaso do Grande Conflito não selou, contudo, a caixa de Pandora: a humanidade não foi purgada dos vícios existenciais mais deformadores de nossa contraditória e complexa condição humana, de forma que não se tem garantia alguma de paz perpétua e de estabilidade futura das relações internacionais.

Associado ao que já havia decorrido da Primeira Conflagração Mundial, o flagelo da Grande Guerra figurou, nada obstante, como premissa crítica inequívoca no sentido da constatação da insuficiência dos paradigmas institucionais de coexistência humana então vigorantes na civilização moderna. Desvelou-se a necessidade inarredável de reversão emergencial dos alicerces e horizontes éticos e políticos da ordem internacional e da ordem doméstica dos Estados. Mostrou-se imprescindível, nesse cenário, o empreendimento de esforços conjuntos ou mesmo isolados pelas nações, em escala intraestatal, regional ou global, no intuito de se assegurar padrões de convivência mais humanizados entre os homens e entre os entes da sociedade internacional.

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esteira do postulado kantiano da ―autofinalidade‖ (Selbstzweck), que os homens devem, necessária e mutuamente, ser considerados, sempre, como valor-fim de seus comportamentos, como fins em si mesmos (Zweck an sich), e não como simples meios (als Mittel) para a consecução utilitária ou hedonista de interesses próprios ou alheios. Repudia-se, desse modo, toda espécie de ultraje, aviltamento ou amesquinhamento da condição humana. Trata-se, no fundo, da assimilação de uma nobre disposição de espírito baseada no reconhecimento dogmático de que todo ser humano, indistintamente, é dotado da qualidade inerente de carregar em si valores superiores, irrenunciáveis, inalienáveis e indevassáveis, pelo só fato de possuir existencialidade humana. Essa compreensão reclama, por sua vez, por imperativo categórico, uma atitude ética de profunda consideração e respeito para consigo mesmo e para com o próximo.

O despertar crítico de consciência nesse tocante por muitos entes integrantes da sociedade internacional, com a tomada de posição implícita ou explícita pelo reconhecimento do valor imanente dos seres humanos frente às organizações políticas, fato histórico recente, tem, desde então, impactado radicalmente a cultura material e espiritual dos novos tempos. Vem-se fomentando, nesse contexto, um vertiginoso ciclo de reestruturação progressiva do

ethos mundial e de suas instituições fundamentais, na perspectiva da dignidade da pessoa humana. Não se atribui, de fato, ao acaso, a uma casual coincidência cronológica ou a uma eventualidade puramente conjuntural que, na cena internacional, tenha-se operado, desde os momentos imediatamente subsequentes ao pós-Segunda Guerra, uma intensa mobilização cooperativa de muitos países em torno da institucionalização de instâncias, mecanismos e tratados internacionais de proteção da pessoa humana. A edição da Carta de São Francisco e a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), já em 1945, com a superveniente proclamação, apenas três anos depois, da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948, servem de ilustrações por excelência a esse respeito.

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diversificado que permeia a pluralidade das expressões culturais do mundo pós-moderno. A força ideológica do conceito de dignidade tem servido como uma espécie de ―ponte dogmática‖ (dogmatische Brücke), unindo pessoas de diversas tradições culturais e dos mais remotos e matizados confins da sociedade humana em torno da compreensão comum de que partilhamos, todos, uma mesma humanidade, representada em cada homem.

A proteção efetiva da dignidade do homem desdobra-se, ao seu turno, numa série de exigências ético-políticas de respeito, proteção e promoção da pessoa humana, por si mesma e pelos outros, a partir da satisfação de suas necessidades existenciais essenciais (vida, liberdade, saúde, alimentação, educação etc). Para tanto, na dogmática hodierna, afirmam-se os direitos humanos como instrumentos postos, par excellance, a serviço da dignidade humana em suas múltiplas dimensões materiais e espirituais. Hoje, para além da previsão genérica do ―direito de ter direitos‖ (―right to have rights‖), decorrente da afirmação elementar do homem como pessoa, a ideia de dignidade da pessoa humana vai além: abrange um genuíno ―direito de ter direitos humanos‖ (―right to have human rights‖), concebidos estes como direitos básicos inerentes à pessoa humana pelo só fato de sua humanidade.

Nessa ordem de coisas, para além da globalização econômica, com ela coexiste dialeticamente outro movimento pulsante de globalização de valores e de direitos que se tem irradiado pelo mundo contemporâneo mesmo em face da diversidade cultural que permeia as complexas e contingentes sociedades humanas na atualidade: a globalização do ideário em torno da dignidade da pessoa humana e dos direitos humanos. Referido fenômeno, que vem sendo designado de ―internacionalização dos direitos humanos‖, marca-se pela disseminação planetária da cultura moral desses direitos e pela institucionalização de diversos sistemas internacionais de proteção da pessoa humana, de jurisdição global ou regional (e até supranacional, como é o particular caso do que opera na União Europeia).

A internacionalização simboliza, no fundo, a assimilação da dignidade da pessoa humana e dos direitos humanos na pauta dos ―temas globais‖ (global issues), como assunto de

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internacionais, fundado na sacralização reverencial e irrestrita do dogma da soberania estatal. Em meio ao complexo emaranhado das relações internacionais, as transformações radicais do mundo globalizado assinalaram, de fato, a redefinição do paradigma dogmático da ideia política de soberania, atualmente mais afim com as noções de abertura, de interdependência e de cooperação entre Estados em prol da satisfação de propósitos humanos comuns.

Na dimensão jurídico-normativa, referido fenômeno dos tempos atuais vem sendo respaldado, sob os auspícios do pacta sunt servanda, por tratados internacionais aperfeiçoados entre Estados que prescrevem convencionalmente hipóteses cogentes de responsabilização, vale dizer, que trazem o Estado transgressor à prestação de contas e à responsabilidade perante instâncias internacionais em caso de violação de direitos humanos (accountability). A identidade finalística com o que pretendia o constitucionalismo do final do século XVIII, limitar o poder do Estado e proteger direitos humanos, é realmente inequívoca.

Como fonte normativa por excelência do direito internacional público, os tratados vêm exercendo realmente uma função instrumental fundamental na nova ordem planetária, ao viabilizarem a conclusão de laços cooperativos entre as nações, bem como a instituição de sistemas de tutela internacional, no âmbito dos quais os Estados signatários submetem-se soberanamente, no exercício do treaty-making power, à regência de normas convencionais e ao monitoramento e controle por parte de instâncias internacionais sindicantes, vinculando-se juridicamente em prol da proteção de direitos humanos. Com o emprego dos tratados internacionais, evoluiu-se, no plano internacional, de um sistema de absoluta irresponsabilidade estatal em matéria de direitos humanos (―the king can do no wrong‖; ―le roi ne peut mal faire‖) para um regime de responsabilidade internacional convencional dos Estados.

O constitucionalismo (e a constitucionalização) dos direitos humanos (direitos fundamentais) representa insofismavelmente um dos grandes legados humanistas da cultura jurídica da modernidade, tradição maturada, com inspiração jusnaturalista, a partir da sistemática apropriação das declarações de direitos do homem pelos movimentos constituintes e pelas Constituições advindas nos séculos XVIII e XIX. Nada obstante, a consciência jurídica contemporânea não mais deposita suas matrizes ético-axiológicas fundamentais apenas no direito constitucional positivo dos Estados, visto que também confere especial relevo, nesse tocante, ao jus gentium, notadamente no que tange ao cognominado ―Direito

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que, pelo menos na experiência jurídica ocidental, os direitos humanos sempre foram qualificados como matéria constitucional.

Nessa esteira, por sua ―força expansiva‖, os direitos primordiais da pessoa humana contam atualmente com um regime de ―dupla proteção‖, já que não mais tributam ao texto constitucional o mister de figurar como sua única base formal de sustentação jurídica: os tratados internacionais de direitos humanos passaram, juntamente com a Constituição, a protagonizar o papel instrumental de fonte de afirmação positiva desses direitos, a despeito de sua natureza convencional.

Em meio à pujança dos novos fluxos e interconexões normativas, colocou-se em perspectiva, ademais, uma forte tendência do constitucionalismo contemporâneo, de arraigada inspiração humanista, de prestigiar, no plano jurídico interno, normas convencionais preconizadas em tratados de proteção da pessoa humana, o que vem recodificando profundamente a realidade normativa dos países. Na atualidade, uma das marcas características do Estado de Direito é, aliás, a ―pluralidade de fontes‖ (pluralité de sources) destinadas à proteção dos direitos humanos, com positivação não só constitucional, mas também internacional. Esse fenômeno tem ampliado os domínios em que a Constituição e os tratados podem confluir, ou mesmo entrar em conflito. A propósito, a convergência em torno do mesmo e comum escopo de proteção da pessoa humana tem endossado um processo maior de aproximação interdominial e interdisciplinar entre o Direito Internacional e o Direito Constitucional rumo ao que já está sendo doutrinariamente designado de um ―Direito Constitucional Internacional‖ (não exclusivamente – embora principalmente – no campo dos direitos humanos e fundamentais).

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emergiram novos arquétipos institucionais de Estado, a exemplo do Estado Constitucional e Democrático de Direito, politicamente comprometidos e juridicamente vinculados aos deveres de respeito, proteção e promoção da dignidade da pessoa humana, dos direitos fundamentais e, na esfera jurídica internacional, dos direitos humanos.

No caso do Brasil, o Estado ditatorial que vigorou durante o período de 1964 a 1985 (Estado da Segurança Nacional) marcou-se por um bárbaro regime de opressão institucionalizada, em que, com assunção de uma concepção bélica da política inspirada na

national security doctrine, o aparato coercitivo da máquina pública foi manipulado para mecanicamente aniquilar ou exterminar os opositores da ―ordem revolucionária‖, aleatoriamente tachados, de forma maniqueísta, de ―subversivos‖, ―comunistas‖ e ―inimigos da Nação‖. Implantou-se no País um sistema de violência e medo, um genuíno terrorismo de Estado, com introdução de rotinas típicas das inquisições medievais, num pragmatismo institucional baseado, de forma metodológica, em prisões arbitrárias, sem qualquer formação de culpa; no uso indiscriminado da tortura moral, física e psicológica como técnica de investigação; no desaparecimento e assassinato de pessoas; em execuções sumárias; na pena de morte; na dizimação e ocultação de focos e vestígios de resistência; no exílio de dissidentes políticos; na suspensão de garantias fundamentais (habeas corpus) etc.

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Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II) e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (art. 4º, IX), dentre várias outras referências, o vetor humanista entronizado na Constituição impeliu o Estado brasileiro a filiar-se ativamente ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos, nos âmbitos global e regional. Num significativo revés histórico da postura institucional do Brasil na condução de sua política externa em matéria de direitos humanos, vários tratados internacionais humanistas foram aperfeiçoados pelo Estado brasileiro e incorporados ao direito interno.

De modo também pioneiro na experiência constitucional brasileira, a Constituição de 1988 instituiu, no domínio jurídico doméstico, um sistema aberto de proteção de direitos e garantias fundamentais que alcança, inclusive, as franquias e liberdades decorrentes de ―tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte‖, nos termos do polêmico § 2º do seu art. 5º. Foi, de fato, a mais dilatada abertura constitucional a esse respeito ao longo de toda a nossa trajetória histórica.

Vale esclarecer, por oportuno, que, a despeito de figurarem como fontes normativas internacionais por excelência, os tratados em geral, incluindo os que versam sobre direitos humanos, não só são passíveis de terem aplicabilidade na ordem jurídica internacional. De fato, os instrumentos convencionais, depois de regularmente celebrados, podem perfeitamente ser incorporados ao ordenamento nacional dos Estados, passando então a inovar o direito interno e surtir efeitos na ordem jurídica doméstica. Não raro, demandam, para tanto, procedimentos litúrgicos específicos, delineados no próprio direito estatal, comumente no respectivo texto magno. Nessa perspectiva, ao serem absorvidos pelo direito nacional dos Estados, os tratados redimensionam-se enquanto fontes normativas, passando, portanto, a induzir efeitos jurídicos tanto no plano internacional quanto no domínio interno.

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desdobramentos não só teóricos, mas também práticos na vida pós-moderna individual ou coletiva.

Notadamente, com a ―internalização‖ ou ―nacionalização‖, os tratados hão de ser alocados, necessariamente, num determinado espaço do cosmo normativo, acomodando-se na topografia escalonada do ordenamento jurídico nacional. Isso definirá a sua particular posição hierárquica em relação aos demais atos normativos do direito brasileiro.

Por outro lado, aos serem entronizadas na esfera jurídica interna, as convenções passam também a coexistir com as demais fontes normativas domésticas, vale dizer, com a Constituição e a legislação infraconstitucional, o que pode eventualmente gerar ―conflitos internormativos‖, induzindo situações de perplexidade. O tratamento e a resolução desses choques colisionais perpassa impreterivelmente pela análise não só do seu pertinente enquadramento hierárquico, mas da função normativa que lhes é reservada no conjunto do ordenamento jurídico. Os problemas normológicos acerca dessas questões são, por sinal, especialmente aflitivos para os operadores do direito interno, já que, no plano jurídico externo, apenas as normas internacionais são, em rigor, decodificadas juridicamente e aplicadas, com destaque para as veiculadas em tratados. Impende, pois, que soluções razoáveis de superação construtiva, além de renovados princípios e métodos de tratamento de antinomias e de concretização jurídica baseados em sólidas referências dogmáticas possam ser criteriosamente formulados, em prol da otimização possível, de lege ferenda, da proteção nacional e internacional da pessoa humana.

Apesar da natureza essencialmente constitucional e da relevância para a resolução de problemas práticos no que concerne aos conflitos antinômicos, a matéria relativa à posição hierárquica na qual os tratados, depois de recepcionados, são alocados no ordenamento interno, inusitadamente, nunca contou com uma disciplina jurídica específica nas Constituições pátrias. Ressalva-se a esse respeito o que a Constituição de 1988 dispõe sobre a hierarquia normativa dos tratados de direitos humanos, na forma do § 3º e, para alguns, do § 2º, ambos do seu art. 5º.

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colisão entre um preceito convencional internalizado e uma prescrição normativa de origem nacional. Vale nota que os desacordos não se referem apenas à posição hierárquica dos tratados comuns ou tradicionais, visto que também alcançam os tratados de direitos humanos.

Imersa nesse universo problemático, esta pesquisa destina-se justamente à análise das seguintes questões centrais:

1. Quais as premissas dogmáticas e histórico-filosóficas que informam esse discurso afirmativo da dignidade da pessoa humana e da prevalência dos direitos humanos no imaginário jurídico hodierno? 2. Quais os desdobramentos práticos desse discurso no plano jurídico-positivo, no âmbito da experiência constitucional dos Estados e das relações internacionais?

3. Como se processou historicamente, pelo menos nas últimas décadas, a assimilação desse ideário humanista pela cultura jurídica brasileira e como restou decodificado internamente nas expressões constitucionais do texto magno em vigor?

4. Quais são as condições de aplicabilidade dos tratados de direitos humanos na ordem constitucional brasileira atual?

5. Como os tratados de direitos humanos vêm sendo alocados hierarquicamente no cosmo normativo do direito brasileiro?

6. Qual a função normológica reservada aos tratados de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro, quais os instrumentos de fiscalização normativa que lhe servem de garantia e como podem ser resolvidas as colisões antinômicas que lhe sejam afetas?

Na abordagem dos referidos problemas, este trabalho foi dividido em duas partes. Na primeira etapa do estudo, promover-se-á, sob o título ―CRENÇAS DOGMÁTICAS DO IMAGINÁRIO HUMANISTA CONTEMPORÂNEO: PESSOA HUMANA, SUA DIGNIDADE IMANENTE E OS DIREITOS HUMANOS‖, detida análise acerca das referidas concepções que, informando dogmaticamente o imaginário jurídico hodierno, inspiram o discurso assertivo da dignidade da pessoa humana e da prevalência dos direitos humanos e conformam inúmeras expressões concretas do direito interno e do direito internacional na atualidade.

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ontológico desses conceitos e dos desdobramentos mais destacados na experiência jurídica ocidental. Serão examinados, nesse tocante, os fenômenos jurídicos da constitucionalização e da internacionalização dos direitos humanos, fazendo-se, ademais, alusão às interconexões normativas associadas à abertura dos sistemas jurídicos dos Estados aos tratados de direitos humanos.

Por razões didáticas, esses temas serão abordados em dois capítulos. O primeiro será relacionado à pessoa humana e à sua dignidade imanente, enquanto o segundo versará especificamente sobre os direitos humanos.

Fixadas algumas premissas dogmáticas e histórico-filosóficas, bem como examinadas determinadas manifestações fenomênicas da realidade jurídica do tempo presente, passar-se-á então à segunda parte do estudo, sob o título ―A ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA E OS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS‖.

Nessa fase, a pesquisa será canalizada, em três capítulos, para a análise de como esse ideário humanista, fundado nas ideias ou ideais de dignidade da pessoa humana e direitos humanos, vem sendo assimilado e decodificado em expressões jurídicas concretas e fenômenos normológicos na experiência constitucional brasileira pós-1988.

O primeiro capítulo dessa parte tem como foco o processo histórico, iniciado com a Segunda Guerra Mundial, do qual defluiu a ordem constitucional de 1988. Nele, serão analisadas as circunstâncias existenciais nas quais se operou a absorção desse ideário humanista pela cultura jurídica brasileira e quais as principais expressões jurídicas lapidadas na Constituição de 1988 a esse respeito. Far-se-á também, na ocasião, uma breve digressão acerca da radical mudança, verificada nesse contexto, da postura institucional do Estado brasileiro na condução da política externa em matéria de direitos humanos. Discorremos ainda sobre a institucionalização da abertura do sistema constitucional de proteção dos direitos e garantias fundamentais aos tratados de direitos humanos, examinando a gênese do polêmico § 2º do art. 5º da CF/1988.

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No último capítulo, será, num momento inicial, analisada a polêmica problemática referente à posição hierárquica que, depois de recepcionados, os tratados de direitos humanos passam a ocupar no plano das fontes normativas do direito doméstico. Identificadas certas coordenadas a esse respeito, serão feitas algumas especulações sobre os parâmetros de relacionamento internormativo desses tratados com as demais fontes normativas do direito nacional, sejam elas constitucionais ou infraconstitucionais. Passar-se-á então ao exame da função normológica que lhes é reservada no ordenamento jurídico brasileiro, dos instrumentos de fiscalização normativa que lhe servem (ou podem servir) de garantia e de como são passíveis de serem resolvidas as colisões antinômicas que lhe sejam afins.

Do ponto de vista metodológico, além de abordagens propedêuticas de cunho exploratório, visando à aproximação inaugural com os aspectos específicos de cada tema abordado, examinados dentro de seus respectivos contextos dogmáticos e histórico-existenciais, promover-se-á a explanação de certos arranjos teóricos e a descrição de algumas expressões fenomênicas relacionadas à problemática sob exame. Algumas aferições empíricas atinentes a certos casos concretos também serão analisadas, sobretudo à luz da jurisprudência do STF. No mais, a pesquisa não se presta apenas a descrever dogmaticamente aferições, mas também, numa perspectiva zetética, oferecer, com o devido rigor objetivo e de forma ponderada e construtiva, reflexões e ressalvas críticas a certas formas de compreensão da matéria aportadas pela doutrina. A investigação colima, ademais, apresentar algumas alternativas interpretativas ou argumentativas que porventura possam contribuir para suscitar debates conducentes à ampliação das perspectivas de racionalização e solução dos problemas estudados.

Recorremos, para tanto, à pesquisa bibliográfica, colhendo informações relacionadas à temática abordada a partir da leitura e análise da literatura nacional e estrangeira, consolidada em livros, teses, dissertações, monografias, revistas, anais de eventos, informativos do STF, publicações avulsas, periódicos impressos em geral ou disponíveis on line etc. No que tange ao exame documental, fizemos aferições no direito nacional e no direito comparado, recorrendo a textos de Constituições brasileiras e estrangeiras, tratados internacionais e diversos outros instrumentos normativos, à jurisprudência disponibilizada em bancos oficiais de dados na Internet e em repositórios autorizados etc.

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pré-compreensão e de conscientização a esse respeito, concorrendo, ademais, para reforçar a cultura dos direitos humanos e o seu processo de afirmação histórica no Brasil, proporcionando, de algum modo, melhor efetivação desses direitos na vida real e concreta das pessoas.

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PARTE I CRENÇAS DOGMÁTICAS DO IMAGINÁRIO HUMANISTA CONTEMPORÂNEO: A PESSOA HUMANA, A SUA DIGNIDADE IMANENTE E OS DIREITOS HUMANOS

“Albert Einstein foi o primeiro a identificar a relatividade de todas as coisas: do movimento, da distância, da massa, do espaço, do tempo. Mas ele tinha em mente um valor geral e absoluto, em relação ao qual valorava a relatividade: a constância, no vácuo, da velocidade da luz. Seria o caso, creio eu, de usar esta analogia, a da relatividade das coisas e a do valor absoluto da velocidade da luz, para expressar que também no Direito, hoje, tudo se tornou relativo, ponderável, em relação, porém, ao único princípio capaz de dar harmonia, equilíbrio e proporção ao ordenamento jurídico de nosso tempo: a dignidade da pessoa humana, onde quer que ela, ponderados os interesses contrapostos, se encontre.”1

(MORAES, Maria Celiana Bodin de. O conceito de dignidade da pessoa humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 144).

1 Reconhecemos a beleza estética desse excerto, que se coaduna com a compreensão desenvolvida neste trabalho

de que, no contexto hodierno, a dignidade da pessoa humana consubstancia valor de superlativa envergadura axiológica no imaginário ético-político ocidental. Não adotamos, contudo, eventual tese de que o princípio

jurídico da dignidade da pessoa humana figura como ―princípio absoluto‖. Na esteira das preleções de Robert

Alexy, entendemos que a precedência prima facie desse princípio não afasta, de forma absoluta, a exigência de sopesamento ponderativo-axiológico e de justificação argumentativa no julgamento de casos concretos, à luz das circunstâncias tópicas que o envolvem. (cf. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 90, 93-94, 111 e 113-114; ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, pp. 78-79; SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, pp. 43-64; e TAVARES, André Ramos. Princípio da consubstancialidade parcial dos direitos fundamentais na dignidade do homem. Juris Plenum Ouro, Caxias do Sul: Plenum, n. 27, set./out. 2012. 1 DVD. ISSN 1983-0297). Diante desse esquadro doutrinário, talvez se possa assinalar que a relatividade inerente aos fenômenos humanos de ordem jurídica opera sob uma dinâmica cuja complexidade evidencia nuances que não se confundem propriamente com a que se aplica aos fenômenos físicos do universo. O referente

dogmaticamente reconhecido como ―capaz de dar harmonia, equilíbrio e proporção ao ordenamento jurídico de

nosso tempo‖ radica, de fato, segundo entendemos, no princípio da dignidade da pessoa humana, que confere

―unidade axiológica à Constituição‖ (MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade

axiológica da constituição. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, pp. 177-179). Não se trata, contudo, de um

referencial ―inercial‖ ou ―absoluto‖, na medida em que também é passível de ser relativizado, ―ponderados os

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1. A PESSOA HUMANA E A SUA DIGNIDADE IMANENTE

SUMÁRIO: 1.1. A pessoa humana: 1.1.1. Um ponto de partida necessário. 1.1.2. A formulação histórico-conceitual da moderna concepção de pessoa humana. 1.2. A dignidade da pessoa humana: 1.2.1. Considerações preliminares. 1.2.2. Evolução histórica do conceito de dignidade da pessoa humana. 1.2.3. A Segunda Guerra Mundial e o fenômeno da institucionalização jurídica do princípio da dignidade da pessoa humana. 1.3. Notas conclusivas

1.1. A pessoa humana

1.1.1. Um ponto de partida necessário

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), vivencia-se, numa dimensão ímpar na história humana, um complexo processo de transformação e intensificação das relações internacionais, que envolve um vasto e heterogêneo mosaico de elementos, atores e efeitos em escala local, regional ou global, com profundos desdobramentos sociais, econômicos, políticos e culturais.

Em certa medida, referido fenômeno dos tempos hodiernos associa-se à reengenharia macroeconômica promovida pela expansão do capitalismo financeiro e industrial iniciada na segunda metade do século XX. O processo de integração das economias mundiais adquiriu, por sua vez, maior densidade, sobretudo, depois do arrefecimento da Cold War, ante a reestruturação e abertura política do bloco de países de regime socialista, encabeçado pela extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a partir das graves crises financeiras da década de 1970.

Nessa particular conjuntura histórica, tem-se operado uma revolucionária mutação tecnológica, temporal, espacial e comportamental nos processos e mecanismos de produção de bens e de prestação de serviços; de transporte de pessoas e de mercadorias manufaturadas e

commodities; de movimentação, ―bancarização‖ e ―bolsificação‖ de recursos pecuniários; de comunicação, intercâmbio de informações e manipulação computacional de dados etc2. Pari passu, vem-se propagando, sob a lógica do ―laissez faire, laissez aller, laissez passer‖, uma

nova ordem econômica, de inspiração ultraliberal, arquitetada no sentido da desobstruída circulação, reprodução, especulação e acumulação internacionalizada do capital3 num livre

2 DUARTE, Francisco Carlos. Tempo e decisão na sociedade de risco: um estudo de direito comparado. In:

Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 148, 2007, p. 106.

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mercado global (global free market)4. Para tanto, têm-se estabelecido novos paradigmas empresariais de concorrência, de transação negocial e de mais-valia e nova sistemática organizacional de empregabilidade flexibilizada e de fragmentação planetária da força de trabalho, com eliminação progressiva das barreiras comerciais, além da dissolução circunstanciada das fronteiras nacionais e das burocracias estatais5. Imerso no que se tem denominado de ―globalização‖ (globalization ou, para os franceses, mondialisation)6 7, esse conjunto multifacetado de bruscas e fugazes mudanças existenciais vem redefinindo drasticamente não só a relação espaço-tempo e a economia e geopolítica mundiais; mas também, no plano da subjetividade e da intersubjetividade, o próprio modo de ser, de viver, de consumir, de aspirar e de se relacionar dos seres humanos na contemporaneidade.

Em meio à pujança desse movimento de irradiações planetárias, a revolução tecnológica empreendida nos meios de transporte, de comunicação e de informação ampliou a percepção da pluralidade e relatividade dos códigos e sistemas multiculturais de referência que informam as aspirações existenciais, as definições valorativas (o que é justo, bom, belo

(coords.). Globalização e direito. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 131, nota de rodapé n. 7.

4 GRAY, John Nicholas. False dawn: the delusions of global capitalism. The New Press: New York, 1998. 5 Julios-Campuzano assinala que ―a mudança radical na dinâmica de atuação do sistema de produção e

organização dos mercados em nível planetário se constitui em um fator determinante da crise das instituições jurídicas do Estado-Nação, que se vê progressivamente transbordando pelas estruturas, mecanismos e

procedimentos jurídicos no âmbito da economia global.‖ (JULIOS-CAMPUZANO, Alfonso de.

Constitucionalismo em tempos de globalização. Tradução de José Luiz Bolzan de Morais e Valéria Ribas do Nascimento. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 88).

6 O conceito de globalização não é unívoco, havendo, em verdade, grandes divergências entre os estudiosos.

Ultrapassando as definições de cunho meramente econômico ou puramente ideológico, que a concebem, em suma, como um novo estágio do capitalismo, Joseph Eugene Stiglitz, define o fenômeno da globalização como a

―[...] integração mais estreita dos países e dos povos [...] que tem sido ocasionada pela enorme redução dos

custos de transporte e de comunicações, e a derrubada das barreiras artificiais aos fluxos de produtos, serviços,

capital, conhecimento e (em menor escala) de pessoas através das fronteiras.‖ (STIGLITZ, Joseph Eugene. A

globalização e seus malefícios: a promessa não cumprida de benefícios globais. São Paulo: Futura, 2002, p. 36).

Sob essa perspectiva, o termo ―globalização‖, ou ―mundialização‖, tal como preferem os franceses, assume uma

acepção mais ampla do que o fenômeno de viés econômico, alcançando desdobramentos sociais, políticos e culturais.

7 A respeito da temática da globalização, perfilhamos a orientação de Boaventura de Sousa Santos, para o qual: ―A globalização é muito difícil de definir. Muitas definições centram-se na economia, ou seja, na nova economia mundial que emergiu nas últimas duas décadas como consequência da intensificação dramática da transnacionalização da produção de bens e serviços e dos mercados financeiros – um processo através do qual as empresas multinacionais ascenderam a uma preeminência sem precedentes como actores internacionais. Para os meus objectivos analíticos privilegio, no entanto, uma definição de globalização mais sensível às dimensões sociais, políticas e culturais. Aquilo que habitualmente designamos por globalização são, de facto, conjuntos diferenciados de relações sociais; diferentes conjuntos de relações sociais dão origem a diferentes fenômenos de globalização. Nestes termos, não existe estritamente uma entidade única chamada globalização; existem, em vez disso, globalizações; em rigor, este termo só deveria ser usado no plural.‖ (SOUSA SANTOS, Boaventura. Por

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etc?)8 e o ideário difuso dos diversos grupos humanos embalados nesse processo histórico9. Em certas situações, as diferenças multiculturais têm, contudo, obstruído ou tencionado, de forma sectária ou fundamentalista10, os canais de diálogo e de composição consensual em torno da reflexão acerca de eventuais ―valores comuns da humanidade‖11. A diversidade cultural entre as nações é, decerto, um dos elementos mais complexos da plural realidade do mundo pós-moderno12 13. Isso não significa, contudo, que não possam ser estabelecidos diálogos e laços interculturais, sobretudo quando envolvam preocupações ou aspirações isomórficas mutuamente inteligíveis compartilhadas por povos de distintas culturas14.

Nada obstante, para além da globalização econômica (e até mesmo contra muitos dos seus efeitos15), vem-se consolidando um resoluto consenso, de prospecto universalista, em

8 BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar,

2005, p. 261.

9 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. São

Paulo: Saraiva, 2010, pp. 37-38.

10 SUPIOT, Alain. Homo juridicus: ensaio sobre a função antropológica do direito. Tradução de Maria

Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2007, pp. 240-255; e SEN, Amartya. Desenvolvimento com liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, pp. 297-317.

11 SUPIOT, op. cit., p. 241.

12 MAZZUOLI, op. cit., 2010, p. 37.

13 Um dos traços marcantes da pós-modernidade reside justamente na descrença na existência de valores

universais absolutos e com pretensão de totalidade conglobante de todas as visões de mundo e culturas. Nesse paradigma dogmático, relativista, concebe-se que a verdade é construída intersubjetivamente, ou melhor, interculturalmente, e não objetivamente, daí a defesa categórica do pluralismo, da tolerância, da abertura democrática e do diálogo tendente a harmonizar diferenças em torno de aspirações isomórficas, na medida do possível. A esse respeito, cf. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Fundamentos do direito. São Paulo: Atlas, 2010, pp. 63-70.

14 SOUSA SANTOS, op. cit., pp. 18-20.

15―A mundialização da economia e o progresso das tecnologias aumentam cada dia a interdependência entre as

nações. Caminhamos para um mundo só. Chegou-se a admitir que essa mundialização beneficiaria a todos. Mas a presente realidade mundial oferece contrastes gritantes. Ao lado das conquistas e avanços do desenvolvimento econômico, cresce e se agrava continuamente um quadro de miséria, desemprego, marginalização e desigualdades inadmissíveis. Os dados são estarrecedores. Enquanto avança o progresso econômico e a riqueza das nações: - mais de 1 bilhão de pessoas, isto é, uma quinta parte da população mundial, passa fome e vive em condições de extrema pobreza; - 30% de toda população em idade economicamente ativa está desempregada; - em países altamente industrializados e não apenas nos demais, o desemprego e a exclusão social tornaram-se

endêmicos. ‗Tanto nos Estados Unidos como na Comunidade Europeia cerca de 15% da população vive abaixo do limiar da pobreza‘, diz textualmente o Documento de Antecedentes da Reunião de Copenhague. Pobres, desempregados, sem-teto, trabalhadores migrantes, meninos de rua, periferias de grandes cidades, minorias marginalizadas, constituem em todo o mundo grupos de carentes, vítimas de discriminações de toda ordem. Em

lugar da igualdade desejada existe o progressivo agravamento das desigualdades. ‗Os ricos estão cada vez mais

ricos e os pobres cada vez mais pobres‘, enfatizou o Secretário-Geral das Nações Unidas, Sr. Boutros-Ghali.‖

(MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 25. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, pp. 3-4). No mesmo sentido, ―De fato, para a grande maior parte da humanidade a globalização está se impondo

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torno da crença dogmática na ideia de ―dignidade da pessoa humana‖16. A afirmação de uma consciência global nesse sentido vem-se dando mesmo em meio ao imaginário diversificado e, em termos, culturalmente fragmentado da humanidade17. Disso dimanou, na cultura ocidental, o reconhecimento da validade teórico-especulativa do postulado filosófico, de base kantiana, de que o fundamento último ou razão primeira do Estado e do Direito (interno e internacional) radica no valor de fim em si mesma inerente à pessoa humana, cabe dizer, na sua dignidade autorreferenciada.

Vale nota que, ao longo de sua evolução histórica18, a par de ter sido decodificada como dogma teológico e proposição filosófica, a ideia multifacetada da dignidade da pessoa humana logrou, por absoluta necessidade de humanização de várias instituições culturais, também ser traduzida no domínio ético como princípio de suma envergadura axiológica. Em razão disso, passou a servir de premissa fundante de sistemas dedutíveis de normas práticas, com desdobramentos prescritivos na seara religiosa, moral e, mais recentemente, jurídica. É, aliás, justamente com base nessa ideia capital, que coloca ―o homem em primeiro plano‖19, que se assentam as principais construções doutrinais, declarações ético-políticas e experiências normativas fomentadas a partir do segundo pós-guerra em matéria de direitos humanos. Por sinal, na perspectiva da dignidade da pessoa humana, os direitos humanos são concebidos, ontologicamente, como direitos básicos dignificantes e intrínsecos da pessoa

evolução negativa da humanidade tem relação com a adesão desenfreada aos comportamentos competitivos que atualmente caracterizam as ações hegemônicas. Todas essas mazelas são direta ou indiretamente imputáveis ao

presente processo de globalização.‖ (SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à

consciência universal. 13. ed. Rio de Janeiro: Record, 2006, pp. 19-20). Fazem um contraponto entre globalização econômica e direitos humanos: BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, pp. 570-571; e COUTINHO, Aldacy Rachid. A autonomia privada: em busca da defesa dos direitos fundamentais dos trabalhadores. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010a, p. 115.

16 MAURER, Béatrice. Notas sobre o respeito da dignidade da pessoa humana… ou pequena fuga incompleta

em torno de um tema central. Tradução de Rita Dostal Zanini. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Dimensões da dignidade: ensaio de filosofia do direito e direito constitucional. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009a, p. 119.

17 A diversidade cultural existente entre os vários grupos humanos não significa que as culturas singulares existam em estado de absoluta ―insularidade ubíqua‖, de forma que as pessoas, mesmo vinculadas a diferentes sistemas de referência cultural, têm potencial para ―compartilhar muitos valores e concordar em alguns comprometimentos comuns‖ (SEN, op. cit., pp. 311 e 313).

18Cabe esclarecer que o termo ―evolução‖ utilizado recorrentemente ao longo deste trabalho, mormente no que

diz respeito aos aspectos de natureza histórica, não denota a ideia comum e otimista, associada ao progresso, de uma mudança linear no sentido de algo necessariamente melhor e mais bem elaborado. Envolve apenas o conceito de passagem ou deslocamento sucessivo, gradual e comumente lento de estados existenciais do homem, num processo vivo, dinâmico e dialético, com avanços e retrocessos, fluxos e refluxos, no qual emergem novos e diferenciados elementos, circunstâncias, crenças e formas de organização sociocultural, em configurações geralmente mais complexas e heterogêneas, como resultado de inovações e/ou de modificações ou (re)adaptações contínuas e progressivas de fatores anteriores.

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humana, ou melhor, como ―direitos [que] emanam da dignidade inerente à pessoa humana‖20; como ―garantias‖ destinadas a assegurar a proteção, o respeito e a promoção das condições elementares da dignidade da pessoa humana21.

Mesmo ante a problemática do multiculturalismo, a asserção dogmática da dignidade da pessoa humana como standard ético-político global, associada à propagação do discurso universalista dos direitos humanos, concebidos enquanto ―fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo‖22, constitui, decerto, fenômeno dos mais marcantes da metade final do século XX. Essa mudança de perspectiva, assimilada na agenda institucional de muitos Estados e organizações internacionais de âmbito regional ou global23 24, vem impactando, de maneira revolucionária, os alicerces paradigmáticos da cultura jurídica contemporânea, desvencilhando-a de dogmas clássicos, principalmente nas democracias laicas ocidentais. Trata-se, no fundo, de uma autêntica ―mudança de prioridades e [de] ênfase‖25 operada na ―consciência da humanidade‖26, profundamente impactada pelo ultraje decorrente dos ―sofrimentos indizíveis‖27 que lhe foram infligidos tão barbaramente, em tão pouco espaço de tempo, durante as duas Guerras Mundiais; que, em última análise, tiveram como causa justamente ―o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos‖28.

Em suma, a globalização econômica (com suas virtudes e desapontamentos) coexiste dialeticamente com outro movimento pulsante de globalização de valores e de direitos que se tem irradiado pelo mundo contemporâneo mesmo em face da diversidade cultural que permeia as complexas sociedades humanas na atualidade: a globalização do ideário em torno da dignidade da pessoa humana e dos direitos humanos29. Essa globalização humanista vem, por sua vez, sendo juridicamente traduzida no que se tem denominado de

20 Extraído do preâmbulo da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou

Degradantes, de 1984, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 04, de 23.05.1989 (DOU de 24.05.1989), bem como promulgada pelo Decreto nº 40, de 15.02.1991 (DOU de 18.02.1991).

21 HESSE, Konrad. Temas fundamentais do direito constitucional. Tradução de Carlos dos Santos Almeida [et al.]. São Paulo: Saraiva, 2009a, p. 39.

22 Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), aprovada pela Resolução 217-A (III) das

Nações Unidas, de 10.12.1948.

23Para Amartya Sen, a ideia dos direitos humanos avançou tanto nos anos recentes que adquiriu ―uma espécie de

statusoficial no discurso internacional‖ (SEN, op. cit., p. 292).

24 LUCAS DA SILVA, Fernanda Duarte Lopes. Fundamentando os direitos humanos: um breve inventário. In:

TORRES, Ricardo Lobo (org.). Legitimação dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. pp. 169-170.

25 SEN, op. cit., p. 292. 26 Preâmbulo da DUDH.

27 Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco, em 26 de julho de 1945, após o término da Conferência

das Nações Unidas sobre Organização Internacional, entrando em vigor em 24 de outubro de 1945.

28 Preâmbulo da DUDH.

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