ACOMPANHAMENTO DO DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO DE
CRIANÇAS DE 0 A 3 ANOS DE IDADE
WAKAMATSU, Márcia Takahata1 - UFPR ARMILIATO, Vinícius2 - UFPR GIZZI, Maria Luiza Karman de Bueno3 - UFPR YAMASHITA, Ana Gabriela Gonzalez4 - UFPR
MARIOTTO, Rosa Maria Marini5 - USP/UFPR Grupo de Trabalho – Formação de Professores e Profissionalização Docente Agência Financiadora: FAPESP
Resumo
Atualmente as crianças de zero a três anos estão frequentando instituições de educação infantil numa fase em que a formação do infante é muito importante e cujos cuidados dirigidos nesta época podem diminuir significativamente a incidência de transtornos mentais tanto na infância como na idade adulta. Os educadores contribuem para a formação das crianças, pois começam a participar da vida das crianças muito cedo, cuidando e educando-as. Por isso, há a necessidade de preparar esses profissionais para o acompanhamento psíquico das crianças, contribuindo para a sua saúde mental. O objetivo da pesquisa é avaliar a metodologia IRDI (Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil) como auxiliar na promoção de saúde mental em instituições infantis. A pesquisa em Curitiba acompanhou 51 professores e 57 crianças matriculadas nos Centros Municipais de Educação
1 Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Pesquisadora na Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: marciatakahata@uol.com.br.
2 Graduado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Mestrando em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Pesquisador na Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: vinicius.arm@gmail.com.
3 Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Pesquisadora na Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: marialuizagizzi@gmail.com.
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Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Pesquisadora na Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: anagabrielagy@gamil.com.
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Infantil das regionais Santa Felicidade e CIC da Secretaria Municipal de Curitiba. Em São Paulo professores e crianças nas creches da Secretaria de Educação de São Paulo da região do Butantã. Os educadores de cada cidade foram divididos em dois grupos: controle, que receberam apenas informação teórica sobre a constituição psíquica; e o grupo caso que além da informação teórica inicial tiveram o acompanhamento em serviço dos educadores e aplicação do IRDI para avaliação das crianças que estavam sob os cuidados dos educadores. Quando necessário, houve encaminhamento das crianças para atendimento psicoterapêutico. Aos três anos de idade, as crianças (caso e controle) serão avaliadas por psicanalistas quanto à frequência de surgimento de risco psíquico para o desenvolvimento apontado pelo instrumento AP3- Avaliação Psicanalítica aos três anos. Se constatada uma diminuição significativa da frequência de surgimento de risco psíquico verificado por meio da AP3, a metodologia IRDI poderá ser validada como auxiliar na promoção da saúde mental. Neste trabalho apresentaremos os resultados obtidos na primeira etapa da pesquisa realizada na cidade de Curitiba.
Palavras-chave: Educadores. Riscos psíquicos. Educação infantil.
Introdução
As creches são uma realidade na vida dos bebês contemporâneos: as famílias modernas e especialmente as que vivem em grandes centros urbanos precisam contar com elas (Ministério do Planejamento, 2010). Não se pode desse modo negligenciar sua responsabilidade no desenvolvimento físico e mental das crianças.
No entanto, os equipamentos de educação infantil existentes ainda carregam, na sua maioria, as marcas da sua ligação histórica com a Assistência Social. Muitos se preocupam, legitimamente, em atender aos direitos da mãe trabalhadora, mas se esquecem de atender ao direito da criança (Mariotto, 2009).
Do ponto de vista econômico, as intervenções precoces devem ser compreendidas como ações de prevenção, em termos de “gastar agora para evitar o aparecimento de problemas sociais caros mais tarde” e esta deve ser considerada uma estratégia economicamente eficiente para os países.
Sabe-se ainda que os cuidados dirigidos às crianças na primeira infância podem diminuir significativamente a incidência de transtornos mentais tanto na infância como na idade adulta. Algumas pesquisas recentes têm demonstrado que as intervenções precoces podem evitar longos períodos de sofrimento e de tratamento (Laznik, 2000). Um profissional da primeira infância bem esclarecido sobre a vida subjetiva de um bebê pode tornar-se um agente de saúde mental de grande valor.
No entanto, tem havido na atualidade um crescimento significativo de transtornos mentais na infância. A incidência e a prevalência epidemiológica dos distúrbios do desenvolvimento e dos transtornos mentais na infância são desconhecidas na maioria dos países em desenvolvimento.
Assim, é imperioso, para o desenvolvimento humano, que se articulem as descobertas neurológicas recentes ( Fleitlich e Goodman, 2009; Kandel, Shuartz e Jessel, 1995; Rutther, Moffitt e Caspi, 2006), as contribuições dos estudos sobre a saúde mental dos bebês (Laznik, 2000; Kupfer, 2009) ) e os estudos que comprovam a importância da educação na primeira infância (Mariotto, 2009). Os programas de promoção da formação de capital humano e prevenção de comportamentos de risco devem ser iniciados cedo.
Nesse sentido, é fundamental aprimorar a formação dos educadores infantis preparando-os para ampliar a sua função ao propor a articulação entre cuidar e educar crianças pequenas, com o objetivo de promover a saúde mental desde a primeira infância.
Objetivo
METODOLOGIA
O instrumento IRDI
Os Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil (IRDI) são um instrumento validado originalmente para o acompanhamento do desenvolvimento psíquico por pediatras. Os indicadores IRDI foram construídos a partir de quatro eixos teóricos, oriundos da teoria psicanalítica, considerados fundamentais para a constituição do psiquismo e é deles considerado uma expressão fenomênica. Esses eixos foram chamados de suposição
do sujeito, estabelecimento da demanda, alternância presença/ausência e função paterna.
Quando aplicado o IRDI, são verificados se os indicadores clínicos estão presentes, ausentes e não verificados. A presença de indicadores aponta o desenvolvimento da criança e a ausência sugere um risco para o desenvolvimento da criança.
Tabela 1: Indicadores clínicos de risco para desenvolvimento infantil
Idade em meses
Indicadores
0 a 4
incompletos
1. Quando a criança chora ou grita, a professora sabe o que ela quer.
2. A professora fala com a criança num estilo particularmente dirigido a ela (manhês).
3. A criança reage ao manhês.
4. A professora propõe algo à criança e aguarda a sua reação. 5. Há trocas de olhares entre a criança e a professora.
4 a 8
incompletos
6. A criança começa a diferenciar o dia da noite.
7. A criança utiliza sinais diferentes para expressar suas diferentes necessidades.
8. A criança solicita a professora e faz um intervalo para aguardar sua resposta.
9. A professora fala com a criança dirigindo-lhe pequenas frases.
11.A criança procura ativamente o olhar da professora.
12.A professora dá suporte às iniciativas da criança sem poupar-lhe o esforço.
13.A criança pede a ajuda de outra pessoa sem ficar passiva. 8 a 12
incompletos
14.A professora percebe que alguns pedidos da criança podem ser uma forma de chamar a sua atenção.
15.Durante os cuidados corporais, a criança busca ativamente jogos e brincadeiras amorosas com a professora.
16.A criança demonstra gostar ou não de alguma coisa.
17.A professora e criança compartilham uma linguagem particular. 18.A criança estranha pessoas desconhecidas para ela.
19.A criança possui objetos prediletos. 20.A criança faz gracinhas.
21.A criança busca o olhar de aprovação do adulto.
22. A criança aceita alimentação semi-sólida, sólida e variada.
12 a 18 23. A professora alterna momentos de dedicação à criança com outros interesses.
24. A criança suporta bem as breves ausências da professora reage às ausências prolongadas.
25. A professora oferece brinquedos como alternativa para o interesse da criança pelo corpo materno.
26. A professora já não se sente mais obrigada a satisfazer tudo que a criança pede.
27. A criança olha com curiosidade para o que interessa à professora. 28. A criança gosta de brincar com objetos usados pela professora.
29. A professora começa a pedir à criança que nomeie o que deseja, não se contentando apenas com gestos.
Adaptação do IRDI: bases para a proposta de uma Metodologia IRDI
Com o intuito de realizar um seguimento sistemático de intervenções no ambiente de creches, o grupo de pesquisadores reunidos neste projeto criou um conjunto de procedimentos de intervenção que se baseiam no Instrumento IRDI: a Metodologia IRDI.
A Metodologia IRDI se desdobrou em três fases: a) adaptação da formação originalmente concebida para a transmissão da teoria dos eixos teóricos psicanalíticos para os pediatras; b) construção de um procedimento para o acompanhamento em serviço dos professores, realizado pelos monitores; c) aplicação propriamente dita dos indicadores, obedecendo a um cronograma adaptado à sua aplicação nas creches. As três partes foram assim nomeadas: 1. Programa de transmissão dos eixos teóricos do instrumento IRDI; 2. Programa de Acompanhamento em Serviço por meio do IRDI; 3. Cronograma de Anotação.
Pesquisa em Curitiba
A pesquisa realizada em Curitiba contou com 4 monitores da pesquisa, 1 técnica, 51 professores e 57 crianças de 8 Centros Municipais de Educação Infantil, da regionais de Santa Felicidade e CIC.
Os participantes foram divididos em dois grupos:
• grupo 1 (G1) (grupo caso) que era constituído de 29 professores do B1 (berçário 1), B2 (berçário 2) e berçário único com acompanhamento em serviço durante um ano e aplicação do IRDI nas 32 crianças, alunas dessas professoras.
• grupo 2 (G 2) grupo controle constituído de 22 professores sem acompanhamento em serviço e 25 crianças sem aplicação do IRDI. As crianças participantes possuíam de 3 a 10 meses de idade.
mês, e uma avaliação mensal com o IRDI das crianças do G1, realizada pelos monitores no período de um ano. Quando necessário há a realização dos encaminhamentos para atendimento psicoterapêutico.
Todos os monitores constituídos por profissionais de psicologia foram treinados para realizar o acompanhamento dos professores e aplicação do IRDI. Antes de iniciar o acompanhamento nos Centros Municipais de Educação Infantil (CEMEI), os professores do grupo caso e controle receberam um curso teórico, por meio do “Programa de transmissão dos eixos teóricos da Metodologia IRDI”.
Ao final de três anos será realizada avaliação das crianças da pesquisa com o Instrumento AP3, realizada por psicanalistas “avaliadores cegos”, que desconhecem o grupo a que pertence a criança (caso ou controle).
Resultados e discussão
Realizamos uma avaliação dos indicadores ausentes nas crianças quando aplicado o IRDI. Como descrito anteriormente, a presença de indicadores aponta o desenvolvimento da criança e a ausência sugere um risco para o desenvolvimento da criança.
Em uma avaliação geral, na primeira aplicação do IRDI nas crianças participantes observamos um número de 96 ausências e na segunda aplicação, após um mês de acompanhamento das educadoras, houve 76 ausências (redução de 21%). Consideramos essa diminuição significativa na segunda aplicação, indicando que apenas informar os educadores o IRDI e como utilizá-lo não é suficiente.
Outro dado importante refere-se aos indicadores específicos ausentes com maior frequência na primeira avaliação nas crianças nos diferentes CMEIs e uma diminuição considerável na maioria deles já na segunda avaliação.
Tabela 2 – Indicadores com maior número de ausências.
Indicador
(IRDI)
Primeira avaliação Segunda avaliação
4 4 Ausentes 1 Ausentes
7 8 Ausentes 3 Ausentes
12 8 Ausentes 1 Ausentes
17 10 Ausentes 5 Ausentes
18 13 Ausentes 10 Ausentes
Fonte: Dados organizados pelos autores, com base na pesquisa realizada.
No indicador número 4 (a professora propõe algo à criança e aguarda a sua reação), notou-se que apesar da dificuldade das educadoras em atender a todos os bebês, elas passaram a aguardar a reação das crianças.
No indicador 7 ( a criança utiliza sinais diferentes para expressar suas diferentes necessidades), quando houve a primeira avaliação algumas educadoras não souberam informar se as crianças utilizavam sinais diferentes para se expressar e na segunda parece que as educadoras começaram a perceber e a prestar mais atenção nos sinais de pedidos das crianças.
Com relação aos indicadores 11 (a criança procura ativamente o olhar da professora); e 12 (a professora dá suporte às iniciativas das crianças sem poupar-lhe o esforço), a princípio houve um grande número de ausências, pois as educadoras se preocupavam tanto em seguir a programação das atividades propostas que deixavam o enlaçamento com as crianças de lado. A diminuição ocorreu, mas as educadoras buscavam o olhar das crianças mais vezes do que dar suporte às iniciativas, provavelmente, devido à maior dedicação de tempo para dar suporte a cada criança.
No caso do indicador 17 (professora e criança compartilham uma linguagem particular), este indicador demonstra que a linguagem particular é pouco considerada, pois as crianças são vistas sempre de maneira coletiva, não havia uma abordagem de cada criança como sujeito único e particular. Na segunda avalição, as educadoras entenderam a importância da singularidade de cada criança e se permitiram a tratá-las de forma diferenciada.
Na tabela abaixo apresentamos o exemplo de duas crianças (X e Y) que foram avaliadas por três vezes na mesma faixa etária de idade, ou seja, em todas as avaliações de X a idade da criança estava no intervalo de 12 a 18 meses e a criança Y de 8 a 12 meses.
Tabela 3- Primeiras avalições de duas crianças
Criança Primeira avalição Segunda avaliação Terceira avaliação
X 7 ausentes 5 ausentes 1 ausente
Y 13 ausentes 12 ausentes 6 ausentes
Fonte: Dados organizados pelos autores, com base na pesquisa realizada.
Nestas avaliações percebemos que houve diminuição gradativa e na terceira avaliação o número de ausências diminuiu consideravelmente, indicando que o trabalho dos monitores junto aos professores contribuiu para a diminuição do número de ausências nas crianças com mais risco de desenvolvimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos resultados preliminares demonstrou que a metodologia IRDI poderá ser utilizada como promoção na saúde mental, pois houve uma diminuição significativa no número dos indicadores de risco para o desenvolvimento infantil.
“ (...) o alto investimento que o profissional da educação deve fazer na execução do seu trabalho junto aos bebês, pois é convidado a se voltar para cada bebê como sujeito único, estabelecendo com ele uma relação qualitativamente suficiente para incidir em sua constituição subjetiva; trabalho, portanto, que lhe exige uma implicação de desejo. Neste sentido, uma formação sólida destes profissionais deveria incluir conhecimentos sobre a constituição do sujeito e discussões constantes de seu trabalho através da criação de lugares de escuta no ambiente escolar. (Mariotto & Bernardino, 2009, p.2628)
Podemos concluir que esta pesquisa demonstra a importância do conhecimento e apropriação das educadoras sobre o desenvolvimento psíquico. Há evidências claras que a intervenção no berçário junto às educadoras diminuiu os indicadores de riscos do desenvolvimento e percebemos que à medida que as educadoras internalizam esse conhecimento elas o aplicam no trato com as crianças de maneira espontânea.
REFERÊNCIAS
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MARIOTTO, R. M. M. Cuidar, Educar e Prevenir: as funções da creche na subjetivação
MARIOTTO, R. M. M.; Bernardino, L. M. F. Detecção de riscos psíquicos em bebês de berçários de Centros Municipais de Educação Infantil de Curitiba. In: IX Congresso Nacional de Educação,9, Encontro Sul Brasileiro de Psicopedagogia, 3, Curitiba. Anais. Curitiba: PUCPR, 2009. p. 2019-2630. Disponível em: <
http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/pdf/2821_1318.pdf >. Acesso em: 08/04/2013.
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de Indicadores sociais: uma análise das condições de vida da
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Brasil: IBGE; 2010.
OLIVEIRA, Z. M. R. Educação Infantil: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez Editora, 2002.
RUTTHER, M.; MOFFITT, T. E.; CASPI, A. Gene-environment interplay and
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