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A EXPERIÊNCIA EDUCATIVA DA GESTÃO DE UM BANCO COMUNITÁRIO NA PERIFERIA DE SÃO CARLOS SP

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Academic year: 2018

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CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Diogo Marques Tafuri

A EXPERIÊNCIA EDUCATIVA DA GESTÃO DE UM BANCO COMUNITÁRIO NA PERIFERIA DE SÃO CARLOS/ SP

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A EXPERIÊNCIA EDUCATIVA DA GESTÃO DE UM BANCO COMUNITÁRIO NA PERIFERIA DE

SÃO CARLOS/ SP

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Educação do Centro de Educação e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Carlos, para obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Gonçalves Junior

Linha de Pesquisa: Práticas Sociais e Processos Educativos

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Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitária da UFSCar

T124ee

Tafuri, Diogo Marques.

A experiência educativa da gestão de um banco

comunitário na periferia de São Carlos/ SP / Diogo Marques Tafuri. -- São Carlos : UFSCar, 2014.

183 f.

Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São Carlos, 2014.

1. Educação. 2. Economia solidária. 3. Processo educativo. 4. Periferia urbana. I. Título.

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Estou certo de que o tempo de confecção do presente trabalho ultrapassa, no tempo e no espaço, os dois anos que dediquei à realização desta pós-graduação, remetendo a um ciclo de vida que se inicia com o término de meu bacharelado em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo e com meu retorno à São Carlos, em 2008, para trabalhar como coordenador executivo da Incubadora Regional de Cooperativas Populares, vinculada à Universidade Federal de São Carlos. Pude, na convivência com meus primeiros companheiros de trabalho, aprender muito sobre o movimento de Economia Solidária, seus atores e estratégias, compreender os limites e as possibilidades de suas práticas econômicas e políticas, bem como pude, a partir de meu trabalho e do pouco que poderia fazer no início de minha trajetória profissional, contribuir com esta construção coletiva, ao mesmo tempo em que evoluía como pessoa e como sociólogo. Agradeço à todos os professores, coordenadores e estagiários com quem pude compartilhar este ambiente de trabalho nos três anos em que atuei na incubadora, especialmente às pessoas que estiveram de mim mais próximas: Ana Lúcia, Maria, Eduardo, Gabriela, Henrique, Paulinha, Ioshiaqui, Everton, Felipe, Luciana, Bel, Sebastião, Leandro, Rafa, André Tiburço e Danilo. Também agradeço aos companheiros dos Fóruns Municipal e Paulista de Economia Solidária, do Centro de Formação em Economia Solidária (CFES) e do Departamento de Apoio à Economia Solidária de nosso município, especialmente Reynaldo, Rita, Gérson e Jussara, por compartilharem comigo seus ideais de luta e as batalhas por um mundo mais justo.

Foi justamente no bojo de minha militância em Economia Solidária que encontrei o amor de Mariana, mulher com a qual aprendi, definitivamente, no sorriso de seus olhos e no carinho de sua presença, que a luta política torna-se vã e efêmera sem o amor. Amor que esteve sempre presente em minha vida, e pelo qual agradeço toda minha família: meus pais Hélio e Maria Helena, meus irmãos Viviane, Rodrigo e Daniela, e seus companheiros Marcelo, Lissandra e Edson. Pedro, Gabriel, Lucas, Laura e Guilherme chegaram para trazer mais luz e alegria à família, nos ensinando com seus sorrisos, graça e inocência que a vida não cessa jamais, e que sempre é possível recomeçar de onde paramos. Além deles, agradeço aos mais “novos” integrantes desta família, Lu, Pedro, Guto, Carol, Camila, Geraldo, Paulo, João, Celeste, José, Alexandre, Jani, João Pedro, Henrique, as pequenas e lindas Gabi e Rafa, pelos ótimos momentos compartilhados juntos e pelo acolhimento com que me receberam em suas casas.

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Pastel, Gorducho, Tuco, Narigão, Mogli, Macorito, Everton (Malucão!), Fê, Brother, Fabião, Garça, Paulinho, Scooby, André e Luana. Aliás, não posso me furtar de lembrar das pessoas que vem gestando, com garra e coragem, uma nova família na Ecovila Tibá: Jeyson, Gleise, Iara, Davi, Fer, Cacau, Yarin, Yan, Nanã, Manu, Andréia, Luciano, Zaíra, Bene, Juliana, Eliseu, Gael e Fernanda. Também os amigos da Associação Veracidade, Djalma, Pedrinho, Suri, Speedy, Flávia, Jú, Seu Tadeu e Dona Adriana. Espero poder continuar contando com a ilustre presença de vocês por todo o tempo em que estivermos por aqui, dividindo nossos sonhos de mundo.

Já nesta trajetória de quase dois anos no Programa de Pós-graduação em Educação da UFSCAR, pude contar com o apoio e a atenção, sempre paciente e cuidadosa, dos professores e pesquisadores da linha de pesquisa em Práticas Sociais e Processos Educativos e dos companheiros do Núcleo de Estudos em Fenomenologia e Educação Física, especialmente Ilza, Fabi, Djalma, Fernando, Gorpo, Sara, Paulo e Spina, aos quais agradeço pelas discussões sempre críticas e instigantes sobre pesquisa científica e educação popular, que elevaram meu pensamento a novos patamares de reflexão. Agradeço igualmente à professora Denise, por aceitar fazer parte de minha banca de defesa, e à CAPES, pelo apoio e financiamento proporcionado para a realização da pesquisa.

Ainda em se tratando do caminho trilhado nestes anos de mestrado, gostaria de demonstrar minha gratidão em especial a três pessoas que tiveram um papel fundamental durante o processo de concretização desta pesquisa: Gabriel Feltran, e sua simplicidade que engrandece ainda mais seu trabalho enquanto professor e pesquisador, por toda atenção e disposição em colaborar criticamente com este estudo; à Wal, pelo exemplo de compostura ética e de sensibilidade erigido na forma com que realiza seu projeto dentro da universidade pública, bem como por suas contribuições valiosas para construção da pesquisa; ao companheiro Luiz, o qual teve papel fundamental não apenas como orientador do presente trabalho, com seus comentários sempre críticos, tranquilos e construtivos, mas sobretudo pela amizade demonstrada em cada diálogo e encontro de orientação. As contribuições destes três professores estiveram e estarão presentes não apenas no bojo da pesquisa apresentada a seguir; se inscreveram de modo definitivo em minha própria forma de ser e agir como pesquisador.

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pesquisa, pelo carinho e acolhimento que sempre demonstraram durante estes seis anos de convivência e de luta contra a permanência de uma sociedade que insiste em segregar o que deveria ser por todos nós compartilhado, com justiça e igualdade: a existência humana. Este mundo comum que fomos tecendo no decorrer deste longo período de tempo ampliou minha coragem e convicção de que devemos enfrentar de frente e coletivamente os desafios que se colocam diariamente em nossas vidas.

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crítica com relação à modelos não participantes de pesquisa, a pesquisa participante abandona a crítica a si mesma. Partindo do pressuposto de que ela é idealmente a possibilidade de conversão do saber à causa do povo e que isto é o único meio pelo qual a ciência legitimada torna-se, afinal, plenamente legítima, a teoria da pesquisa participante - ou um vago imaginário universalizado que é o seu sistema de crenças - torna-se sua própria mitologia. Passível de realizar o conhecimento da realidade cultural através de reduções reificadoras de sua complexidade e dinâmica, em nome da "causa" ou segundo os termos do "projeto" a que serve ou se vincula, ela corre o risco de produzir sobre si mesma um conhecimento que parte do princípio de que a justificação de sua realidade se dá pela evidência do compromisso de sua prática. O que a torna, de um instrumento de trabalho, em possível aparelho de reificação do próprio trabalho político através da ciência e seu saber.

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O presente trabalho teve por objetivo investigar os processos educativos decorrentes da prática social da gestão do Banco Comunitário Nascente, localizado e atuante no Jardim Gonzaga, bairro de periferia urbana da cidade de São Carlos/SP. O que imprime especificidade à pesquisa é sua proposta de problematizar a experiência do trabalho em um empreendimento de Economia Solidária e os processos educativos imanentes a ela não apenas pelo contraste normativo que estabelecem com a lógica do modo de produção capitalista, mas principalmente a partir do modo como se relacionam com a conjuntura contemporânea das periferias urbanas brasileiras, em interface com os fenômenos sociais que a perpassam. Deste modo, valendo-nos do referencial teórico da educação popular e da sociologia urbana, partimos do entendimento de que, a partir do respeito à alteridade, aos diferentes modos de ser e de agir das pessoas, e tomando-as dentro do contexto das relações materiais e simbólicas que estruturam uma realidade social e cultural comum, as diversas práticas sociais levadas à cabo por pessoas e grupos acabam por promover a própria formação humana para a vida em sociedade. A coerência entre nossa compreensão da realidade social e o compromisso ético e político com os sujeitos de nossa pesquisa levou-nos a trilhar o caminho já inaugurado pela pesquisa participante, metodologia de investigação social que valoriza o papel da convivência metodológica, do reconhecimento à legitimidade do conhecimento popular e da construção dialógica do saber no processo de investigação científica. Como procedimentos de pesquisa, além da utilização de dados secundários acerca de aspectos históricos e socioeconômicos do Jardim Gonzaga e de literatura acadêmica específica ao tema estudado, realizamos coleta de dados primários por meio de trabalho de campo e de seu registro a partir da elaboração de diários de campo. No tocante à análise dos dados, utilizamos técnicas de pesquisa inspiradas na fenomenologia, as quais nos permitiram interpretar as descrições sistematicamente registradas em diários de campo à luz das questões levantadas pela pesquisa. As categorias de análise constituídas referiram-se à: a) autonomia dos trabalhadores do Banco Nascente para executarem as atividades requeridas em seu trabalho de agentes de crédito - “andar com as próprias pernas”; b) às relações de reciprocidade por eles percebidas, em sua presença ou em sua ausência, no bojo da gestão coletiva do trabalho - “pensar nos princípios da economia solidária”; c) à expectativa referente à atuação do banco comunitário e sua influência na melhoria das condições de vida do bairro - “esperança de mudar”. A discussão de tais categorias revelaram que os trabalhadores do empreendimento solidário aprenderam a relacionar e confrontar os princípios normativos da Economia Solidária à sua própria prática de trabalho, bem como a perceberem e questionarem as condições epistemológicas e sociológicas em que se manifestaram os limites e as possibilidades de sua atuação individual e coletiva na gestão de um banco comunitário.

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This study’s objective was to investigate the educative processes derived from the social practice of administering the communitarian bank Banco Comunitário Nascente, localized and actuating at Jardim Gonzaga, peripheral urban neighborhood at the city of São Carlos/SP/Brazil. The specificity of this research is the proposition to problematize both the work experience in a Solidary Economy enterprise and the educational processes which are proper to this work experience due to the normative contrast which it establishes in relation to capitalist productive logic and, specially, due to its relation with current conjuncture of brazilian peripheral urban communities and the interfaces with their social phenomena. Considering this, using theorethical references of social education and urban sociology, our starting point was understanding that respecting people alterity and the different characteristics of human “to be” and “to act”, and considering the context of their material and symbolic relations that organize a common social and cultural reality, the many social practices that these people and groups of people promote lead to their own human capacity for life in society. The coherence between our understanding of the reality and our ethical and political compromise with our research subjects lead us to chose the path of participant research, a social study methodology which emphasizes the role of methodological acquaintanceship, the acknowledgement of popular knowledge legitimacy and the dialogical construction of the knowledge during the scientific researching process. Our research procedures included the usage of secondary data about historical and socio-economical aspects of Jardim Gonzaga and specific literature regarding the study’s theme; primary data were also collected through field work and its registration elaborated in field diaries. Data analysis used research techniques inspired at phenomenology which permitted us to interpret the systematically registered descriptions from the field diaries considering the questions brought by the investigation. Analysis categories delimited referred: a) to workers autonomy at Banco Nascente to perform required activities as credit agents – “walk with their own feet”; b) to presence or lacking of relations of reciprocity perceived by them at the collective work administration – “thinking about solidary economy principles”; c) to their expectations regarding the actuation of the communitarian bank and its influence over the improvement of community’s quality of life – “hope to change”. The discussion of these categories reveal that those who worked at the solidary enterprise learned to relate and confront the normative principles of Solidary Economy to their own work practices, as well as to notice and question epistemological and sociological conditions through which the limits and possibilities of their collective and individual work administering a communitarian bank were expressed.

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ADS: Agência de Desenvolvimento Solidário

ANTEAG: Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária

ASMOCONP: Associação dos Moradores do Conjunto Palmeiras CAC: Comitê de Análise de Crédito

CE: Ceará

COOLETIVA: Cooperativa de Coletadores de Materiais Recicláveis do Jardim Gonzaga COOPERCOOK: Cooperativa de Prestação de Serviços em Culinária de São Carlos COOPERLIMP: Cooperativa de Limpeza Jardim Gonzaga Organização

COOPVIP: Cooperativa de Trabalho dos Profissionais da Área de Proteção à Vida e ao Trabalho

COOSTURARTE: Cooperativa dos Trabalhadores em Confecções São Carlos CRAS: Centro de Referência de Assistência Social

CUT: Central Única dos Trabalhadores DC: Diário de Campo

EAF: Entidade de Apoio e Fomento ECO: Estação Comunitária

EES: Empreendimento Econômico Solidário

FAPESP: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FBES: Fórum Brasileiro de Economia Solidária

FHC: Fernando Henrique Cardoso HBB: Programa Habitar Brasil

INCOOP: Incubadora Regional de Cooperativas Populares ITCPs: Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares MEC: Ministério da Educação

MPT: Ministério Público do Trabalho MST: Movimento dos Sem Terra

MTE: Ministério do Trabalho e Emprego NESOL: Núcleo de Economia Solidária

NUMI-ECOSOL: Núcleo Multidisciplinar Integrado de Formação, Estudos e Intervenção em Economia Solidária

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PROEXT: Programa de Extensão Universitária PRONINC: Programa Nacional de Incubadoras PT: Partido dos Trabalhadores

SE: Sistematização de Experiência

SENAES: Secretaria Nacional de Economia Solidária SESU: Secretaria de Educação Superior

SIES: Sistema Nacional de Informações de Economia Solidária SP: São Paulo

TAC: Termo de Ajuste de Conduta

UFSCAR: Universidade Federal de São Carlos US: Unidade de Significação

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1. INTRODUÇÃO...6

1.1 APRESENTAÇÃO DA PESQUISA E DE SUA PROBLEMÁTICA DE INVESTIGAÇÃO...6

1.2 ORGANIZAÇÃO DO TEXTO...12

1.3 A PESQUISA PARTICIPANTE COMO METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO...13

1.3.1 Reflexão sociológica: enxergando a negatividade da realidade social contemporânea ...13

1.3.2 Reflexão epistemológica: a ruptura com os princípios positivistas nas ciências humanas...16

1.3.3 Reflexão metodológica: a dimensão ética e política das pesquisas participantes....18

1.4 PROCEDIMENTOS DE PESQUISA UTILIZADOS NA COLETA E ANÁLISE DOS DADOS ...22

1.5 APRESENTAÇÃO DOS COLABORADORES DA PESQUISA...25

2. REFERENCIAL TEÓRICO CONCEITUAL DA PESQUISA: EDUCAÇÃO, ECONOMIA SOLIDÁRIA E BANCOS COMUNITÁRIOS...28

2.1 EDUCAÇÃO, EXPERIÊNCIA E CULTURA...28

2.2 A ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL: CONTEXTO CONTEMPORÂNEO E APORTES TEÓRICOS...34

2.2.1 Paul Singer...37

2.2.2 Genauto Carvalho de França Filho...39

2.2.3 Euclides André Mance...42

2.2.4 Abordagens críticas à Economia Solidária...45

2.3 BANCOS COMUNITÁRIOS NO BRASIL: HISTÓRIA, CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS E MATRIZES TEÓRICO-CONCEITUAIS...49

3. A DIMENSÃO HISTÓRICA E SITUADA DA PESQUISA: O “GONZAGA” ENQUANTO CAMPO DE PRÁTICAS E DISPUTAS...56

3.1 PERIFERIAS URBANAS NO BRASIL CONTEMPORÂNEO...57

3.2 A CONSTITUIÇÃO DO “GONZAGA” ENQUANTO BAIRRO DE PERIFERIA...66

3.3 A ATUAÇÃO DA INCUBADORA REGIONAL DE COOPERATIVAS POPULARES DA UFSCAR NO “GONZAGA”: DA CRIAÇÃO DA COOPERLIMP AO PROJETO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL...72

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estatal nas práticas políticas e econômicas do “Gonzaga” ...79

3.4.2 Quando outros atores entram em cena...94

3.5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A GESTÃO DO SOCIAL NO “GONZAGA”: ENTRE O ENCAPSULAMENTO COMUNITÁRIO E O CONTROLE DAS FRONTEIRAS ...102

4. A EXPERIÊNCIA EDUCATIVA DOS TRABALHADORES DO BANCO NASCENTE...106

4.1 ANDAR COM AS PRÓPRIAS PERNAS...108

4.2 PENSAR NOS PRINCÍPIOS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA...115

4.3 ESPERANÇA DE MUDAR...125

4.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE A GESTÃO DE UM BANCO COMUNITÁRIO EM CONTEXTO DE PERIFERIA URBANA: A ECONOMIA SOLIDÁRIA COMO FORMA DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL ...138

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...142

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...148

7. ANEXOS...158

ANEXO A – Parecer de aprovação concedido pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da UFSCAR...158

ANEXO B - Modelo do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelos colaboradores da pesquisa...162

ANEXO C – Etapas para concessão de crédito de consumo do Banco Nascente...164

ANEXO D – Etapas para concessão de crédito produtivo do Banco Nascente...166

ANEXO E – Ficha de análise de crédito de consumo do Banco Nascente...168

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1 INTRODUÇÃO

1.1 APRESENTAÇÃO DA PESQUISA E DE SUA PROBLEMÁTICA DE INVESTIGAÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo investigar os processos educativos inerentes e decorrentes da prática social da gestão do trabalho relacionado à dinâmica de funcionamento do Banco Comunitário Nascente, localizado e atuante no "Gonzaga", bairro de periferia urbana da cidade de São Carlos, município de médio porte do Estado de São Paulo. A prática social indicada acima como tema de nossa investigação, relacionada à gestão deste empreendimento de Economia Solidária, possui duas especificidades que implicaram desdobramentos teóricos e analíticos igualmente particulares no decorrer da realização da pesquisa: primeiramente, trata-se de uma experiência vivenciada por alguns moradores de um bairro de periferia no bojo de suas dinâmicas sociais e culturais particulares, o que nos impele a considerá-las seriamente em nossa análise; por outro lado, esta prática social está contextualmente inserida no âmbito de um movimento mais amplo de iniciativas econômicas associativas identificadas de modo geral com os princípios e características de uma Economia Solidária, condição que lhe imprime um significado normativo e prático específico, o qual pode ser compreendido, no entanto, de um modo bastante diverso entre os sujeitos que participam desta ação. Por fim, o estudo está situado na área da Educação, fenômeno social entendido aqui da seguinte forma:

Educação é o ato de construir o nosso modo próprio de ser, juntamente com quem convivemos, ao assumirmos com eles os destinos do nosso grupo, nossa classe social, nossa comunidade. É vivência que permite tomar consciência do mundo, das coisas, das pessoas, das relações que entre eles se estabelecem, e assim tomar consciência de si próprio. Nesse processo, cada pessoa incorpora a cultura de sua comunidade, grupo, classe, fazendo-a com os parentes, os vizinhos, os colegas, num trabalho que é sempre criador. Tal trabalho se configura como ação de cada pessoa com os outros no mundo, a fim de desvelá-lo, compreendê-lo, transformá-lo, humanizando-o (SILVA, 1987, p. 64-65).

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quanto das identidades coletivas (OLIVEIRA et al, 2009).

Entre idas e vindas, erros e acertos, imersões e emersões, as experiências de vida (s) apresentadas a seguir na forma de pesquisa científica foram possíveis de serem vividas e experimentadas a partir de meu trabalho temporário, realizado entre os anos de 2008 e 2011, enquanto técnico de nível superior da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), mais especificamente de minha atuação profissional junto à Incubadora Regional de Cooperativas Populares – INCOOP (atual Núcleo Multidisciplinar Integrado de Formação, Estudos e Intervenção em Economia Solidária - NUMI-ECOSOL1), atividade que veio a requirir minha

aproximação junto às pessoas moradoras de uma região periférica da cidade e a inserção em parte da cotidianidade dos acontecimentos históricos vividos por ela. Hoje, lembrando e refletindo sobre minha própria trajetória de vida, retomando esta experiência particular de aproximação e vivência entre um cientista social branco da classe média são-carlense e os moradores do "Gonzaga", ainda consigo perceber uma série de dificuldades e desafios advindos das relações estabelecidas entre a comunidade acadêmica e uma população posta à margem do sistema político, econômico e cultural hegemônico, e que portanto se encontra fora do círculo restrito e elitizado do ensino superior público brasileiro. A meu ver, a assimetria das posições sociais estabelecidas historicamente por meio de critérios de classe, de raça2 e de gênero ainda se configura em uma fronteira perversa que, ao mesmo tempo que

segrega e estabelece distinções socioeconômicas e culturais nítidas, parece também regular a natureza das relações passíveis de serem realizadas entre o “centro” e a “periferia”, impedindo a promoção de transformações mais profundas na estrutura social brasileira.

Minha militância em Economia Solidária, mediada inicialmente por meu trabalho profissional em uma incubadora de cooperativas populares, e depois por minha condição de pesquisador, em todo tempo se ancorou no reconhecimento crítico da estrutura desigual da sociedade brasileira, como também na convicção de que o centro de irrupção de nosso inquietante quadro social podia ser bem compreendido a partir da matriz explicativa

1 No ano de 2012, devido ao avanço do processo de institucionalização da INCOOP dentro do arcabouço legal da Universidade Federal de São Carlos, ocorre a mudança de nome desta entidade, a qual passa a ser chamada de NUMI-ECOSOL. No decorrer do trabalho, respeito a cronologia da vigência dos nomes institucionais, referindo-me à incubadora ora como INCOOP/ UFSCAR (para eventos acontecidos até o final de 2011), ora como NUMI-ECOSOL (em referências posteriores ao início de 2012).

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marxiana, pautada pelo conflito inexorável entre capital e trabalho. De acordo com Lia Tiriba (2001), seguindo Marx e Engels, “[...] a contradição fundamental do capitalismo radica-se na própria contradição entre o caráter social da produção e o caráter individual da apropriação dos bens produzidos, o que resulta na interação recíproca entre propriedade privada e trabalho alienado” (p. 169-170). Desta forma, minha concepção de Economia Solidária ainda permanece fundamentalmente relacionada à seus dois princípios básicos, a saber: a socialização dos meios de produção e a autogestão das relações produtivas, ambos fundados pela proposta de reordenamento das relações contemporâneas de trabalho (SINGER, 2000; 2008). Em documento elaborado pelos 1.613 delegados da II Conferência Nacional de Economia Solidária, a qual foi convocada para debater o tema O direito às formas de organização econômica baseadas no trabalho associado, na propriedade coletiva, na

cooperativa e na autogestão, reafirmando a economia solidária como estratégia e política de

desenvolvimento, o movimento de Economia Solidária reafirmou a existência dos Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) como novos sujeitos de direitos, reconhecendo nas diversas formas de organização econômica de cooperação e de trabalho associado as seguintes características comuns:

i. ser uma organização coletiva, singular ou complexa, cujos participantes ou sócios(as) são trabalhadoras(es) do meio urbano ou rural; ii. realizar atividades de natureza econômica, socioambiental e cultural que devem ser as razões primordiais da existência da organização; iii. ser uma organização de autogestão cujos participantes ou sócios exerçam coletivamente a gestão das atividades econômicas e a decisão sobre a partilha dos seus resultados, através da administração transparente e democrática, soberania da assembleia e singularidade de voto dos sócios, cumprindo o seu estatuto ou regimento interno; iv. ser uma organização permanente, considerando tanto os empreendimentos que estão em funcionamento quanto aqueles que estão em processo de implantação, desde que o grupo esteja constituído e as atividades econômicas definidas (II CONAES, p. 23).

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Singer (2005), as iniciativas contemporâneas de Economia Solidária fomentadas no bojo do capitalismo, ao exigir das pessoas que as integram uma postura ética (e portanto uma prática) pautada no princípio da solidariedade, e não mais da competição:

[…] exigem que as pessoas que foram formadas no capitalismo sejam reeducadas. Essa reeducação tem de ser coletiva, pois ela deve ser de todos os que efetuam em conjunto a transição, do modo competitivo ao cooperativo de produção e distribuição […] O verdadeiro aprendizado dá-se com a prática, pois o comportamento econômico solidário só existe quando é recíproco. Trata-se de grande variedade de práticas de ajuda mútua e de tomadas coletivas de decisão, cuja vivência é indispensável para que os agentes possam aprender o que deles espera-se e o que devem esperar dos outros (p. 16).

Para o autor, portanto, a Economia Solidária é uma experiência educativa em si mesma, na medida em que propõe novas práticas sociais e também um novo entendimento destas práticas. Destas novas formas econômicas, ao longo do processo de trabalho e a partir dos próprios desafios advindos das experiências do trabalho associado ou autogestionário, em espaços e tempos em que os trabalhadores poderiam confrontar cotidianamente as condições objetivas e subjetivas do mundo vivido e do mundo idealizado, emergiria a possibilidade de constituição de uma "pedagogia da produção associada", um "[...] campo teórico-prático que visa ao estudo e à concretização dos processos educativos que têm como objeto de pesquisa e de ação a socialização, a produção, a mobilização e a sistematização de saberes sobre o mundo do trabalho" (TIRIBA, 2008:89). No sentido apontado, a pesquisa bibliográfica3

realizada buscando-se os trabalhos que relacionam o fenômeno da Economia Solidária ao da Educação confirmou a existência de um vasto campo de investigação temática, especialmente incrementado a partir do aumento expressivo das experiências de Economia Solidária no Brasil, desde a década de 1990.

Uma série destes estudos centra sua análise sobre a atividade de incubação4 dos

3 Revisão efetuada a partir de exame dos anais dos encontros da Associação Nacional de Pesquisa em Educação (ANPED) ocorridos de 2000 a 2013, especificamente dos grupos de trabalho Movimentos Sociais e Educação

(GT 03), Educação Popular (GT 06) e Trabalho e Educação (GT 09); também foi realizada busca de teses, dissertações e artigos científicos por meio do assunto Educação (Popular) e Economia Solidária na Biblioteca Brasileira Digital de Teses e Dissertações (2000 a 2013) e no portal científico eletrônico Scielo (sem especificação de data).

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Empreendimentos de Economia Solidária, executado por entidades de apoio e fomento associadas a este movimento5, e o processo de produção do conhecimento que pretende-se que

decorra desta atividade, seja para compreender as possibilidades e os limites colocados para a consolidação da solidariedade e da autogestão nos empreendimentos (CULTI 2006; PEREIRA, 2009; 2011), para analisar as relações entre a formação técnica e política realizada junto aos trabalhadores (TIRIBA, 2007; NEVES, 2009), o perfil dos educadores que realizam esta atividade (TAMBURRELLI, 2006) e a metodologia por eles utilizadas (MELO NETO, 2006), ou ainda dando ênfase às relações de gênero presentes nos empreendimentos (CHERFEM, 2009). No entanto, a maior parte das investigações encontradas realizam suas análises acerca das dimensões cultural, política e subjetiva inerentes às experiências de trabalho associado (FISCHER; ZIEBELL, 2005; POLI, 2006; SILVA, 2006; SANTOS; DELUIZ, 2006; 2009; AZAMBUJA, 2007; TIRIBA, 2008; MASCARENHAS, 2008; SILVA, 2008; SCHMITZ, 2009), ou sobre o modo como tais dimensões presentes no processo de trabalho podem contribuir para o desenvolvimento como expansão das liberdades (MASCARENHAS, 2010), para a constituição ou não de uma nova cultura do trabalho (SILVA, 2007; LIMA, 2010), de um ethos emancipador (ADAMS, 2007) ou de uma forma inédita de sociabilidade (SALAZAR, 2008). Outros trabalhos, seguindo um caminho distinto, realizam uma discussão problematizando o significado político em si do trabalho enquanto princípio educativo, no que tange à estratégia de superação do capitalismo: enquanto Titton (2008) defende a pertinência da proposta, Tumolo (2008) sugere que o foco da análise deixe de tomar como ponto de partida o trabalho como princípio educativo, passando a discutir o projeto estratégico de caráter proletário, baseado na análise do capitalismo contemporâneo.

De nossa parte, o que imprime especificidade à presente pesquisa é sua proposta de incluir uma dimensão propriamente sociológica ao estudo, o que permitiu problematizar a experiência gestionária do Banco Comunitário Nascente e os processos educativos imanentes a ela não apenas pelo contraste normativo que estabelecem com a lógica do modo de produção capitalista, mas principalmente a partir do modo como eles se relacionam concretamente no contexto contemporâneo específico das periferias urbanas, em interface com os fenômenos sociais que a perpassam. Isto envolve considerar como parte integrante do objetivo geral de nosso trabalho uma análise, ainda que parcial, acerca do modo como certas

pesquisa e extensão" (p. 10).

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práticas específicas de Economia Solidária se relacionam contemporaneamente com as diversas dinâmicas sociais que integram e atravessam a produção cotidiana da vida nas periferias urbanas das cidades brasileiras, a partir da compreensão dos acontecimentos suscitados por tais experiências coletivas e das diferentes significações (e de suas tensões) atribuídas e construídas pelos diferentes sujeitos envolvidos.

No bojo de minha atuação profissional e militante no “Gonzaga”, ou, mais especificamente, a partir de meu trabalho de fomento à criação e consolidação de iniciativas de Economia Solidária no bairro, o qual posteriormente veio se restringir ao apoio à constituição do Banco Comunitário Nascente, pude gradativamente refletir (sobre) e problematizar minhas próprias ações, posturas, palavras, bem como tal maneira de ser e estar no mundo se relacionava com o ambiente e com as pessoas da localidade com quem eu tive a oportunidade de conviver no desenrolar deste trabalho. De outro modo, quanto mais ampliava o movimento de inserção crítica naquela realidade histórico-social específica, deixando-me envolver de modo crescente com as demandas, ações e discursos dos próprios moradores do "Gonzaga", os quais iam emergindo durante o decorrer do processo de análise de viabilidade da implantação do banco comunitário, maior era a possibilidade de vivenciar os acontecimentos cotidianos do bairro e compreender alguns aspectos relacionados à complexa gama de relações sociais e políticas estabelecidas entre os diferentes atores - internos e externos - que ali atuavam: universidade, igreja católica, polícia, poder público, tráfico de drogas, cooperativas, associação de moradores, imprensa, ministério público do trabalho. Ambos os processos de conhecimento, pessoal e social, foram afetando ao longo do tempo tanto os rumos do trabalho com Economia Solidária como a forma com que o inscrevia em meu pensamento, desaguando por fim na presente investigação de mestrado, desenvolvida metodologicamente por meio de uma pesquisa participante.

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trabalhadores de um banco comunitário durante a convivência e o trabalho inerentes à sua prática gestionária, permitiria ampliar nosso entendimento acerca das formas específicas de ação e manifestação política e cultural dos moradores de bairros de periferia urbana, bem como sobre as relações dinâmicas que estabelecem com outras esferas do mundo social.

Em meu modo de ver, a reflexão sobre tais questões, realizada no contexto contemporâneo de Brasil e de América Latina, pode nos auxiliar a compreender de modo mais claro a conjuntura social, política, econômica e cultural de nossa época histórica, fundamento no qual deve se apoiar toda e qualquer proposta ou projeto de devir, especialmente aqueles vinculados à complexa tarefa de construção de projetos políticos populares e libertários.

1.2 ORGANIZAÇÃO DO TEXTO

O presente trabalho está estruturado, para além desta introdução (seção I), que pretende apresentar aos leitores a problemática, os procedimentos e os colaboradores de nossa pesquisa, bem como discutir os pressupostos sociológicos, epistemológicos e metodológicos de uma pesquisa participante, em mais três seções distintas: na Seção II, discorreremos acerca do repertório teórico-conceitual do estudo, partindo de uma apresentação dos fundamentos teóricos de nossa pesquisa em Educação, relacionados aos conceitos de educação, cultura e experiência, para em seguida realizarmos uma breve caracterização tanto do fenômeno contemporâneo da Economia Solidária e dos Bancos Comunitários no Brasil como da discussão das principais abordagens teóricas acerca de tais temáticas; na Seção III, buscaremos apreender a dimensão histórica e situada do fenômeno estudado, a partir da realização de uma breve discussão acerca do fenômeno urbano das periferias brasileiras e da história da constituição do “Gonzaga” como bairro periférico do município de São Carlos/SP, contextualização que permitirá a compreensão mais ampla do processo de estruturação do Banco Comunitário Nascente na região, o qual também será apresentado e problematizado neste capítulo; na Seção IV, apresentaremos e discutiremos as categorias descritivas de análise relacionadas à experiência educativa vivenciada pelos agentes de crédito do Banco Nascente no bojo do trabalho de gestão do empreendimento; por fim, teceremos algumas

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1.3 A PESQUISA PARTICIPANTE COMO METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO

A escolha de uma metodologia de pesquisa científica depende, fundamentalmente, da disposição do pesquisador ou da pesquisadora em percorrer certo caminho epistemológico e metodológico que permita a ele(a) a compreensão de aspectos da realidade mundana problematizados por suas questões de investigação. Em nosso entendimento, a preferência por uma ou outra forma de construção do conhecimento, assim como a possibilidade do surgimento das questões de pesquisa e a maneira como tal conhecimento se relacionará com o contexto histórico-cultural em que foi produzido, estão intimamente imbricados com a natureza da sociedade experienciada pelos sujeitos no bojo da diversidade e complexidade da realidade concreta e simbólica da vida cotidiana. Dependem, deste modo, tanto da maneira com que estas realidades mundanas se manifestam (na totalidade de sua estrutura e dinâmica) aos diversos sujeitos em tempos e espaços distintos, como das diferentes formas com que estes compreendem e significam a realidade, agindo perante ela. Se pensarmos desta forma, perceberemos que:

Durante anos aprendemos que boa parte de uma metodologia adequada serve para proteger o sujeito de si próprio, de sua própria pessoa, ou seja, de sua subjetividade. Que entre que pesquisa e quem é pesquisado não exista senão uma proximidade policiada entre o método (o sujeito dissolvido em ciência) e o objeto (o outro sujeito dissolvido em dado) (BRANDÃO, 1987:07).

Portanto, ao discutir e apresentar a metodologia científica do presente trabalho, pretendemos fazê-lo a partir da problematização dos “pressupostos de ordem teórica e metateórica” (SCHMIDT, 2006:149) inerentes a toda pesquisa acadêmica, relacionados aos seus aspectos sociológicos, epistemológicos e propriamente metodológicos e à coerência dos nexos estabelecidos entre eles.

1.3.1 Reflexão sociológica: enxergando a negatividade da realidade social contemporânea

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Marx, Dussel (2001a) nos fornece o critério de demarcação que diferencia a realização de uma ciência social funcional, situada em um nível de conhecimento superficial e contido dentro do paradigma científico hegemônico, e a constituição de uma ciência social crítica:

[…] una teoría científico-social no sólo por la posición teórica de lo negativo-material, sino, y esto es constitutivo de la crítico (criterio de demarcación, entonces), por el "ponerse de parte" efectiva y prácticamente "junto" a la víctima, y no sólo en posición observacional participativa, sino como el co-militante que entra en el horizonte práctico de la víctima (negatividad- material) al que se decide a servir por medio de un programa de investigación científico-crítico ("explicativo" de las "causas" de su negatividad) (p. 286).

Segundo o autor, a constituição de uma ciência social crítica pressupõe, em primeiro lugar, uma opção ética por parte dos pesquisadores de buscarem a observação da negatividade da realidade social totalizante para, a partir de tal posição, investigarem aqueles fenômenos geradores de relações de dominação entre os seres humanos. Ademais, para Dussel, também é constitutivo de uma ciência social crítica o compromisso de se colocar junto aos grupos oprimidos, visto que a superação da realidade opressora em que nos encontramos pressupõe uma práxis militante, crítica e intersubjetiva. A trajetória de um pesquisador crítico se inicia, portanto, no bojo deste compromisso com a transformação social, sendo que sua motivação para produzir conhecimento parte justamente das indagações e problematizações surgidas nesta imersão crítica no mundo que o cerca, visto que “[...] es en el momento de poder o no observar en la vida cotidiana hechos posibles temáticos de la ciencia, que la 'opción ética' es constitutiva a priori de la 'criticidad' científica” (DUSSEL, 2001b:308).

A partir da concordância com o argumento colocado acima, a coerência entre nossa compreensão da realidade social e o compromisso ético e político com os grupos oprimidos, advindo de nossa maneira peculiar de ser e estar no mundo em práxis intersubjetiva, levou-nos a trilhar e à contribuir com o caminho já inaugurado pela pesquisa participante

(BRANDÃO, 1985; 1987), modelo de investigação social que se apresenta como crítico e alternativo aos métodos positivistas de pesquisa em ciências humanas.

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nomenclatura utilizada para sua designação6), tais práticas “[...] se originam e re-elaboram

diferentes fundamentos teóricos e diversos estilos de construção de modelos de conhecimento social através da pesquisa científica”, não havendo, portanto, “[...] um modelo único ou uma metodologia científica própria a todas as abordagens da pesquisa participante” (BRANDÃO; BORGES, 2007:53). No decorrer da década de 1980, as duas coletâneas de textos organizadas por Carlos Rodrigues Brandão (1985; 1987) cumpriram o papel pioneiro de reunir e sistematizar uma parte das experiências de pesquisa participante empreendidas na América Latina e na Europa, permitindo a emergência de um debate teórico-metodológico mais consistente.

Destarte, podemos anunciar desde já alguns pontos fundamentais de convergência que podem ser estabelecidos entre as diferentes práticas de pesquisa participante, os quais podem ser utilizados como ponto de partida para a discussão mais detalhada, empreendida a seguir, acerca das dimensões epistemológicas e metodológicas de nossa pesquisa. De um modo geral, segundo Carlos Rodrigues Brandão e Maristela Correa Borges (2007), as experiências de pesquisa participante são compreendidas como “[...] um instrumento, um método de ação científica ou um momento de um trabalho popular de dimensão pedagógica e política, quase sempre mais amplo e de maior continuidade do que a própria pesquisa” (p. 53), possuindo para os autores os seguintes princípios comuns:

a) Possui compromisso político-ideológico com as causas dos grupos oprimidos e movimentos sociais e, portanto, com a participação em ações populares que apontem à transformação social; neste sentido, a pesquisa é tomada inexoravelmente enquanto práxis, em sua unidade dialética entre teoria e prática;

b) Tem seu ponto de origem na relação que estabelece com uma perspectiva situada da realidade social e histórica, ou seja, ela necessariamente deve tomar como base de seu trabalho as experiências de vida cotidianas de seus participantes, sem deixar de relacioná-las com a totalidade da vida social e de situá-las historicamente;

c) Problematiza as relações estabelecidas entre sujeitos e objetos de pesquisa, buscando transformá-las gradualmente em relações entre sujeitos por meio da promoção, de diferentes formas e níveis, da participação popular no processo de investigação. Isto implica necessariamente o reconhecimento, por parte dos pesquisadores acadêmicos, do saber popular

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enquanto forma igualmente legítima de construção do conhecimento.

Abarcado o nível mais geral de caracterização das práticas de pesquisa participante, vejamos mais detalhadamente o modo como ela “[...] é capaz de aglutinar em torno de si tanto a reflexão epistemológica que interessa à ruptura com o paradigma positivista quanto a apreensão crítica das dimensões éticas e políticas das pesquisas de campo” (SCHMIDT, 2006:13).

1.3.2 Reflexão epistemológica: a ruptura com os princípios positivistas nas ciências humanas

Tido como um dos pilares do paradigma positivista, o princípio da neutralidade política da ciência e da objetividade de seus métodos, procedimentos e atitudes empenhadas por parte dos pesquisadores, ainda é utilizado em boa medida enquanto critério de demarcação e de validade do conhecimento científico. Neste sentido, uma análise mais cuidadosa acerca da natureza do campo em que se realiza a produção do conhecimento acadêmico nos permite desconstruir em parte tal argumento.

Pierre Bourdieu (1994), em seu estudo sobre o campo científico, rejeita a ideia de que uma comunidade científica é regida apenas pelas normas e disputas restritas ao universo epistemológico, campo em que se daria a produção de um conhecimento desinteressado, motivado somente pelos imperativos intelectuais colocados a partir do “problema da verdade”. Ao contrário, Bourdieu considera o universo científico como um campo social igual aos demais, locus privilegiado de manifestação das disputas de forças específicas, que se dão por meio de lutas e estratégias que são definidas e redefinidas a partir da posição dos agentes dentro das estruturas historicamente determinadas do campo, visando a consecução de interesses e lucros igualmente específicos. Deste modo, para o sociólogo francês, qualquer análise a ser empreendida sobre o campo científico deve levar em consideração tanto a dimensão propriamente epistemológica quanto a dimensão política das disputas colocadas em jogo. Segundo Bourdieu (1994):

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No bojo da disputa pela competência e autoridade científica ocorrida no interior do universo acadêmico, os agentes pautam suas ações estratégicas considerando a estrutura da distribuição do capital específico que ao longo do tempo foi sendo construída e cristalizada a partir do contexto em que se realizaram as disputas das forças em jogo. Desta forma, de acordo com o autor, o campo científico:

[…] enquanto lugar de luta política pela dominação científica, que designa a cada pesquisador, em função da posição que ele ocupa, seus problemas, indissociavelmente políticos e científicos, e seus métodos, estratégias científicas que, pelo fato de se definirem expressa ou objetivamente pela referência ao sistema de posições políticas e científicas constitutivas do campo cientifico, são ao mesmo tempo estratégias políticas (BOURDIEU, 1994:126).

Neste sentido, a própria estrutura do campo científico acaba por definir – não sem disputa, sempre desigual - as instâncias de legitimidade que se colocarão de modo dominante, definindo os “critérios de julgamento” e os “princípios de hierarquização” que determinarão as condições da disputa entre os diferentes grupos em conflito, determinação inexoravelmente político-ideológica. Depreende-se da afirmação antecedente que a questão dos artifícios do jogo da luta científica representarem e manifestarem as relações desiguais de poder entre seus agentes em certo período histórico, implica também em que as condições de realização das atividades propriamente científicas – ou seja, a própria definição de ciência, a limitação de seu campo de problemas, métodos e teorias que podem ser considerados científicos - esteja em conformidade com os interesses específicos do grupo que detém a primazia no campo acadêmico. Destarte:

[...] uma ciência neutra é uma ficção, e uma ficção interessada, que permite fazer passar por científico uma forma neutralizada e eufêmica, particularmente eficaz simbolicamente porque particularmente irreconhecível, da representação dominante do mundo social” (BOURDIEU, 1994:148).

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hierarquização, quanto no interior mesmo do universo científico. Ao fazê-lo, nega que seja possível concebermos a ciência moderna como algo abstrato, em que o “conhecimento em si” fosse sua única finalidade. Além disso, ela se propõe a responder questões que a nosso ver são fundamentais a qualquer pesquisador que se destina a investigar a realidade social: “Qual é o tipo de conhecimento que queremos e precisamos? A que se destina o conhecimento científico e quem dele se beneficia?” (HAGUETTE, 2010:156).

Procedendo de modo a negar por completo a possibilidade de separação entre sujeito e objeto de pesquisa, a pesquisa participante também pode vir a contribuir criticamente com questões relacionadas à dimensão ética e política das pesquisas de campo, pois reconhece que em qualquer interação mediadora entre sujeitos “[...] há um campo complicado de conflitos e resistência, que se expressa através da educação. Que se expressa também através de símbolos, de estruturas de relação, de situações práticas e de processos que têm a ver com a reprodução do saber” (BRANDÃO, 1984:174). É sobre este conjunto de questões metodológicas advindas das práticas de pesquisa participante que pretendemos nos deter a seguir.

1.3.3 Reflexão metodológica: a dimensão ética e política das pesquisas participantes

Talvez a questão mais controversa e debatida no interior das práticas, reflexões e discursos sobre a pesquisa participante esteja relacionada com a natureza da participação realizada tanto pelo pesquisador que se insere em certa prática social popular, quanto pelos diferentes níveis de envolvimento dos agentes populares no processo de pesquisa. Isto se deve à dupla ruptura proporcionada por estas duas vias de participação em relação ao paradigma positivista, o qual ancora a legitimidade do conhecimento científico produzido aos princípios epistemológicos da neutralidade e da objetividade da ciência: por um lado, o engajamento político-ideológico do pesquisador e seu compromisso ético com projetos populares de transformação social, e por outro, a interferência do “objeto” de pesquisa nas etapas de sua construção, comprometeriam o rigor e a cientificidade da investigação.

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(BRANDÃO; BORGES, 2007:55), estamos em acordo com Maria Waldenez de Oliveira (2009), para quem:

[…] o compromisso ético e social é ponto de partida e chegada. Falo de um compromisso com a melhoria das condições de vida e saúde da população brasileira, na busca da equidade, do respeito à vida e da dignidade das pessoas, da valorização do saber e cultura populares, da inclusão e controle sociais e da superação de todas as formas de desigualdade e discriminação. O retorno à comunidade dos ganhos ou resultados desses trabalhos não se dá, exclusivamente, no terreno do compartilhamento de informações, mas também na efetiva contribuição social, que deve ser anunciada na justificativa do trabalho, prevista na metodologia e verificada em seus resultados (p. 317).

Se a relação ética e política intencionada pelo pesquisador junto à grupos ou indivíduos oprimidos representa um dos elementos metodológicos fundamentais das pesquisas participantes, constituindo-se como característica comum às experiências latino americanas realizadas neste campo de atuação, a forma e o nível de participação dos sujeitos de pesquisa no decorrer de seu processo de edificação são tratados de modo deveras diverso na literatura específica ao tema. De acordo com Haguette (2010), em algumas experiências e definições de pesquisa participante, a participação efetiva dos grupos e indivíduos estudados em todas as etapas da investigação científica é concebida enquanto princípio essencial deste tipo de pesquisa, servindo deste modo como critério ontológico de discriminação entre as diferentes experiências de estudo. Em nosso caso, compartilhamos da posição de Brandão (1983), o qual substantiva a ideia de participação da seguinte forma:

Quero insistir aqui que a questão fundamental não é a da participação de setores populares em atividades de produção científica de conhecimento social. É a da determinação de como aqueles que podem produzir cientificamente tal conhecimento colocam o seu trabalho participando de projetos de efetivo interesse político das classes populares, para que a participação não seja um ardil, mas um serviço. Desde que o horizonte do pesquisador/educador seja o do poder das classes populares e, consequentemente, o da realização de transformações estruturais a partir do trabalho político de tais classes, é necessário reconhecer que conjunturas e momentos diferentes definem estratégias diversas de prática de produção social do conhecimento junto às classes populares (p.69).

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anunciar questões relativas ao repertório metodológico das pesquisas qualitativas em ciências humanas. Estamos nos referindo ao papel da convivência metodológica, do reconhecimento à legitimidade do conhecimento popular e da construção dialógica do saber no processo de investigação científica (OLIVEIRA, 2009). Acreditamos que tais aspectos se implicam mutuamente no fazer ciência, e, se juntarmos a eles o preceito formulado por Brandão (1983) com relação à participação da prática científica no trabalho político dos grupos populares, nos aproximaremos de nossa própria concepção de pesquisa participante.

Compartilhar desejos e sonhos de transformação do mundo com outras pessoas exige, em nosso entendimento, uma aproximação intensa com este outro que está para além de nossa própria realidade, para que seja possível o estabelecimento de laços recíprocos de confiança, solidariedade e acolhimento entre pessoas sócio culturalmente distintas. Neste sentido, uma pesquisa participante deve prever em sua metodologia de trabalho a disposição do pesquisador ao ato de conviver de um modo próximo e comprometido com os colaboradores de sua investigação, de modo a que seja possível melhor compreender as nuances e especificidades das ações e relações cotidianas vivenciadas por eles em sua própria realidade social. Segundo Oliveira (2009):

Na convivência, somos incitados e incitadas a procurar e respeitar as diversas manifestações espirituais, materiais e culturais. No encontro com grupos populares tem-se a fala da população, que é quem sabe da vida que vive, e a fala do técnico, que é um saber também de vida, mas recortado pela técnica, pela ciência, pela escolaridade. A relação com o tempo, com o dinheiro, com o consumo é diferente. Reconhecer que somos diferentes não deveria redundar em posturas inferiorizadoras por parte de quaisquer grupos ou pessoas (p. 314-315).

A convivência pode significar, portanto, a possibilidade de reconhecimento e respeito à alteridade representada pelo outro. Tal apontamento nos remete à questão da consideração do saber popular enquanto uma outra forma legítima de construção do conhecimento. Questionando a dificuldade que diversos pesquisadores e outros profissionais que trabalham junto aos grupos populares encontram em interpretar como tais pessoas pensam, percebem e agem no mundo, Victor Valla (1996) afirma que tal dificuldade está intimamente relacionada à uma postura costumeiramente adotada por eles de não aceitar a possibilidade de que os moradores da periferia e outros segmentos populares são capazes de produzir conhecimento que sirva para interpretar e explicar a realidade.

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nos tornarmos tutores dos grupos populares ao desconsiderarmos sua capacidade crítica de análise da realidade – ou considerarmos tal capacidade insuficiente -, julgando as atitudes – ou a falta de atitude - desta população frente a determinada situação como comportamento que denotaria conformismo e passividade. Uma outra dificuldade apontada pelo autor em nossa crise de interpretação acerca de tais grupos se referiria à incapacidade que temos em compreender não apenas o que está sendo dito por eles, mas também o ponto de partida de suas próprias formulações, ou seja, nos faltaria compreender melhor as suas falas em relação a certa experiência de vida, a qual orienta as formas das pessoas estarem e agirem no mundo. Conforme escreve Valla (1996):

Os saberes da população são elaborados sobre a experiência concreta, a partir de suas vivências, que são vividas de uma forma distinta daquela vivida pelo profissional. Nós oferecemos nosso saber porque pensamos que o da população é insuficiente e, por esta razão, inferior, quando, na realidade, é apenas diferente (p. 179).

De nossa parte, partilhamos do entendimento de que a relação estabelecida entre diferentes sujeitos no bojo de uma pesquisa participante, expressa na construção de um conhecimento crítico que advém do encontro de subjetividades e do exercício de intersubjetividade, deve implicar necessariamente a busca pela construção e consolidação de relações dialógico-comunicativas7. Tais relações encontram terreno fértil para se

desenvolverem no decorrer do próprio processo de pesquisa e intervenção, vivenciado a partir de uma “[...] cuidadosa e paciente inserção dos pesquisadores na comunidade, na instituição, no espaço social, num conviver, realizado em interação e confiança” (OLIVEIRA et al, 2009:10). É por isto que, a nosso ver, uma das condições essenciais para que o diálogo possa ocorrer de modo a propiciar a efetiva aproximação entre sujeitos, seja a disposição mútua de acolhimento e respeito presentes nas posturas e atitudes desempenhadas por cada um dos polos da relação comunicativa. Neste sentido, em acordo com Maria Luiza Schmidt (2006):

A composição de saberes, a construção de interpretações, a transposição de distâncias sociais, culturais e psicológicas que o diálogo pode produzir dependem das posições dos protagonistas da pesquisa: transformação e confrontação de identidades e alteridades no interjogo de diferenças são a atmosfera do diálogo. Estas posições resultam da negociação de atitudes e valores e das relações de poder envolvendo a distribuição democrática dos lugares de escuta, fala e ação no decorrer da pesquisa de campo, as formas de

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apropriação e destinação do saber elaborado e a apreciação de efeitos de dominação e de emancipação do conhecimento e sua divulgação (p. 36).

Por se tratar de um fenômeno essencialmente intersubjetivo de e na construção humana do mundo objetivo, o diálogo entre as pessoas não pode partir de uma situação opressora que implique dominação de uns sobre outros, a negação do direito dos homens e mulheres pronunciarem suas próprias palavras. Enquanto ato de criação e recriação do mundo, o diálogo se instaura como situação gnosiológica (incidência do ato cognoscente dos sujeitos sobre o objeto cognoscível que os mediatiza) e se realiza como um ato de amor e humildade entre os seres humanos (FREIRE, 2011a).

Ao analisar o diálogo enquanto fenômeno humano e sua relação com a prática de uma educação libertadora (e portanto problematizadora, não bancária), Paulo Freire (2011a) encontra na palavra a própria essência deste fenômeno. Identifica no ato contínuo e dialético dos homens de ação e reflexão sobre o mundo a fim de transformá-lo os dois elementos constituintes da palavra verdadeira. Ou seja, é somente na práxis que a palavra humana pode se revelar enquanto forma verdadeira de pronunciar o mundo, práxis esta que não se realiza a partir da relação individual estabelecida entre homens e mulheres com o mundo, mas por meio da comunhão e do diálogo humano mediatizados pelo mundo objetivo. Deste modo, no trabalho de pesquisa participante:

Ao se realizar trabalhos na busca do diálogo com o outro, tendo o compromisso ético e social como ponto de partida e chegada, aprende-se a convivência e, com ela, a gostar de si e da vida. Aprende-se pessoalmente e profissionalmente e, com isso, ganha-se não só em experiência, mas também com a riqueza do conhecimento construído (OLIVEIRA, 2009:318).

1.4 PROCEDIMENTOS DE PESQUISA UTILIZADOS NA COLETA E ANÁLISE DOS DADOS

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profissional no fomento à criação e consolidação de iniciativas econômicas populares no Jardim Gonzaga, ocorridos durante 2008 e 2012; e o trabalho de campo (BOGDAN; BIKLEN, 1994) realizado no período compreendido entre os dias 20 de agosto e 05 de novembro de 2012.

A utilização da sistematização de experiência como forma de obtenção de dados primários relevantes para uma análise mais acurada do fenômeno investigado tem como referência os escritos de Oscar Jara-Holliday (2006), o qual entende que: "A sistematização é aquela interpretação crítica de uma ou várias experiências que, a partir de seu ordenamento e reconstrução, descobre ou explicita a lógica do projeto vivido, os fatores que intervieram no dito processo, como se relacionaram entre si e porque fizeram desse modo" (p. 24). A sistematização implica, necessariamente, dois níveis de formulação: um descritivo, que permite por meio da reconstrução do processo da experiência, objetivar o vivido; outro

interpretativo, que busca obter a compreensão crítica do sentido da experiência vivida. Jara-Holliday afirma que a sistematização permite, além de uma compreensão de maior alcance das experiências realizadas e da socialização dos conhecimentos advindos delas, a realização de reflexões teóricas mais generalizantes (p. 29-37).

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um diálogo com os três agentes de crédito do Banco Nascente para apresentarmos a pesquisa que seria desenvolvida e pedirmos autorização para realizarmos as anotações de campo, a qual nos foi concedida. Após aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da UFSCAR, todos os sujeitos da pesquisa assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, autorizando formalmente a utilização dos dados registrados em diário de campo8.

No tocante à análise dos dados obtidos, utilizamos técnicas de pesquisa inspiradas na fenomenologia, com o objetivo de obter a compreensão dos significados de fenômenos que se mostram de maneira situada, e cujo “[...] foco da sua atenção é centralizado no específico, no peculiar, no individual, almejando sempre a compreensão e não a explicação dos fenômenos estudados” (MARTINS; BICUDO, 1989:23). Em nossa pesquisa, buscamos interpretar e compreender os processos de conhecimento experienciados pelos agentes de crédito do Banco Nascente a partir da utilização de duas perspectivas conjugadas: uma de primeira ordem, em que “[...] a experiência de um determinado aspecto da realidade é tida como uma relação entre aquilo que é experienciado e aquele que está experienciando”, e outra contextual, partindo da ideia de que seja possível compreender os fenômenos partindo do modo “[...] como ele se relaciona com as demais entidades com as quais está no contexto onde aparece” (MARTINS; BICUDO, 1989:24). Deste modo, seguimos os seguintes procedimentos para discutirmos, a partir da análise das descrições encontradas tanto nas sistematizações de experiência como nos diários de campo, as questões colocadas pela pesquisa:

(1) o pesquisador precisa ler a descrição de princípio a fim de modo a familiarizar-se com o texto que descreve a experiência vivida […] (2) o pesquisador marca ou põe em evidência os significados na descrição. Isto quer dizer que ele está diferenciando as partes nas descrições. Nessa operação, todos os dados são cuidadosamente tratados. Essa não é uma fase rígida, pois é possível que diferentes pesquisadores indiquem diferentes significados, de acordo com suas perspectivas e interrogações […] (3) Procedendo deste modo, o pesquisador obtém uma “unidade de significação”. Essa unidade é, então, uma parte da descrição cujas frases se relacionam umas com as outras, indicando momentos distinguíveis na totalidade da descrição; (4) o pesquisador reagrupa os constitutivos relevantes para poder chegar a uma análise da estrutura do fenômeno (MARTINS; BICUDO, 1989: 95).

Em nosso caso, realizamos este reagrupamento dos “constitutivos relevantes” do fenômeno interpretado a partir da depuração, proporcionada pelas leituras das sistematizações

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e dos diários de campo, de algumas categorias gerais mais relevantes para chegarmos às respostas aproximadas à nossa questão de pesquisa. Tal exercício foi realizado por meio do levantamento e interpretação das unidades de significado identificadas nas descrições de campo e do reconhecimento de seus aspectos convergentes e divergentes.

As unidades de significado (US) utilizadas de maneira substantiva durante a discussão das categorias de análise, bem como as sistematizações de experiência (SE) e os diários de campo (DC) das quais elas foram retiradas, estarão identificadas entre parênteses após cada citação realizada, por meio da correspondência de siglas e de números romanos (para diários de campo e sistematização de experiência) ou arábicos (para as unidades de significado), a saber: as sistematizações de experiência ou os diários de campo nos quais se encontram as unidades de significação estarão representadas por já mencionada sigla, seguidas de número romano próprio à sistematização ou diário de campo utilizado (SE I, SE II, DC I, DC II, etc.); após hífen, temos a identificação das unidades de significação e do número correspondente à unidade citada no trecho do texto (US1, US2 etc.). Deste modo, a título de exemplo, a terceira unidade de significação extraída do diário de campo número 8 estaria assim identificada: (DC VIII - US3). Em cada sistematização de experiência ou diário de campo elaborado, as unidades de significação encontram-se grifadas e seguidas da mesma representação descrita acima, em negrito, excluindo-se apenas a identificação do respectivo diário de campo (US1, US2, etc.).

Cumpre salientar que após experiência de interpretação preliminar dos dados, dialogamos com os sujeitos da pesquisa acerca dos resultados parciais da análise apresentada, pois partimos do entendimento que a revisão conjunta de relatos de campo e textos interpretativos permite, por um lado, que os colaboradores de pesquisa intervenham “[...] com suas demandas de esclarecimento, fidelidade, respeito ou solidariedade às suas formas de vida” e, por outro, “[...] que a co-autoria pode se afirmar como uma consequência mais radical da pesquisa como diálogo” (SCHMIDT, 2006:38). Por motivos éticos, os colaboradores da pesquisa, bem como as pessoas citadas por eles em suas falas, tiveram seus nomes reais substituídos por nomes fictícios no decorrer do texto, nas sistematizações de experiência e nos diários de campo.

1.5 APRESENTAÇÃO DOS COLABORADORES DA PESQUISA

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decorrem da experiência gestionária de um banco comunitário atuante na periferia de São Carlos/SP, nosso maior interesse esteve sempre relacionado à observação e participação nas atividades cotidianas do empreendimento, as quais eram vivenciadas e experimentadas basicamente pelos agentes de crédito do banco, seja entre si, seja em suas relações com os moradores do “Gonzaga”. Deste modo, a escolha destes agentes de crédito enquanto colaboradores de nossa pesquisa se justifica pelo papel central que eles possuem no contexto de realização das atividades profissionais desta iniciativa financeira de Economia Solidária. Durante o período de coleta de dados via trabalho de campo, realizado entre os dias 20 de agosto e 05 de novembro de 2012, as atividades de gestão do Banco Comunitário Nascente eram atribuídas aos agentes de crédito João, Irene e Adriana.

João tem 55 anos, e mora com a esposa e os sete filhos em uma casa no Jardim Cruzeiro do Sul, bairro localizado na região sul do município de São Carlos e cuja ocupação inicial se deu no final da década de 1950, constituindo-se a partir desta época enquanto loteamento popular voltado em sua grande parte à moradia da camada pobre e trabalhadora do município de São Carlos. Funcionário aposentado de uma grande empresa multinacional, João se aproximou do banco comunitário no início de 2012, por meio de sua participação nos cursos de sensibilização e formação em economia solidária e bancos comunitários realizados pelo Núcleo de Economia Solidária da Universidade de São Paulo (NESOL/USP), nos dias 14 e 21 de janeiro, em São Carlos. Ele e sua esposa estiveram presentes em tal encontro devido, entre outros motivos, à sua relação catequista com a Paróquia Madre Cabrini e à participação e apoio do padre responsável pela Paróquia à constituição do banco comunitário no bairro. A partir de então, João passou a acompanhar e colaborar sistematicamente com o processo de planejamento e implantação do Banco Nascente, e não foi surpreendente sua demonstração de interesse em participar do edital público que selecionaria dois agentes de crédito para trabalharem no banco comunitário. Primeiro colocado no processo seletivo, João passou a atuar, a partir de março de 2012, enquanto agente de crédito do Banco Nascente, atividade que desempenhou até o mês de novembro do mesmo ano.

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