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Repositório Institucional UFC: A oralidade no ensino de língua portuguesa: uma avaliação do livro didático

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Academic year: 2018

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A ORALIDADE NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA:

UMA AVALIAÇÃO DO LIVRO DIDÁTICO

Mônica de Souza Serafim

Universidade Federal do Ceará/FUNCAP– mônica_serafim@zipmail.com.br/ monicasserafim@yahoo.com.br

Introdução

A modalidade oral como conteúdo a ser trabalhado na escola já vem sendo enfatizada por diversos estudiosos da lin-guagem, como Marcuschi (2001) e Neves (2004). Os próprios PCN põem essa modalidade ao lado da modalidade escrita, ressaltando a importância desse estudo no desenvolvimento da competência discursiva dos alunos. Esse estudo, na perspec-tiva que acreditamos ser produperspec-tiva, parece-nos que represen-ta ainda uma prática a ser abordada nos livros didáticos de português do Ensino Fundamental II. Interessa-nos, neste tra-balho, avaliar como estes manuais didáticos têm trabalhado a modalidade oral da língua.

Neste trabalho, defendemos uma abordagem de ensi-no que enfatize a oralidade, como uma prática pedagógica que propicia um trabalho pautado no caráter social e dinâ-mico da língua.

Esta proposta se justifica, pelo fato de que a maioria das pesquisas sobre a avaliação do livro didático atém-se apenas à análise da modalidade escrita da língua, deixando um tanto esquecida a modalidade oral. Nossa preocupação em desen-volver e defender um trabalho voltado para a avaliação da oralidade no livro didático encontra-se arraigada nas conse-qüências negativas que um ensino baseado somente na mo-dalidade escrita padrão da língua exerce.

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di-dáticos ainda não absorveram, conforme ressalta Matoso Câ-mara (1969, 43)

Em verdade, as relações entre fala e a grafia preci-sam de tratamento muito diverso do que lhes cos-tuma dar as gramáticas escolares. Nestas, a atenção primordial é para a língua escrita (...) e a língua oral entra de maneira indefinida, sem delimitação explí-cita, que se impunha para uma e para a outra.

A hipótese que fundamenta este trabalho é a de que os livros didáticos de língua portuguesa, no Ensino Fundamental II, têm-se centrado numa concepção reducionista de lingua-gem em que se toma como objeto de estudo somente a mo-dalidade escrita da língua. Nesta perspectiva, o estudo da língua limita-se a análise de formas descontextualizadas, sem consi-derar o uso efetivo da língua. Sobre isto diz Marcuschi (2001)

Uma das razões centrais do descaso pela língua fala continua sendo a crença generalizada de que a es-cola é o lugar do aprendizado da escrita. Uma cren-ça tão fortemente arraigada que já se transformou numa espécie de consenso: a escola está aí para en-sinar a escrita e não a fala.É possível concordar com isto, mas é também possível acrescentar que nem por isso a escola está autorizada a ignorar a fala. O homem é tipicamente um ser que fala e não um ser que escreve. (p.25)

Aqui não temos a intenção de propor que a modalidade escrita da língua deve ser substituída, mas sim que dentro do trabalho com a língua portuguesa proposto pelos manuais haja espaço para a modalidade falada.

Segundo Neves (2004; 35)

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es-cola no tratamento da língua escrita: apenas é lícito cobrar a restauração do equilíbrio que o uso lingüístico tem, mas a escola desconhece: numa so-ciedade letrada não se escreve e se lê apenas, tam-bém (e principalmente) se fala.

Corrobora com esta mesma idéia Castilho (1998, 21), para quem a incorporação da oralidade nas aulas aproximaria dois mundos, muitas vezes, tão opostos: a escola e a vida

Via de regra o aluno não procede de um meio letra-do. Sua família enfrenta as tensões da vida urbana, uma novidade para muitas delas. A escola deve ini-ciar o aluno valorizando seus hábitos culturais, le-vando-o a adquirir novas habilidades desconhecidas de seus pais. O ponto de partida para a reflexão gra-matical será o conhecimento lingüístico de que os alunos dispõem ao chegar a escola: a conversação.

Desse modo, a discussão proposta aqui procurará avali-ar como o livro didático trabalha a modalidade oral. Tal intento será apresentado a seguir, primeiramente, destacando os estu-dos que tratam sobre o assunto.

Fundamentação Teórica

O surgimento e aceitação da língua escrita na sociedade é uma tradição social que trouxe como principal conseqüên-cia a transformação desta modalidade da língua em uma habi-lidade que historicamente tornou-se sinônimo de detenção de conhecimento, primeiramente literário, depois clássico, e, final-mente, científico.

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dela, isto é, é por meio do uso da língua que podemos perce-ber melhor as características não só lingüísticas, mas também sócio-culturais de um falante ou de um grupo de falantes. Além disso, a língua reflete a visão de mundo do falante, suas cren-ças, atitudes e ideologias.

Certamente essa supervalorização da escrita afetou pro-fundamente a língua oral, atribuindo à fala o lugar do erro, do informal, segundo Fávero (2001).

O livro didático, como reflexo do ensino vigente, parece ainda corroborar com esta prática, pois dirige a maior parte de suas páginas às atividades de escrita. Sobre isto diz-nos Marcuschi (2001; 26)

Nota-se, por parte dos autores de livros didáticos, um descaso em relação à oralidade em geral. Vere-mos que o espaço dedicado à língua falada raramen-te supera o ridículo percentual de 2% do cômputo geral de páginas.

No entanto, parece existir certa “ironia do destino” se analisarmos a história do livro didático.

Em breves palavras poderíamos dizer que o primeiro li-vro didático remonta ao século IV a.C. Ele foi escrito por Anaxímenes de Lampsaco e denominava-se Retórica para

Aristóteles. Seu tema tratava de um manual destinado à

apren-dizagem da arte de falar em público.

Tal fato nos mostra que no início da criação da escola a oralidade era mais valorizada que a escrita.

Talvez seja pela valorização de uma modalidade da lín-gua em detrimento a outra desde o início, que hoje temos a mesma atitude, mas agora é a escrita que se sobrepõe à fala.

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Conforme o autor (op. cit.), não se deve analisar as rela-ções entre língua oral e escrita em uma perspectiva dicotômica, pois assim estaríamos atribuindo à modalidade escrita um ca-ráter explícito, planejado e elaborado, ao passo que à modali-dade oral caberia a implicitude, o não-planejamento e a falta de elaboração.

Tal visão ainda prejudicaria o trabalho do professor, pois este não discutiria com os alunos a possibilidade de existir tex-tos formais em língua falada, como uma palestra, por exemplo, e textos formais em língua escrita, como o bilhete.

Conforme Risso (1994), mais importante que o conheci-mento factual ou científico das relações entre oralidade e es-crita são as implicações teóricas e pedagógicas desse conhecimento no ensino de uma língua, que não pode ser con-cebida como código, mas como um lugar de interação.

Corrobora com esta mesma idéia Neves (2003), para quem o que mais importa na escola é ver a língua em funcio-namento, o que significa avaliar as relações entre fala, escrita e leitura como práticas discursivas, todas elas como usos da lín-gua, nenhuma tratada de forma secundária em relação a outra e cada uma delas servindo como objeto de reflexão.

Seguindo os autores citados neste trabalho, acreditamos que as modalidades oral e a escrita não podem ser vistas como estanques e o papel da escola é o de discutir com os alunos esses dois modos de representação cognitivo e social, sem reduzir a oralidade a algo menor e nem postular superioridade à escrita.

Desse modo, a discussão proposta aqui procurará avali-ar como o livro didático trabalha a modalidade oral. Tal intento será apresentado a seguir.

Análise dos Dados

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língua materna no Ensino Fundamental e ainda que o trabalho com a modalidade oral ainda não é satisfatório.

Na coleção Ler, entender e criar – Língua Portuguesa, o manual do professor inclui o trabalho com a oralidade na se-ção “Leitura”:

Finalizando essa seção, são propostas questões para uma troca de idéias entre os alunos. O objetivo é estimular a oralidade, ampliar o vínculo leitor –tex-to e contribuir para que os alunos exponham seus conhecimentos prévios sobre o tema e sua experiên-cia vivida. (Manual do professor, p. 09)

Ao longo de toda a coleção, esta seção é apresentada com um texto, em geral literário e longo, e ao final aparecem uma ou duas perguntas sobre o texto, em que o professor é induzido a fazer perguntas aos alunos do tipo:

O que mais chamou sua atenção no poema “Aula de Leitura”? Converse sobre isso com seus colegas e seu professor. (p. 11, 5ª série)

Ulisses é um herói da mitologia grega. Você conhece outros heróis, deuses ou histórias da mitologia gre-ga? Quais? Comente com seus colegas. (6ª série, p. 31) Você costuma ver TV? Se sim, quantas horas por dia? Dê sua opinião: a televisão deve apenas divertir ou também precisa educar? (7ª série, p. 69)

Você acabou de ler o início de livro Frankenstein, um lássico das história em quadrinhos de terror. Comen-te com seus colegas: você gosta desse gênero? Já leu essa ou outras histórias de terror?

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Desse modo, essas perguntas não nos permite saber como o professor direcionou este exercício para que pudesse contribuir para o desenvolvimento da oralidade do aluno.

Observe que neste livro a oralidade é trabalhada apenas como forma de dar opinião ou no tom de conversa.

Já na coleção Português: linguagens há uma seção especí-fica para se trabalhar a oralidade intitulada “Trocando idéias”:

Este tópico objetiva desenvolver a capacidade de

expressão e argumentação oral do aluno. (Manual do professor, P.04)

Nesta coleção o trabalho com a língua oral também é apresentado apenas como forma de opinar:

1. Podemos dizer que no conto O Chapeuzinho Ver-melho, a menina representa a ingenuidade e a inexperiência, ao passo que o lobo representa a as-túcia e a malícia. No mundo real ,quem poderia ser: a) Chapeuzinho Vermelho?

b) O lobo?

2. Lembrando que os contos de fadas quase sempre procuram Transmitir ensinamentos relacionados a comportamentos de Todo ser humano, você acha que a história de Chapeuzinho é eterna, isto é, pode ser lida e contada para as crianças do mundo inteiro e em qualquer época? (5ª série, p.84)

1. O texto narra a amizade entre um menino pobre e um menino rico.

a)Você já teve alguma experiência desse tipo ou conhece alguém que tenha passado por isso? Em caso afirmativo, como foi? (6ª série, p.82)

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Como seria essa educação e quais suas vantagens e desvantagens?

3. E você, como deseja ser daqui a trinta anos? (7ª série, p.54)

1. O poema expressa um conceito de fidelidade amorosa.

a) Na sua opinião, é possível existir amor verdadeiro quando há infidelidade?

b) Como você lidaria com a infidelidade?

2. Você acha que o ciúme é natural e necessário no amor? O ciúme pode destruir um relacionamento amoroso? (8ª série, p.157)

Já na coleção Linguagem Nova, a língua oral é trabalha-da na seção “Sugestões de ativitrabalha-dades complementares”. Esta por sua vez, mescla atividades extra-classe de tarefas com a língua verbal oral e escrita e a linguagem não verbal.

A coleção é a única dentre as analisadas que utilizam os diversos gêneros textuais orais.

A coleção propõe ao aluno realizar entrevistas gravadas, montar programas, ler poemas, organizar mesas redondas, fa-zer relato oral, encenar peças teatrais, dentre outras propostas, como podemos ver a seguir:

Orientados pelo/a professor/a, ler e recontar em sala a fábula A galinha dos ovos de ouro, que em algumas versões (como a de Esopo) aparece como A gansa que Punha ovos de ouro. (5ª série, p. 245)

Organizar um jogral com o poema Trem de ferro. (6ª série, p.97)

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e, na segunda, Eles não usam black-tie. Após cada sessão, fazer uma mesa redonda com pessoas que gostem de cinema e possam discutir com vocês. (7ª série, p.109)

Fazer entrevistas, na rua, sobre o tema amizade, gravando os depoimentos. Essas gravações serão utilizadas na montagem de um programa que deve ter fundo musical. Pode ser a Canção da América ou outra música que o grupo escolher. (8ª série, p.37)

Montar um programa para ser apresentado ao pais, se possível na comemoração do Dia Mundial contra a Agressão à Infância. Os alunos podem se valer dos textos desta unidade, além de poemas sobre a cri-ança e a infância, pesquisados em obras de autores brasileiros. (8ª série, p. 67)

Observe que nesta coleção pudemos perceber que além da variedade de gêneros orais propostos para serem usados em sala de aula, a coleção propõe também a mistura entre elas, com pudemos perceber na proposta da página 37 do livro da oitava série, no qual o autor explora a entrevista e a montagem de um programa.

O oferecimento de diversos gêneros textuais neste livro didático, permite abordar em sala de aula a relação formal/in-formal na modalidade oral da língua quando põe o aluno em contato com gêneros orais mais formais como a mesa-redon-da e gêneros mais informais como a entrevista na rua.

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Este modo de trabalhar os gêneros textuais baseia-se em Bakhitin (1999), para quem a língua comporta duas faces, ou seja, ela é determinada tanto pelo fato de que procede de al-guém como do fato de que é dirigida a alal-guém, isto é, ela cons-titui o momento da interação entre locutor e ouvinte. Neste sentido toda palavra serve de expressão a um em relação ao ou-tro (Bakhtin, op.cit, 113).

Ressalte-se ainda, a importância deste trabalho com a lin-guagem oral desde o início do Ensino Fundamental II e tam-bém o envolvimento que o livro sugere entre os colegas, ao unir as sétimas séries para a seção de cinema e a convocação dos pais, como telespectadores de um programa.

Considerações finais

A avaliação dos manuais didáticos nos permitiu concluir que o trabalho com a língua falada é ainda bastante deficiente, pois os compêndios se limitam a uma única possibilidade de trabalhar essa modalidade, em sua maioria, restringem-se ape-nas a pedir ao aluno que dê sua opinião sobre determinado assunto, esquecendo, portanto, que a oralidade não se limita a isso. Afinal, quando alguém fala, ele se propõe a participar de um “jogo”, que, segundo Koch (2001): é um jogo com diversas estratégias, mas com objetivos a serem alcançados. O usuário da língua se utiliza dela não somente para comunicar algo a outrem, mas também para interagir, já que a linguagem é uma forma de interação e seu uso é essencialmente argumentativo, pois busca-se com ela convencer, persuadir, orientar, enfim, pro-cura-se dotar os enunciados de determinada força argumentativa.

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Neste trabalho, nossa preocupação foi a de mostrar o quanto o ensino da língua ainda está arraigado ao ensino da modalidade escrita, com se esta fosse condição única para que o aluno possa tornar-se proficiente no uso da língua materna. Os resultados obtidos nos permitem mostrar ainda a necessidade de se incluir na prática pedagógica a abordagem comunicativa, a fim de valorizar a oralidade dos alunos o con-texto escolar.

Segundo Castilho (1990), a língua oral se constitui em um excelente ponto de partida para o desenvolvimento das reflexões sobre a língua, pois se trata de um fenômeno consi-derado mais próximo do educando e por manter com a língua escrita uma relação interessante.

Referências bibliográficas

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 9ª ed. São Pau-lo: Hucitec, 1999.

CÂMARA JR., Joaquim Matoso.Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes, 1969

CASTILHO, A.T.A língua falada no ensino de português. São Pau-lo: Contexto, 1998.

CEREJA, William e MAGALHÃES, Tereza Cochar. Português:

lin-guagens. 2ª ed. São Paulo: Atual, 2002.

FARACO e MOURA. Linguagem Nova. 11ª ed. São Paulo: Ática, 2001.

FÁVERO, Leonor Lopes. Oralidade e escrita: perspectivas para o ensino de língua materna. São Paulo: Contexto, 2001.

KOCH, I.G.V. A inter-ação pela linguagem. 7ª ed. São Paulo: Con-texto, 2001

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BEZER-RA, Maria Auxiliadora. O livro didático de português : múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001.

NEVES, Maria Helena de Moura. Que gramática se usa na esco-la? Norma e so na língua portuguesa. 2ª ed. São Paulo: Contex-to, 2004.

VIEIRA, Maria das Graças e FIGUEIREDO, Regina. Ler, entender e

Referências

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