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Palavras-chave: Orçamento Público; Assistência Social; Controle Social; Fundo Público.

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Assistência Social em Tempos de Crise: Reflexões sobre a Aplicação e o Controle do Fundo Público Assistencial

MANUELA DE ALMEIDA FERNANDES FERREIRA Universidade Federal do Rio de Janeiro FERNANDA FILGUEIRAS SAUERBRONN Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo

Diante das consequências da pandemia do Coronavírus sobre as políticas sociais, o trabalho busca trazer reflexões sobre o campo assistencial e de orçamento público, a partir de apontamentos feitos em entrevistas para pesquisa em curso junto aos conselheiros do Conselho Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro. A Assistência Social, por estar historicamente relacionada à filantropia e à benesse privada constitui um campo de constantes lutas para afirmação e manutenção como política pública estruturada na garantia por direitos sociais. Sendo o orçamento público um mecanismo político de materialização de interesses e de disputas e lobbies político-eleitorais, é necessário jogar luz sobre a utilização do fundo público nas políticas assistenciais, especificamente sobre os mecanismos orçamentários que possibilitam as escolhas públicas de alocação desses recursos. Diante da atual crise político- econômica, da preferência por políticas de austeridade que atingem diretamente a classe trabalhadora, aliadas ao agravamento da questão social provocada pelo impacto da pandemia do Coronavírus sobre o mercado de trabalho, a demanda por serviços e programas de assistência social deve crescer significativamente. Dessa forma, a pesquisa busca apresentar considerações sobre aspectos centrais mencionados pelos conselheiros, analisando as implicações desses temas para o orçamento assistencial à luz da literatura da área, procurando refletir como tais aspectos podem se agravar no contexto da pandemia do Coronavírus e no pós-crise. Os temas centrais apontados pelos conselheiros e aqui discutidos são: a constituição de fundos paralelos de assistência social, que se constituem à margem da política assistencial e do controle dos conselhos; a falta de garantia de um percentual mínimo no orçamento destinado ao setor assistencial; e o distanciamento do controle social, na forma dos conselhos gestores, dos centros de decisão do poder público.

Palavras-chave: Orçamento Público; Assistência Social; Controle Social; Fundo Público.

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1. Introdução

Diante da crise estrutural do capitalismo (MÉSZÁROS, 2009) e das consequências da pandemia do Coronavírus sobre as políticas sociais, surge a necessidade de olhares críticos sobre as maneiras pelas quais o fundo público é utilizado e manipulado para atender às demandas sociais. Assim, tem-se uma compreensão do que governos escolhem fazer ou não fazer (BACHARACH, BARATZ, 1962; DEY, 1984).

Enquanto política pública, a assistência social constitui área relevante nesse entendimento, pois reflete diretamente as escolhas político-ideológicas governamentais para a destinação dos recursos públicos. Segundo Boschetti (2016), o campo assistencial constitui um pilar estratégico de apropriação do fundo público a partir da lógica do capital, sendo operado para funcionar como um instrumento que visa manter a força de trabalho ativa, porém em condições de vida cada vez mais precárias.

Do ponto de vista do orçamento público, mais que peças técnicas, os instrumentos orçamentários constituem dispositivos legais de materialização de interesses, bem como estabelecem uma arena de disputas e lobbies político-eleitorais (SALVADOR, 2011).

Diante da atual crise político-econômica, da preferência por políticas de austeridade que atingem diretamente a classe trabalhadora (FAGNANI, 2017), aliadas ao agravamento da questão social provocada pelo impacto da pandemia do Coronavírus sobre o mercado de trabalho, a demanda por serviços e programas de assistência social deve crescer significativamente (MELLO et al. 2020), o que leva à necessidade de jogar luz sobre os mecanismos orçamentários que possibilitam as escolhas públicas de alocação desses recursos.

Com base nessas questões e a partir de reflexões advindas de entrevistas para pesquisa em curso junto aos conselheiros do Conselho Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro (entrevistados A, B, C e D), o presente trabalho busca apontar alguns temas relevantes para o campo de orçamento e políticas públicas, analisando as implicações desses temas para o orçamento assistencial à luz da literatura da área, procurando refletir como tais aspectos podem se agravar no contexto da pandemia do Coronavírus e no pós-crise.

2. Fundos Paralelos da Assistência Social: um Desafio para o Controle e a Manutenção da Essencialidade das Políticas Assistenciais

Apesar dos avanços na gestão financeira assistencial ocorridos nas últimas décadas um dos principais desafios desse setor consiste em consolidar os fundos assistenciais nos estados e municípios como instâncias centrais do financiamento dessas políticas. Em muitos desses entes, esses fundos dividem espaço com fundos paralelos, que se configuram como entraves para o fortalecimento das bases do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), uma vez que não estão submetidos ao acompanhamento dos conselhos da área (MESQUITA; MARTINS;

CRUZ, 2012; VICENTIN; POLLI, 2016), conforme apontado pela fala do entrevistado C:

Você tem o Fundo Nacional de Assistência Social, o estadual e o municipal, que foram criados pra receber recursos para a política de assistência social. E tem gente que cria outros pra mesma finalidade. Recentemente, o Crivella apresentou na câmara dos vereadores o projeto “Fundo da Solidariedade”. Pra que se já existe um fundo único para a política assistencial? E não passa pelo controle do conselho, teria que criar outro conselho, mas não tem. É complicado.

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O conselheiro refere-se ao Projeto de Lei nº 1738/ 2020, que “Institui o Fundo Municipal de Solidariedade, que tem por objetivo “captar recursos financeiros (...) para atendimento emergencial à população (...) integrante das categorias mais vulneradas pela pandemia do novo Coronavírus”, sancionado pelo Prefeito Marcelo Crivella e publicado em Diário Oficial em 18 de maio de 2020.

Esses instrumentos possibilitam aos entes federativos financiar ações sociais descontinuadas e pulverizadas, por vezes de caráter clientelista, que reafirmam características históricas da assistência social relacionadas ao assistencialismo e à fragmentação institucional (CFESS, 2009), sobretudo em conjunturas de crise, quando a assistência social tende a ser mais acionada (MELLO et al. 2020).

Conforme apontado por Couri e Salvador (2017), a compreensão do fundo e do orçamento precisa ser feita enquanto políticas de Estado, independentemente de governos e de conjunturas políticas e econômicas, sendo necessário compreender o fundo público, não como partes independentes, mas como uma unidade na qual as escolhas de destinação de recursos são feitas segundo escolhas políticas. Essa leitura da literatura da área foi feita a partir da fala do entrevistado A que, ao tratar dos fundos paralelos de assistência, apontou para a unidade da fonte do financiamento:

Aí não adianta eles dizerem “não, mas não foi dinheiro da Assistência Social” Não.

Claro que indiretamente foi, porque eles ao invés de virem buscar na torneira do fundo, eles antes que entrassem na caixa d´água do fundo, eles foram lá e negociaram e fizeram um, um “gato”, né?

Diante do apontamento dessa peculiaridade do fundo assistencial e do contexto brasileiro atual de crise política e disputas discursivas, em que se configuram ataques constantes às instituições democráticas representativas e à laicidade do Estado, tentativas de desmoralização dos movimentos sociais tradicionais, incentivo à aversão das lutas identitárias e consequente esvaziamento das reivindicações por direitos e políticas sociais (REIS, 2020), torna-se urgente avaliar em que medida o fundo público vem sendo utilizado como instrumento de ruptura com a pactuação de direitos já conquistados, no contexto da pandemia do Coronavírus.

3. Regulamentação do Percentual Mínimo da Assistência Social: Condição para Manter a Estruturação da Política Assistencial

Diferentemente das áreas de saúde e educação, que possuem percentuais mínimos de aplicação de recursos garantidos por lei, a assistência social não alcançou essa garantia, o que torna esse campo social refém da opção político-ideológica de cada governante (COURI;

SALVADOR, 2017). Conforme pontuado na fala do entrevistado D, o contexto de crise provocada pela pandemia do Coronavírus traz implicações diretas para a assistência social, corroborando a necessidade de garantia de um orçamento mínimo para o setor

Você imagina nas comunidades, as famílias que tão desempregadas, como está? (...) A coisa tá feia. Isso vai bater na assistência, as pessoas tão procurando esses recursos emergenciais (...) a assistência social precisa ser valorizada, o conselho tem trabalhado por um percentual (...) a assistência social tá buscando 5% do orçamento pra ver se melhora esse atendimento.

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Como agravante, a falta de garantia do fundo assistencial torna a área ainda mais suscetível ao jogo político, através do mecanismo de emendas parlamentares (SALVADOR, 2011), conforme aponta o entrevistado C:

Porque que tem tantos porcento pra saúde, porque não pode ter tantos porcento pra assistência social, e não ficar esperando vir na forma de emenda? Viria direto pra ampliar a rede de serviços já tipificados.

Adicionalmente, o governo federal vem se apropriando de contribuições sociais destinadas à seguridade social por meio de diferentes instrumentos, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n. 287/2016, as renúncias tributárias sobre essas contribuições e a ampliação do percentual da Desvinculação de Receitas da União (DRU) de 20% para 30%

através da EC 93/2016 (SALVADOR, 2017).

Esses instrumentos constitucionais tendem a ser ampliados em momentos de crise econômica e fiscal para recomposição do superávit primário, e , de forma mais incisiva, em governos com tendências neoliberais (BOSCHETTI E SALVADOR, 2006), o que torna necessário, na atual conjuntura do país, análises que evidenciem os resultados da aplicação dessas escolhas ideológicas sobre o fundo público nas políticas assistenciais e o atendimento de grupos vulneráveis frente à pandemia do Coronavírus.

4. Controle Social como Ferramenta para Manutenção da Estrutura e da Essencialidade da Assistência Social

Apesar de constituírem mecanismos de extrema relevância para manutenção dos ideais democráticos na busca pela diminuição das desigualdades sociais e regionais, os conselhos gestores têm sido constantemente afastados dos debates públicos que culminam em decisões sobre a manipulação dos fundos setoriais (RAICHELLIS, 2015).

Esse distanciamento tem como consequência a não participação do conselho na elaboração dos instrumentos orçamentários, conforme colocado pelos entrevistados B e D, respectivamente:

Inclusive a própria construção de orçamento deveria ser feita junto ao conselho. (...) Ai o executivo coloca um valor aleatório. “É, tanto”. Por que não dialoga com o conselho?

Especificamente em relação ao contexto de pandemia do Coronavírus, o entrevistado A aponta para a preocupação de as necessidades das famílias mais vulneráveis precisarem chegar de forma tempestiva ao poder público a partir das discussões do conselho.

A diferença é que hoje essa população não tá podendo se virar com a mesma facilidade porque o... o confinamento dificultou. (...) então a nossa luta precisa ser o que? (...) Discutir em nível de município, como fazer chegar ajuda a essas que tão fora do critério da bolsa nacional (...) então, nós vamos ter que fazer outras lutas, temos que botar na pauta outras agendas.

Esse processo de alijamento do controle social das decisões de gestão econômica e fiscal denota o que alguns estudos críticos apontam como uma tendência a abordagens

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tecnocráticas de governança que relegam a dimensão sociopolítica da gestão pública a um plano inferior (DE PAULA, 2005; SAUERBRONN, 2017).

Nessa perspectiva, a atual conjuntura de crise econômica, ampliada pela pandemia do Coronavírus, configurada em meio a uma gestão política confusa e de um governo de práticas neoliberais de precarização de direitos, sobretudo das populações mais vulneráveis, requer que as bases do controle social sejam fortalecidas para que se mantenham a estrutura e a essencialidade das políticas sociais já conquistadas.

Referências

BACHRACHB, P.. & BARATZ, M. S. (1962) Two Faces of Power. American Science Review. v. 56, p. 947-952.

BOSCHETTI, I. (2016) Tensões e Possibilidades da Política de Assistência Social em contexto de crise do capital. Revista Argumentum. v. 8, n. 2. Vitória, mai./ago.

BOSCHETTI, I. S. & SALVADOR, E. (2006) Orçamento da seguridade social e política econômica: perversa alquimia. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, v. 87, p. 25‑57.

CFESS – Conselho Federal de Serviço Social (2009) Fundos de solidariedade e a refilantropização da política de assistência social. Brasília.

COURI, J. R. & SALVADOR, E. (2017) As dimensões do financiamento da Política de Assistência Social no Brasil. Argumentum, v. 9, n. 3, p. 81-97.

DE PAULA, A. P. (2005) Administração pública brasileira entre o gerencialismo e a gestão social. Revista de Administração de Empresas, 45:36-49.

DYE, T. D. (1984) Understanding Public Policy. Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall.

FAGNANI, E. (2017) O fim de um ciclo improvável (1988-2016). A política social dos governos petistas e a derrocada da cidadania pós-golpe. Texto para discussão: Unicamp- Instituto de Economia, maio.

MELLO, G. et al. (2020) A Coronacrise: natureza, impactos e medidas de enfrentamento no Brasil e no mundo. Nota do Cecon, v. 9.

MESQUITA, A. C., MARTINS, R. de F. & CRUZ, T. M. E. da. (2012) Cofinanciamento e Responsabilidade Federativa na Política de Assistência Social. IPEA: Texto para discussão nº 1724.

MÉSZÁROS, I. (2009) A crise estrutural do capital. São Paulo: Boitempo.

RAICHELIS, R. (2015) Esfera pública e conselhos de assistência social: caminhos da construção democrática. São Paulo: Cortez, 7ª edição.

REIS, D. A. (2020) Notas para a compreensão do Bolsonarismo. Estudos Ibero-Americanos, v. 46, n. 1, p. 36709.

RIO DE JANEIRO (2020). Câmara Municipal. Projeto de Lei Nº 1738/2020. Insitui o Fundo Municipal de Solidariedade – FUNSOLRIO, e dá outras providências. Disponível em:

<https://mail.camara.rj.gov.br/APL/Legislativos/scpro1720.nsf/249cb321f1796526032577590 0523a42/0ef8546fc5ea5bb8032585360077e819?OpenDocumentt>. Acesso em: 24 mai 20.

Texto Original.

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SALVADOR, E. (2011) O controle social democrático na gestão e orçamento público 20 anos depois. In: CFESS (Org.). Seminário Nacional: O Controle Social e a Consolidação do Estado Democrático de Direito, Brasília.

SALVADOR, E. da S. (2017) O desmonte do financiamento da seguridade social em contexto de ajuste fiscal. Serviço Social & Sociedade, n. 130, p. 426-446.

SAUERBRONN, F. F. (2017) Governança Pública em Saúde Pós-Reforma Gerencial no Brasil: Reconciliando Perspectivas para uma Análise Multinível. Administração Pública e Gestão Social, v. 1, p. 148.

VICENTIN, I. C. & POLLI, S. A. (Org.) (2016) Políticas públicas e governança na atualidade: escalas e planejamento. 1. ed. Curitiba: Editora UTFPR, 241p.

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