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CAPITALIMO DAS EMOÇÕES E A POLÍTICAS DOS AFETOS: Novas Interfaces de controle do neoliberalismo.

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CAPITALIMO DAS EMOÇÕES E A POLÍTICAS DOS AFETOS:

Novas Interfaces de controle do neoliberalismo.

Sergio Luiz Pereira da Silva1

Resumo

A superestrutura do capitalismo neoliberal, tem nas plataformas digitais a base da divisão social em rede, e na infraestrutura dos algoritmos, os instrumentos de controle político e econômico das informações, que dominam a vida social, de forma material e intersubjetiva. Esse capitalismo transforma sujeitos em usuários e faz uso da desinformação e controle dos afetos, como instrumento de exploração da economia das emoções em massa. A questão central é que há um monitoramento dos processos intersubjetivos, na esfera das mídias sociais e nas plataformas digitais, em que se estrutura esse controle. Defendemos a premissa que a vulnerabilidade social e o controle político autoritário, estão diretamente ligados aos processos de consolidação da desinformação e exploração dos afetos dos usuários, e que a fake news e a pós-verdade, são dispositivos biopolítico e psicopolítico de reificação da autoconsciência, controle ideológico e manipulação da opinião pública, nesse capitalismo neoliberal.

Introdução

Os fenômenos da realidade vivida que observamos no mundo neoliberal, como a degradação do respeito coletivo, a crise das instituições públicas, o avanço das instituições privadas sobre o estado, a produção ideológica e massificada da mentira coletiva, e a ascensão de um fascismo, através dos processos das fake news, nesse novo e absurdo “normal”, nos fez perceber a brutalidade do momento pelo qual todos estávamos passando. Tudo isso é parte de um projeto neoliberal que se desenvolve nas formas de reprodução do capitalismo contemporâneo, articulado por redes. Um capitalismo que mobiliza afetos para se reproduzir e se dissemina de forma digital na vida cotidiana das sociedades globalizadas.

Dentro desse processo, a emergência do advento do neoliberalismo associa-se ao ultraconservadorismo da nova direita e suas ideologias falhas acelerando o processo de degradação dos valores políticos, sociais e morais dos nossos dias. Nesse processo, o

1 Professor Associado III da Faculdade de Ciências Sociais-FCS e do Programa de pós-graduação e Memória Social da Universidade federal do Estado do Rio de Janeiro -UNIRIO

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fenômeno da mídias sociais, por exemplo, com o uso de plataformas digitais, portais de notícias e redes sociais, foram recorrentemente instrumentalizadas por lideres políticos ultra conservadores, a exemplo de Jair Bolsonaro e Donald Trump, para fazer reverberar suas retóricas de ódio frente a opinião pública, e, em muitas dessas falas publicadas no Twitter, por exemplo, se constatava que vários pronunciamentos eram frutos das elaborações de argumentos falsos sobre fatos que não correspondiam a realidade e se reverberavam como desinformações massivas através das fake news. A esfera pública da internet, sobretudo os espaços das mídias sociais, foram ocupados por indivíduos/usuários que colonizaram esses veículos de forma intensa, produzindo consumido e replicando desinformação e ideologias monitorado por estruturas algorítmicas desse capitalismo digital.

Entendemos essa produção de fake news como um forte instrumento de uso político tendencioso, que resulta dos novos arranjos articulados pela ideologia dominante neoliberal, travestida de uma nova direita ultraconservadora que vimos surgir no século XXI e que se mostrou de forma mais intensa, com a grande crise econômica do ano de 2008 no mundo.

Vale ressaltar que desde 2008, essa conjuntura de crise, em particular um colapso econômico no mundo de uma maneira geral, potencializou os primeiros acordes dessas mudanças gerais na conjuntura política mundial. Foi com a crise de 2008, sobretudo nos EUA, que vimos ressurgir discursos conservadores se consorciando com discursos neoliberais, reivindicando a reforma do modelo de governo e do estado democrático.

Naquele momento, vimos voltar à tona os discursos nacionalistas, e não foi à toa que o próprio governo democrático do presidente Barak Obama, fez uso de um grande volume da verba pública para socorrer bancos, seguradoras e montadoras, dentre outros setores, a partir da crise do capitalismo que se instaurou nos EUA e se reverberou por todo o mundo. A crise econômica do provocada pelo neoliberalismo da bolha imobiliária norte americana, reforçou o discurso da estrema direita norte americana sobre a necessidade de mudar a política de governo para que essa seguisse uma trajetória mais conservadora, voltada para política protecionista e nacionalista. Paradoxalmente essa crise ampliou ainda mais o discurso do neoliberalismo, na esfera do estado.

Os efeitos perversos dessa crise neoliberal, iniciada em 2008, foram repercutidas pelo mundo globalizado como um todo. Países europeus como a Itália, Portugal, Grécia e Espanha, dentre outros, sofreram com uma grande perda econômica que resultou em cortes salariais de mais de quarenta por cento, promovendo um empobrecimento

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abrupto, dos setores médios nesses países, sobretudo porque além da perda salarial, muitas empresas decretaram falência, o que provocou um grande aumento da exclusão do mercado formal de trabalho. Com isso, o endividamento público passou a ser um dos grandes problemas para esses países de uma maneira geral, pois, o estado teria que arcar com o custo da crise econômica com políticas de austeridade, o que prejudicava ainda mais o poder público dos estados e a falência do sistema de seguridade social e de implementação de política públicas assistências, sobretudo.

Dessa crise econômica, ver-se ampliar uma grande crise política que tocou em cheio países emergentes como o Brasil. Lembremos que a partir de 2008, muitas outras crises sucederam-se, e o Brasil fez fortes investimentos para conter os avanços da crise econômica e seus efeitos políticos, ainda sendo um país governado por um governo de esquerda.

Nesse contexto, vimos emergir uma forte crise política interna que se reproduziu na falência da elaboração de políticas públicas no Brasil, assim como vimos que os acordos internos no país sofreram arranjos em direção a um neoliberalismo conservador na esfera estatal. Com isso, formou-se um conjunto de manobras políticas e jurídicas, direcionadas para fortalecer grupos conservadores e políticos da direita no Brasil que aturam diretamente no enfraquecimento da gestão pública da esquerda brasileira, sobretudo no âmbito do poder executivo dos estados e da federação.

A reboque desse processo, em 2013, vimos surgir uma onda popular que se convencionou chamar de jornadas de junho. Esse movimento já dava sinais de uma crise de representatividade política e acenava para uma espetacularização conservadora no país. A ocupação das ruas em junho de 2013, impedia que se levantasse bandeiras partidárias e sindicais, e se ouvia da voz dos populares: “a única bandeira que se permite aqui é a bandeira do Brasil”. Tom claramente ufanista de um nacionalismo emergente, que se afinava com outras sonoridades ideológicas de cunho ultraconservador. Essas sonoridades conservadoras se faziam presente de uma maneira ou de outra, em grupos políticos na sociedade globalizada, dando sinais de que dias piores virão.

O discurso ultraconservador naquele momento começava a ocupar as mentes, os corpos e as ruas. Ali se iniciava uma trajetória rumo a um novo comportamento político utilitário que conclamava as forças militares para impor ordem, num tom de total desprezo pela democracia. Entretanto, sabe-se que não foi apenas a espontaneidade ideológica e discursiva que orientava as condutas conservadoras e antidemocráticas. Por traz de toda aquela encenação havia um arranjo de forças econômicas, políticas e

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institucionais que se figurava nos corredores do campo do poder, na conciliação de uma guinada ultraconservadora em direção à extrema direita, que daria volume aos interesses de ampliação das políticas de privatização no país e coisa bem maiores que isso, em se tratando de países como Brasil e Argentina, dentre outros países emergentes.

Mas ampliando esse contexto de crise para além da América Latina, vimos que isso não era um processo relativo a crises nacionais apenas. Nesse contexto neoliberal pós- 2008 reverberava questões bem mais amplas.

A reboque da crise econômica de 2008 e suas consequências no mundo, deu início a um processo de mobilização mundial, como a primavera árabe que, entre 2010 e 2012, promoveu protestos e mudanças profundas contrarregimes de governo no Oriente Médio. E a reboque desse processo, o volume de mobilização social, mesclando setores conservadores e progressistas aumentou na Ásia, África e na velha Europa. Esses movimentos neoliberais suscitaram o retorno de políticas de fechamento de fronteiras e de radicalização econômica e política a partir de projetos nacionalistas, ligados aos interesses de setores privados do mercado.

Mudanças de cunho antagônicos em relação a democracia também foram testemunhadas na reorganização política do antigo leste europeu, no período posterior a crise de 2008. A exemplo disso, testemunhamos uma guinada para a extrema direita em países como a Hungria, onde vimos ressurgir movimentos partidários nacionalistas ultraconservadores. Esse contexto conjuntural é o cenário em que vemos o ovo da serpente ser chocado, de forma requentada.

O resultado disso foi a onda de mobilizações de direita em muitos países, tanto no hemisfério norte como em alguns países do sul. No Reino Unido, vimos o processo do Brexit e toda a mobilização da direita inglesa, se fazendo valer de instrumentos espúrios, como as fakes news, e sua massificação de mentiras em favor de manobras que resultaram na saída do Reino Unido da União Europeia.

Na esteira desses acontecimentos ideológicos, instrumentalizados por mentiras massificadas, vimos a consolidação da extrema direta conservadora nos EUA, com a eleição de Donald Trump. No hemisfério sul, em particular na América Latina, e mais particular ainda, na Argentina, vimos todos os processos e instrumentos noticiosos de propagandas falsas, que foram usadas contra a presidenta Cristina Kirchner. Esse movimento ajudou a eleger o grupo político da direita naquele país, representados por lideranças neoliberais e conservadoras, como Mauricio Macri. A esse exemplo, diríamos que Macri se elegeu usado os artifícios de um discurso paradoxal, que envolvia

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uma espécie de nacionalismo consociado com o neoliberalismo de austeridade, que salvaria a Argentina do buraco econômico, no qual o país havia entrado, com as crises sucessivas oriundas da grande crise de 2008 e mesmo outras antes dessa.

No Brasil não foi diferente. Dentro desse contexto de guinada para a direita, as forças políticas se arregimentaram num discurso nacionalista de extrema direita que criou um contexto favorável ao golpe parlamentar, derrubando a presidenta eleita Dilma Rousself, do cargo de governante do executivo federal brasileiro. Esse processo consolidou a extrema direita com a eleição de Bolsonaro, e tudo de absurdo que isso pode representar. Ou seja, uma nova direita que se articula com as estruturas tecnológicas de uma sociedade estruturada por redes sociais de influências de comportamento e posicionamento, biopolítico e psicopolítico, mobilizando afetos nacionalistas em nome de políticas antidemocráticas.

As lideranças da chamada nova direita hoje se estruturam não apenas no poder do líder e sua imagem pessoal, mas, através das redes de fake news e mobilização dos afetos políticos com o fenômeno da pós-verdade. Com isso, os pronunciamentos ideológicos desses líderes, publicados nas várias redes sociais, correspondem muitas vezes a propagandas abjetas e ideologias falhas temperadas com retórica de ódio e violência digital. Todo esse contexto psicopolítco, se estruturou em ações dos exames digitais das milícias eletrônicas armadas com desinformação e armas de fogo, que ajudaram que reverberam ideias míticas, colonizar mentalidade e promoveram intervenções agressivas e controle territorial de comunidades desprezadas pelo poder publico.

A realidade está suspensa nesse contexto de pós-verdade. A mobilização dos afetos, pela imposição do medo coletivo e do pânico moral, incide de forma objetiva na colonização da opinião pública. E isso tem sido um caminho encontrado pelo poder imposto pela nova direita e pela doutrina neoliberal, para estabelecer formas de controle e orientação de condutas através de mecanismos biopoliticos e psicopolíticos de consumo, fundados em doutrinas ideológicas que decididamente visa destruir a democracia por dentro, como modo institucional de governo, assim como destruí-la por fora, minado os valores constitutivos do imaginário democrático da sociedade de uma maneira geral. Substituindo o regime da democracia pelas práticas da autocracia, nas formas dos governos de si e governos dos outros, sufocando com isso, o ethos democrático, ainda vivo na esfera pública.

Acreditamos que essas ideologias, fruto de uma conjuntura de interesses espúrios e autoritários, incidem sobre o corpo social de forma exponencial e muitas vezes faz com

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que os indivíduos, esses aqui vistos como indivíduos/usuários que ocupam os espaços púbicos das mídias sociais, percam gradativamente a capacidade de discernimento a medida em que incorporam valores pautados por desinformações, fazendo com que sejam obliteradas, de forma autoconsciente, suas capacidades críticas de consciência intersubjetiva. Nesse processo, a autoconsciência crítica é substituída pela autoconsciência da condescendência política, da pós-verdade.

Nesse contexto, o conteúdo falso e desinformativo, somado ao discurso retóricos de ódio é incorporado por boa parte da população, que corrobora com esses princípios ultraconservadoras de mobilização dos afetos políticos. Na medida em que observamos e refletimos sobre esses fenômenos, entendemos melhor os conceitos de psicopolítica e psicopoder que, na nossa compreensão, ajusta-se aos conceitos que tínhamos sobre a biopolítica e biopoder, inaugurado pelo liberalismo de estado desde o século XVII e que agora se somam aos dispositivos neoliberais da fake news e da pós-verdade, no século XXI, que coloniza afetos políticos como forma de desenvolvimento de uma doutrina do capitalismo digital.

Esse processo de colonização dos afetos é parte de um processo de dominação que incide sobretudo na orientação de comportamentos que lidam com a verdade e a construção da realidade de forma menos honesta, constituída por ideologias falhas e colonização de mentalidades. A pós-verdade é um bom exemplo de doutrinação ideológica, que se server do dispositivo da cultura do capitalismo digital. A pós-verdade é uma mentira que se traveste de orientação ideológica, em que a visão de mundo e o conjunto das emoções gerais dos indivíduos tem mais poder de convencimento que os fatos em si, fazendo com que o comportamento resultante desse processo de pós-verdade reitere a cultura da desinformação do capitalismo digital, através das fake news, por exemplo.

A pós-verdade, dentre outras coisas ligado a esfera dos afetos, é uma ideologia. A verdade não existe na pós-verdade, pois essa não está ancorada no que é verdadeiro, mas sim numa ideologia dos afetos, ou seja, num desejo de verdade, que pode ser mobilizado por ódio, inveja etc., dentro de um contexto de desinformação massivo, promovido pelo discurso político neoliberal.

Os afetos, sobre esse ponto de vista, são objetos de manipulação ideológica de valores, através de canais de redes de compartilhamento de mídias sociais. Valores fundados muitas vezes em ideologias de ódio e discursos abjetos que mobilizam enxames digitais (HAN, 2018) de indivíduo/usuários a agirem de forma doutrinada. Ou seja,

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mobilizam-se um irracionalismo de conveniência que objetivamente está ligado ao controle dos afetos coletivos e da sociedade em rede, orientado por uma instrumentalização política da desinformação digital cotidiana.

Sob esse aspecto, o dispositivo de instrumentalização de notícias falsas atende a interesse específicos, dentro de conjunturas políticas, econômicas e se faz funcionar como um instrumento de percepção intersubjetiva que induz, orienta ou determina comportamentos sociais, motivados por interesses políticos ou de mercado, estruturados por governos e/ou empresas de forma deliberada.

Acredito que refletir sobre as novas formas de poder e dominação que estão fundadas e esferas institucionais e ideologias, presentes na atualidade, são questões do tempo presente, que ainda cabem uma reflexão pautada nos argumentos que tanto Adorno, quanto Foucault, ajudaram a construir, ao logo de suas trajetórias filosóficas.

Adorno e Foucault ainda são muito atuais. Ambos compartilham origens filosóficas muito próximas e dentro da tradição do conhecimento, ambos enfocam de forma crítica, temas e assuntos que marcam fortemente o nosso contemporâneo. O caráter anti sistémico no trabalho de ambos, tem papel importante na compreensão e análise do conhecimento histórico. Os trabalhos de Foucault e Adorno apresentam uma forte influência da epistemologia histórica, assim como também influência que o pensamento niilista.

Esses dois autores são de fundamental importância para refletirmos sobre questões antigas, relativas a formas de dominação ideológicas e relações de poder que se apresentam hoje, através de mecanismos de controle que são forjados numa sociedade em rede, que nem Foucault nem Adorno chegaram a conhecer.

INTERSUBJETIVIDADE DOS AFETOS COLETIVOS:

a vulnerabilidade dos indivíduos/usuários no capitalismo digital.

Trataremos a partir de agora, mais propriamente, da influência de Michel Foucault na nossa análise sobre a governabilidade das formas biopolíticas do binômio fake new e pós-verdade, com base na noção raciocínio ou racionalidade motivada na cultura neoliberal. Racionalidade essa, que parece se perder no que conceituamos como, irracionalismo de conveniência do capitalismo digital.

Nesse ambiente tumultuado em que o irracionalismo de conveniência opera, vemos se formar um elo de ligação entre as forma ideológicas dos interesses dos setores de classe mais estruturados da sociedade, que comungam de ideologias falhas ligadas a

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fusão de interesses religiosos, comerciais, agro industriais, militares, dentre outros, e mecanismos ligados a dispositivos jurídico/político e manipulação dos sistemas de informação pública, que operam numa forma de governabilidade fundada na quilo que Foucault definiu como,

(...) um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são elementos dos dispositivos. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre esses elementos.

(FOUCAULT, 1979, p. 244).

Essa governabilidade biopolítica é “um fenômeno particularmente astucioso, (...) as técnicas de governo se tornaram a questão política fundamental e o espaço real da luta política.” (FOUCAULT, 1979, p. 292). E dentro desse aspecto, os interesses públicos e privados se confundem. Com base nisso, conseguimos entender que mediante o jogo de interesse público e privado, várias empresas e grupos políticos, foram patrocinadores do processo de desinformação durante os processos políticos do ano de 2018, no Brasil. Vimos também se formar um conjuntura sobre a qual convergiram os interesses dos vários setores conservadores do país, em favor de uma forma de governabilidade motivada por afetos políticos generalizados, em que discurso de ódio foram propagados de forma discriminatória, contra vário grupos sociais em vários setores da sociedade brasileira.

Essa conjuntura foi bastante eficiente em mobilizar instrumentos de uso operacionais, da política dos afetos, que envolveu ideologias falhas associadas a pós- verdade, formado um dispositivo biopolítico eficaz na colonização das mentalidades e nas expressões das formas de violência simbólica desses indivíduos/usuários das redes.

Nesse processo de convergência de interesses, questões estão ancoradas em temas sexual, moral, ideológicos ou de natureza da intimidade, na qual esses indivíduos têm algum tipo de identificação, são transformados em temas de motivação política e orientação de condutas dos indivíduos/usuários. Isso motiva os indivíduos a formarem uma opinião, como viés ofensivo e defensivo, vinculados a suas visões de mundo, resultando objetivamente num esforço de construção de narrativas de bases peculiares e valores morais, que reforçam seus pontos de vistas, dentro daquilo que identificamos ser o raciocínio motivado por sistema de crenças a partir das ideologias falhas (STANLEY, 2015). Esse processo reforça questões que confirmam as expectativas e preconcepções

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desses indivíduos/usuários, e são traduzidas em desejos sobre coisas que dizem respeito a eles, de alguma forma.

No processo do raciocínio motivado da pós-verdade, não se leva em conta informações contrárias as que os indivíduos/usuários querem acreditar, o que faz aproximar ainda mais daquilo que julgamos ser o dispositivo do biopoder que estrutura o governo de si, dentro do contexto do governo das mentalidades, como nos ajuda a compreender Foucault (1979). O governo de si segundo, Foucault (1979), é determinante para as relações de poder no uso do controle institucional e dominação intersubjetiva dos corpos, numa espécie de governo das mentalidades que ele traduz como, “O conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análise e reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer essa forma bastante especifica de poder (...) por instrumentos essenciais os dispositivos de segurança” (FOUCAULT, 1979, 292). Esse conceito faz parte de uma ordem de poder disciplinar instituído diretamente sobre o individuo e sobre a coletividade através das normas de condutas, estabelecidas nas instâncias institucionais do mundo moderno, que agora operada por estruturas algorítmicas de controle de dados e vigilância digitais.

Segundo Byung-Chul Han (2014), essa é uma forma de biopolítica que tem lugar no mudo moderno no controle dos corpos sociais como um poder sistêmico.

En lugar de atormentar al cuerpo, el poder disciplinario lo fija a un sistema de normas. Una coacción calculada atraviesa cada parte del cuerpo y está presente hasta en el automatismo de las costumbres. Hace del cuerpo una máquina de producción. Una ortopedia concertada. Las disciplinas son «métodos que permiten el control minucioso de las operaciones del cuerpo, que garantizan la sujeción constante de sus fuerzas y les imponen una relación de docilidade utilidade. (...). El poder disciplinario es un poder normati-vo. Somete al sujeto a un código de normas, preceptos y prohibiciones, así como elimina des- viaciones y anomalías. Esta negatividad del adiestramiento es constitutiva del poder disciplinario. (HAN, 2014, p.36).2

2 Em vez de atormentar o corpo, o poder disciplinar fixa-o a um sistema de normas. Uma compulsão calculada passa por todas as partes do corpo e está presente até no automatismo dos costumes. Faz do corpo uma máquina de produção. Um ortopédico combinado. As disciplinas são «métodos que permitem um controlo meticuloso das operações do corpo, que garantem a sujeição constante das suas forças e impõem- lhes uma relação de docilidade e utilidade. (...). O poder disciplinar é um poder normativo. Submete o sujeito a um código de normas, preceitos e proibições, bem como elimina desvios e anomalias. Essa negatividade do treinamento é constitutiva do poder disciplinar.

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Com o advento da hipermodernidade esse exercício da biopolítica passa a se constituir por um dispositivo de tecnologia de controle social e disciplinamento mais sofisticado como a manipulação e vigilância dos dados e dos indivíduos/usuários, através de instrumentos de controle coletivo, sobre perfis sociais que transcende ao sistema de normas e influenciam diretamente comportamentos e condutas mediados por um biopoder do corpo social, orientado sobretudo por desinformações em massa e ideologias conservadoras e ultra conservadoras que faz com que esse corpo social assimile um comportamento disciplinado.

O conceito de dispositivo nos possibilita uma crítica ao conjunto ideológico que está representado no binômio pós-verdade/fake news, entendendo que entre ideologia e dispositivos, conceito distintos, pode haver aproximações explicativas, a partir de linhas de raciocínio crítico que se dedique a entender os imperativos dessas novas formas de controle, manipulação, sujeição e disciplinamento de condutas e comportamentos dos corpos sociais. Isso também nos ajuda a refletir sobre novas formas de saber e de poder que incidem em perspectivas de crise da racionalidade e dos afetos, como o medo por exemplo, que é instrumentalizado como discurso, por político autoritários e populistas que representam os conservadores contemporâneo, como Donald Trump e Jair Bolsonaro.

Nesse contexto, as fakes news e a pós-verdade, formam um conjunto de dispositivos de governabilidade da subjetividade e disciplinamento, dentro de uma ordem discursiva, pautada na desinformação institucional e no raciocínio motivado, a serviço de interesses conservadores e declaradamente fascista, que acionam mecanismos emocionais e afetos políticos de controle coletivo, que se reproduzem no disciplinamento imposto pelo medo compartilhado socialmente. Assim, entendemos que ordem discursiva de toda sociedade, como nos mostra Foucault, (2004), “(...) é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que tem por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade.” (FOUCAULT, 2004, p. 9).

Sobre essa questão Sérgio Amadeu Silvério, afirma que

A proposta da governamentalidade abre espaço para compreender saberes que redundaram em estratégias e políticas de controle das populações. Também permite observar a relação dos dispositivos - em interação com o Estado. O termo governança poderia ser empregado se fosse entendido mais amplamente, no mesmo sentido que Foucault emprega a expressão governo. (SILVERIO, 2016, p. 269).

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A instrumentalização do poder que o governo formula, nas configurações de suas políticas de controle de estado sobre os indivíduos, é expresso pela forma de manutenção da violência do discurso, que resulta na prática do vigiar e punir (FOUCAULT, 1986).

Como Foucault (2004) afirma ainda,

Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder. Nisto não há nada de espantoso, visto que o discurso não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; e visto que – isto a história não cessa de nos ensinar – o discurso não é simplesmente aquilo que se traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo porque, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos nos apoderar.

(FOUCAULT, 2004, P. 10).

A biopolítica desenvolvida na perspectiva foucaultiana é a prática de biopoderes exercidos em contextos locais, a partir do qual, a população é ao mesmo tempo o alvo e o instrumento dessa relação de controle e vigilância, exercida pelos governos (poder jutídico-político) e pelo mercado (poder econômico-financeiro) que opera na ordem dos interesses privados e públicos da biopolítica liberal (FOUCAULT, 2020) e neoliberal (CHAMAYOU, 2020).

No conjunto da análise de Foucault, esse biopoder se desdobra na ordem do discurso ao longo da história, em que,

As práticas judiciárias — a maneira pela qual, entre os homens, se arbitram os danos e as responsabilidades, o modo pelo qual, na história do ocidente, se concebeu e se definiu a maneira como os homens podiam ser julgados em função dos erros que haviam cometido, a maneira como se impôs a determinados indivíduos a reparação de algumas de suas ações e a punição de outras, todas essas regras ou, se quiserem, todas essas práticas regulares, é claro, mas também modificadas sem cessar através da história

— me parecem uma das formas pelas quais nossa sociedade definiu tipos de subjetividade, formas de saber e, por conseguinte, relações entre o homem e a verdade que merecem ser estudadas.

(Foucault, 1999, p. 8).

As formas de racionalidade jurídico-política e sua relação com a subjetividade dos indivíduos, nos ajudam a entender melhor essa relação forjada em acordos instituídos por manutenções de poder sobre esse corpo social, em que se admite a práticas disciplinares de vigilância, em nome da segurança e manutenção da vida de forma autoconsciente, na esfera pública política e digital. Essas são as questões que envolvem, a governança autoconsciente, na política dos afetos e do disciplinamento moral e comportamental, que

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são parte do processo do irracionalismo de conveniência da pós-verdade no neoliberalismo de controle disciplinar. Como afirma Han, (2014), “El poder disciplinario es un poder normativo. Somete al sujeto a un código de normas, preceptos y prohibiciones, así como elimina des- viaciones y anomalías. Esta negatividad del adies- tramiento es constitutiva del poder disciplinario.” (HAN, 2014, P.36). Isso nos ajuda a atender a ligação dos interesses implicado no uso do binômio pós-verdade/fake News, na configuração das formas de desinformação contemporânea e seus mecanismos biopolíticos da sociedade neoliberal forjada em rede.

Com base nisso, o processo de desinformação das fake news, instrumentalizadas por ideólogos do fascismo contemporâneo ajudam a alimentar o imaginário conservador e ultraconservador vigente nas tramas das redes sociais, como um modo de disciplinamento de conduta. E isso faz demonstrar que o processo de persuasão e orientação de condutas, através das mídias sociais, têm sido eficazes na configuração de consensos coletivos, motivado por assimilação de valores e raciocínio motivado.

Muitos indivíduos/usuários redes tendem a crer e repassar informações, sobre as quais eles têm algum tipo de identificação, como nos mostra Barbosa, (2019). Nesse conjunto de indivíduos/usuários, que repassam deliberadamente as fake news, existem

“aqueles que acreditam divulgando até aqueles que repassam mesmo sem acreditar plenamente – fora os que não se importam se a notícia é verdadeira ou não. Esse quadro é bem mais complexo do que a tese de que pessoas repassam feke news por são ignorantes ou manipuláveis. (BARBOSA, 2019, p. 17).

Acreditamos que o processo de indução do repasse das mensagens falsas, por parte de quem compartilha, atende a uma trama autoconsciente de disciplinamento, que se justificam na crença ou desejo de crença, nos pronunciamentos discursivos, subjacentes aos temas presentes nas fake news. Nesse contexto, o processo acelerado da desinformação amplia o contexto da autoconsciência sobre as mentiras na rede.

Definimos a autoconsciência como capacidade de identificação e tomada de posição por parte dos indivíduos nos processos sociais, sobretudo em contextos de mudanças em que se testemunham formas de reestruturação institucional, política e econômica que incidem em modos violência impostas pelo do estado ou por agentes sociais no tecido social.

Logo, essa autoconsciência é marcada pelo campo dos interesses que definem as identificações dos indivíduos, frente a esses processos de mudança de comportamento.

Com isso, acreditamos que a tomada de posicionamento nas redes sociais é promotora de

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uma sociabilidade autoconsciente de ação, voltada para fins e comportamentos específicos orientados para esses fins.

Nesse contexto, a disponibilidade de dados dos indivíduos/usuários faz parte de uma relação de controle autoconsciente, a partir da qual se estabelece um jogo de interesse entre agentes mediadores do controle das informações e desinformações na sociedade em rede. A partir desse contexto, governos, empresas e grupos criminosos agem de forma instrumentalmente eficaz, na exploração das fragilidades dos indivíduos/usuários e na vulnerabilidade digital a que todos os usuários das redes estão sujeitos. Existe assim uma autoconsciência compartilhada sobre a situação da vulnerabilidade digital da vida dos indivíduos que se espelha na vulnerabilidade da vida material. O capitalismo dos afetos digitalizados tem suas qualidades e suas vulnerabilidades, e segundo Han (2014) os capitalismos das emoções sabe precisamente como explorar esse contexto.

A situação de vulnerabilidade digital e material em que a sociedade se encontra, é uma situação propícia para a ação de agentes biopolíticos de controle coletivos, no caso específico da situação dos grupos de indivíduo/usuários e da população de uma maneira geral. A exemplo do que citamos no primeiro capítulo deste livro, sobre a captura de dados dos indivíduos/usuários, na matéria publicado pelo El Pais, em 26 de janeiro de 2021, o sequestro do vazamento dos dados, vulnerabilizou digitalmente 223 milhões de brasileiros, que tiveram os seus cadastros roubados e disponibilizados para usos ilegais.

Conforme a matéria citada, foi confirmado a autenticidade dos dados cadastrais, de pessoas física e jurídica, de milhões de brasileiros, inclusive indivíduos mortos, que tiveram seus cadastros de pessoas físicas e jurídicas disponibilizados na deep web. Os dados desses indivíduos, ainda segundo a matéria, estão sendo oferecidos para venda ao preço de 100 dólares, por pacote contendo o cadastro de 1000 pessoas. Esse fato instaurou um estado de exceção no governo dos algoritmos, estado esse que se associa as políticas neoliberais de controle no governo da vulnerabilidade digital da sociedade brasileira.

Esse processo biopolítico de controle digital, faz do governo dos algoritmos do qual nos alerta Silveira (2016), e da perversão do neoliberalismo, o qual nos alerta Slobodian, (2018, 2020), (HAN, 2014) e Brown (2019) com seu livro, As Ruínas do Neoliberalismo. Seguramente isso faz parte de uma questão bem mais ampla, da qual faz parte a doutrina neoliberal e suas formas autoconsciente de controle de comportamentos e disciplinamento do corpo social, com imposição do medo coletivo compartilhado.

Isso leva a sociedade, de uma maneira geral, a uma situação de alerta permanente que ajudam a justificar a intervenção do estado no controle de todas as áreas da vida

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social, numa espécie de doutrina de procedimentos de controle neoliberal como afirma (BROWN, 2019). Ou como nos permite entender que vivemos numa espécie de

“democracia totalitária” presente na genealógica do neoliberalismo contemporâneo, como bem definiu Chamayou (2020). O que faz Chamayou ainda afirma que na atual conjuntura do neoliberalismo, essa democracia totalitária “é, antes de tudo, a retomada de um lugar-comum apoiado no pensamento reacionário, motivo clássico de uma longa tradição de ódio à democracia que remonta, no que diz respeito ao período moderno, ao anti-iluminismo” (CHAMAYOU, 2020, p.325). Ou seja, o neoliberalismo e suas formas biopolíticas de controle, nos leva a um retrocesso no qual o avanço da sociedade fundada no capitalismo digital, que visa controlar os afetos, os dados e vulnerabilizar, de forma generalizada o corpo social. Do ponto de vista filosófico, consideramos isso é um avanço para o atraso.

Esse processo, nos remete as reflexões bejaminianas sobre o Anjo da História, nas teses sobre a história, de Walter Benjamin (1996) sobre a qual ele descreve um anjo que abre as asas de costas para o futuro olhando para o passado que é destruído pelo progresso do presente. Segundo ele,

Há um quadro de Klee que se chama Ângelus Novus. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. (…). Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos.

Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso. (Benjamin, 1996, p. 226).

Essa tempestade no nosso caso é o que chamamos de enxurrada de discursos neoliberais autoritários e práticas de irracionalismos autoconsciente, que atentam contra o desenvolvimento do estado democrático. A tempestade do irracionalismo autoconsciente, se faz representar por práticas ultra conservadoras de uma nova forma de governo fascista, que destrói garantias sociais e governa politicamente, as subjetividades coletivas, pela manipulação autoconsciente dos afetos. É válido ressaltar também que esse processo fundado em difusão de desinformação é igualmente um processo de governabilidade e colonização do imaginário, no desenvolvimento da doutrina da neoliberal. Com isso, o imaginário social dos indivíduos, se ancoram em processos de desinformação e criação de mitos salvadores.

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De certa maneira, essa reflexão se afina com a crítica neoliberal proposto por Gandesha, (2017) em que afirma que, “el neoliberalismo se centro em um modo de governablidad del sujeito” (p.142), a partir do qual se forja uma ilusão de liberdade, que promove uma satisfação de deliberada de desrespeito e negação da alteridade, negação do outro através de pronunciamentos autoritários que corrobora, com aquilo que com personalidade autoritária, como nos fez crer Adorno (1950). Ainda segundo Gandesha, (2017), “Portanto, si el concepto de personalidade autoritária fora viable em la atualidade, precisamos compreender em qué modo pued ser entendido em las condiciones actuales del capitalismo.” (p. 135).

Nesse sentido, as práticas abjetas, nefastas que promovem desinformação nas mídias sociais, pelos atos de fala de líderes populistas, referendam essa ilusão de liberdade do neoliberalismo autoritário e fascista. A ilusão de liberdade, de se achar no direito de promover desinformação, que essa onda de fake news provoca, é na verdade uma ilusão de liberdade que nos faz regredir socialmente a formas rudimentares de barbárie de vida social. O personalismo autoritário e populista de governos como Bolsonaro, avançam em direção ao atraso, proposto pela política de mobilização dos afetos da extrema direita em sua versão de doutrina neoliberal. Com bem analisa Barbosa (2019),

O fenômeno Bolsonaro que é parte de uma realidade mais ampla de ascensão da extrema direita, precisa ser entendido nas esferas dos valores. A indignação antissistema e a certeza de que é valores familiares criam um ambiente de indiferença em relação a veracidade na política. Parece ser mais importante proteger um mundo visto como ameaçado. (Barbosa, 2019, p. 20).

A doutrina neoliberal e fascista que resulta desse contexto, se vale de instrumentos ideológicos de persuasão, medo, mentira, violência, e brutalismos políticos, que alimenta a engenharia de manipulação dos afetos, como bem analisou Patrícia Campos Mello (2020), em seu livro, A Máquina do Ódio: notas de uma reporte sobre fake news violência digital.

Em seu livro ela cita que,

Na versão moderna do autoritarismo — em que governantes não rasgam a Constituição nem dão golpes de Estado clássicos, mas corroem as instituições por dentro —, não é necessário censurar a internet não é necessário censurar a internet. Nas

“democracias iliberais”, segundo o vernáculo do primeiro- ministro húngaro Viktor Orbán, basta inundar as redes sociais e os grupos de WhatsApp com a versão dos fatos que se quer

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emplacar, para que ela se torne verdade — e abafe as outras narrativas, inclusive e sobretudo as reais. Essa avalanche de desinformação muitas vezes é “impulsionada com recursos de marketing que fazem sobressair determinados conteúdos. No Facebook e no Instagram, por exemplo, é possível pagar para que um conteúdo atinja mais pessoas, seja visto mais amiúde ou alcance certos públicos (segmentados por idade, gênero, localização e outros parâmetros). No Twitter e no Facebook, quanto mais engajamento (cliques e curtidas) tem um conteúdo, maior destaque ele recebe. No entanto, muitas vezes usam-se sistemas automatizados, os robôs ou boots, ou então pessoas contratadas, os trolls, para forjar maior engajamento em certos conteúdos e dar visibilidade a certo tema, simulando uma popularidade que ele não tem. (MELLO, 2020, P. 29-30).

O conjunto de interesses dessa nova prática de governo fascista, atende a uma pauta do ultraconservadorismo que age de forma violenta, através de milícias digitais dentro da máquina estatal. Essa violência, além de brutalmente instituída, pelo poder político é ao mesmo tempo simbólica e material e está emaranhada numa trama intersubjetiva de propagação de discursos com práticas racistas, machistas, homofóbicas, xenofóbicas, preconceituosas e toda sorte de narrativas abjetas que são dirigidas a sociedade, através de dispositivos discursivos de pânico moral proporcionado por milícias digitais. Como bem afirma Han, (2014). También el medio digital es un medio del afecto. La comunicación digital facilita la repentina salida de afectos. Ya solo por su temporalidad, la comunicación digital transporta más afectos que sentimientos. (HAN, 2014, p.66.). E esses afetos operado de forma pontual, ajudam a criar mitos que manipulam emoções e interesses afetivos de formas ideológicas de pronunciamentos de ideologias falhas (STANLEY, 2015), ao modo como opera Bolsonaro.

No governo Bolsonaro, a mitificação do presidente, é acionada pelas suas falas abjetas que pronunciam palavras de ódio que suscitam medos que procuram justificar um retorno do nacionalismo aos moldes do que foi estabelecido na ditadura do Brasil, entre o início dos anos sessenta até início dos anos oitenta. As suas retóricas discursivas são tematizadas com ameaças que o Brasil vai se tornar um país comunista, no qual o caos vai se instaurar de forma generalizada e a família, a propriedade privada e os valores morais, fundados pelos ideais cristãos, serão perdidos para sempre. A mitificação discursiva desses pronunciamentos fascistas, que são feitos sobretudo através das mídias sociais, visa arregimentar seguidores fiéis a suas ideias. Como bem afirma Barbosa (2019),

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Hoje, a subjetividade irrompe por toda parte. Perpassa a crença, a vontade e os valores; questiona a separação entre o público e o privado, entre a alma e o corpo, entre a cidadania e o íntimo, entre o neutro e os voluntariosos. A ação política exige a construção de ambientes coletivos que incluam as demandas da subjetividade, mas focando em valores compartilhados que reestabeleçam a confiança no social. (BARBOSA, 2019, p.22).

Assim, a pós-verdade induzida pelo raciocínio motivado, prevalece como um dispositivo que aciona o circuito dos afetos, produzindo uma nova forma de percepção da opinião pública sobre a política, que no caso de políticos como Bolsonaro, criam combinações de bravatas nacionalistas e discursos moralistas de cunho fascistas, ancorados em fake news.

Todo esse processo tem, na nossa análise, um caráter de irracionalismo autoconsciente fundado numa retórica da paranoia da segurança nacional e do medo compartilhado, que ajuda a alimentar a política do ódio digital cotidiano, nesse circuito dos afetos (SAFATLE, 2015).

O medo como afeto político, tende a construir a imagem da sociedade como corpo tendencialmente paranoico, preso à lógica securitária do que deve se imunizar contra toda violência que coloca em risco o princípio unitário da vida social. Imunidade que precisa da perpetuação funcional de um estado potencial de insegurança absoluta vinda não apenas do risco exterior, mas da violência imanente da relação entre indivíduos. (SAFATLE, 2015, p. 24.).

O discurso da violência, promove uma assimilação desamparo político e econômico que aflige diretamente o corpo social, e tenta se ancorar em distorções da realidade e pânico moral (MCLUHAN,1964), sobre temas e fatos inverossímeis que, muitas das vezes, beiram o absurdo, e distorcem a realidade de forma violenta e abjeta, a um ponto inimaginável. Acreditamos que isso promove uma insegurança ontológica, com reflete Giddens, em seu livra As Consequências da Modernidade (1991), que ajuda no aumento do sentimento de desamparo político de pessoas, que se encontram fortemente motivadas a agirem mediadas pela dimensão dos afetos, numa sociedade mobilizada pelo discurso de insegurança e medo.

Quanto a questão dos afetos coletivos, presentes no corpo social, Safatle (2015) afirma que,

(...) apostar na crença de que a mobilização libidinal e afetiva que sedimenta os vínculos sociais, em suas múltiplas formas, seria sempre uma regressão a ser criticada, como se a dimensão dos

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afetos devesse ser purificada para que a racionalidade desencantada e resignada da vida democrática pudesse se impor, esfriando o entusiasmo e calando o medo. No entanto, há de se insistir ser impossível descorporificar o social, pois é impossível purificar o espaço político de todo afeto. (SAFATLE, 2015, p.

25).

A mobilização dos afetos políticos cria uma ressonância de discernimento e sensibilidade emocionais, no que toca sobretudo a questão da memória social e política dos indivíduos. Essa memória entrelaça temporalidade e percepções subjetivadas e coletivizadas, com isso concordamos com HAN, (2014), quando afirma que, “La memoria es un proceso dinámico, vivo, en el que distintos niveles de tiempo se interfieren e influyen mutuamente. Está sometida a delimitaciones y reordenaciones. (HAN, 2014, p. 101). A memória de uma sociedade em rede (HAN, 2014; CASTTELS, 1999) é aqui vista como um processo de constituição de experiências compartilhadas, por um corpo social, que incide numa incerteza do horizonte de expectativas de forma coletiva, a medida em que a pós-verdade resulta de uma desidratação da realidade e sugere um total desapego da verdade e da temporalidade histórica. A pós-verdade está voltada para a partilha de valores, crenças e pertenças indenitárias, em detrimento da experiência ontológica do real vivido pela experiência material da temporalidade do tempo presente e passado.

A pós-verdade com isso é a operação da ideologia agindo sobre as subjetividades coletivas e isso se desdobra num biopoder de orientação política de controle, que procura desqualifica o conhecimento e os tempos históricos. Nesse sentido o processo da pós- verdade com o qual opera o discurso fascista contemporâneo não considera o passado histórico, passando a substituí-lo por um passado mítico, fantasioso e nostálgico de uma experiência irreal que nunca existiu (STANLEY, 2020). Isso ocorre sobretudo quando se trata de questões relativas as ideologias que visam restaura discurso míticos e símbolos de ordem nacionalistas, que apostam na mobilização dos afetos e na crença de valores partilhados por ideologias conservadoras.

Nesse sentido, quando valores coletivos ligados a nação, parecer estarem em riscos ou sob ameaça, esse acionamento dos afetos, convergem como um corpo social moral que é ideologicamente acionado contra essa ameaça. Não é por acaso que símbolos nacionais e valores tradicionais, pautados em discursos, são tão usados por líderes populistas como Jair Bolsonaro, na tentativa de angariar legitimação do corpo social, na luta contra essas ameaças. Nesse sentido, as ideologias falhas usadas nos mecanismos de

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propaganda fascista, são eficientes em acionar a mobilização do corpo coletivo, a medida em propagam valores e símbolos constitutivo em um campo simbólico da política a partir de um prisma moral. Pautas políticas ligadas aos temas: tradição familiar e educação sexual, são sempre um bom exemplo de como, temas dessa natureza, circulam pelos dispositivos das fake news, demonstrando um sinal de ameaça, que despertam interesse imediato dos pais, professores e diretores de escolas. Nesse sentido, o governo das mobilizações desses afetos proposto em práticas de vulnerabilidade biopolítica, sempre desperta a sensação de medo coletivo compartilhado. Em tempos de pós-verdade e fake news, uma notícia que veicule desinformação sobre assuntos delicados, como a sexualidade infantil e questões de gênero, são sempre as mais eficazes em cria pânico moral, mais facilmente.

A persuasão desinformativa cria mecanismos de espraiamento compartilhado numa ampla rede de tramas ideológicas, na qual os indivíduos/usuários estão sempre envoltos. Os dispositivos de desinformação, visam persuadir a opinião pública na tomada de posicionamentos sobre determinados assuntos, de forma sempre urgente e que atendam a um conjunto de interesses que influi na memória social falseada pela pós- verdade. A nossa questão é o quanto esses fenômenos relativos ao binômio fake news/pós-verdade, está diretamente ligado à sujeição e manipulação da opinião pública, a partir do raciocínio motivado de forma autoconsciente, nesse processo de governança dos afetos.

O governo da subjetividade dos afetos incide na tomada de posição da opinião pública de forma direta e indireta, assim como incide na formação da memória social compartilhada em rede. Assim a pós-verdade, ajuda a fazer parecer que as mensagens das notícias falsas e seu conteúdo performaticamente convincente, toquem interesses a partir do acionamento dos afetos do corpo social e mobilizam as tornadas de posição da opinião pública nas redes sociais. A aparecia muitas convincente das fake news, e o volume com que ela se apresenta, sempre causam um impacto emocional nos receptores das mensagens. Com isso, a urgência dos debates acalorados na esfera pública, sobre as notícias falsas, desperta nossa atenção e muitas vezes acionam nossa ressonância emocional, mediante a mobilização eficazes sobre os nossos valores e afetos.

Os indivíduos/usuários ficam sobrecarregados, diante da enxurrada de desinformação e guerras de narrativas de fake news, através de mensagens desinformativas que se apresentam como uma tempestade de mentiras nas mídias sociais.

O medo, a insegurança, a desconfiança generalizada, são parte constitutivas dos processos

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promovidos na colonização do imaginário, sobre o qual circulam ideologias falhas, na forma com Stanley (2015) analisa.

Nesse contexto de instabilidade e medo coletivo, também se instauram ameaças produzidas por discursos de descréditos ao conhecimento racional, em particular o conhecimento que são produzidos pelas instituições universitárias. Grande parte da sociedade é levada a desenvolver um sentimento de descrédito e deslegitmação, sobre o papel que as universidades têm na manutenção da produção do conhecimento para o desenvolvimento social. O discurso fascista, com isso, amparado em pautas ideológicas contra a ciência e a intelectualidade, ajuda a promover a disseminação de um discurso anti-intelectual de desmobilização e desmonte das universidades e da educação. “A educação, portanto, representa uma grave ameaça ao fascismo, ou se torna um pilar de apoio para a educação mítica” (STANLEY, 2020, p.48).

No caso do Brasil isso se aplica, seguramente. Mas há uma outra questão, que está ligada a visão ideológica e esotérica, particularmente representada por assessores do presidente Jair Bolsonaro, como Olavo de Carvalho, que deliberadamente apresentam ideias contra as universidades, justificando inclusive o fechamento de instituições importantes de ensino e pesquisa de renome na sociedade Brasileira. Para Olavo de Carvalho o anti-intelectualismo é uma luta a ser levada a sério, pelo governo Bolsonaro, pois esse intelectualismo não representa o povo, particularmente o povo sofrido e excluído do Brasil.

Nas palavras do próprio Olavo de Carvalho, em entrevista apresentada no livro, A Guerra pela Eternidade, de autoria de Benjamin Teitelbaum, o ideólogo afirma,

O povo do Brasil – o povo pobre, o povo simples... Eles entendem as coisas muito melhor que os intelectuais. O povo brasileiro tem uma espécie de instinto de realidade”.

Por quê? (pergunta Teitelbaum). Acredito que seja porque a vida deles é muito difícil. Eles não têm tempo para fantasiar. (TEITELBAUM, 2020, p.227).

Essa frase explica bem a perspectiva que o pensamento ultraconservador tem sobre os intelectuais que trabalham com a produção do conhecimento técnico e científico.

E isso passa a ser um discurso que é reproduzido para a sociedade de uma maneira geral, por pessoas como Bolsonaro, que prefere crer nas experiências esotéricas de um assessor astrólogo, que em assessores políticos profissionais que se amparam em experiências institucionais da administração pública de governo.

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O governo da subjetividade, nesse caso, se institui pela sensibilização dos afetos, que operam no campo do senso comum, que se identificam muito mais com conhecimento astrológico, esotérico e doutrinas religiosas, que com o conhecimento da ciência. E isso vai se expressar, mais adiante na nossa análise, quando tratarmos dos temas ligados aos discursos negacionistas e esotéricos sobre a terra plana, em capítulos mais a frente. Mas tudo isso, toda essa lógica abstrata de negar a realidade dos fatos, está ancorada numa forma de pensamento mitificado. Os mitos atendem a uma demanda do pensamento fascista, como bem afirma Stanley (2015) e qualquer pensamento, fundado em bases racionais, conseguem destruir facilmente os argumentos sobre o pensamento mítico, porém, nem sempre consegue vencer a crença das pessoas que voluntariamente acreditam nos mitos, sobretudo nos mitos que se inventam como salvadores do povo.

O ADVENTO DO CAPITAL EMOCIONAL: Estruturas algorítmicas do neoliberalismo e formação de novos populismos:

Diante desse contexto de carência coletiva, líderes populistas conseguem facilmente acionar os sentimentos de afetos, de parte da população do país, que reproduzem discursos contra as universidades e contra as instituições, que estão, na visão dos fascistas corrompidas pela corrupção. É o governo dos afetos, através dos mecanismos da administração pública, que faz opera o governo populista das subjetividades.

O termo governo na perspectiva foucaultiana tem um aspecto complexo e amplo e não se restringe apenas a questões relativas à gestão e administração públicas em forma de decisões políticas tomadas de acordo com a gestão do Estado, mas também se refere a designações através das quais são estabelecidas as formas de “(...) conduzir condutas dos indivíduos ou grupos: governo das crianças, das almas, das comunidades, das famílias, dos doentes (FOUCAULT, 2010. P.244). O governo populista e autoritário de líderes como Bolsonaro, representam uma ideologia personificada na construção de um mito, que conduz condutas e mascara uma política perversa que se funda na lógica do vigiar e punir. Ao mesmo tempo esse mito não sente confortável e seguro diante de qualquer instituição que possa estabelecer, sobre ele qualquer forma de crítica ou controle, como o sistema judiciário, por exemplo.

E é a partir da construção de ameaças imaginárias, criada por governanças míticas, como a de Bolsonaro, que aposta na paranoia coletiva da insegurança para promover o

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discurso da violência, instaurando uma frequente sensação de medo e desamparo, coletivo. A paranoia fascista na pós-verdade, ajudam a políticos autoritários como Bolsonaro, a corroborar e reitera a perversidade do processo de desinformação, através das milícias digitais, que promovem disparos de fake news através de grupos que se associam ao compartilhamento de desinformação, e que seguramente fazem usos dos dados roubados dos 223 milhões de brasileiros que citamos anteriormente.

Os indivíduos/usuários associados, direta ou indiretamente as milícias digitais, disparam mensagens falsas com o proposito de promover uma identificação, por afinidade letiva (GARBAUDO, 2018) a valores morais, ideológicos e muitas vezes com conteúdos de violência contra instituições e pessoas, ajudado por ideias, propagadas por pessoas como as Olavo de Carvalho, que citamos acima. Com isso há uma espécie de aderência simbólica em relação a muito conteúdos falsos e desinformativos em que fake news ressoam, como desejo de verdade por grande parte de população brasileira. Que não se intimidam em compartilhar mensagens falsas, sobre as quais muitos gostaria que fosse verdade.

Isso nos leva a entender por exemplo, que em processos de fake news a confiança na emissão da mensagem parece ser mais importante que o conteúdo falso das mensagens.

Como afirma Pinheiro,

As fake news – sejam aquelas literalmente falsas, sejam aquelas que esticam o sentido das palavras para ter um impacto radicalmente polarizante – dependem de um terreno fértil, já preparado para elas: a descrença generalizada em todas as instituições, em especial na impressa. A campanha de descredito de jornais e da imprensa em geral é uma peça central na promoção de fake news. (Pinheiro, 2019, p.38).

A proposito disso, afirma-se que uma notícia que venha gerar algum tipo de confiança, são repassadas por pessoas próximas e por isso não são devidamente checadas, na sua origem nem no seu conteúdo, pouco importando se essa notícia é ou não verdadeira. Essa é uma hipótese frustrante que é reforçada com o fenômeno da pós verdade. E ao mesmo tempo faz parecer que o usuário das fake news, seriam tomados por uma “idiotia”, ou alguém com “déficit de cognição” ou “incapacidade de discernimento”, o que não é verdade, como bem afirma Fernanda Bruno e Tatiana Roque (2019).

Esse indivíduo/usuário é a ponta da linha através da qual o dispositivo de controle dos jogo de interesse por trás das fake news, operam numa lógica de rede bem mais ampla, com uma malha que envolve governos e interesses de grupos privados, estruturados numa

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rede de tecnologia de informação, com logística algorítmica de última geração, que trabalham matematicamente com compilação de dados de usuários, na formação de perfis de contas nas mídias sociais e manipulação de informações, que são feitas através dos comando que esses usuários operam nos seus dispositivos ligados em rede, que está sob monitoramento algorítmico.

Os algoritmos são programas de rotinas lógicas, encadeadas a partir de um conjunto de instruções previamente introduzidas num sistema de informação, que tem como propósito resolver problemas (SILVEIRA, 2016), compilar e manipular dados, que incidem na indução de comportamentos dos usuários (Kaufman, 2018). Os algoritmos reúnem um conjunto de informações e passos, que são usados nos acessos às redes sociais pelos indivíduos/usuários comuns, para realizarem tarefas especificas por dispositivos moveis, como a de acionar o botão de likes, nas redes sociais, ou propagar fake news.

Em outras palavras, os nossos celulares, computadores e tablets, são usados como dispositivos na ponta desse sistema de programação das milícias digitais criminosas e grupos que operam com a logística digital de armazenamento de dado e algoritmos. Esses algoritmos associados a programas de inteligência artificial, realizam tarefas eficazes no processo de promover um cálculo matemático que contabiliza os comandos e informações que os usuários produzem, em forma de clicks, criando um padrão numérico de perfil dos usuários. Esses indivíduos/usuários estão sempre conectados em rede e sempre sendo monitorados por uma rede mais ampla, que contempla um conjunto de dados e informações, que são operados por máquinas, a medida em que seus dados são adicionados a esse sistema de compilação de informação.

A questão a saber é que os cálculos algoritmos são feitos sobre os perfis dos indivíduos/usuários, que estão sujeitos a grupos políticos e corporações criminosas que administram a big data das informações dos indivíduos/usuários. A manipulação de dados sempre induz comportamento e consumo, além de servirem a fraudes com o uso dos dados desses indivíduos/usuários. Destacamos ainda o fato que cada click dado pelos indivíduos/usuários, promove gera uma monetarização dentro desse sistema. Ou seja, em certa medida, os promotores dos dispositivos da indústria da desinformação das fake news, lucram financeiramente de forma direta, com a circulação de cada mensagem relativa e assa prática digital criminosa. Promovemos um lucro direto, a partir dos nossos cliques e dos dados dos nossos perfis nas redes sociais, fortalecendo esse mesmo sistema neoliberal, que explora as fragilidades afetivas dos indivíduos e suas vulnerabilidades digitais, dentro de uma nova lógica da mais valia emocional da sociedade em rede. A

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superestrutura do capitalismo neoliberal usa o afeto como moeda de troca e consumo, e a pós-verdade funciona como capital emocional nessa lógica do capitalismo das emoções, (HAN, 2014).

Esses sujeitos, na condição de internautas, são parte importante no funcionamento desse tipo de capitalismo dos afetos e que faz parte de uma indústria da desinformação, que induz persuasão de pensamento e comportamento, relativos à esfera do consumo de ideias e opiniões políticas, assim como consumo de bens ideológicos que fazem parte da lógica do mercado político e cultural fundado em valores.

Esse processo atende a uma nova forma que devemos entender sob a lógica atual da indústria cultural, associada ao capitalismo digital, que se representa como efeito daquilo que Adorno já apontava, nos seus escritos sobre teoria crítica (ADORNO, 2002, 2006, 2009). Ao mesmo tempo, essa máquina de objetificação é assim um dispositivo aperfeiçoado por tecnologias avançadas, no modo de operação governamental e biopolítico, para nos referirmos a Foucault (1979, 2010, 2020), na forma como esse biopoder dos dispositivos das redes sociais controlam e disciplinam condutas, assim como punem usuários, vulneráveis digitalmente, nesse dispositivo controle em rede governado por algoritmos.

Os algoritmos trabalham em favor de um conjunto de interesses programados, que determinam um padrão de informação a partir do perfil dos indivíduos/usuários com base nas informações do seu cotidiano digital das mídias sociais. A sociedade me rede informacional é o ambiente a partir do qual os controles programados de informações, operam com base em cálculo estruturais de softwares sofisticados de última geração, “o que implica a ampla disseminação de algoritmos” (Silveira, 2016, p. 268). Como afirma Silveira,

Celulares, tablets, smart TVs, veículos, semáforas inteligentes, mecanismos de busca na web, sistema de aprovação de crédito bancário, entre tantos outros exemplos, corriqueiros, todos esses dispositivos indicam a crescente presença dos algoritmos em nosso convívio. (...). Mesmo assim, softwares e algoritmos são invisíveis para a maioria das pessoas. Esses códigos são apresentados pelo mercado como algo que não precisamos saber como existem ou como funcionam, desde que cumpram sua finalidade. (SILVEIRA, 2016, p. 268).

Nesse caso, a finalidade é a de controlar e governar qualquer tipo de informações a partir de um conjunto de interesses, dentro dos ambientes digitais de interação input/output. Seguramente isso está ligado ao aperfeiçoamento do conceito de biopolítica

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que segundo Foucault (1979, 2020), é definido pelo cálculo e pela tática com os quais governos e grupos, estruturados por mecanismos de controle, exercem seu poder de forma específica sobre a população de uma maneira geral, (...) pautado em conflitos, acordos, discussões, concessões reciprocas: tudo peripécias que tem por efeito estabelecer finalmente na prática de governar uma divisão de facto, uma divisão geral, uma divisão racional entre o que deve o não fazer. (FOUCAULT, 2020, p.37)

Os dispositivos dessa governamentalidade, têm um caráter de implementar uma linha de força que incide, ao nosso ver, em violência informativa e violências de outras naturezas, sobre os corpos sociais, sob a justificativa de estar promovendo controle e segurança às populações governadas e influenciadas por esses dispositivos disciplinares.

Mas esse processo biopolítico, se traduz numa ampla rede de dispositivos de coleta de dados dos indivíduos/usuários, uma Big Data, como afirma Han, (2014).

Hoy se registra cada clic que hacemos, cada palabra que introducimos en el buscador. Todo paso en la red es observado y registrado. Nuestra vida se reproduce totalmente en la red digital. Nuestro hábito digital proporciona una representación muy exacta de nuestra persona, de nuestra alma, quizá más precisa o completa que la imagen que nos hacemos de nosotros mismos. (HAN, 2014, p.93).3

As coletas de dados são linhas de ações desses dispositivos que funcionam por um conjunto dispositivos que são estruturados na captura de dados de toda natureza, em relações aos indivíduos/usuários em rede, que habitam bolhas digitais, em que dados são compilados em a partir de linhas de programação que avaliam clicks. Esse gerenciamento dos dados dos indivíduos/usuários, são definidos a partir do que os analistas e pesquisadores em rede de segurança digital chamam de filtro de bolhas. As bolhas digitais funcionam como espaços públicos eletrônicos, sobre os quais os indivíduos/usuários circulam digitalmente, sociabilizando dados e compartilhado ações e comportamento.

(PARISER, 2011; MANSERA, 2015; SANTAELA, 2018).

Como afirma Santaella (2018),

Tudo o que você gosta de ver e ouvir em serviços de streaming, quem você curte nas redes sociais, o que você compra nas lojas online, o que você joga no seu videogame, suas viagens, seus

3 Hoje, cada clique e comando que damos, cada termo que procuramos e dados que digitamos nos mecanismos de busca são registados e catalogados de forma classificatória por algoritmos. Nosso comportamento digital é totalmente controlado na rede. Nosso hábito digital fornece uma representação muito exata do perfil dos nossos interesses. Talvez a imagem mais precisa ou mais completa do que fazemos de nós mesmos

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desejos, suas conversas por e-mail ou mesmo no WhatsApp; tudo isso está sendo monitorado 24h pelo grande olho da rede Essa grande máquina social invisível, fruto da enorme personalização dos ambientes online, usa todos os dados coletados da sua vida digital para te oferecer tudo aquilo que ela considera relevante para você. (SANTAELLA, 2018, p. 08).

Esse conjunto de interesses, que não são promovidos por esses usuários, mas sim por grupos empresariais e governos que têm interesses em pautas que atendam, especificamente ao desejo de controle imediato sobre as novas motivações, comportamentos e tomadas de posição dos indivíduos, são acionadas por redes e grupos sociais. Sobre isso ainda segundo Han (2014),

El número de direcciones web es práctica- mente ilimitado. De este modo es posible dotar a cada objeto de uso de una dirección en internet. Las cosas se convierten por sí mismas en proveedores activos de información. Informan sobre nuestra vida, sobre nuestro hacer, sobre nuestras costumbres. (HAN, 2014, p.94). 4

Isso se enquadra naquilo que vimos a partir de Foucault (2010, 2020) sobre o governo de si e governo dos outros, a partir dos quais são dirigidas formas de condutas e manipulações de práticas e costumes, que incidem em comportamentos esperados.

Governar nesse sentido, é operar de forma estrutural o campo de atividade dos governados, no sentido de ter uma forma de gestão sobre o comportamento alheio. Com isso, Silveira argumenta que esse processo se torna fundamental para que se possa entender a funcionalidade dos algoritmos, nas novas formas de governança, no sentido de

“como os gestores e cidadãos podem pensar o poder em relação aos dispositivos – os algoritmos – que são criados por empresas que, em muitos casos, buscam objetivos bem diferentes daqueles declarados pelas leis e pelos programas e projetos formulados no interior do Estado. (SILVEIRA, 2016, p. 270).

Esse procedimento de governança, em contextos contemporâneos incide em políticas de monitoramentos e vigilância das subjetividades, por parte de grupos que visam disseminar mensagens com os objetivos e propostas muito bem definidas e muito bem articulada, do ponto de vista do uso das redes sociais, como é o caso do chamado gabinete do ódio5, na gestão do poder executivo da presidência da república brasileira.

4 O número de endereços da web é praticamente ilimitado. Desta forma, é possível fornecer a cada objeto de uso um endereço de internet. As próprias coisas se tornam provedores ativos de informações. Informam sobre a nossa vida, sobre o nosso fazer, sobre os nossos costumes.

5Gabinete do ódio é o nome dado a uma milícia digital formada por um grupo que dissemina fake news, numa sala no terceiro andar do Palácio do Planalto, a poucos passos do gabinete presidencial. Esse

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