EM DEBATe
A TECNOLO
PSICOLOGIA: CON
Três estudiosos apresentam a
Psicologia, Ciência e Profissão
suas
posições a respeito da Psicologia Social
hoje, suas principais tendências,
possibilidades de atuação prática e
perspectivas futuras. Dentro disso, a
discussão de uma questão
controvertida: a Tecnologia Social.
C
onjunto de conhecimentos aplicáveis na resolução de problemas enfrentados pelo homem em sociedade, a Tec-nologia Social é definida e indicada, por alguns, como método para solu-cionar uma grande variedade de ques-tões, considerando-se a ideologia de seu aplicador um problema secundá-rio. Para outros, nos moldes em que a Tecnologia Social vem sendo aplica-da, a questão da ideologia se coloca como ponto fundamental de dis¬Ciência e tecnologia a
serviço do homem
Psicologia, Ciência e Profissão: Quais as principais linhas da Psicologia Social hoje? Com qual delas seu trabalho se identifica?
Aroldo Rodrigues: Já houve tempo em que várias linhas transitavam na Psi-cologia Social com destaque mais ou menos igual. Recentemente, porém, o domínio do cognitivismo é indiscutí-vel, o que justifica a seguinte afirma-ção de Markus e Zajonc (1985) no capítulo que escreveram para a re¬ cém-saída terceira edição do The Handbook of Social Psychology: "A Psicologia Social dos anos 50 e 60 era caracterizada por uma diversidade de enfoques. Algumas pesquisas eram apresentadas numa linguagem de estí¬ mulo-resposta, outras nas tradições da teoria de campo e da Gestalt e o restante era conceitualizado em ter-mos cognitivos. A mudança desde en-tão tem sido de proporções revolucio-nárias, impelindo praticamente todos
os investigadores a verem os fenôme-nos psicossociais sob uma perspectiva cognitiva. Psicologia Social e Psicolo-gia Social cognitiva são hoje quase sinônimos. O enfoque cognitivo é agora claramente dominante entre os psicólogos sociais, não havendo, pra-ticamente, competidores." De forma semelhante se expressa a psicóloga francesa Montmollin (1982) ao dizer: "por cognitivo devem ser entendidas, em psicologia social, as atividades psicológicas internas pelas quais o in-divíduo (ou cada membro de um gru-po) apreende e interpreta os estímulos sociais, pessoais, condutas e eventos observados, objetos e situações so-ciais que se encontram em seu am-biente. Interessa-nos, pois, o que ocorre 'na cabeça do sujeito' quando se encontra na presença de outros, nos processos de aquisição, categori-zação, combinação, enfim, de proces-samento de informações, que
termi-nam na expressão verbal de um juízo de atribuição e/ou avalização." Eu, pessoalmente, me identifico inteira-mente com esta linha cognitiva em Psicologia Social, embora muitas pes-soas no Brasil (que obviamente nunca leram meus livros e artigos) me cha-mem de "behaviorista"...
PCP: Em que consistem as diferenças e semelhanças dessas linhas? E como define e defende a sua posição?
GIA SOCIAL NA
TROVÉRSIAS
cussão.
Psicologia, Ciência e Profissão
convidou três psicólogos sociais para darem seus depoimentos sobre a questão. Nossa idéia inicial era apre-sentar um texto coeso — resumo de um debate envolvendo os três entre-vistados. Mas, na impossibilidade de reuni-los (pois não estavam, geografi-camente, próximos) optamos por depoimentos individuais. A seguir, as opiniões de Aroldo Rodrigues, coor-denador do Programa de pós-gradu¬
diadores não observáveis, porém cla-ramente inferíveis, que caracterizam as cognições ou representações so-ciais das pessoas.
PCP: Em que consiste a Tecnologia Social? Qual a sua relevância?
AR: A Tecnologia Social consiste na utilização dos achados científicos das Ciências Sociais a fim de resolver pro-blemas sociais. O tecnólogo social se fundamenta nos dados científicos existentes, combina-os e, através de
ação da Universidade, Gama Filho, Ph.D. em Psicologia pela Universidade da Califórnia e introdutor das idéias de Jacobo Varela— especialista no as-sunto — no Brasil; Sílvia Lane, vice-reitora acadêmica e professora titular de Psicologia Social no curso de pós- graduação da PUC — Pontifícia Universidade Católica e Wanderley Co¬ do, professor de Psicologia Social na
USP de Ribeirão Preto e autor de "O que é Alienação"e "O que é corpola¬
tria" entre outros títulos.
sua criatividade, utiliza-os na resolu-ção de problemas sociais. Como bem diz Jacobo Varela, o inventor da Tec-nologia Social, "tecTec-nologia é síntese, enquanto ciência é análise". Jacobo Varela, no Uruguai, e Euclides San-chez e Esther Wiesenfeld, na Vene-zuela, são em minha opinião os mais destacados tecnólogos sociais da atualidade. A tecnologia social surgiu na América Latina e não nos países do primeiro mundo, provavelmente devi-do à necessidade premente de resol-ver graves problemas sociais existen-tes nos países do terceiro mundo. Os países desenvolvidos podem dar-se ao luxo de descobrir muitas coisas e não aplicá-las; não é o caso dos países do terceiro mundo, onde a gravidade dos problemas sociais está a exigir o es-forço dos cientistas e dos tecnólogos sociais; os primeiros através de des-cobertas de relações não-aleatórias entre variáveis, que permitem aos se-gundos criar soluções para a resolu-ção de problemas concretos. Dedican¬ do-se à resolução dos problemas so-ciais, a relevância da Tecnologia So-cial dificilmente pode ser superesti-mada. É necessário que ela seja mais e mais desenvolvida entre nós; sem-pre, porém, ancorada em descobertas científicas sólidas, que facilitem o tra-balho do tecnólogo social.
PCP:Quais as implicações éticas, políti-cas e ideológicas do uso da Psicologia Social?
AR: É claro que toda atividade prática envolve problemas de natureza ética, política e ideológica. A Tecnologia Social não está isenta desses proble-mas. É preciso que o tecnólogo social deixe bem claro quais são os seus valores, para que as pessoas que com ele lidam possam julgar as soluções que apresenta. O trabalho do tecnólo-go social há de ser franco, aberto, sincero e honesto. Isso se consegue através da explicitação de seus valo-res às pessoas a quem sua atuação possa vir a influenciar. Não há como evitar a influência dos valores pes-soais em sua atuação.
PCP: Qual o papel da Psicologia So-cial nesse quadro?
AR: A Psicologia Social, como ciência básica que é, tem muito a contribuir para a atividade do tecnólogo social. Embora a quase totalidade das pes-soas discordem de mim, eu pessoal-mente estou seguro de que a ciência é neutra em sua procura das relações não-aleatórias entre variáveis. Admi-to que a escolha do tema e até o relatório do cientista possam não ser neutros. O produto final, isto é, o conhecimento novo que surge, este é inexoravelmente neutro, pois toda a comunidade cientifica o fiscaliza. Ninguém acredita ingenuamente no que um cientista diz; é necessário que ele prove o que diz. Na publicidade e na necessidade de o cientista descre-ver em detalhes como chegou ao co-nhecimento por ele apresentado é que reside a grande salvaguarda da ciência contra tendenciosidade e vieses pes-soais. Penso, pois, que assim devem marchar a Psicologia Social e a Tecno-logia Social: a primeira procurando séria, honesta e objetivamete, o co-nhecimento da realidade social em que vivemos; a segunda, baseada nesse conhecimento, planejando in-tervenções dedicadas à resolução de problemas sociais.