IMPACTOS NA BIODIVERSIDADE: UM ESTUDO DE CASO DA CURVINA
( Plagioscion squamosissimus) NO MÉDIO RIO TOCANTINS, ANTES E APÓS A
FORMAÇÃO DO RESERVATÓRIO DA UHE LUIS EDUARDO MAGALHÃES.
Elineide Eugênio Marques, Iriene Siqueira Freitas, Maria Josinete Araujo Costa emarques@uft.edu.br
Realização Apoio
de Ciências do Ambiente e
Sustentabilidade na Amazônia
INTRODUÇÃO
Ações antrópicas provocam desequilíbrios aos ambientes, às populações que os ocupam, a formação de reservatórios em rios pela implantação de usinas hidroelétricas de energia - UHE é um bom exemplo dessas ações. Os empreendimentos são realizados com intuito de produzir energia elétrica e tem assumido grande importância nas regiões tropicais. Em países com abundantes recursos hídricos, como o Brasil, a utilização dos rios para esta função já representa uma das principais ameaças a conservação da fauna de peixes (Agostinho et al., 2007; Winemiller et al., 2008; Pelicice & Agostinho, 2008).
O conhecimento dos aspectos relacionados com a biologia e ecologia das espécies são importantes para se compreender o comportamento das populações das espécies que compõem a fauna, favorecendo uma administração dos recursos naturais menos degradadora.
Um efeito inevitável do represamento para a comunidade de peixes é a alteração na composição e abundância de espécies, com proliferação de algumas e redução ou até eliminação de outras (AGOSTINHO, 1992; AGOSTINHO et al., 1992; AGOSTINHO et al., 1999), além de efeitos sobre a alimentação (HAHN et al., 1997).
Este trabalho teve como objetivo analisar a abundância de Plagioscion squamosissimus antes e depois da formação do reservatório da UHE Luis Eduardo Magalhães, considerando as coletas realizadas e o conhecimento popular dos pescadores da região.
MATERIAIS E MÉTODOS
O material utilizado neste trabalho foi obtido no médio rio Tocantins, durante os meses de outubro de 1999 a setembro de 2004. As amostras foram coletadas em 12 pontos, sendo quatro na calha (tter, tipu, tpor e tfun) e oito nos tributários da área de influência do rio Tocantins (ster, sval, malv, crix, arei, mang, sluz e laje), como mostra a figura 1.
Figura 1. Localização da UHE Luis Eduardo Magalhães no médio rio Tocantins e seus principais tributários
Os peixes foram capturados com redes de espera de malha variando de 2,4 a 16,0 cm entre nós opostos. Ficando expostas por 24 horas em cada local e mês, sendo feita a retirada dos peixes a cada 6 horas. Os peixes capturados foram acondicionados em gelo e transportados ao laboratório, onde foram registrados dados referentes ao local, data e horário de captura, comprimento padrão (cm), peso total (g), sexo, estádio de maturação gonadal grau de enchimento do estômago.
O estádio de maturação gonadal foi determinado macroscopicamente, com base na cor, transparência, flacidez, irrigação periférica, tamanho e posição na cavidade abdominal e no caso de fêmeas, presença de ovócitos. A abundância e distribuição espaço-temporal da espécie, foi utilizada captura por unidade de esforço (CPUE), conforme equação:
CPUEn=N/(m2 *h), onde N=número de indivíduos capturados, m2 =área das redes de emalhar, h= tempo de exposição das redes de emalhar, expressa por número de indivíduos capturados em 1000m2 rede/24horas.
Nas entrevistas dirigidas com os pescadores foram empregadas abordagens em diálogo, orientadas por um roteiro. A partir de um primeiro pescador, foi feita uma ampliação da amostra utilizando-se o método “bola de neve”, em que um informante indica uma ou mais pessoas que ele acredita ser dotada de experiência no assunto abordado (ALBUQUERQUE et al., 2008).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em cinco anos de coleta foram capturados 3383 indivíduos de Plagioscion squamosissimus, 12,58 indivíduos/1000m2 rede/24horas. Espécie considerada de grande porte, apreciada pela população ribeirinha para o consumo além do grande interesse na comercialização. Pertencente a familia Sciaenidae, destaca-se como a mais comum, sendo natural da bacia Amazônica, com distribuição geográfica na bacia Araguaia – Tocantins.(BENNEMANN, et al)
A abundância nas capturas apresentou diferenças significativas entre as fases rio e reservatório, com média de 8,64 indivíduos/1000m2 rede/24horas na fase rio e 14,29 indivíduos/1000m2 rede/24horas no reservatório, o que sinaliza um processo eficiente de adaptação às modificações ocorridas no ambiente com a formação do reservatório, como descrito na tabela da figura 2.
Nos anos 1(1999), 2 (2000) e 4 (2002) foi possível coletar amostras nos doze pontos descritos, com isso é possível evidenciar um aumento na captura, principalmente nos pontos da calha a montante (tter, tipu e tpor), no ponto a jusante da barragem (tfun) ocorreu um pequeno decréscimo na captura. Nos tributários, os rios areias (arei) e lajeado (laje) apresentaram um aumento representativo na abundância da espécie, enquanto nos demais tributários da área de influência (ster, sval, malv, crix, mang e sluz) foram sutis as diferenças de captura. Para essa ocorrência os pescadores afirmam:
...antes sabíamos aonde encontrar o peixe e quais espécies encontrávamos em cada época do ano, agora estamos em período de descoberta, com esse tanto de água, não sabemos mais aonde o peixe está e os peixes também estão procurando encontrar os locais melhores para eles se alimentarem, se reproduzirem, se protegerem dos predadores.... é tudo novo. ( João Altino-pescador entrevistado).
L O C A L A N O 1 A N O 2 A N O 3 A N O 4 A N O 5
t t e r 1 8 , 0 8 1 6 , 0 9 4 1 , 1 1 3 8 , 6 6
t i p u 8 , 8 1 4 , 7 7 8 , 4 0 2 2 , 3 1 5 , 7 7
t p o r 6 , 0 9 4 , 8 8 2 1 , 9 8 2 1 , 0 9 1 1 , 0 7
t f u n 1 4 , 3 1 6 , 3 9 1 8 , 7 7 5 , 8 6 5 , 7 3
s t e r 2 0 , 6 0 1 1 , 5 3 2 8 , 7 3 2 2 , 9 3
s v a l 8 , 7 7 7 , 3 3 5 , 9 3 5 , 4 5
m a l v 5 , 2 8 7 , 4 5 7 , 9 8
c r i x 3 , 0 4 9 , 1 2 1 2 , 7 6 1 2 , 5 0
a r e i 5 , 8 6 3 , 6 6 3 3 , 6 2 2 5 , 4 7
m a n g 7 , 8 0 9 , 2 6 5 , 6 1 8 , 8 0
s l u z 3 , 7 3 5 , 8 0 0 , 0 0 0 , 7 9
l a j e 3 , 9 0 2 , 7 0 0 , 4 8 4 , 0 0 2 0 , 4 0
Figura 2: Captura do P.squasimossimus nos doze pontos descritos na área de influência do reservatório da UHE Luis Eduardo Magalhães.
Há históricos em que a P. squamosissimus, passou a ser dominante no reservatório dez anos depois (BRAGA, 2001). As coletas mostraram variação de 2,5cm a 52,0cm no tamanho dos indivíduos amostrados, pescadores da região citam a captura de corvina de até 60cm. O tamanho médio dos indivíduos capturados nas diferentes fases apresentou diferença significativa, mostrando um aumento de indivíduos de pequeno porte na fase reservatório.
Na analise da atividade reprodutiva, a corvina apresentou maiores valores na fase rio. A maior freqüência de indivíduos imaturos de Plagioscion squamosissimus foi observada na fase reservatório.
A variabilidade na composição da dieta de uma dada espécie, embora relacionada ao seu comportamento e à sua morfologia, está fortemente associada a diferenças na abundância local do alimento (Jucá-Chagas 1997). Assim, o caráter sazonal da disponibilidade do recurso alimentar pode ser o fator chave que afeta vários aspectos da dinâmica da comunidade (Lowe-McConnell 1999).
CONCLUSÃO
Esse estudo possibilitou a identificação de mudanças na estrutura da população de P.
esquasimossimus dentro do reservatório da UHE Luis Eduardo Magalhães, nesses cinco anos de pesquisa, considerando ainda o conhecimento popular adquirido na vivência cotidiana dos pescadores em estreita relação com o rio, a flora e a fauna que compõem esse ambiente.
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