Constipação em cães: como a alimentação pode ajudar?
M.V. MSc. Sandra Prudente Nogueira Gerente de Comunicação Científica
Royal Canin do Brasil
Os distúrbios gastrintestinais são uma das razões mais comuns que fazem com que o proprietário leve seus cães ao Médico-Veterinário em busca de cuidados.
Constipação é caracterizada pela formação de fezes excessivamente firmes e ressacadas, com defecações infrequentes. A estagnação prolongada de fezes no cólon resulta em desidratação progressiva da matéria fecal, que se torna muito ressecada, dura e difícil de ser eliminada.
O termo obstipação é usado para casos de constipação persistente, decorrente de alterações graves do colón. O megacólon é definido como uma distensão generalizada do cólon combinada com perda de motilidade (dilatação anormal do intestino grosso).
A constipação pode se desenvolver em qualquer doença que prejudique a passagem de fezes através do colón; nos casos onde há atraso no trânsito fecal permitindo a absorção de quantidades adicionais de água e sal, produzindo fezes mais ressecadas ou quando há alterações de motilidade no trato gastrintestinal.
Inúmeros fatores podem ser a causa da constipação intestinal e muitas vezes mais de um pode ser identificado. Esse problema pode ser de origem primária ou secundária e somente o Médico-Veterinário poderá diagnosticar. Muitos casos são relacionados à dor ou dificuldade de evacuar e isso faz com que o cão evite a defecação.
Ocorre então à absorção de água dessas fezes retidas e, na próxima tentativa, a defecação será mais dolorosa. Esse ciclo de dor e retenção fecal comumente agrava o quadro, podendo culminar em obstipação ou megacólon.
Devemos nos atentar que fatores ambientes ou de manejo também podem fazer com que o animal fique predisposto à constipação. Por exemplo, cães que dependem do proprietário para ir ao local de costume para defecar e não são levados o numero de vezes suficientes, podem apresentar quadros de constipação. Outro erro comum é repreender o filhote que defeca em local inapropriado. Ele pode entender que a bronca foi por causa da defecação e não pelo local. O correto é recompensa-lo por fazer no local certo e não repreender por evacuar.
Durante a anamnese o Médico-Veterinário deverá procurar por causas iatrogênicas, dietéticas, ambientais ou comportamentais. As fezes deverão ser
examinadas para determinar com o intuito de descartar outras doenças ou presença de materiais estranhos. Nos exames físico e retal devem ser excluídas causas de obstruções ou processos inflamatórios. O hemograma, a bioquímica sérica e urinálise podem revelar causas de inércia colônica. A colonoscopia é indicada se houver suspeita de obstrução mais distal, que não puder ser alcançada pelo toque digital. Radiografia e ultrassonografia podem ser utilizadas com o objetivo de descartar todas as causas e colaborar com o diagnóstico.
O tratamento sintomático inicial muitas vezes é bem sucedido, mas é preferível procurar as causas, pois alguns problemas que são inicialmente tratáveis podem se tornar irreversíveis, se o tratamento sintomático mascarar os sinais por muito tempo.
A cirurgia fica indicada na presença de lesões obstrutivas do canal pélvico ou lesões compressivas ou quando todas as medidas clínicas ou dietéticas falharem.
De todas as espécies animais presentes na Terra, o cão é sem dúvida nenhuma uma das mais diversas, pois quando adultos seu peso pode variar de 1 a mais de 90 kg.
Hoje sabe-se que os animais de pequenas, médias e grandes raças apresentam diferenças nas expectativas de vida, tempo de crescimento, numero de filhotes por ninhada além disso, existem, de acordo com o tamanho e a raças, diferenças fisiológicas fundamentais.
Os cães de porte muito pequeno (até 4kg quando adultos) apresentam uma maior tendência à constipação intestinal, devido a características digestivas especificas: esses cães possuem um menor tempo de fermentação intestinal no cólon, o que reduz a quantidade de água retida nas fezes.
Consequentemente, podem apresentar fezes mais ressecadas podendo levar ao quadro de constipação intestinal (escore fecal 5 – Quadro 1). Outra questão importante é o fato desses cães muito pequenos apresentarem um maior comprimento intestinal proporcional ao peso do animal quando comparado a cães maiores. Isso significa que possuem uma maior área de absorção intestinal, o que favorece maior absorção de água, a qual ocorre em todo o trato gastrintestinal, podendo contribuir para um maior ressecamento das fezes e, consequentemente, constipação intestinal.
O tratamento dietético geralmente é essencial nos animais com doenças no trato gastrintestinal. A dieta deve ser formulada com o uso de ingredientes com alto valor biológico, para garantir a máxima digestibilidade (aproveitamento dos nutrientes pelo organismo do animal).
As proteínas devem apresentar altíssima digestibilidade, ou seja, possuírem um alto aproveitamento pelo organismo, reduzindo assim a quantidade de proteína residual que será fermentada pelo intestino. Quanto maior a digestibilidade, menor o resíduo de alimento no colón e fermentação consequentemente melhor escore fecal. Essa alta digestibilidade favorece uma digestão saudável contribuindo para o trânsito intestinal ideal.
Outro ponto importante é o enriquecimento da dieta com fibras ajuda a regular o trânsito intestinal em animais constipados.
Existem duas formas principais de fibras:
Fibras solúveis: em geral, são viscosas, fermentáveis e formam um gel em solução.
Estas características afetam o esvaziamento gástrico, o trânsito intestinal e a produção de ácidos graxos de cadeia curta no intestino. As principais fontes de fibras solúveis são polpa de beterraba, pectinas de frutas, psyllium e goma guar, todas apresentam a capacidade de reter água, podendo ser fermentadas pelas bactérias intestinais. Porém, cada fibra apresenta uma capacidade diferente de fermentação pelas bactérias do cólon.
A fermentação depende da quantidade de tempo que a fibra está presente no trato gastrintestinal, a composição da dieta, e o tipo de fibra. A pectina e goma de goma guar são rapidamente fermentado pelas bactérias colônicas, enquanto a polpa de beterraba é uma fonte de fibra moderadamente fermentável. Apesar da sua elevada solubilidade, o psyllium apresenta baixa fermentabilidade no intestino grosso, devido a esta propriedade possibilita seu emprego em situações de alteração do trânsito gastrintestinal.
A atividade e a fermentação bacterianas exercem um efeito positivo altamente benéfico sobre a mucosa colônica por meio da liberação de ácidos graxos de cadeia curta. Os ácidos graxos de cadeia curta como o acético, propiônico e principalmente o butírico apresentam um importante papel na motilidade do cólon e na manutenção as saúde intestinal.
Os ácidos graxos de cadeia curta fornecem mais de 70% do requerimento energético dos colonócitos, ou seja, as células intestinais são nutridas pelos ácidos graxos de cadeia curta e, portanto, um teor adequado destas fibras é importante para manutenção da saúde do cólon.
O psyllium em pó (sob a forma de grânulos ou incorporado em um alimento seco) é extramente útil para o tratamento de animais constipados. As fibras solúveis, como o psyllium, são boas opções para auxiliar nos casos de constipação crônica, desde que o
cão as ingira espontaneamente ou estejam presentes em alimentos comerciais. Sua ação é baseada na capacidade de atrair e reter água, formando um gel que aumenta a viscosidade do conteúdo intestinal e regulando o trânsito digestivo, o que facilita a defecação.
Vale ressaltar que, se as fibras solúveis forem administradas em quantidades excessivas, elas poderão amolecer as fezes.
Fibras insolúveis: ao contrário das fibras solúveis, as insolúveis não formam gel, são pouco fermentáveis e não são viscosas, sendo eliminadas nas fezes praticamente intactas. Devido à sua indigestibilidade, aumentam o bolo fecal e, consequentemente, o peso das fezes, além de estimular o peristaltismo. A fibra insolúvel contribui com a manutenção do tempo de trânsito do alimento no trato gastrintestinal, ajuda a prevenir constipação, melhora a motilidade intestinal e regulariza o esvaziamento gástrico. São fontes de fibras farelo de trigo, casca de soja, celulose, casca de ervilha, fibra de cana, fibra de milho, entre outros. Esse tipo de fibras diminui a digestibilidade do alimento e, portanto, não deve ser utilizado de forma indiscriminada.
O equilíbrio adequado de fibras na dieta também é fundamental para uma digestão ótima. Nesse sentido, não só a quantidade de fibras como também o tipo (solúveis e insolúveis ou fermentáveis, moderadamente fermentáveis e não fermentáveis) e a proporção destas fibras.
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