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Autonom ia (psicologia) 2

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PEDAGOGIA DA AUTONOMIA Saberes Necessários à Prática Educativa

Paulo Freire

PEDAGOGIA DA AUTONOMIA Saberes Necessários à Prática Educativa 25ª Edição

PAZ E TERRA Coleção Leitura

Ana Maria A. Freire Produção gráfica: Kátia Halbe Capa: Isabel Carballo

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câm ara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Freire, Paulo

Pedagogia da autonom ia: saberes necessários à prática educativa / Paulo Freire. – São Paulo: Paz e Terra, 1996. – (Coleção Leitura)

ISBN 85-219-0243-3

I. Autonom ia (psicologia) 2. Educação 3. Ensino 4. Prática de Ensino 5. Professores – Form ação profissional I. Título II. Série

96-5263 CDD-370-115

Índices para catálogo sistem ático

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1. Autonom ia do educando: Educação 370.115

2. Pedagogia da autonom ia: Educação 370.115

EDITORA PAZ E TERRA S/A Rua do Triunfo, 177

Santa Efigência, São Paulo, SP – CEP: 01212-010 Tel.: (011) 3337-8399

Rua General Venâncio Flores, 305, sala 904 Rio de Janeiro, RJ – CEP: 22441-090 Tel.: (021) 2512-8744

E-m ail: vendas@pazeterra.com .br Hom e Page: www.pazeterra.com .br 2002

Im presso no Brasil / Printed in Brazil Dedicatórias

A Ana Maria, m inha m ulher, com alegria e am or.

Paulo

A Fernando Gasparin, a cuj o gosto da rebeldia e a cuj a disponibilidade à luta pela liberdade e pela dem ocracia m uito devem os.

Paulo Freire

À m em ória de Adm ardo Serafim de Oliveira.

Paulo Freire

A João Francisco de Souza, intelectual cuj o respeito as saber de senso com um j am ais o fez um basista e cuj o acatam ento à rigorosidade científica j am ais o tornou um elitista e a Inês de Souza,

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sua com panheira e am iga, com adm iração de Paulo Freire

A Eliete Santiago, em cuj a prática docente ensinar j am ais foi transferência de conhecim ento feita pela educadora aos alunos. Ao contrário, para ela, ensinar é um a aventura criadora.

Paulo Freire

Aos educandos e educandas, às educadoras e educadores do Proj eto Axé, de Salvador da Bahia, na pessoa de sue incansável anim ador Cesare de La Roca, com m inha profunda adm iração.

Paulo Freire

A Ângela Antunes Ciseski, Moacir Gadotti, Paulo Roberto Padilha e Sônia Couto, do Instituto Paulo Freire, com m eus agradecim entos pelo excelente trabalho de organização dos capítulos desta Pedagogia da Autonom ia.

Paulo Freire

Gostaria igualm ente de agradecer a Christine Röhrig e a equipe de produção e revisão da Paz e Terra pela dedicação com relação não só a este com o a outros livros m eus.

ÍNDICE

Prefácio... 7

Primeiras Palavras ... 9

Cap. 1 - Não há docência sem discência... 12

1.1 – Ensinar exige rigorosidade m etódica... 13

1.2 – Ensinar exige pesquisa... 14

1.3 – Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos ... 15

1.4 – Ensinar exige criticidade... 15

1.5 – Ensinar exige estética e ética... 16

1.6 – Ensinar exige a corporeificação das palavras pelo exem plo ... 16

1.7 – Ensinar exige risco, aceitação do novo e rej eição a qualquer form a de discrim inação ... 17

1.8 – Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática... 17

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1.9 – Ensinar exige o reconhecim ento e a assunção da identidade cultural... 18

Cap. 2 - Ensinar não é transferir conhecimento... 21

2.1 – Ensinar exige consciência do inacabam ento... 21

2.2 – Ensinar exige o reconhecim ento de ser condicionado ... 23

2.3 – Ensinar exige respeito à autonom ia do ser do educando... 24

2.4 – Ensinar exige bom senso... 25

2.5 – Ensinar exige hum ildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores... 27 2.6 – Ensinar exige apreensão da realidade ... 28

2.7 – Ensinar exige alegria e esperança ... 29

2.8 – Ensinar exige a convicção de que a m udança é possível... 30

2.9 – Ensinar exige curiosidade ... 33

Cap. 3 - Ensinar é uma especificidade humana... 36

3.1 – Ensinar exige segurança, com petência profissional e generosidade ... 36

3.2 – Ensinar exige com prom etim ento... 37

3.3 – Ensinar exige com preender que a educação é um a form a de intervenção no m undo ... 38 3.4 – Ensinar exige liberdade e autoridade ... 40

3.5 – Ensinar exige tom ada consciente de decisões... 42

3.6 – Ensinar exige saber escutar ... 43

3.7 – Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica... 47

3.8 – Ensinar exige disponibilidade para o diálogo ... 50

3.9 – Ensinar exige querer bem aos educandos ... 52 Prefácio

Aceitei o desafio de escrever o prefácio deste livro do Prof. Paulo Freire m ovida m esm o por

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um a das exigências da ação educativo-crítica por ele defendida: a de testem unhar a m inha disponibilidade à vida e os seus cham am entos. Com ecei a estudar Paulo Freire no Canadá, com m eu m arido, Adm ardo, a quem este livro é em parte dedicado. Não poderia aqui m e pronunciar sem a ele m e referir, assum indo-o afetivam ente com o com panheiro com quem , na traj etória possível, aprendi a cultivar vários dos saberes necessários à prática educativa transform adora. E o pensam ento de Paulo Freire foi, sem dúvida, um a de suas grandes inspirações.

As idéias retom adas nesta obra resgatam de form a atualizada, leve, criativa, provocativa, coraj osa e esperançosa, questões que no dia a dia do professor continuam a instigar o conflito e o debate entre os educadores e as educadoras. O cotidiano do professor na sala de aula e fora dela, da educação fundam ental à pós-graduação. É explorado com o num a codificação, enquanto espaço de

reafirm ação, negação, criação, resolução de saberes que constituem os “conteúdos obrigatórios à organização program ática e o desenvolvim ento da form ação docente". São conteúdos que, extrapolando os j á cristalizados pela prática escolar, o educador progressista, principalm ente, não pode prescindir para o exercício da pedagogia da autonom ia aqui proposta. Um a pedagogia fundada na ética, no respeito à dignidade e à própria autonom ia do educando.

Com o os dem ais saberes, este dem anda do educador um exercício perm anente. É a convivência am orosa com seus alunos e na postura curiosa e aberta que assum e e, ao m esm o tem po, provoca-os a se assum irem enquanto suj eitos sócios-históricos-culturais do ato de conhecer, é que ele pode falar do respeito à dignidade e autonom ia do educando. Pressupõe rom per com concepções e práticas que negam a com preensão da educação com o um a situação gnoseológica.

A com petência técnico científica e o rigor de que o professor não deve abrir m ão no desenvolvim ento do seu trabalho, não são incom patíveis com a am orosidade necessária às relações educativas. Essa postura aj uda a construir o am biente favorável à produção do conhecim ento onde o m edo do professor e o m ito que se cria em torno da sua pessoa vão sendo desvalados. É preciso aprender a ser coerente.

De nada adianta o discurso com petente se a ação pedagógica é im perm eável à m udanças.

No âm bito dos saberes pedagógicos em crise, ao recolocar questões tão relevantes agora quanto foram na década de 60, Freire, com o hom em de seu tem po, traduz, no m odo lúcido e peculiar, aquilo que os estudos das ciências da educação vêm apontando nos últim os anos: a am pliação e a diversificação das fontes legítim as de saberes e a necessária coerência entre o “saber-fazer é o saber-ser-pedagógicos”.

Num m om ento de aviam ento e de desvalorização do trabalho do professor em todos os níveis, a pedagogia da autonom ia nos apresenta elem entos constitutivos da com preensão da prática docente enquanto dim ensão social da form ação hum ana. Para além da redução ao aspecto estritam ente pedagógico e m arcado pela natureza política de seu pensam ento, Freire, adverte-nos para a necessidade de assum irm os um a postura vigilante contra todas as práticas de

desum anização. Para tal o saber-fazer da auto reflexão crítica e o saber-ser da sabedoria exerc

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itados perm anentem ente, podem nos aj udar a fazer a necessária leitura crítica das verdadeiras causas da degradação hum ana e da razão de ser do discurso fatalista da globalização.

Nesse contexto em que o ideário neoliberal incorpora, dentre outras, a categoria da autonom ia, é preciso tam bém atentar para a força de seu discurso ideológico e para as inversões que pode operar no pensam ento e na prática pedagógica ao estim ular o individualism o e a com petitividade.

Com o contraponto, denunciando o m al estar que vem sendo produzido pela ética do m ercado, Freire, anuncia a solidariedade enquanto com prom isso histórico de hom ens e m ulheres, com o um a das form as de luta capazes de prom over e instaurar a “ética universal do ser hum ano”. Essa dim ensão utópica tem na pedagogia da autonom ia um a de suas possibilidades.

Finalm ente, im possível não ressaltar a beleza produzida e traduzida nesta obra. A sensibilidade com que Freire problem atiza e toca o educador aponta para a dim ensão estética de sua prática que, por isso m esm o pode ser m ovida pelo desej o e vivida com alegria, sem abrir m ão do sonho, do rigor, da seriedade e da sim plicidade inerente ao saber-da-com petência.

Edina Castro de Oliveira

Mestre em Educação pelo PPCF/DEFS Prof' do Dpto de Fundam entos da Educação e Orientação Educacional

Vitória, novem bro de 1996.

Primeiras Palavras

A questão da form ação docente ao lado da reflexão sobre a prática educativo-progressiva em favor da autonom ia do ser dos educandos é a tem ática central em torno de que gira este texto.

Tem ática a que se incorpora a análise de saberes fundam entais àquela prática e aos quais espero que o leitor crítico acrescente alguns que m e tenham escapado ou cuj a im portância não tenha percebido.

Devo esclarecer aos prováveis leitores e leitoras o seguinte: na m edida m esm a em que esta vem sendo um a tem ática sem pre presente às m inhas preocupações de educador, alguns dos aspectos aqui discutidos não têm sido estranhos a análises feitas em livros m eus anteriores. Não creio, porém , que a retom ada de problem as entre um livro e outro e no corpo de um m esm o livro enfade o leitor.

Sobretudo quando a retom ada do tem a não é pura repetição do que j á foi dito. No m eu caso pessoal retom ar um assunto ou tem a tem que ver principalm ente com a m arca oral de m inha escrita. Mas tem que ver tam bém com a relevância que o tem a de que falo e a que volto tem no conj unto de obj etos a que direciono m inha curiosidade. Tem que ver tam bém com a relação que certa m atéria tem com outras que vêm em ergindo no desenvolvim ento de m inha reflexão. É neste sentido, por exem plo, que m e aproxim o de novo da questão da inconclusão do ser hum ano, de sua inserção num perm anente m ovim ento de procura, que rediscuto a curiosidade ingênua e a

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crítica, virando epistem ológica. É nesse sentido que reinsisto em que formar é m uito m ais do que puram ente treinar o educando no desem penho de destrezas e por que não dizer tam bém da quase obstinação com que falo de m eu interesse por tudo o que diz respeito aos hom ens e às m ulheres, assunto de que saio e a que volto com o gosto de quem a ele se dá pela prim eira vez. Daí a crítica perm anentem ente presente em m im à m alvadez neoliberal, ao cinism o de sua ideologia fatalista e a sua recusa inflexível ao sonho e à utopia.

Daí o tom de raiva, legítim a raiva, que envolve o m eu discurso quando m e refiro às inj ustiças a que são subm etidos os esfarrapados do m undo. Daí o m eu nenhum interesse de, não im porta que ordem , assum ir um ar de observador im parcial, obj etivo, seguro, dos fatos e dos acontecim entos.

Em tem po algum pude ser um observador “acizentadam ente” im parcial, o que, porém , j am ais m e afastou de um a posição rigorosam ente ética. Quem observa o faz de um certo ponto de vista, o que não situa o observador em erro. O erro na verdade não é ter um certo ponto de vista, m as absolutizá-la e desconhecer que, m esm o do acerto de seu ponto de vista é possível que a razão ética nem sem pre estej a com ele.

O m eu ponto de vista é o dos “condenados da Terra”, o dos excluídos. Não aceito, porém , em nom e de nada, ações terroristas, pois que delas resultam a m orte de inocentes e a insegurança de seres hum anos. O terrorism o nega o que venho cham ando de ética universal do ser hum ano.

Estou com os árabes na luta por seus direitos m as não pude aceitar a m alvadez do ato terrorista nas Olim píadas de Munique.

Gostaria, por outro lado, de sublinhar a nós m esm os, professores e professoras, a nossa responsabilidade ética no exercício de nossa tarefa docente. Sublinhar esta responsabilidade igualm ente àquelas e àqueles que se acham em form ação para exercê-la. Este pequeno livro se encontra cortado ou perm eado em sua totalidade pelo sentido da necessária eticidade que conota expressivam ente a natureza da prática educativa, enquanto prática form adora. Educadores e educandos não podem os, na verdade, escapar à rigorosidade ética. Mas, é preciso deixar claro que a ética de que falo não é a ética m enor, restrita, do m ercado, que se curva obediente aos interesses do lucro. Em nível internacional com eça a aparecer um a tendência em acertar os reflexos cruciais da

‘nova ordem m undial’, com o naturais e inevitáveis. Num encontro internacional de ONGs, um dos expositores afirm ou estar ouvindo com certa freqüência em países do Prim eiro Mundo a idéia de que crianças do Terceiro Mundo, acom etidas por doenças com o diarréia aguda, não deveriam ser salvas, pois tal recurso só prolongaria um a vida j á destinada à m iséria e ao sofrim ento.”* Não falo, obviam ente, desta ética. Falo, pelo contrário, da ética universal do ser hum ano. Da ética que condena o cinism o do discurso citado acim a, que condena a exploração da força de trabalho do ser hum ano, que condena acusar por ouvir dizer, afirm ar que alguém falou A sabendo que foi dito B, falsear a verdade, iludir o incauto, golpear o fraco e indefeso, soterrar o sonho e a utopia, prom eter sabendo que não cum prirá a prom essa, testem unhar m entirosam ente, falar m al dos outros pelo

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* A fala dos Excluídos em Cadernos Cede, 38. GARCIA, Regina L., VALLA Vícotr V., 1996.

gosto de falar m al. A ética de que falo é a que se sabe traída e negada nos com portam entos grosseiram ente im orais com o na perversão hipócrita da pureza em puritanismo. A ética de que falo é a que se sabe afrontada na m anifestação discrim inatória de raça, de gênero, de classe. É por esta ética inseparável da prática educativa, não im porta se trabalham os com crianças, j ovens ou com adultos, que devem os lutar. E a m elhor m aneira de por ela lutar é vivê-la em nossa prática, é testem unhá-la, vivaz, aos educandos em nossas relações com eles. Na m aneira com o lidam os com os conteúdos que ensinam os, no m odo com o citam os autores de cuj a obra discordam os ou com cuj a obra concordam os. Não podem os basear nossa crítica a um autor na leitura feita por cim a de um a ou outra de suas obras. Pior ainda, tendo lido apenas a crítica de quem só leu a contracapa de um de seus livros.

Posso não aceitar a concepção pedagógica deste ou daquela autora e devo inclusive expor aos alunos as razões por que m e oponho a ela m as, o que não posso, na m inha crítica, é m entir. É dizer inverdades em torno deles. O preparo científico do professor ou da professora deve coincidir com sua retidão ética. É um a lástim a qualquer descom passo entre aquela e esta.

Form ação científica, correção ética, respeito aos outros, coerência, capacidade de viver e de aprender com o diferente, não perm itir que o nosso m al-estar pessoal ou a nossa antipatia com relação ao outro nos façam acusá-lo do que não fez são obrigações a cuj o cum prim ento devem os hum ilde m as

perseverantem ente nos dedicar.

É não só interessante m as profundam ente im portante que os estudantes percebam as diferenças de com preensão dos Faros, as posições às vezes antagônicas entre professores na apreciação dos problem as e no equacionam ento de soluções. Mas é fundam ental que percebam o respeito e a lealdade com que um professor analisa e critica as posturas dos outros.

De quando em vez, ao longo deste texto, volto a este tem a. É que m e acho absolutam ente convencido da natureza ética da prática educativa, enquanto prática especificam ente hum ana. É que, por outro lado, nos acham os, ao nível do m undo e não apenas do Brasil, de tal m aneira subm etidos ao com ando da m alvadez da ética do m ercado, que m e parece ser pouco tudo o que façam os na defesa e na prática da ética universal do ser hum ano. Não podem os nos assum ir com o suj eitos da procura, da decisão, da ruptura, da opção, com o suj eitos históricos, transform adores, a não ser assum indo-nos com o suj eitos éticos. Neste sentido, a transgressão dos princípios éticos é um a possibilidade m as não é um a virtude. Não podem os aceitá-la.

Não é possível ao suj eito ético viver sem estar perm anentem ente exposto á transgressão da ética.

Um a de nossas brigas na História, por isso m esm o, é exatam ente esta: fazer tudo o que possam os em favor da eticidade, sem cair no m oralism o hipócrita, ao gosto reconhecidam ente farisaico.

Mas, faz parte igualm ente desta luta pela eticidade recusar, com segurança, as críticas que vêem na defesa da ética, precisam ente a expressão daquele m oralism o criticado. Em m im a defesa da

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ética j am ais significou sua distorção ou negação.

Quando, porém , falo da ética universal do ser hum ano estou falando da ética enquanto m arca da natureza hum ana, enquanto algo absolutam ente indispensável à convivência hum ana. Ao fazê-lo estou advertido das possíveis críticas que, infiéis a m eu pensam ento, m e apontarão com o ingênuo e idealista. Na verdade, falo da ética universal do ser hum ano da m esm a form a com o falo de sua vocação ontológica para o ser m ais, com o falo de sua natureza constituindo-se social e historicam ente não com o um “a priori” da História. A natureza que a ontologia cuida se gesta socialm ente na História. É um a natureza em processo de estar sendo com algum as conotações fundam entais sem as quais não teria sido possível reconhecer a própria presença hum ana no m undo com o algo original e singular. Quer dizer, m ais do que um ser no m undo, o ser hum ano se tornou um a Presença no m undo, com o m undo e com os outros. Presença que, reconhecendo a outra presença com o um “não-eu” se reconhece com o “si própria”. Presença que se pensa a si m esm a, que se sabe presença, que intervém , que transform a, que fala do que faz m as tam bém do que sonha, que constata, com para, avalia, valora, que decide, que rom pe. E é no dom ínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a necessidade da ética e se im põe a responsabilidade. A ética se torna inevitável e sua transgressão possível é um desvalor, j am ais um a virtude.

Na verdade, seria incom preensível se a consciência de m inha presença no m undo não significasse j á a im possibilidade de m inha ausência na construção da própria presença. Com o presença consciente no m undo não posso escapar à responsabilidade ética no m eu m over-m e no m undo. Se sou puro produto da determ inação genética ou cultural ou de classe, sou irresponsável pelo que faço no m over-m e no m undo e se careço de responsabilidade não posso falar em ética.

Isto não significa negar os condicionam entos genéticos, culturais, sociais a que estam os subm etidos. Significa reconhecer que som os seres condicionados m as não determinados.

Reconhecer que a História é tem po de possibilidade e não de determinismo, que o futuro, perm ita-se-m e reiterar, é problemático e não inexorável.

Devo enfatizar tam bém que este é um livro esperançoso, um livro otim ista, m as não ingenuam ente construído de otim ism o falso e de esperança vã. As pessoas, porém , inclusive de esquerda, para quem o futuro perdeu sua problem aticidade – o futuro é um dado dado – dirão que ele é m ais um devaneio de sonhador inveterado.

Não tenho raiva de quem assim pensa. Lam ento apenas sua posição: a de quem perdeu seu endereço na História.

A ideologia fatalista, im obilizante, que anim a o discurso neoliberal anda solta no m undo. Com ares de pós-m odernidade, insiste em convencer-nos de que nada podem os contra a realidade social que, de histórica e cultural, passa a ser ou a virar “quase natural”. Frases com o “a realidade é assim m esm o, que podem os fazer?” ou “o desem prego no m undo é um a fatalidade do fim do século”

expressam bem o fatalism o desta ideologia e sua indiscutível vontade im obilizadora. Do ponto de

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vista de tal ideologia, só há um a saída para a prática educativa: adaptar o educando a esta realidade que não pode ser m udada. O de que se precisa, por isso m esm o, é o treino técnico indispensável à adaptação do educando, à sua sobrevivência. O livro com que volto aos leitores é um decisivo não a esta ideologia que nos nega e am esquinha com o gente.

De um a coisa, qualquer texto necessita: que o leitor ou a leitora a ele se entregue de form a crítica, crescentem ente curiosa. É isto o que este texto espera de você, que acabou de ler estas

“Prim eiras Palavras”.

Paulo Freire São Paulo Setembro de 1996 Capítulo 1

Não há docência sem discência

Devo deixar claro que, em bora sej a m eu interesse central considerar neste texto saberes que m e parecem indispensáveis à prática docente de educadoras ou educadores críticos, progressistas, alguns deles são igualm ente necessários a educadores conservadores. São saberes dem andados pela prática educativa em si m esm a, qualquer que sej a a opção política do educador ou educadora.

Na continuidade da leitura vai cabendo ao leitor ou leitora o exercício de perceber se este ou aquele saber referido corresponde à natureza da prática progressista ou conservadora ou se, pelo contrário, é exigência da prática educativa m esm a independentem ente de sua cor política ou ideológica. Por outro lado, devo sublinhar que, de form a não-sistem ática, tenho m e referido a alguns desses saberes em trabalhos anteriores. Estou convencido, porém , é legítim o acrescentar, da im portância de um a reflexão com o esta quando penso a form ação docente e a prática educ ativo-crítica.

O ato de cozinhar, por exem plo, supõe alguns saberes concernentes ao uso do fogão, com o acendê-

lo, com o equilibrar para m ais, para m enos, a cham a, com o lidar com certos riscos m esm o rem otos de incêndio, com o harm onizar os diferentes tem peros num a síntese gostosa e atraente. A prática de cozinhar vai preparando o novato, ratificando alguns daqueles saberes, retificando outros, e vai possibilitando que ele vire cozinheiro. A prática de velej ar coloca a necessidade de saberes fundantes com o o do dom ínio do barco, das partes que o com põem e da função de cada um a delas, com o o conhecim ento dos ventos, de sua força, de sua direção, os ventos e as velas, a posição das velas, o papel do m otor e da com binação entre m otor e velas. Na prática de velej ar se confirm am , se m odificam ou se am pliam esses saberes.

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A reflexão crítica sobre a prática se torna um a exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blablablá e a prática, ativism o.

O que m e interessa agora, repito, é alinhar e discutir alguns saberes fundam entais à prática educativo-crítica ou progressista e que, por isso m esm o, devem ser conteúdos obrigatórios à organização program ática da form ação docente. Conteúdos cuj a com preensão, tão clara e tão lúcida quanto possível, deve ser elaborada na prática form adora. É preciso, sobretudo, e aí j á vai um destes saberes indispensáveis, que o form ando, desde o princípio m esm o de sua experiência form adora, assum indo-se com o suj eito tam bém da produção do saber, se convença definitivam ente de que ensinar não é transferir conhecimento, m as criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção.

Se, na experiência de m inha form ação, que deve ser perm anente, com eço por aceitar que o formador é o suj eito em relação a quem m e considero o objeto, que ele é o suj eito que me forma e eu, o objeto por ele formado, m e considero com o um paciente que recebe os conhecim entos- conteúdos-acum ulados pelo suj eito que sabe e que são a m im transferidos. Nesta form a de com preender e de viver o processo form ador, eu, obj eto agora, terei a possibilidade, am anhã, de m e tornar o falso suj eito da “form ação” do futuro obj eto de m eu ato form ador. É preciso que, pelo contrário, desde os com eços do processo, vá ficando cada vez m ais claro que, em bora diferentes entre si, quem form a se form a e re-form a ao for-m ar e quem é form ado form a -se e form a ao ser form ado. É neste sentido que ensinar não é transferir conhecim entos, conteúdos nem forrar é ação pela qual um suj eito criador dá form a, estilo ou alm a a um corpo indeciso e acom odado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus suj eitos, apesar das diferenças que os conotam , não se reduzem à condição de obj eto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina ensina algum a coisa a alguém . Por isso é que, do ponto de vista gram atical, o verbo ensinar é um verbo transitivo- relativo. Verbo que pede um obj eto direto

– alguma coisa – e um obj eto indireto – a alguém. Do ponto de vista dem ocrá tico em que m e situo, m as tam bém do ponto de vista da radicalidade m etafísica em que m e coloco e de que decorre m inha com preensão do hom em e da m ulher com o seres históricos e inacabados e sobre que se funda a m inha inteligência do processo de conhecer, ensinar é algo m ais que um verbo transitivo-relativo.

Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo socialm ente que, historicam ente, m ulheres e hom ens descobriram que era possível ensinar. Foi assim , socialm ente aprendendo, que ao longo dos tem pos m ulheres e hom ens perceberam que era possível – depois, preciso – trabalhar m aneiras, cam inhos, m étodos de ensinar. Aprender precedeu ensinar ou, em outras palavras, ensinar se diluía na experiência realm ente fundante de aprender. Não tem o dizer que inexiste validade no ensino de que não resulta um aprendizado em que o aprendiz não se tornou capaz de recriar ou de refazer o ensinado, em que o ensinado que não foi apreendido não pode ser realm ente aprendido pelo aprendiz.

Quando vivem os a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender participam os de um a

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experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve achar-se de m ãos dadas com a decência e com a seriedade.

Às vezes, nos m eus silêncios em que aparentem ente m e perco, desligado, flutuando quase, penso na im portância singular que vem sendo para m ulheres e hom ens serm os ou nos term os tornado, com o constata François Jacob, “seres program ados, m as, para aprender”*. É que o processo de aprender, em que historicam ente descobrim os que era possível ensinar com o tarefa não apenas em butida no aprender, m as perfilada em si, com relação a aprender, é um processo que pode deflagrar no aprendiz um a curiosidade crescente, que pode torná-la m ais e m ais criador. O que quero dizer é o seguinte: quanto m ais criticam ente se exerça a capacidade de aprender tanto m ais se constrói e desenvolve o que venho cham ando “curiosidade epistem ológica”**, sem a qual não alcançam os o conhecim ento cabal do obj eto.

É isto que nos leva, de um lado, à crítica e à recusa ao ensino “bancário”***, de outro, a com preender que, apesar dele, o educando a ele subm etido não está fadado a fenecer; em que pese o ensino

"bancário”, que deform a a necessária criatividade do educando e do educador, o educando a ele suj eitado pode, não por causa do conteúdo cuj o “conhecim ento” lhe foi transferido, m as por causa do processo m esm o de aprender, dar, com o se diz na linguagem popular, a volta por cim a e superar o autoritarism o e o erro epistem ológico do “bancarism o”.

O necessário é que, subordinado, em bora, à prática “bancária”, o educando m antenha vivo em si o gosto da rebeldia que, aguçando sua curiosidade e estim ulando sua capacidade de arriscar-se, de aventurar-se, de certa form a o “im uniza” contra o poder apassivador do "bancarism o". Neste caso, é a força criadora do aprender de que fazem parte a com paração, a repetição, a constatação, a dúvida rebelde, a curiosidade não facilm ente satisfeita, que supera os efeitos negativos do falso ensinar.

Esta é um a das significativas vantagens dos seres hum anos – a de se terem tornado capazes de ir m ais além de seus condicionantes. Isto não significa, porém , que nos sej a indiferente ser um educador “bancário” ou um educador “problem atizador”.

1.1 – Ensinar exige rigorosidade metódica

O educador dem ocrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubm issão. Um a de suas tarefas prim ordiais é trabalhar com os educandos a rigorosidade m etódica com que devem se

“aproxim ar” dos obj etos cognoscíveis. E esta rigorosidade m etódica não tem nada que ver com o discurso “bancário”

m eram ente transferidor do perfil do obj eto ou do conteúdo. É exatam ente neste sentido que ensinar não se esgota no “tratam ento” do obj eto ou do conteúdo, superficialm ente feito, m as se alonga à produção das condições em que aprender criticam ente é possível. E essas condições

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im plicam ou exigem a presença de educadores e de educandos criadores, instigadores, inquietos, rigorosam ente curiosos, hum ildes e persistentes. Faz parte das condições em que aprender criticam ente é possível a pressuposição por parte dos educandos de que o educador j á teve ou continua tendo experiência da produção de certos saberes e que estes não podem a eles, os educandos, ser sim plesm ente transferidos. Pelo contrário, nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transform ando em reais suj eitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualm ente suj eito do processo. Só assim podem os falar realm ente de saber ensinado, em que o obj eto ensinado é apreendido na sua razão de ser e, portanto, aprendido pelos educandos.

* Jacob, François. Nous Sommes Programmés, mais pour apprendre. Le Courrier, UNESCO, fevereiro, 1991.

* * FREIRE, Paulo. À sombra desta mangueira. São Paulo, Olho d’água, 1995.

*** FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra.

Percebe-se, assim , a im portância do papel do educador, o m érito da paz com que viva a certeza de que faz parte de sua tarefa docente não apenas ensinar os conteúdos m as tam bém ensinar a pensar certo. Daí a im possibilidacìe de vir a tornar-se um professor crítico se, m ecanicam ente m em orizador, é m uito m ais um repetidor cadenciado de frases e de idéias inertes do que um desafiador. O

intelectual m em orizador, que lê horas a fio, dom esticando-se ao texto, tem eroso de arriscar-se, fala de suas leituras quase com o se estivesse recitando-as de m em ória – não percebe, quando realm ente existe, nenhum a relação entre o que leu e o que vem ocorrendo no seu país, na sua cidade, no seu bairro. Repete o lido com precisão m as raram ente ensaia algo pessoal. Fala bonito de dialética m as pensa m ecanicistam ente. Pensa errado. É com o se os livros todos a cuj a leitura dedica tem po farto nada devessem ter com a realidade de seu m undo. A realidade com que eles têm que ver é a realidade idealizada de um a escola que vai virando cada vez m ais um dado aí, desconectado do concreto.

Não se lê criticam ente com o se fazê-lo fosse a m esm a coisa que com prar m ercadoria por atacado.

Ler vinte livros, trinta livros. A leitura verdadeira m e com prom ete de im ediato com o texto que a m im se dá e a que m e dou e de cuj a com preensão fundam ental m e vou tornando tam bém suj eito.

Ao ler não m e acho no puro encalço da inteligência do texto com o se fosse ela produção apenas de seu autor ou de sua autora. Esta form a viciada de ler não tem nada que ver, por isso m esm o, com o pensar certo e com o ensinar certo.

Só, na verdade, quem pensa certo, m esm o que, às vezes, pense errado, é quem pode ensinar a

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pensar certo. E um a das condições necessárias a pensar certo é não estarm os dem asiado certos de nossas certezas. Por isso é que o pensar certo, ao lado sem pre da pureza e necessariam ente distante do puritanism o, rigorosam ente ético e gerador de boniteza, m e parece inconciliável com a desvergonha da arrogância de quem se acha cheia ou cheio de si m esm o.

O professor que pensa certo deixa transparecer aos educandos que um a das bonitezas de nossa m aneira de estar no m undo e com o m undo, com o seres históricos, é a capacidade de, intervindo no m undo, conhecer o m undo. Mas, histórico com o nós, o nosso conhecim ento do m undo tem historicidade. Ao ser produzido, o conhecim ento novo supera outro que antes foi novo e se fez velho e se “dispõe” a ser ultrapassado por outro am anhã*. Daí que sej a tão fundam ental conhecer o conhecim ento existente quanto saber que estam os abertos e aptos à produção do conhecim ento ainda não existente. Ensinar, aprender e pesquisar lidam com esses dois m om entos do ciclo gnosiológico: o em que se ensina e se aprende o conhecim ento j á existente e o em que se trabalha a produção do conhecim ento ainda não existente. A "do-discência” – docência-discência – e a pesquisa, indicotom izáveis, são assim práticas requeridas por estes m om entos do ciclo gnosiológico.

1.2 – Ensinar exige pesquisa

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino**. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e m e indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e m e educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e com unicar ou anunciar a novidade.

Pensar certo, em term os críticos, é um a exigência que os m om entos do ciclo gnosiológico vão pondo à curiosidade que, tornando-se m ais e m ais m etodicam ente rigorosa, transita da ingenuidade para o que venho cham ando “curiosidade epistem ológica”. A curiosidade ingênua, do que resulta indiscutivelm ente um certo saber, não im porta que m etodicam ente desrigoroso, é a que caracteriza o senso com um . O saber de pura experiência feito. Pensar certo, do ponto de vista do professor, tanto im plica o respeito ao senso com um no processo de sua necessária superação quanto o respeito e o estím ulo à capacidade criadora do educando. Im plica o com prom isso da educadora com a consciência crítica do educando cuj a “prom oção” da ingenuidade não se faz autom aticam ente.

* A esse propósito, Ver Vieira Pinto Álvaro, Ciência e Existência. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1969.

* * Fala-se hoj e, com insistência, no professor pesquisador. No m eu entender o que há de pesquisador no professor não é um a qualidade ou um a form a de ser ou de atuar que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. O de que se precisa é que, em sua form ação perm anente, o professor se perceba e se assum a, porque professor, com o pesquisador.

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1.3 – Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos

Por isso m esm o pensar certo coloca ao professor ou, m ais am plam ente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os da classes populares, chegam a ela – saberes socialm ente construídos na prática com unitária – m as tam bém , com o há m ais de trinta anos venho sugerindo, discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos. Por que não aproveitar a experiência que têm os alunos de viver em áreas da cidade descuidadas pelo poder público para discutir, por exem plo, a poluição dos riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem -estar das populações, os lixões e os riscos que oferecem à saúde das gentes. Por que não há lixões no coração dos bairros ricos e m esm o puram ente rem ediados dos centros urbanos? Esta pergunta é considerada em si dem agógica e reveladora da m á vontade de quem a faz. É pergunta de subversivo, dizem certos defensores da dem ocracia.

Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cuj o conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante e a convivência das pessoas é m uito m aior com a m orte do que com a vida? Por que não estabelecer um a necessária

“intim idade” entre os saberes curriculares fundam entais aos alunos e a experiência social que eles têm com o indivíduos? Por que não discutir as im plicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos dom inantes pelas áreas pobres da cidade? A ética de classe em butida neste descaso?

Porque, dirá um educador reacionariam ente pragm ático, a escola não tem nada que ver com isso. A escola não é partido. Ela tem que ensinar os conteúdos, transferí-los aos alunos.

Aprendidos, estes operam por si m esm os.

1.4 – Ensinar exige criticidade

Não há para m im , na diferença e na “distância” entre a ingenuidade e a criticidade, entre o saber de pura experiência feito e o que resulta dos procedim entos m etodicam ente rigorosos, um a ruptura, m as um a superação. A superação e não a ruptura se dá na m edida em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, pelo contrário, continuando a ser curiosidade, se criticiza.

Ao criticizar-se, tornando-se então, perm ito-m e repetir, curiosidade epistem ológica, m etodicam ente

“rigorizando-se” na sua aproxim ação ao obj eto, conota seus achados de m aior exatidão.

Na verdade, a curiosidade ingênua que, “desarm ada”, está associada ao saber do senso com um , é a m esm a curiosidade que, criticizando-se, aproxim ando-se de form a cada vez m ais m etodicam ente rigorosa do obj eto cognoscível, se torna curiosidade epistem ológica. iluda de qualidade m as não de essência. A curiosidade de cam poneses com quem tenho dialogado ao longo de m inha experiência político-pedagógica, fatalistas ou j á rebeldes diante da violência das inj ustiças, é a m esm a curiosidade, enquanto abertura m ais ou m enos espancada diante de “não- eus”, com que cientistas ou filósofos acadêm icos “adm iram ” o m undo. Os cientistas e os filósofos superam , porém , a ingenuidade da curiosidade do cam ponês e se tornam

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epistem ologicam ente curiosos.

A curiosidade com o inquietação indagadora, com o inclinação ao desvelam ento de algo, com o pergunta verbalizada ou não, com o procura de esclarecim ento, com o sinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante do fenôm eno vital. Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos m ove e que nos põe pacientem ente im pacientes diante do m undo que não fizem os,

acrescentando a ele algo que fazem os.

Com o m anifestação presente à experiência vital, a curiosidade hum ana vem sendo histórica e socialm ente construída e reconstruída. Precisam ente porque a prom oção da ingenuidade para a criticidade não se dá autom aticam ente, um a das tarefas precípuas da prática educativo- progressista é exatam ente o desenvolvim ento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil.

Curiosidade com que podem os nos defender de “irracionalism os” decorrentes ou produzidos por certo excesso de

“racionalidade” de nosso tem po altam ente tecnologizado. E não vai nesta consideração de quem , de um lado, não diviniza a tecnologia, m as de outro a diaboliza. De quem a olha ou m esm o a espreita de form a criticam ente curiosa.

1.5 – Ensinar exige estética e ética

A necessária prom oção da ingenuidade à criticidade não pode ou não deve ser feita à distância de um a rigorosa form ação ética ao lado sem pre da estética. Decência boniteza de m ãos dadas.

Cada vez m e convenço m ais de que, desperta com relação à possibilidade de enveredar-se no descam inho do puritanism o, a prática educativa tem de ser, em si, um testem unho rigoroso de decência e de pureza. Um a crítica perm anente aos desvios fáceis com que som os tentados, às vezes ou quase sem pre, a deixar as dificuldades que os cam inhos verdadeiros podem nos colocar.

Muheres e hom ens, seres histórico-sociais, nos tornam os capazes de com parar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de rom per, por tudo isso, nos fizem os seres éticos. Só som os porque estam os sendo. Estar sendo é a condição, entre nós, para ser. Não é possível pensar os seres hum anos longe, sequer, da ética, quanto m ais fora dela. Estar longe ou pior, fora da ética, entre nós, m ulheres e hom ens é um a transgressão. É por isso que transform ar a experiência em puro treinam ento técnico é am esquinhar o que há de fundam entalm ente hum ano no exercício educativo: o seu caráter form ador. Se se respeita a natureza do ser hum ano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à form ação m oral do educando. Educar é substantivam ente form ar. Divinizar ou diabolizar a tecnologia* ou a ciência é um a form a altam ente negativa e perigosa de pensar errado. De testem unhar aos alunos, às vezes com ares de quem possui a verdade, rotundo desacerto. Pensar certo, pelo contrário, dem anda profundidade e não superficialidade com preensão e na interpretação dos fatos. Supõe a disponibilidade à revisão dos achados, reconhece não apenas a possibilidade de m udar de opção, de apreciação, m as o direito de fazê-la. Mas com o não há pensar certo à m argem de princípios éticos, se m udar é um a possibilidade e um direito, cabe a quem m uda – exige o pensar certo – que assum a a m udança operada. Do pont o de vista do pensar certo não é possível m udar e fazer de conta que não m udou. É que todo pensar certo é radicalm ente coerente.

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1.6 – Ensinar exige a corporeificação das palavras pelo exem plo

O professor que realm ente ensina, quer dizer, que trabalha os conteúdos no quadro da rigorosidade do pensar certo, nega, com o falsa, a fórm ula farisaica do “faça o que m ando e não o que eu faço”.

Quem pensa certo está cansado de saber que as palavras a que falta a corporeidade do exem plo pouco ou quase nada valem . Pensar certo é fazer certo.

Que podem pensar alunos sérios de um professor que, há dois sem estres, falava com quase ardor sobre a necessidade da luta pela autonom ia das classes populares e hoj e, dizendo que não m udou, faz o discurso pragm ático contra os sonhos e pratica a transferência de saber do professor para o aluno?! Que dizer da professora que, de esquerda ontem , defendia a form ação da classe trabalhadora e que, pragm ática hoj e, se satisfaz, curvada ao fatalism o neoliberal, com o puro treinam ento do operário, insistindo, porém , que é progressista?

Não há pensar certo fora de um a prática testem unhal que o re-diz em lugar de desdizê-lo. Não é possível ao professor pensar que pensa certo m as ao m esm o tem po perguntar ao aluno se “sabe com quem está falando”.

O clim a de quem pensa certo é o de quem busca seria-m ente a segurança na argum entação, é o de quem , discordando do seu oponente não tem por que contra ele ou contra ela nutrir um a raiva desm edida, bem m aior, às vezes, do que a razão m esm a da discordância. Um a dessas pessoas desm edidam ente raivosas proibiu certa vez estudante que trabalhava dissertação sobre alfabetização e cidadania que m e lesse. “Já era”, disse com ares de quem trata com rigor e neutralidade o obj eto, que era eu. “Qualquer leitura que você faça deste senhor pode prej udicá- la”. Não é assim que se pensa certo nem é assim que se ensina certo**. Faz parte do pensar certo o gosto da generosidade que, não negando a quem o tem o direito à raiva, a distingue da raivosidade irrefreada.

* A este propósito ver Postm an, Neil. Technopoly - The Surrender of Culture to Technology, Nova York, Alfred A. Knopf, 1992

* * Ver FREIRE, Paulo, Cartas a Cristina. Paz e Terra, 1995, Décim a Sexta Carta, p. 207.

1.7 – Ensinar exige risco, aceitação do novo e rej eição a qualquer form a de discrim inação É próprio do pensar certo a disponibilidade ao risco, a aceitação do novo que não pode ser negado ou acolhido só porque é novo, assim com o o critério de recusa ao velho não é apenas o cronológico. O

velho que preserva sua validade ou que encarna um a tradição ou m arca um a presença no tem po continua novo.

Faz parte igualm ente do pensar certo a rej eição m ais decidida a qualquer form a de discrim inação. A prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a substantividade

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do ser hum ano e nega radicalm ente a dem ocracia. Quão longe dela nos acham os quando vivem os a im punidade dos que m atam m eninos nas ruas, dos que assassinam cam poneses que lutam por seus direitos, dos que discrim inam os negros, dos que inferiorizam as m ulheres. Quão ausentes da dem ocracia se acham os que queim am igrej as de negros porque, certam ente, negros não têm alm a. Negros não rezam . Com sua negritude, os negros suj am a branquitude das orações... A m im m e dá pena e não raiva, quando vej o a arrogância com que a branquitude de sociedades em que se faz isso, em que se queim am igrej as de negros, se apresenta ao m undo com o pedagoga da dem ocracia. Pensar e fazer errado, pelo visto, não têm m esm o nada que ver com a hum ildade que o pensar certo exige. Não têm nada que ver com o bom senso que regula nossos exageros e evita as nossas cam inhadas até o ridículo e a insensatez.

Às vezes, tem o que algum leitor ou leitora, m esm o que ainda não totalm ente convertido ao

“pragm atism o” neoliberal m as por ele j á tocado, diga que, sonhador, continuo a falar de um a educação de anj os e não de m ulheres e de hom ens. O que tenho dito até agora, porém , diz respeito radicalm ente à natureza de m ulheres e de hom ens. Natureza entendida com o social e historicam ente constituindo-se e não com o um “a priori” da História*.

O problem a que se coloca para m im é que, com preendendo com o com preendo a natureza hum ana, seria um a contradição grosseira não defender o que venho defendendo. Faz parte da exigência que a m im m esm o m e faço de pensar certo, pensar com o venho pensando enquanto escrevo este texto.

Pensar, por exem plo, que o pensar certo a ser ensinado concom itantem ente com o ensino dos conteúdos não é um pensar form alm ente anterior ao e desgarrado do fazer certo. Neste sentido é que ensinar a pensar certo não é um a experiência em que ele – o pensar certo – é tom ado em si m esm o e dele se fala ou um a prática que puram ente se descreve, m as algo que se faz e que se vive enquanto dele se fala com a força do testem unho. Pensar certo im plica a existência de suj eitos que pensam m ediados por obj eto ou obj etos sobre que incide o próprio pensar dos suj eitos. Pensar certo não é que – fazer de quem se isola, de quem se “aconchega” a si m esm o na solidão, m as um ato com unicante. Não há por isso m esm o pensar sem entendim ento e o entendim ento, do ponto de vista do pensar certo, não é transferido m as co-participado. Se, do ângulo da gram ática, o verbo entender é transitivo no que concerne à “sintaxe” do pensar certo ele é um verbo cuj o suj eito é sem pre co-partícipe de outro. Todo entendim ento, se não se acha

“trabalhado” m ecanicistam ente, se não vem sendo subm etido aos “cuidados” alienadores de um tipo especial e cada vez m ais am eaçadoram ente com um de m ente que venho cham ando

"burocratizada”, im plica, necessariam ente, com unicabilidade.

Não há inteligência – a não ser quando o próprio processo de inteligir é distorcido – que não sej a tam bém comunicação do inteligido. A grande tarefa do suj eito que pensa certo não é transferir, depositar, oferecer, do¿r ao outro, tom ado com o paciente de seu pensar, a intelegibilidade das coisas, dos fatos, dos conceitos. A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo com o ser hum ano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se com unica e a quem com unica, produzir sua com preensão do que vem sendo com unicado. Não há

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intelegibilidade que não sej a com unicação e intercom unicação e que não se funde na dialogicidade. O pensar certo por isso é dialógico e não polêm ico.

1.8 – Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática

O pensar certo sabe, por exem plo, que não é a partir dele com o um dado dado, que se conform a a prática docente crítica, m as sabe tam bém que sem ele não se funda aquela. A prática docente crítica, im plicante do pensar certo, envolve o m ovim ento dinâm ico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. O saber que a prática docente espontânea ou quase espontânea,

“desarm ada”,

* Freire, Paulo, Pedagogia da Esperança. Paz e Terra, 1994.

indiscutivelm ente produz é um saber ingênuo, um saber de experiência feito, a que falta a rigorosidade m etódica que caracteriza a curiosidade epistem ológica do suj eito. Este não é o saber que a rigorosidade do pensar certo procura. Por isso, é fundam ental que, na prática da form ação docente, o aprendiz de educador assum a que o indispensável pensar certo não é presente dos deuses nem se acha nos guias de professores que ilum inados intelectuais escrevem desde o centro do poder, m as, pelo contrário, o pensar certo que supera o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em com unhão com o professor form ador. E preciso, por outro lado, reinsistir em que a m atriz do pensar ingênuo com o a do crítico é a curiosidade m esm a, característica do fenôm eno vital. Neste sentido, indubitavelm ente, é tão curioso o professor cham ado leigo no interior de Pernam buco quanto o professor de Filosofia da Educação na Universidade A ou B. O de que se precisa é possibilitar, que, voltando-se sobre si m esm a, através da reflexão sobre a prática, a curiosidade ingênua, percebendo-se com o tal, se vá tornando crítica.

Por isso é que, na form ação perm anente dos professores, o m om ento fundam ental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticam ente a prática de ou de ontem que se pode m elhorar a próxim a prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal m odo concreto que quase se confunda com a prática. O seu “distanciam ento”

epistem ológico da prática enquanto obj eto de sua análise, deve dela “aproxim á -lo” ao m áxim o.

Quanto m elhor faça esta operação tanto m ais inteligência ganha da prática em análise e m aior com unicabilidade exerce em torno da superação da ingenuidade pela rigorosidade. Por outro lado, quanto m ais m e assum o com o estou sendo e percebo a ou as razões de ser de porque estou sendo assim , m ais m e torno capaz de m udar, de prom over-m e, no caso, do estado de curiosidade ingênua para o de curiosidade epistem ológica. Não é possível a assunção que o suj eito faz de si num a certa form a de estar sendo sem a disponibilidade para m udar. Para m udar e de cuj o processo se faz necessariam ente suj eito tam bém .

Seria porém exagero idealista, afirm ar que a assunção, por exem plo, de que fum ar am eaça m inha vida, j á significa deixar de fum ar. Mas deixar de fum ar passa, em algum sentido, pela assunção do risco que corro ao fum ar. Por outro lado, a assunção se vai fazendo cada vez m ais assunção na m edida em que ela engendra novas opções, por isso m esm o em que ela provoca

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ruptura, decisão e novos com prom issos. Quando assum o o m al ou os m ales que o cigarro m e pode causar, m ovo-m e no sentido de evitar os m ales. Decido, rom po, opto. Mas, é na prática de não fum ar que a assunção do risco que corro por fum ar se concretiza m aterialm ente.

Me parece que há ainda um elem ento fundam ental na assunção de que falo: o em ocional. Além do conhecim ento que tenho do m al que o fum o m e faz, tenho agora, na assunção que dele faço, legítim a raiva do fum o. E tenho tam bém a alegria de ter tido a raiva que, no fundo, aj udou que eu continuasse no m undo por m ais tem po. Está errada a educação que não reconhece na j usta raiva,*

na raiva que protesta contra as inj ustiças, contra a deslealdade, contra o desam or, contra a exploração e a violência um papel altam ente form ador. O que a raiva não pode é, perdendo os lim ites que a confirm am , perder-se em raivosidade que corre sem pre o risco de se alongar em odiosidade.

1.9 – Ensinar exige o reconhecim ento e a assunção da identidade cultural

É interessante estender m ais um pouco a reflexão sobre a assunção. O verbo assum ir é um verbo transitivo e que pode ter com o obj eto o próprio suj eito que assim se assum e. Eu tanto assum o o risco que corro ao fum ar quanto m e assum o enquanto suj eito da própria assunção. Deixem os claro que, quando digo ser fundam ental para deixar de fum ar a assunção de que fum ar am eaça m inha vida, com assunção eu quero sobretudo m e referir ao conhecim ento cabal que obtive do fum ar e de suas conseqüências. Outro sentido m ais radical tem a assunção ou assum ir quando digo: Um a das tarefas m ais im portantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assum ir-se. Assum ir-se com o ser social e histórico, com o ser pensante, com unicante,

* A de Cristo contra os vendilhões do Tem plo. A dos progressistas contra os inim igos da reform a agrária, a dos ofendidos contra a violência de toda discrim inação, de classe, de raça, de gênero.

A dos inj ustiçados contra a im punidade. A de quem tem fom e contra a form a luxuriosa com que alguns, m ais do que com em , esbanj am e transform am a vida num desfrute.

transform ador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de am ar. Assum ir- se com o suj eito porque capaz de reconhecer-se com o obj eto. A assunção de nós m esm os não significa a exclusão dos outros. É a “outredade" do “não eu”, ou do tu, que m e faz assum ir a radicalidade de m eu eu.

A questão da identidade cultural, de que fazem parte a dim ensão individual e a de classe dos educandos cuj o respeito é absolutam ente fundam ental na prática educativa progressista, é problem a que não pode ser desprezado. Tem que ver diretam ente com a assunção de nós por nós m esm os. É

isto que o puro treinam ento do professor não faz, perdendo-se e perdendo-o na estreita e

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pragm ática visão do processo.

A experiência histórica, política, cultural e social os hom ens e das m ulheres j am ais pode se dar

“virgem ” do conflito entre 'as forças que obstaculizam a busca da assunção de si por parte dos indivíduos e dos grupos e das forças que trabalham em favor daquela assunção. A form ação docente que se j ulgue superior a essas “intrigas” não faz outra coisa senão trabalhar em favor dos obstáculos. A solidariedade social e política de que precisam os para construir a sociedade m enos feia e m enos arestosa, em que podem os ser m ais nós m esm os, tem na form ação dem ocrática um a prática de real im portância. A aprendizagem da assunção do suj eito é incom patível com o treinamento pragmático ou com o elitismo autoritário dos que se pensam donos da verdade e do saber articulado.

Às vezes, m al se im agina o que pode passar a representar na vida de um aluno um sim ples gesto do professor. O que pode um gesto aparentem ente insignificante valer com o força form adora ou com o contribuição à do educando por si m esm o. Nunca m e esqueço, na história j á longa de m inha m em ória, de um desses gestos de professor que tive na adolescência rem ota. Gesto cuj a significação m ais profunda talvez tenha passado despercebida por ele, o professor, e que teve im portante influência sobre m im . Estava sendo, erm o, um adolescente inseguro, vendo-m e com o um corpo anguloso e feio, percebendo-m e m enos capaz do que os outros, fortem ente incerto de m inhas possibilidades. Era m uito m ais m al-hum orado que apaziguado com a vida. Facilm ente m e eriçava.

Qualquer consideração feita por um colega rico da classe j á m e parecia o cham am ento à atenção de m inhas fragilidades, de m inha insegurança.

O professor trouxera de casa os nossos trabalhos escolares e, cham ando-nos um a um , devolvia - os com o seu aj uizam ento. Em certo m om ento m e cham a e, olhando ou re-olhando o m eu texto, sem dizer palavra, balança a cabeça num a dem o nstração de respeito e de consideração. O gesto do professor valeu m ais do que a própria nota dez que atribuiu à m inha redação. O gesto do professor m e trazia um a confiança ainda obviam ente desconfiada de que era possível trabalhar e produzir. De que era possível confiar em m im m as que seria tão errado confiar além dos lim ites quanto errado estava sendo não confiar. A m elhor prova da im portância daquele gesto é que dele falo agora com o se tivesse sido testem unhado hoj e. E faz, na verdade, m uito tem po que ele ocorreu...

Este saber, o da im portância desses gestos que se m ultiplicam diariam ente nas tram as do espaço escolar, é algo sobre que teríam os de refletir seriam ente. É um a pena que o caráter socializante da escola, o que há de inform al na experiência que se vive nela, de form ação ou deform ação, sej a negligenciado. Fala-se quase exclusivam ente do ensino dos conteúdos, ensino lam entavelm ente quase sem pre entendido com o transferência do saber. Creio que um a das razões que explicam este descaso em torno do que ocorre no espaço-tem po da escola, que não sej a a atividade ensinante, vem sendo um a com preensão estreita do que é educação e do que é aprender. No fundo, passa despercebido a nós que foi aprendendo socialm ente que m ulheres e

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hom ens, historicam ente, descobriram que é possível ensinar. Se estivesse claro para nós que foi aprendendo que percebem os ser possível ensinar, teríam os entendido com facilidade a im portância das experiências inform ais nas ruas, nas praças, no trabalho, nas salas de aula das escolas, nos pátios dos recreios*, em que

* Esta é um a preocupação fundam ental da equipe coordenada pelo professor Miguel Arroio e que vem propondo ao país, em Belo Horizonte, um a das m elhores re -invenções da escola. É um a lástim a que não tenha havido ainda um a em issora de TV que se dedicasse a m ostrar experiências com o a de Belo Horizonte, a de Uberaba, a de Porto Alegre, a do Recife e de tantas outras espalhadas pelo Brasil. Que se propusesse revelar práticas criadoras de gente que se arrisca, vividas em escolas variados gestos de alunos, de pessoal adm inistrativo, de pessoal docente se cruzam cheios de significação. Há um a natureza testem unhal nos espaços tão lam entavelm ente relegados das escolas.

Em A Educação na cidade* cham ei a atenção para esta im portância quando discuti o estado em que a adm inistração de Luiza Erundina encontrou a rede escolar da cidade de São Paulo em 1989. O

descaso pelas condições m ateriais das escolas alcançava níveis im pensáveis. Nas m inhas prim eiras visitas à rede quase devastada eu m e perguntava horrorizado: Com o cobrar das crianças um m ínino de respeito às carteiras escolares, à m esas, às paredes se o Poder Público revela absoluta desconsideração à coisa pública? É incrível que não im aginem os a signific ação do “discurso”

form ador que faz um a escola respeitada em seu espaço. A eloqüência do discurso “pronunciado”

na e pela lim peza do chão, na boniteza das salas, na higiene dos sanitários, nas flores que adornam . Há um a pedagogicidade indiscutível na m aterialidade do espaço.

Porm enores assim da cotidianeidade do professor, portanto igualm ente do aluno, a que quase sem pre pouca ou nenhum a atenção se dá, têm na verdade um peso significativo na avaliação da experiência docente. O que im porta, na form ação docente, não é a repetição m ecânica do gesto, este ou aquele, m as a com preensão do valor dos sentim entos, das em oções, do desej o, da insegurança a ser superada pela segurança, do m edo que, ao ser “educado”, vai gerando a coragem .

Nenhum a form ação docente verdadeira pode fazer-se alheada, de um lado, do exercício da criticidade que im plica a prom oção da curiosidade ingênua à curiosidade epistem ológica, e do outro, sem o reconhecim ento do valor das em oções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição ou adivinhação. Conhecer não é, de fato, adivinhar, m as tem algo que ver, de vez em quando, com adivinhar, com intuir. O im portante, não resta dúvida, é não pararm os satisfeitos ao nível das intuições, m as subm etê-las à análise m etodicam ente rigorosa de nossa curio ridade

epistem ológica*

privadas ou públicas. Program a que poderia cham ar-se m udar é difícil m as é possível. No fundo,

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um dos saberes fundam entais à prática educativa.

* Não é possível tam bém form ação docente indiferente à boniteza e à decência que estar no m undo, com o m undo e com os oucros, substantivam ente, exige de nós. Não há prática docente verdadeira que não sej a ela m esm a um ensaio estético e ético, perm ita-se-m e a repetição.

Capítulo 2

Ensinar não é transferir conhecimento

As considerações ou reflexões até agora feitas vêm sendo desdobram entos de um prim eiro saber inicialm ente apontado com o necessário à form ação docente, num a perspectiva progressista.

Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. Quando entro em um a sala de aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas inibiç ões; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar e não a de transferir conhecimento.

É preciso insistir: este saber necessário ao professor – que ensinar não é transferir conhecim ento – não apenas precisa de ser apreendido por ele e pelos educandos nas suas razões de ser – ontológica, política, ética, epistem ológica, pedagógica, m as tam bém precisa de ser constantem ente testem unhado, vivido.

Com o professor num curso de form ação docente não posso esgotar m inha prática discursando sobre a Teoria da não extensão do conhecim ento. Não posso apenas falar bonito sobre as razões ontológicas, epistem ológicas e políticas da Teoria. O m eu discurso sobre a Teoria deve ser o exem plo concreto, prático, da teoria. Sua encarnação. Ao falar da construção do conhecim ento, criticando a sua extensão, j á devo estar envolvido nela, e nela, a construção, estar envolvendo os alunos.

Fora disso, m e em aranho na rede das contradições em que m eu testem unho, inautêntico, perde eficácia.

Me torno tão falso quanto quem pretende estim ular o clim a dem ocrático na escola por m eios e cam inhos autoritários. Tão fingido quanto quem diz com bater o racism o m as, perguntado se conhece Madalena, diz:

“Conheço-a. É negra mas é com petente e decente.” Jam ais ouvi ninguém dizer que conhece Célia, que ela é loura, de olhos azuis, mas é com petente e decente. No discurso perfilador de Madalena, negra, cabe a conj unção adversativa mas; no que contorna Célia, loura de olhos azuis, a conj unção adversativa é um não-senso. A com preensão do papel das conj unções que, ligando sentenças entre si, im pregnam a relação que estabelecem de certo sentido, o de causalidade, falo porque recuso o silêncio, o de adversidade, tentaram dom iná-la mas não conseguiram , o de fi nalidade, Pedro lutou para que ficasse clara a sua posição, o de integração, Pedro sabia que ela voltaria, não é suficiente para explicar o uso da adversativa mas na relação entre a sentença Madalena é negra e Madalena é com petente e decente. A conj unção mas aí, im plica um j uízo

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falso, ideológico: sendo negra, espera-se que Madalena nem sej a com petente nem decente. Ao reconhecer-se, porém , sua decência e sua com petência a conj unção mas se tornou indispensável.

No caso de Célia, é um disparate que, sendo loura de olhos azuis não sej a com petente e decente.

Daí o não-senso da adversativa. A razão é ideológica e não gram atical.

Pensar certo – e saber que ensinar não é transferir conhecim ento é fundam entalm ente pensar certo – é um a postura exigente, difícil, às vezes penosa, que tem os de assum ir diante dos outros e com os outros, em face do m undo e dos fatos, ante nós m esm os. É difícil, não porque pensar certo sej a form a própria de pensar de santos e de anj os e a que nós arrogantem ente aspirássem os. É difícil, entre outras coisas, pela vigilância constante que tem or de exercer sobre nós próprios para evitar os sim plism os as facilidades, as incoerências grosseiras. É difícil porque nem sem pre tem os o valor indispensável para não perm itir que a raiva que podem os ter de alguém vire raivosidade que gera um pensar errado e falso. Por m ais que m e desagrade um a pessoa não posso m enosprezá-la com um discurso em que, cheio de m im m esm o, decreto sua incom petência absoluta. Discurso em que, cheio de m im m esm o trato-a com desdém , do alto de m inha falsa superioridade. A m im não m e dá raiva m as pena quando pessoas assim raivosas, arvoradas em figuras de gênio, m e m inim izam e destratam .

É cansativo, por exem plo, viver a hum ildade, condição “sine qua” do pensar certo, que nos faz proclam ar o nosso próprio equívoco, que nos faz reconhecer e anunciar a superação que sofrem os.

O clim a do pensar certo não tem nada que ver com o das fórm ulas preestabelecidas, m as seria a negação do pensar certo se pretendêssem os forj á-lo na atm osfera da licenciosidade ou do espontaneísm o. Sem rigorosidade m etódica não há pensar cerco.

2.1 – Ensinar exige consciência do inacabam ento

Com o professor crítico, sou um “aventureiro” responsável, predisposto à m udança, à aceitação do diferente. Nada do que experim entei em m inha atividade docente deve necessariam ente repetir-se.

Repito, porém , com o inevitável, a franquia de m im m esm o, radical, diante dos outros e do m undo. Minha franquia ante os outros e o m undo m esm o é a m aneira radical com o m e experim ento enquanto ser cultural, histórico, inacabado e consciente do inacabam ento.

Aqui chegam os ao ponto de que talvez devêssem os ter partido. O do inacabam ento do ser hum ano. Na verdade, o inacabam ento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital.

Onde há vida, há inacabam ento. Mas só entre m ulheres e hom ens o inacabam ento se tornou consciente. A invenção da existência a partir dos m ateriais que a vida oferecia levou hom ens e m ulheres a prom over o suporte em que os outros anim ais continuam , em mundo. Seu m undo, m undo dos hom ens e das m ulheres. A experiência hum ana no mundo m uda de qualidade com relação à vida anim al no suporte. O suporte é o espaço, restrito ou alongado, que o anim al se prende “afetivam ente” tanto quanto para, resistir; e o espaço necessário a seu crescim ento e que

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delim ita seu dom ínio. É o espaço em que, treinado, adestrado,

“aprende” a sobreviver, a caçar, a atacar, a defender-se nutri tem po de dependência dos adultos im ensam ente m enor do que é necessário ao ser hum ano para as m esm as coisas. Quanto m ais cultural é o ser m aior a sua infância, sua dependência de cuidados especiais. Faltam ao

“m ovim ento” dos outros anim ais no suporte a linguagem conceitual, a inteligibilidade do próprio suporte de que resultaria inevitavelm ente a com unicabilidade do inteligido, o espanto diante da vida m esm a, do que há nela de m istério. No suporte, os com portam entos dos indivíduos têm sua explicação m uito m ais na espécie a que pertencem os indivíduo do que neles m esm os. Falta-lhes liberdade de opção. Por isso, não se fala em ética entre os elefantes.

A vida no suporte não im plica a linguagem nem a postura erecta que perm itiu a liberação das m ãos*.

Mãos que, em grande m edida, nos fizeram . Quanto m aior se foi tornando a solidariedade entre m ente e m ãos, tanto m ais o suporte foi virando mundo e a vida, existência. O suporte veio fazendo-se mundo e a vida, existêmia, na proporção que o corpo hum ano vira corpo consciente, captador, apreendedor, transform ador, criador de beleza e não “espaço” vazio a ser enchido por conteúdos.

A invenção da existência envolve, repita-se, necessariam ente, a linguagem , a cultura, a com unicação em níveis m ais profundos e com plexos do que o que ocorria e ocorre no dom ínio da vida, a “espiritualização”

do m undo, a possibilidade de em belezar com o de enfear o m undo e tudo isso inscreveria m ulheres e hom ens com o seres éticos. Capazes de intervir no m undo, de com parar, de aj uizar, de decidir, de rom per, de escolher, capazes de grandes ações, de dignificantes testem unhos, m as capazes tam bém de im pensáveis exem plos de baixeza e de indignidade. Só os seres que se tornaram éticos podem rom per com a ética. Não se sabe de leões que covardem ente tenham assassinado leões do m esm o ou de outro grupo fam iliar e depois tenham visitado os “fam iliares”

para levar-lhes sua solidariedade. Não se sabe de tigres africanos que tenham j ogado bom bas altam ente destruidoras em “cidades” de tigres asiáticos.

No m om ento em que os seres hum anos, intervindo no suporte, foram criando o mundo, inventando a linguagem com que passaram a dar nom e às coisas que faziam com a ação sobre o m undo, na m edida em que se foram habilitando a inteligir o m undo e criaram por conseqüências a necessária com unicabilidade do inteligido, j á não foi possível existir a não ser disponível à tensão radical e profunda entre o bem e o m al, entre a dignidade e a indignidade, entre a decência e o despudor, entre a boniteza e s feiúra do m undo. Quer dizer, j á não foi possível existir sem assumir o direito e o dever de optar, de decidir, dr lutar, de fazer política. E tudo isso nos traz de novo à im periosidade da prática formadora, de natureza em inentem ente ética. E tudo isso nos traz de novo à radicalidade da esperança. Sei que as coisas podem até piorar, m as sei tam bém que é possível intervir para m elhorá -las.

Referências

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