Binarismos na composição
(por uma poética maximalista da composição)
Flo Menezes
II Encontro Paranaense de Composição Musical – 26 a 28 de julho de 2012
32. Festival de Música de Londrina
• ao nível das representações das ideias musicais
MAPEAMENTO DAS OPOSIÇÕES BINÁRIAS QUE PERMEIAM A POIÉSIS DA COMPOSIÇÃO, EM SEIS PLANILHAS
escri ta
escrit
a composição nasce das limitações da escrita do verbo,
ura
resgatando a prosódia que não se via ali representada:
alturas, durações e intensidades dos sons verbais
ao instituir uma nova escrita, a composição de-compôs os sons em suas qualidades prosódicas, abstraindo em parâmetros
aspectos distintos de uma totalidade: o objeto sonoro a composição, pelo exercício da escrita, procura resgatar o
agenciamento e a interconexão desses parâmetros, re-
compondo o objeto musical; todo compositor é um re-compositor escritura equivale dizer elaboração; advém e é condicionada
pela escrita, mas aos poucos dela torna-se cada vez mais independente, a ponto de dela prescindir
não existe escrita sem escritura, mas existe escritura sem escrita
• ao nível do processamento intelectual, da elaboração enquanto princípio escritural
intuiç ão
cálcu lo
não há como predizer quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha
em toda grande obra musical transparece toda uma gama de elementos que vai dos mais perceptíveis aos mais inaudíveis, e
todos são tão legítimos quanto necessários para que ela seja o que é, ou seja, uma grande Obra
a obra menor, em geral, abre mão dos elementos inaudíveis e ilude-se com a presença pretensamente autosuficiente dos
elementos claramente perceptíveis
muito do que se percebe deve-se às elaborações do que não se percebe, e o contrário não é verdadeiro
o especulado é superior ao intuído, ainda que sem intuição toda especulação seja cega, surda e muda
a intuição está para os afetos, que se defloram em tempo real, assim como o cálculo está para as perlaborações (em sentido
freudiano), que se dão em tempo diferido
• ao nível das linhas de força da composição
do geral ao
particul ar
do particular ao geral
ou parte-se de um ideário geral, de uma arquitetura, de um sonho de estrutura, e procuram-se os materiais para
erguer esta construção
ou parte-se de um interesse por certas pedras, andaimes, mármores, e, ao se trabalhar sobre tais materiais,
edificam-se construções de grande porte
na primeira linha de força: Stravinsky, Berio, a música concreta na segunda linha de força: Beethoven, Webern, a música
eletrônica
na síntese de ambas as linhas de força: Stockhausen
• ao nível da eleição dos materiais
materia l
relacion al
material constitut
historicamente, a constituição dos materiais era garantida
ivo
por uma escolha sumária e prévia: o instrumento musical, e o material se dava sobretudo por sua estruturação:
constituições motívicas, arco tonal das tensões e
relaxamentos, constituições acórdicas, fraseologia e forma musical
com o advento da música eletroacústica, o material cinde-se em dois: além de seu aspecto relacional, tão importante quanto antes, adquire um aspecto constitutivo, que diz respeito à sua
fabricação espectral
comumente, as possibilidades atraentes, inusitadas e potencialmente infinitas do aspecto constitutivo dos objetos sonoros ofuscam suas potencialidades relacionais, de modo que
poucas são as obras acusmáticas que primam pelo domínio das duas facetas dos materiais
• ao nível da escuta dos materiais
escuta harmôn ica
escuta inarmôni
ca
a Harmonia continua sendo a ciência-mãe da música; mas nem sempre precisamos da presença de nossas mães
quando viajamos
mas mesmo com o amplo espectro de possibilidades que se abre ao universo constitutivo dos sons em elaborações
eletroacústicas em estúdio, de tempos em tempos todo bom compositor vislumbra a forte presença e necessidade da escuta
dos intervalos e de suas constituições bem elaboradas só a escuta de alturas precisas pode fornecer parâmetro referencial e configurar necessárias polarizações à escuta em meio a estruturas de alta complexidade, mesmo que tal escuta esteja camuflada, na terminologia schaefferiana, por fenômenos
de massa (qualidade interválica que se revela na escuta até mesmo dos ruídos)
• ao nível da temporalidade
planific ar o
Tempo
esquecer -se do Tempo
como bem dizia Lévi-Strauss, a música é a grande máquina de se suprimir o Tempo, como nas estruturas míticas:
delimita o tempo, ontologicamente ilimitado e talvez até mesmo inexistente, dentro de zonas bem precisas que contornam a estrutura macro-formal da obra musical, para fustigá-lo como uma toalha ao vento quando pendurada em
um varal
quanto mais a obra nos faz esquecermos do Tempo, tanto melhor ela será; e o inversamente é cruelmente verdadeiro
vale a lei de Messiaen: quanto mais se esquece do tempo ao ouvi-la, tanto mais curta nos parece a obra em seu estado presente, e tanto mais seu tempo se dilatará, ganhará importância e marcará presença
no passado; quanto mais se apercebe do tempo ao ouvir uma obra, tanto mais longa ela parece ser, mas tanto menor será seu tempo no arsenal significativo da memória, até extinguir-se por completo como algo desbotado em meio a velhos papéis amarelados de um acervo
perdido, esquecido
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