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MULHERES E AGROECOLOGIA: ESTUDOS DE EXPERIÊNCIAS E ESTRATÉGIAS DE APROPRIAÇÃO E DIVULGAÇÃO NA INTERNET

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Academic year: 2021

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MULHERES E AGROECOLOGIA: ESTUDOS DE EXPERIÊNCIAS E

ESTRATÉGIAS DE APROPRIAÇÃO E DIVULGAÇÃO NA INTERNET

Eliane Aparecida de Almeida Barros1

Resumo: O presente trabalho tem investigado como o Movimento de Mulheres Camponesas

(MMC) usa e se apropria das novas tecnologias de comunicação, mais especificamente a internet, analisando como se realizam a articulação e divulgação de ideias no espaço virtual, bem como que ações de mobilização e visibilidade são promovidas. A pesquisa também reflete sobre o potencial da Agroecologia nos processos de empoderamento das mulheres, consolidando a afirmação de que “Sem Feminismo não há Agroecologia”. Observamos, dessa forma, a internet enquanto um ambiente tanto de troca de experiências entre as mulheres camponesas, como de divulgação de seus saberes tradicionais, de suas experiências e propostas, ações, lutas e conquistas. Indagamos, ainda, sobre os motivos que as levaram a entrar nessa rede, seus objetivos e desejos com essas tecnologias, além das dificuldades e contradições enfrentadas nesse processo. Como referenciais teórico-metodológicos, aproximamos as epistemologias feministas, a agroecologia e o feminismo camponês, além dos estudos sobre gênero e tecnologias de informação e comunicação.

Palavras-chave: mulheres camponesas. feminismo. internet.

Introdução

Diversos/as pensadores/as têm se esforçado para analisar as profundas transformações que emergiram na sociedade como constitutivas de uma nova realidade social, política, econômica e cultural colocando, no centro das atenções, as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Em uma arena conflituosa, há aqueles/as que se associam a uma visão negativa da tecnologia e aqueles/as ditos/as utópicos/as, que veem, nas novas tecnologias, um enorme potencial emancipatório – um acirramento, como bem coloca André Lemos (1998), da querela entre o que Umberto Eco chamou de apocalípticos e integrados. Se para alguns/as autores/as a apropriação social das novas tecnologias resolve a não neutralidade das mesmas, para outros/as, ela é fonte de mais poder e controle, cujos mecanismos estão em constante atualização.

Estudos feministas sobre ciência e tecnologia defendem a necessidade de afastarmo-nos de possíveis determinismos, tanto sociais, quanto tecnológicos, para refletir sobre o processo produtivo e ideológico no qual os artefatos tecnológicos são desenvolvidos. Quem são as pessoas envolvidas

1 Mestranda em Divulgação Científica e Cultural, no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, da

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na construção dessas ferramentas? De que forma elas são construídas? Que ferramentas são essas e por quem são acessadas? Como as relações de poder entre gênero se articulam na construção dessas ferramentas? E, assim, quando falarmos em TICs e em internet, pensaremos a tecnologia numa perspectiva que vá além das questões de acessibilidade das mulheres.

A epistemologia feminista aponta a brecha digital de gênero2 como um dos reflexos da sociedade patriarcal e capitalista, questionando a própria constituição da ciência (e da tecnologia) que impede, nas comunidades epistêmicas que constroem e legitimam o conhecimento, a participação tanto das mulheres como de todos os grupos que estão fora das formas androcêntricas dominantes (Maffía, 2005). Reflexão esta que vai ao encontro das propostas de Donna Haraway (1995), pesquisadora expoente nos estudos sobre feminismo, ciência e tecnologia. Em seu artigo “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”, a autora defende que é preciso buscar a perspectiva desses pontos de vista que nunca podem ser conhecidos de antemão, e “que prometam alguma coisa extraordinária, isto é, conhecimento potente para a construção de mundos menos organizados por eixos de dominação”. Afinal, complementa Haraway, não cabe a nós criar conhecimento desde as posições hegemônicas, já que as mesmas impedem a transformação da realidade, impondo-se como única verdade. Sua proposta, portanto, é por “saberes localizados” e “corporificados”, que reivindiquem a ciência e a tecnologia como uma construção social e histórica, contingente, localizada e parcial, em oposição aos saberes universais.

Leonor Graciela Natansohn, coordenadora do GIG@ – Grupo de pesquisa em Gênero, Tecnologias Digitais e Cultura, associado à Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), defende, portanto, a necessidade de uma transformação das condições de produção e desenvolvimento das TICs junto a uma verdadeira mudança cultural e epistêmica. A autora destaca a necessidade de realizarmos pesquisas qualitativas mais profundas sobre as barreiras subjetivas e generizadas no uso das ferramentas digitais, bem como que indague sobre os objetivos e desejos das mulheres ao apropriar-se destas ferramentas considerando, principalmente, a diversidade de experiências, classes, raças, culturas e identidades que o termo “mulher” pode significar. O que

2Cecilia Castaño Collado (2008), desde uma perspectiva feminista, identifica três tipos de brechas digitais de gênero,

sendo a primeira delas relacionada à capacidade de acesso às redes, mensurável quantitativamente através de estatísticas demográficas. A segunda, mais complexa, demarca o grau real de incorporação efetiva à cultura digital, investigando o uso que as pessoas fazem da tecnologia. Uma terceira e última brecha pode ser detectada se, "além de seus usos, se observa o lugar das mulheres na produção, desenho e governança da tecnologia digital, isto é, em postos de comando”.

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fazem com elas e o que esperam delas? Como desejariam que fossem para melhor se adequarem aos seus objetivos? Ou seja, “desenvolver a imaginação utópica para democratizar o acesso às novas tecnologias, muito mais além da indagação de mercado que adapta os dispositivos existentes à demanda potencial” (Natansohn, 2013, p.13).

Nesse sentido, desde uma perspectiva feminista e agroecológica, nosso intuito, nesta pesquisa em curso, tem sido refletir sobre esses temas junto às dirigentes do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC). Foram realizados um levantamento sobre quais espaços virtuais o MMC tem usado e se apropriado, bem como entrevistas semiestruturadas junto às dirigentes do movimento, com foco em temos como agroecologia, militância feminista, comunicação e política, relação com a internet, identificando de que forma essas mulheres constroem a agroecologia em seus cotidianos, bem como a forma como elas se apropriam da internet, e que mudanças essa relação com a agroecologia e com essa nova tecnologia de comunicação tem trazido para suas vidas.

Primeiramente, portanto, nos propomos a uma reflexão sobre a agroecologia para, em seguida, pensar em qual comunicação estamos falando quando pensamos em TICs para, por fim, apresentarmos as contribuições que as mulheres camponesas trazem para pensar esse processo.

Mulheres e agroecologia

Seu nome é novo, surgiu no século passado, mas muitas de suas práticas são milenares, como a conservação e multiplicação de sementes nativas ou crioulas, a adaptação e melhoramento genético de diferentes espécies, o uso de recursos somente renováveis, entre outras tecnologias sustentáveis que compõem um vasto conhecimento adquirido ao longo de várias gerações que desenvolveram sistemas agrícolas complexos, diversificados, e localmente adaptados (Altieri, 2012). Na construção da agroecologia, os saberes de povos originários, comunidades campesinas e quilombolas ocupam lugar de destaque, junto às contribuições das distintas abordagens de agriculturas alternativas que começaram a surgir no início do século XX, como a agricultura biodinâmica e a permacultura3, além de outras vertentes que compunham um conjunto de práticas sustentáveis para a agricultura.

3 Oriunda da expressão em inglês permanent culture, trata-se de um sistema de design para a criação de ambientes

humanos sustentáveis e produtivos em equilíbrio e harmonia com a natureza, segundo a definição dos fundadores do movimento na década 1970, o australiano Bill Mollison e David Holmgren. A permacultura entende que o ser humano,

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Enquanto enfoque teórico, vários autores afirmam que o termo “agroecologia” passou a ser conhecido na década de 1970, apontando Miguel Altieri e Stephen Gliessman, das universidades de Berkeley e Santa Cruz, na Califórnia (EUA) como dois de seus principais pioneiros (Siliprandi, 2015, p. 82). Em seu livro “Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável”4

(1989), Altieri destaca a agroecologia enquanto uma série de princípios e procedimentos que, a partir de uma abordagem sistêmica, tem como unidade fundamental de observação os agroecossistemas. Ou seja, uma complexa teia de relações que envolve todos os agentes naturais da prática agrícola e do ecossistema original, incluindo fauna e a flora, além do solo e da água, inclusive os microrganismos. Para se entender essas relações, portanto, é “necessário analisar tanto os fenômenos ecológicos que ali ocorrem (bioquímicos, agronômicos), mas também as interações entre os seres humanos, sua história e sua cultura” (Siliprandi, 2015, p. 88).

Eduardo Sevilla Guzmán, em uma vertente mais sociológica, enfatiza a agroecologia enquanto um campo de estudos que, a partir do manejo ecológico dos recursos naturais, pretende reconduzir o curso alterado da coevolução social e ecológica, através de uma ação social coletiva, de caráter participativo e emancipatório. A organização comunitária e o protagonismo de agricultores(as)/camponeses(as)/indígenas seriam, portanto, centrais no pensamento agroecológico em três aspectos, conforme explica Emma Siliprandi:

(...) na construção de suas propostas técnicas, por conta da capacidade da agricultura camponesa de coevoluir respeitando os processos ecológicos; por sua premissa de que o desenvolvimento rural só poderá ser sustentável se for baseado no modo de produção camponês; e pelo reconhecimento da necessidade de promover o empoderamento desse grupo social, que foi marginalizado econômica, social, política e culturalmente ao longo da história da humanidade. As propostas agroecológicas têm, portanto, um caráter emancipatório, e os movimentos que se formaram em torno da agroecologia aproximaram-se politicamente das lutas por ecojustiça. (SILIPRANDI, 2015, p. 87).

assim como a sua morada e o meio ambiente em que ele vive, fazem parte de um único organismo vivo. Afirma, assim, que é preciso entender as plantas, os animais, as construções e demais infraestruturas (água, energia e comunicação) não apenas como elementos isolados, mas como todos parte de um grande sistema conectado.

4 Publicado pela primeira vez em 1989, trata-se de uma das principais publicações que contribuíram para a divulgação

da Agroecologia no Brasil, tendo sido adotado por profissionais de ONGs, instituições oficias de ensino, de pesquisa e extensão rural. Agrônomo chileno, Altieri é professor de Agroecologia da Universidade da Califórnia (EUA) e ex-presidente da Sociedade Científica Latino-Americana de Agroecologia (Socla).

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A partir disso, a autora defende que a agroecologia não cumprirá seus propósitos de ser uma teoria e um modelo para a ação emancipatória do campo se também não se ocupar, teórica e praticamente, no enfrentamento das questões da subordinação das mulheres rurais colocando, na agenda, temas como a divisão sexual do trabalho e a autonomia política e econômica das mulheres. Isso implica na criação de estratégias de empoderamento dessas mulheres, visando à construção de espaços em que elas possam discutir, refletir e apontar alternativas para transformação da realidade em que vivem. Siliprandi (2015) defende, ainda, que esse processo de empoderamento político das mulheres vai depender, basicamente, de como elas consigam aparecer (individual e coletivamente) “como sujeitos ativos, nas famílias, nas comunidades, até influenciarem nas instituições públicas, nas políticas, na sociedade” (Siliprandi, 2015, p.109). Demandas essas que estão no cerne das ações do Movimento de Mulheres Camponesas, para quem a agroecologia traz aspectos relacionados a uma nova lógica de sociedade, envolvendo diretamente dimensões políticas, culturais e econômicas.

Organizadas desde a década de 1980, quando as principais bandeiras de luta eram o reconhecimento e a valorização da profissão da trabalhadora rural, o direito à documentação e à previdência social, pública e solidária, as mulheres camponesas se mobilizam em torno da construção de um projeto popular de agricultura de base agroecológica e feminista. Com sedes regionais em quase todos os estados brasileiros, sua formação oficial aconteceu em 2004, como resultado da união de vários movimentos de mulheres do campo.

Somos mulheres camponesas: agricultoras, arrendatárias, meeiras, ribeirinhas, posseiras, boias-frias, diaristas, parceiras, extrativistas, quebradeiras de coco, pescadoras artesanais, sem terra, assentadas... Mulheres índias, negras, descendentes de europeus. Somos a soma da diversidade do nosso país. Pertencemos à classe trabalhadora, lutamos pela causa feminista e pela transformação da sociedade.

Com um discurso emancipatório, suas pautas trazem reivindicações vinculadas tanto ao campo – direito e acesso à terra pela reforma agrária, o resgate e a multiplicação de sementes crioulas, a soberania e a segurança alimentar dos povos; como pautas historicamente trazidas pelo movimento feminista, como o fim da divisão sexual do trabalho e de todas as formas de violências contra as mulheres, a valorização e valoração do trabalho e renda gerada pelas mulheres, garantindo sua autonomia. Como eixo central debate, assim, a libertação das mulheres de qualquer tipo de

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opressão e discriminação, o que se concretiza nas lutas, na organização, na formação e na implementação de experiências de resistência popular, nas quais as mulheres tenham autonomia e sejam protagonistas de sua história.

Uma das estratégias de lutas das mulheres camponesas em busca de autonomia tem sido o incentivo aos quintais produtivos agroecológicos, sendo este o local onde elas desenvolvem suas experiências de cultivo, novas técnicas de manejo e conservação do solo; além de resgatarem, diversificarem e multiplicarem as sementes crioulas. A partir da atuação das mulheres, entendemos que os quintais são um importante espaço para a produção e o compartilhamento de seus conhecimentos, podendo ser uma importante via para a construção de um espaço dialógico, de socialização e de resgate da autonomia e da autoestima.

Por uma comunicação agroecológica e feminista

A partir de uma perspectiva engajada e situada (Haraway, 1998), nossa atuação junto às mulheres camponesas têm sido acompanhar seu processo de repensar e fortalecer as estratégias de comunicação utilizadas - mídias sociais, site, textos e fotos, além de vídeos. Um processo que, a partir do diálogo de saberes e da troca de experiências, entende a comunicação mais como uma ação política aliada a outras pautas, do que uma ferramenta de divulgação de informações. Dessa forma, a proposta tem sido refletir sobre como seria a construção de uma comunicação agroecológica e feminista no movimento, que nasça de suas próprias narrativas, compartilhe suas experiências e dispute valores na sociedade. Um processo que se conecta a outras iniciativas no campo da agroecologia, como à da ELAA – Escola Latino Americana de Agroecologia5, que, em seu

“Manifesto por uma comunicação popular agroecológica”6, defende um modelo de comunicação

emancipatório, que compartilhe conteúdos que contribuam com as lutas sociais, com a

5 A ELAA (Escola Latino Americana de Agroecologia) é uma iniciativa da Via Campesina que recebe militantes da

América Latina e Caribe para que possam aprender e disseminar agroecologia. Localizada no Assentamento Contestado, comunidade do MST no município da Lapa (PR), a Escola surgiu em 2005 e, em parceria com o IFPR (Instituto Federal do Paraná), oferece o curso técnico em Agroecologia, além da Licenciatura em Educação do Campo, Ciências da Natureza e Agroecologia. Disponível em http://elaa.redelivre.org.br/sobre/. Acesso em 05.jul.2017

6 Disponível em

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disseminação da agroecologia e com a construção de uma sociedade em que todos os seres humanos possam viver bem, integrados às suas comunidades e à natureza.

Na comunicação compartilhada, além do conteúdo, importa a forma como ela é construída e o processo conjunto de reafirmação da diversidade – mais do “quê” comunicar, trata-se de “como” e “para quê” comunicar. É preciso reconhecer a comunicação popular como processo inerente aos movimentos sociais, como metodologia do fazer comum – e, em contraposição à monocultura da mídia de massa, criar nossa própria comunicação, agroecológica (ELAA, 2016).

A comunicação popular na agroecologia nasce, assim, como um contraponto à comunicação hegemônica, interpelada por conteúdos unidirecionais, que manipulam e/ou silenciam saberes e vozes, servindo aos interesses do capital transnacional, da indústria química e do agronegócio. Cicilia M. Krohling Peruzzo, em seu texto “Comunicar para transformar”, reafirma a comunicação na agroecologia enquanto um meio de reivindicação, de denúncia, mobilização, linguagem, de facilitação de processos de intercâmbio, de formação, geração e troca de conhecimentos. A autora recupera o conceito de Paulo Freire (1977) de “comunicação dialógica” como transformadora das condições de submissão e dominação, para defender que “comunicar para transformar quer dizer apropriar-se de meios e formas de comunicação para fazer valer os direitos e deveres de cidadania dos segmentos empobrecidos da população” (Peruzzo, 2016, p.06).

Sintonizadas com essa perspectiva, as mulheres camponesas entendem a comunicação enquanto um direito fundamental de todas e de todos, sendo uma ferramenta essencial de luta política e social, de educação e de resistência. Em um material preparado para o trabalho de base junto à juventude do estado de Alagoas, o MMC/AL defende que é “inegável a urgência que os povos camponeses, das cidades, das águas e das florestas têm de falar por si e serem ouvidos por todos”. O material aponta, nesse sentido, a necessidade de se afirmar, em todos os espaços, a comunicação como um processo político, realizando a formação contínua de comunicadores. Além disso, contrapondo-se à informação hegemônica, afirma que é preciso produzir conteúdo que dialogue com a sociedade, potencializando essa produção pelos próprios sujeitos a fim de disputar narrativas.

Para fazer valer suas estratégias de mobilização e trabalho de base, assim como de difusão de suas reivindicações e visão de mundo na sociedade, Peruzzo (2016) afirma que os movimentos sociais têm recorrido cada vez mais ao emprego de tecnologias (vídeo, rádio, televisão, jornal,

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blogs, sites, redes sociais etc.). Ao incorporar essas mídias, defende a autora, a comunicação popular e comunitária acaba se constituindo num processo facilitador da realização de outros processos, como os de conscientização-organização-ação de segmentos das classes subalternizadas.

Para o sociólogo espanhol Manuel Castells, o desenvolvimento da internet como novo meio de comunicação é fundamental para os movimentos sociais contemporâneos, uma vez que esta é a principal via que eles encontram para chegar àquelas pessoas que podem, eventualmente, partilhar os seus valores. Para o autor, os movimentos sociais tendem a se estruturar cada vez mais em torno de valores e de códigos culturais, e a internet permite a disseminação de suas ideias e manifestos num amplo âmbito com extrema velocidade, conectando, desse modo, o local e o global em qualquer momento (Castells, 2009). Isso porque a difusão da internet, as comunicações wireless, os meios de comunicação digital e uma série de ferramentas de software social têm provocado o desenvolvimento de redes horizontais de comunicação interativa, que chegam à sociedade através de pessoas, interesses, valores e grupos sociais não representados pelos sistemas corporativos de poder. À medida que os usuários vão incorporando novas formas de comunicação, explica o sociólogo, constroem seu próprio sistema de comunicação através de SMSs, blogs, vlogs, podcasts, wikis e similares.

Nesse sentido, na busca por entender a relação do MMC com as novas tecnologias de comunicação, mais especificamente com a internet, iniciamos um processo de levantamento de dados sobre as ações já realizadas, bem como as necessidades e desejos apontados por suas dirigentes. Atualmente, para a divulgação de suas pautas, agendas e narrativas, o movimento conta com uma página oficial, hospedada no endereço www.mmcbrasil.com.br, onde, além de veicular notícias, apresenta as seções “Quem somos”, “História”, “Missão”, “Organização”, “Lutas”, “Contato” e “Download”. Nesta última, é disponibilizada uma série de cartilhas político-pedagógicas e folderes sobre eixos centrais de atuação do MMC. Além do site, foram identificadas três páginas no Facebook, sendo uma com um perfil mais nacional, e que mobiliza 2.640 seguidores, e as outras duas mantidas pelas estaduais Alagoas e Sergipe.

Dado o lugar estratégico da comunicação para a ação política, detectado nas entrevistas com as lideranças do movimento, existe uma demanda/aspiração de ampliar as experiências com esses artefatos, na expectativa de maior autonomia na comunicação e apropriação de tecnologias. Uma das propostas levantadas foi a possibilidade de promovermos uma parceria com o MMC para juntas

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construirmos um novo site para o movimento, a partir de plataformas livres, no qual seu coletivo de comunicação possa ter mais autonomia em seu uso e manutenção. Isso porque, atualmente, o site nacional do movimento oferece às dirigentes um acesso limitado no que se refere à alimentação de conteúdos e mudanças de estrutura, realizado pela empresa que o elaborou.

Para além do site, estamos refletindo também sobre a possibilidade de desenvolvermos, a partir da educação popular, e na perspectiva de uma comunicação feminista e agroecológica, um modelo de oficina de produção e edição de vídeos para que as mulheres camponesas possam contar suas experiências de vida por meio dessas mídias, divulgando seus saberes e fazeres, além de seu protagonismo na recuperação e preservação da biodiversidade. Na avaliação das dirigentes, isso seria capaz de gerar um sentimento de pertencimento das mulheres camponesas em relação à internet, onde a prevalência ainda é de temas e pautas relacionados ao meio urbano. Elas defendem, ainda, que a inserção de legendas em inglês e espanhol nesses vídeos poderia contribuir para o fortalecimento de laços com movimentos sociais de mulheres camponesas de outros países, na luta contra o agronegócio.

Reflexões em processo

A partir de uma perspectiva situada (HARAWAY, 1995), temos refletido sobre as analogias entre as monoculturas e os latifúndios da produção agrícola mundial, impulsionados por grupos corporativos como Bayer, DowDuPont, e ChemChima, e as monoculturas e os latifúndios da internet, da comunicação em rede, impulsionados por grupos como Alphabet (matriz da Google) e Facebook (proprietário também do Whatsapp e Instagram). Uma relação que nos permite outra analogia, que gira em torno ao sistema de propriedade intelectual e patentes, quando temos, de um lado, softwares livres e sementes crioulas e, de outro, softwares proprietários e sementes híbridas e/ou geneticamente modificadas (transgênicas), conforme explica Tádzia de Oliva Maya, em seu artigo Sementes e comunidades copyleft (2013).

A primeira relação é perceber como as sementes híbridas que geram necessidade de compra constante por serem estéreis agem como as versões dos programas proprietários que se anulam obrigando os usuários a sempre comprar a última versão, trazendo grande instabilidade para quem depende de ambos os insumos. Outra ligação que fica clara é a insegurança de tais sistemas, pois se por um lado as

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monoculturas de híbridos e transgênicos geram uniformidade genética o que predispõe o sistema a danos, os softwares proprietários são um p rato cheio para vírus. E é justamente esta insegurança que leva agricultores e usuários a investirem em fertilizantes e agrotóxicos e em pacotes antivírus respectivamente, aumentando os lucros das empresas fornecedoras, muitas vezes a mesma empresa, como é o caso da Monsanto, responsável pela venda de 90% dos transgênicos que também é famosa pelo Roundup, herbicida à base de glisofato, que já é proibido em diversos países do mundo (MAYA, 2013, p.221).

Desse modo, assim como a transição agroecológica tem sido valorizada junto aos agricultores para diminuir sua dependência dos insumos externos, Maya defende a necessidade de uma transição epistemológica para a construção de novos paradigmas e realidades. Ou seja, desenvolver um trabalho de tradução de agendas de movimentos, traduzindo os saberes e fazeres de/entre hackers e agricultoras/es, assim como de/entre outros campos que propõem resistências, transformando-se em uma constante “ciranda de conhecimentos” (MAYA, 2013, p.222).

Realizar uma nova mirada que contemple lutas plurais, uso de diferentes táticas, reconhecimento e incorporação de saberes não acadêmicos e não formais nas políticas públicas é de fato um caminho que já começou, mas precisa de constante ânimo. (MAYA, 2013, p.222)

Nesse processo, faz-se necessário refletir sobre como os meios de comunicação, enquanto instrumentos estratégicos de formação e mobilização, vêm sendo ocupados e utilizados pelos movimentos sociais contra hegemônicos A pesquisa com o MMC aponta, assim, uma contribuição com os estudos sobre as novas tecnologias de comunicação ao revelar que, além das análises sobre a não neutralidade dessas tecnologias, existe uma demanda desses movimentos por uma nova relação com elas, indicando que este será um palco de disputas. Isso porque, na construção de um novo paradigma para o campo, a comunicação por meio das TICs começa a emergir como um tema central tão significativo quanto a economia, a cultura, a saúde e a educação.

Como pontua a ecofeminista Alicia Puleo em seu artigo “Mujeres por um mundo sostenible” (2010), as mulheres têm de pensar sobre quais lugares ocuparão nessa sociedade sustentável do futuro. Se as práticas dos cuidados da casa e das pessoas, até então em suas mãos quase que unicamente, têm que ser assumidas também pelos homens, os novos empregos das tecnologias sustentáveis devem também ser ocupados por elas. Como tornar as tecnologias sustentáveis, porém, é uma pergunta que permanece em aberto e cujas respostas podem emergir da práxis de movimentos

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contra-hegemônicos, como o MMC, que buscam experiências com essas tecnologias a partir de paradigmas bastante distintos do referencial capitalista que as constituíram.

Referências

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FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação? 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977

HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu. n.5. 1995. p. 07-41.

LEMOS, André. O Imaginário da Cibercultura. Revista São Paulo em Perspectiva, v.12, n.4, out-dez. 1998.

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PERUZZO, Cicilia M. Krohling Peruzzo. Comunicar para transformar. Revista Agriculturas. v. 13, n. 1, mar. 2016, p. 4-6.

PULEO, Alicia. Mujeres por un mundo sostenible. Dossiers Feministes. Castellon de la Plana (Espanha), n. 14, p. 9-19, 2010. Disponível em: http://www.e-revistes.uji.es/index.php/dossiers/article/view/623. Acesso em: 02 jul. 2017.

Women and Agroecology: studies of experiences and strategies of appropriation, dissemination and empowerment in the Internet

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Astract: This paperwork has investigated how the Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)

uses and appropriates new communication technologies, more specifically the internet, analyzing how the articulation and dissemination of ideas in the virtual space are carried out, as well as which mobilization and visibility actions are promoted. Master's research also reflects on the potential of Agroecology in women's empowerment processes, while at the same time consolidating the claim that "Without Feminism there is no Agroecology". Besides, we observe the potential of virtual space as an environment for the exchange of experiences among rural women, as well as the dissemination of their traditional knowledge, their experiences and proposals, actions, struggles and achievements. We also inquire about the reasons that led them to enter this virtual space, their goals and desires with these technologies, and the difficulties faced in this process. As theoretical-methodological references, we approach feminist epistemologies, agroecology and peasant feminism, and studies on gender and information and communication technologies..

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