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Para Entender e Rezar o Pai-Nosso - Prof. Felipe Aquino

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Academic year: 2021

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APRESENTAÇÃO

“Um dia, em certo lugar, Jesus rezava. Quando terminou, um de seus discípulos pediu-lhe: ‘Senhor, ensina-nos a orar, como João ensinou a seus discípulos’” (Lc 11,1). E em resposta a este pedido, o Senhor confiou à Seus discípulos e à Sua Igreja a oração cristã fundamental, uma verdadeira síntese do Evangelho.

Esta oração que nos vem de Jesus é realmente única: ela é “do Senhor”. Pelas palavras desta oração, o Filho único nos dá as palavras que o Pai Lhe deu; Ele é o Mestre de nossa oração. Por outro lado, como Verbo encarnado, Ele conhece em Seu coração de homem as nossas necessidades e no-las revela; é o Modelo de nossa oração. Não há oração mais importante do que o Pai-Nosso, porque brotou do coração de Jesus. Jesus ensinou aos Apóstolos o que é mais importante pedir na oração do Pai-Nosso. O papa Bento XVI, no seu livro Jesus de Nazaré I, disse: “O Pai-Nosso provém da oração pessoal de Jesus, do diálogo do Filho com o Pai.” Da intimidade de Jesus com o Pai nasceu o Pai-Nosso. Então, é fundamental fazer dela a nossa oração principal, desdobrando todo o seu valioso sentido.

Santo Tomás de Aquino disse: “A oração dominical (Pai-Nosso) é a mais perfeita das orações. Nela não só pedimos tudo quanto podemos desejar corretamente, mas ainda segundo a ordem em quem convém desejá-lo. De modo que esta oração, não só nos ensina a pedir, mas ordena também todos os nossos afetos.” E Santo Agostinho completa dizendo: “O Pai-Nosso é a síntese do Evangelho: ‘Percorrei todas as orações que se encontram nas Escrituras, e eu não creio que possais encontrar nelas algo que não esteja incluído na Oração do Senhor’”(Ep. 130).

Os santos se debruçaram sobre o Pai-Nosso. Santa Teresa de Ávila meditou profundamente suas palavras, e o mesmo fizeram muitos outros santos. Tertuliano (†220), de Cartago, repetiu: “A Oração dominical é realmente o resumo de todo o Evangelho. Cada qual pode, portanto, dirigir ao céu diversas orações conforme as suas necessidades, mas começando sempre pela Oração do Senhor, que permanece a oração fundamental” (Or. 1;10).

O nosso Catecismo ensina:

O Sermão da Montanha é doutrina de vida, a Oração do Senhor é oração, mas em ambos o Espírito do Senhor dá forma nova aos nossos desejos, isto é, a estas moções interiores que animam nossa vida. Jesus nos ensina esta vida nova por suas palavras e nos ensina a pedi-la pela oração. Da retidão de nossa oração dependerá a retidão de nossa vida em Cristo (§2764).

São João Crisóstomo lembra-nos: “O Senhor nos ensina a rezar nossas orações em comum por todos os nossos irmãos. Pois não diz ‘meu Pai’ que estás nos céus, mas ‘nosso’ Pai, a fim de que nossa oração seja, com um só coração e uma só alma, por todo

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o Corpo da Igreja” (Hom. in Mt 19,4). É a oração da comunidade cristã, rezada em todas as missas e celebrações litúrgicas. Nesta fé inabalável em Deus Pai, brota em nós a esperança que anima cada um dos sete pedidos que exprimem os gemidos do tempo presente, este tempo de paciência e de espera durante o qual “ainda não se manifestou o que nós seremos” (1Jo 3,2).

A Oração dominical é a oração da Igreja por excelência. É parte integrante das grandes Horas do Ofício Divino e dos sacramentos da iniciação cristã. Por tudo isso, e muito mais, precisamos meditar profundamente o Pai-Nosso e deixar Deus Pai falar em nosso coração como falava com Jesus. Nas páginas que se seguem você poderá aprofundar o sentido de cada um dos sete pedidos que Jesus apresenta e tirar daí grande proveito espiritual.

Que Jesus conceda a todos que o lerem a graça de se enriquecerem em sua vida espiritual.

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MEDITANDO O PAI-NOSSO

A oração dominical (Pai-Nosso) é a mais perfeita das orações. Nela não só pedimos tudo quanto podemos desejar corretamente, mas ainda segundo a ordem em quem convém desejá-lo. De modo que esta oração, não só nos ensina a pedir, mas ordena também todos os nossos afetos.

(Santo Tomás de Aquino)

O Catecismo diz:

A oração dominical é a mais perfeita das orações, […] nela, não só pedimos tudo quanto podemos desejar corretamente, mas ainda segundo a ordem, em que convém desejá-lo. De modo que esta oração não só nos ensina a pedir, mas ordena também todos os nossos afetos (§2363).

No Pai-Nosso Jesus revela que conhece as nossas necessidades e as revela a nós. É uma oração da comunidade, pois não dizemos “Meu Pai”, mas “Pai-Nosso”.

É Jesus quem nos dá a ousadia de chamar Deus de Pai, porque só Ele, “depois de ter realizado a purificação dos pecados (Hb 1,3), pode nos introduzir diante da face do Pai: Eis-me aqui com os filhos que Deus me deu” (Hb 2,13). Chamar a Deus de Pai é a oração do Espírito Santo em nós. “Não recebestes um espírito de escravidão para viverdes ainda no temor, mas recebestes o espírito de adoção pelo qual clamamos: Abba! Pai! O Espírito mesmo dá testemunho ao nosso espírito de que somos filhos de Deus” (Rm 8,15-16). Isto nos leva a ter diante do Pai uma simplicidade sem rodeios, uma confiança filial, uma segurança jovial e uma audácia humilde, porque tem certeza de ser amado (cf. CIC §2778).

Quem é o Pai? Jesus disse que “ninguém conhece o Pai senão o Filho e a quem o Filho quiser revelar” (Mt 11,27), especialmente aos pequeninos (Mt 11,25).

Orar ao Pai é entrar no Seu mistério, como ele é, como Jesus o revelou. A glória de Deus é que nós O reconheçamos como Pai. Demos-Lhe graças por nos ter revelado isso e ter-nos concedido crer Nele e por sermos habitados por Ele (1Cor 3,16). Ele nos fez renascer para a Sua vida, adotando-nos como filhos em Jesus Cristo – “filhos no Filho” – pelo Batismo. Assim nos incorporou no Corpo do Seu Filho, e pela Unção do Espírito Santo fez de nós cristãos. Por isso podemos chamar Deus de Pai. Pode haver alegria e honra maiores? Isto exige de nós uma atitude de filhos, e não de escravos ou mercenários.

São Cipriano de Cartago (210-258), no seu Tratado sobre a Oração do Senhor, diz: O homem novo, renascido e, por graça, restituído a seu Deus, diz, em primeiro lugar, Pai!, porque já começou a ser filho. “Veio para o que era seu e os seus não o receberam. A todos aqueles que o receberam, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, aqueles que creem em seu nome” (Jo 1,12). Quem, portanto, crê em seu nome e se fez filho de Deus, deve começar por aqui, isto é, por dar graças e por confessar-se filho de Deus ao declarar ser Deus o seu Pai nos céus.

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Brilhantemente, São Tomás de Aquino sintetiza a essência da oração que o Senhor nos ensinou, e que veremos com mais profundidade nas próximas páginas deste livro.

Segundo o “doutor angélico”, o Pai-Nosso contém todas as coisas que devemos desejar e todas as coisas das quais devemos fugir. Entre as coisas desejáveis, o que mais se deseja é o que mais se ama, isto é, a Deus, e por isso primeiramente pedimos a glória de Deus, quando dizemos: “SANTIFICADO SEJA O TEU NOME”. E de Deus são esperadas três coisas – que alcancemos a vida eterna: “VENHA A NÓS O TEU REINO”; que se cumpra a vontade de Deus e Sua justiça: “SEJA FEITA TUA VONTADE ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU”; e que tenhamos as coisas necessárias para a vida: “O PÃO NOSSO DE CADA DIA NOS DAI HOJE”.

As coisas que devem ser evitadas e das quais devemos fugir são as contrárias ao bem. Assim, o Pai-Nosso nos ensina a evitar o que é contrário à glória de Deus, e a esta nenhum mal é contrário; à vida eterna, e a ela se opõe o pecado, porque ela se perde por causa do pecado, e por isso para renunciá-lo dizemos: “PERDOAI NOSSAS OFENSAS, ASSIM COMO NÓS PERDOAMOS A QUEM NOS TEM OFENDIDO”; à justiça e às boas obras, pois a estas se opõem as tentações, pois as tentações nos impedem de fazer o bem, e para apartá-las pedimos: “E NÃO NOS DEIXEIS CAIR EM TENTAÇÃO”; e por último, às coisas que nos são necessárias, e a isto se opõem as adversidades e as tribulações, e para apartá-las pedimos: “MAS LIVRAI-NOS DO MAL. AMÉM”.

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AS EXIGÊNCIAS DO PAI-NOSSO

Oremos, portanto caríssimos irmãos, como Deus, o nosso Mestre, nos ensinou! É uma oração familiar e íntima quando oramos a Deus com aquilo que é Seu, quando fazemos elevar aos Seus ouvidos a oração de Cristo. Possa o Pai reconhecer as palavras do Seu Filho quando dissermos a oração!... Reconheçamos que estamos diante do Seu olhar!

(São Cipriano de Cartago)

Sabemos que esta é a “Oração perfeita”, pois saiu do coração de Jesus quando um dos discípulos pediu-Lhe que os ensinasse a rezar (Lc 11,1). São sete pedidos perfeitos ao Pai. Saudamos a Deus como Pai – uma ousadia de amor – e Lhe fazemos três pedidos para a Sua Glória e realização de Sua Santa vontade, e mais quatro pedidos para nossas necessidades.

O Pai-Nosso é o resumo de todo o Evangelho, como disse Santo Agostinho: “Percorrei todas as orações que se encontram nas Escrituras, e eu não creio que possais encontrar nelas algo que não esteja incluído na Oração do Senhor.”

No Sermão da Montanha e no Pai-Nosso, a Igreja ensina que o Espírito Santo dá forma nova aos nossos desejos, o que anima a nossa vida. De um lado Jesus nos ensina uma “vida nova”, por palavras, e por outro lado nos ensina a pedi-la ao Pai na oração, para podermos vivê-la.

É a oração dos filhos de Deus, que deve ser rezada com o coração, na intimidade com o Pai, para que se torne em nós “espírito e vida”. Isto é possível porque o Pai enviou aos nossos corações o Espírito do Seu Filho que clama em nós: “Abba, Pai” (Gl 4,6), e nos fez Seus filhos adotivos em Jesus Cristo.

De pecadores que somos, mas perdoados em Cristo, podemos levantar os olhos para o Pai e dizer “Pai-Nosso”.

Crer que Deus é nosso Pai tem consequências enormes para toda a nossa vida e exige de nós algumas atitudes:

1. Conhecer a majestade e a grandeza de Deus. “Deus é grande demais para que o possamos conhecer” (Jó 36,26). Santa Joana D´Arc disse: “Deus deve ser o primeiro a ser servido.”

2. Viver em ação de graças. Tudo o que somos e possuímos vem Dele. “Que é que possuis que não tenhas recebido?” (1Cor 4,7). “Como retribuirei ao Senhor todo o bem que Ele me fez?” (Sl 116,12).

3. Confiar em Deus em qualquer circunstância, mesmo na adversidade. “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça e tudo o mais vos será dado por acréscimo” (Mt 6,33).

4. Conversão contínua e vida nova. Desejo e vontade de assemelhar-se a Ele, pois fomos criados à Sua semelhança.

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5. Se comportar como filho e não como mercenário que age por interesse ou escravo que obedece por temor.

6. Contemplar sem cessar a beleza do Pai e deixá-la impregnar a alma.

7. Cultivar um coração de criança, humilde e confiante no Pai, pois é aos pequeninos que Ele se revela.

8. Conversar com Deus como seu próprio Pai, familiarmente, com ternura e piedade. 9. Ter a esperança de alcançar o que Lhe pede na oração. Como Ele pode nos recusar alguma coisa se nos aceitou adotar como filhos?

10. Conhecer a unidade e a verdadeira dignidade de todos os homens, todos criados à imagem e semelhança de Deus (Gn 1,27).

11. Desapegar-se das coisas que nos desviam Dele. “Meu Senhor e meu Deus, tirai de mim tudo o que me afasta de vós. Meu Senhor e meu Deus, dai-me tudo que me aproxima de vós. Meu Senhor e meu Deus, desprendei-me de mim mesmo para doar-me inteiramente a vós” (São Nicolau de Flue).

O Pai nos ama tanto que não nos quer perder de forma alguma para os falsos deuses que querem Lhe roubar a glória e o nosso coração. Por isso o Pai nos corrige com “correção paterna” (cf. Hb 12,4s). Nem sempre entendemos os Seus mistérios, mas Ele sabe do que precisamos e conduz a nossa vida com amor.

Santa Catarina de Sena, doutora da Igreja, disse: “Tudo procede do amor, tudo está ordenado à salvação do homem. Deus não faz nada que não seja para esta finalidade.”

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PAI-NOSSO: DEUS É NOSSO PAI!

Na oração do Senhor, dizemos todos em conjunto: “Pai-Nosso”. Diz o mesmo o imperador, o pedinte, o escravo, o senhor. São todos irmãos, pois têm o mesmo Pai.

(Santo Agostinho)

Jesus revelou-nos algo maravilhoso: Deus é nosso Pai! Não é patrão e juiz. Deus é o Seu Pai e o Pai dos cristãos, dos irmãos que o Pai Nele adotou pelo Batismo. São Paulo usa a expressão “Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 15,6; 2Cor 1,3;11,31; Ef 1,13; Cl 1,3). Jesus diz “Meu Pai e vosso Pai” (Jo 20,17; Mt 7,21; Mt 5,16).

Jesus é muito claro nos Evangelhos ao mostrar a Sua filiação a Deus Pai (Lc 2,49; Mc 13,32). Ele declara-se “o enviado do Pai” (Jo 3,17.34;5,23.36.37;6,44,57); afirma que sua pregação são palavras do Pai (Jo 3,34;12,49-50;14,10) e dá testemunhos também do Pai (Jo 5,19.36;9,4).

As orações de Jesus começam com “Pai”, para louvar (Mt 11,25-26), na invocação durante a agonia no Getsêmani (Mt 26,39.42), na súplica na Cruz (Lc 23,34.36).

Jesus se dirige a Deus com a expressão carinhosa “Abba” (“Papai, meu Pai”) (Mc 14,16). É uma linguagem usada pelas crianças na família. Ao chamar Deus de “Abba”, Jesus demonstrou o relacionamento íntimo entre Ele e Deus, a familiaridade, a fidelidade, o respeito, a disposição que Ele possui de servir o Pai e fazer Sua vontade. Os judeus antigos nunca ousaram chamar a Deus de Pai, “Abbá”.

Deus nos criou à imagem de Seu Filho e quer que sejamos semelhantes a Ele; tanto que Ele tornou-se o primogênito de todos os irmãos e irmãs (Rm 8,29) e colocou em nossos corações o Espírito de Seu Filho que clama: “Abbá, Pai” (Gl 4,6).

Deus nos escolheu para sermos Seus filhos adotivos através de Jesus Cristo (Ef 1,6). O Espírito Santo testemunha ao nosso espírito que somos filhos de Deus, e nós que temos as primícias do Espírito, gememos interiormente, “esperando a adoção como filhos, a redenção do nosso corpo” (Rm 8,16.23).

É pela fé e pelo Batismo que nós nos tornamos filhos de Deus. “Vós todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus” (Gl 3,26). “Mas a todos que o receberam deu o poder de se tornarem filhos de Deus: aos que creem em seu nome” (Jo 1,12). Assim, nos tornamos irmãos de Cristo, através de quem podemos dirigir-se a Deus como Pai “nosso”. Os catecúmenos, na antiguidade, não rezavam o Pai-Nosso antes de serem batizados.

Jesus, o primogênito entre muitos irmãos (Rm 8,29), chamou Seus Apóstolos de irmãos (cf. Mt 28,10; Jo 20,17). Quando fazemos comunhão com o Pai, fazemos também com Jesus e com o Espírito Santo, porque Deus é indivisível e consubstancial, uma só natureza.

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expressão “Pai-Nosso” revela que a Igreja é a nova comunhão com Deus, unida ao Filho único, primogênito entre muitos irmãos (cf. Rm 8,29). Infelizmente há muitas divisões entre os cristãos, mas Deus quer unir a todos debaixo de “um só rebanho e um só Pastor” (Jo 10,16). Se o Pai é único, a família tem que ser uma só e unida.

Rezar o Pai-Nosso exige que cada pessoa saia do individualismo; não podemos excluir ninguém. Precisamos nos sentir unidos a toda a Igreja no mundo todo, pois somos todos irmãos. É toda a realidade do Corpo Místico de Cristo. “Vós sois o corpo de Cristo, e cada um de sua parte é um dos seus membros” (1Cor 12,27).

Quanto mais os homens se afastam de Deus Pai, de Cristo e da Igreja, mais se tornam individualistas e egoístas, e mais se dividem, fazem guerras, e não se ajudam mutuamente. Há fome no mundo e muitas outras carências, porque falta a consciência de que temos um mesmo Pai e somos todos irmãos. Sabemos que hoje sobra alimento no mundo, o desperdício é enorme, e, no entanto, muitos passam fome. A fome humana é gerada pela fome de Deus.

Somente quando toda a humanidade rezar, de coração aberto e consciente, o Pai-Nosso, poderá haver paz no mundo, comida para todos, alimento, casa, educação e fraternidade verdadeira. Por isso Jesus insistiu tanto em nos ensinar a chamar Deus de Pai-Nosso.

O encontro com Deus, nosso Pai, o Senhor do céu e da terra, e o nosso nada, desperta a consciência de que Deus nos chamou a partir do nada e de que estamos diante Dele, desfrutando do banquete da vida, não por força de nossas obras ou de nossas virtudes, mas de Seu puro amor por nós.

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PAI... “QUE ESTAIS NO CÉU”

Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da Terra!

(Cl 3,2)

O céu não é um lugar, um espaço, mas uma maneira de ser, de existir divino; é a comunhão com Deus, a majestade infinita.

Deus está em toda parte, é onipresente, Ele está para além de tudo. E, sobretudo, está na Eucaristia, está em nós quando estamos na graça santificante. Os santos falam do “céu de nossa alma”, onde adoram Deus sem cessar. “Sois o templo do Espírito Santo” (1Cor 3,16), disse São Paulo. Onde Deus está, aí está o céu.

Santa Teresa dizia: “Onde está o Rei está toda a corte.” Em sua oração a beata Elisabete da Trindade rezava:

Apaziguai-me a alma, fazei dela o Vosso céu, Vossa morada preferida, o lugar do Vosso repouso: que aí jamais Vos deixe só... Encontrei o meu Céu na terra, pois o Céu é Deus e Deus está na minha alma. No dia em que O compreendi, tudo se tornou luminoso para mim e eu gostaria de confiar este segredo, bem baixinho, àqueles que amo.

Em nossa alma Ele é como disse Isaías, “um Deus escondido” (Is 45,15), mas real, vivo, presente. Santa Ângela de Foligno disse: “O abismo da imensidade de Deus se entretém com o abismo do nada da criatura, e Deus abraça este nada.”

Jesus falou várias vezes do “Pai que está no céu” (Mt 5,16.45) e do “Pai celeste” (Mt 5,48). Para os evangelistas o céu é o trono de Deus (Mt 5,34), de onde Sua voz é ouvida (Mc 1,11). O Espírito Santo desce do céu (Mc 1,10; At 1,12). Jesus é do céu, veio do céu (Jo 6,38), e é do céu que um dia Ele descerá novamente (1Ts 4,16). Os anjos sempre vêm do céu (Lc 2,13-15). A recompensa do cristão está no céu, o lar (2Cor 5,1), a bênção (Ef 1,3), a recompensa (Mt 5,12), a esperança (Cl 1,5) e herança (1Pd 1,4). Céu é uma realidade divina, é onde Deus está (Mt 3,2;16,1s).

Dizer que o Pai está no céu significa dizer que a Casa do Pai é a nossa morada, nossa Pátria. Jesus veio do céu, para nos levar para lá, por meio de Sua Cruz, Morte, Ressurreição e Ascensão. Com Ele o povo de Deus já está assentado no céu. São Paulo fala que “estamos escondidos com Cristo em Deus” e que “gememos pelo desejo ardente de revestir por cima de nossa morada terrestre a nossa habitação celeste” (2Cor 5,2).

É Jesus quem nos introduz no céu. Diante da sarça ardente, foi dito a Moisés: “Não te aproximes daqui; tira as sandálias” (Ex 3,5). Só Jesus podia transpor o limiar da Santidade divina. E Ele o fez por Sua Paixão, e “depois de ter realizado a purificação dos pecados” (Hb 1,3), nos introduz diante da Face do Pai: “Eis-me aqui com os filhos que Deus me deu” (Hb 2,13). Só Jesus pode, com Seu Sangue, rasgar o véu do Templo e nos introduzir no céu.

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Fomos criados para o Céu. Ele é o fim último e a realização das aspirações mais

profundas do homem, o estado de felicidade suprema e definitiva em Deus. São Paulo falava do Céu com grande alegria: “Nós somos cidadãos do Céu! É de lá que também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo. Ele transformará nosso corpo miserável, para que seja conforme o seu corpo glorioso, em virtude do poder que tem de submeter a Si toda a criatura” (Fl 3,20-21).

No Céu seremos homens e mulheres como Deus quis desde a origem, “sua imagem e semelhança” (Gn 1,26); já que fomos “predestinados a ser conforme à imagem do seu Filho”. Seremos a “glória de Deus”, uma vez que Ele nos criou para “sermos a celebração de sua glória” (Ef 1,5.9-11).

A Igreja chama de Céu, a vida de comunhão perfeita com a Santíssima Trindade, com a Virgem Maria, os anjos e todos os bem-aventurados (cf. CIC, §1024). O Céu é a comunidade bem-aventurada de todos os que estão perfeitamente incorporados a Cristo (cf. CIC, §1026).

Jesus disse que a vida eterna consiste em “conhecer a Deus” e que vai preparar-nos um lugar no céu: “Ora, a vida eterna consiste em que conheçam a Ti, um só Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo que enviaste” (Jo 17,3). Esse “conhecer” implica em comunhão profunda.

“Depois de ir e vos preparar um lugar, voltarei e tomar-vos-ei comigo, para que, onde eu estou, também vós estejais” (Jo 14,3).

São Paulo disse: “O que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou (Is 64,4) são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam” (1Cor 2,9).

“O Reino dos céus é comparado a um rei que celebrava as bodas do seu filho” (Mt 26,2). “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearemos, eu com ele e ele comigo. Escreve: Felizes os convidados para a ceia das núpcias do Cordeiro. Disse-me ainda: Estas são palavras autênticas de Deus” (Ap 3,20;19,9).

A Igreja chama de “visão beatífica” a contemplação de Deus no Céu pelo homem, quando Ele mesmo se revela ao homem e o capacita para contemplar a sua glória celeste. São Cipriano de Cartago (†258) dizia:

Qual não será tua glória e tua felicidade: ser admitido a ver a Deus, ter a honra de participar das alegrias da salvação e da luz eterna na companhia de Cristo, o Senhor teu Deus, [...] desfrutar no Reino dos Céus, na companhia dos justos e dos amigos de Deus, as alegrias da imortalidade adquirida (Epístola 58,10).

A felicidade do Céu consiste em possuirmos a Deus e sermos possuídos por Ele numa união tão absoluta e completa que jamais poderemos imaginar aqui nesta vida. E esta felicidade será eterna, isto é, um instante “que não passa”, um agora sem fim; não

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acabará nunca. Estaremos de posse do Amor.

Eis a tenda de Deus com os homens. Ele habitará com eles; eles serão o seu povo, e ele, Deus-com-eles, será o seu Deus. Ele enxugará toda a lágrima dos seus olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem clamor, e nem dor haverá mais. Sim! As coisas antigas se foram! (Ap 21,3-4).

O que se faz no Céu? O Catecismo ensina: “Na glória do Céu, os bem-aventurados continuam a cumprir com alegria a vontade de Deus em relação aos outros homens e à criação inteira. Já reinam com Cristo; com Ele ‘reinarão pelos séculos dos séculos’” (Ap 22,5; §1029).

Elisabete da Trindade dizia:

No céu cada alma é um “louvor de glória” ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, pois cada alma está fixada no amor puro, não vivendo mais da sua própria vida, mas da vida de Deus... No Céu da glória os bem-aventurados não descansam de dia nem de noite, dizendo: “Santo, Santo, Santo, o Senhor Todo-poderoso... e, prostrando-se adoram Aquele que vive pelos séculos dos séculos” (Ap 4,8.10). No Céu da alma o louvor de glória começa, desde já, a função que tem na eternidade.

Os santos ansiavam pelo Céu e diziam como Santa Teresinha: “Tenho sede do Céu, dessa mansão bem-aventurada, onde se amará Deus sem restrições. Sinto que vou entrar no repouso... mas sinto principalmente que minha missão vai começar, minha missão de fazer amar o Bom Deus como O amo. Vou passar meu Céu na terra...”

O livro do Apocalipse nos dá algumas imagens do Céu:

Não vi nela, porém, templo algum, porque o Senhor é o seu templo, assim como o Cordeiro. A cidade não necessita de sol nem de lua para iluminar, porque a glória de Deus a ilumina, e a sua luz é o Cordeiro. As nações andarão à sua luz, e os reis da terra levar-lhe-ão a sua opulência. As suas portas não fecharão diariamente, pois não haverá noite... Nela não entrará nada de profano nem ninguém que pratique abominações e mentiras, mas unicamente aqueles cujos nomes estão inscritos no livro da vida do Cordeiro (Ap 21,22-27).

Não haverá aí nada execrável, mas nela estará o trono de Deus e do Cordeiro. Seus servos lhes prestarão um culto. Verão a sua face e o seu nome estará nas suas frontes. Já não haverá noite, nem se precisará da luz de lâmpada ou do sol, porque o Senhor Deus a iluminará, e hão de reinar pelos séculos dos séculos (Ap 22,1-5).

Santo Agostinho dizia que no Céu “serás insaciavelmente saciado com a verdade”. No Céu todos estarão plenamente saciados por Deus, cada um em sua dimensão, segundo a intensidade com que amou a Deus e aos irmãos nesta vida. Os santos dizem que na eternidade há níveis diferentes de glória, embora todos estejam saciados.

Acima de tudo, o Céu é a intimidade com Deus; aquela que Adão e Eva tinham no Paraíso e que perderam. “Ao vencedor farei sentar sobre o meu trono e eu e meu Pai sentaremos em seu trono” (Ap 3,21). É possível intimidade maior? “Ao que vencer darei do maná escondido e dar-lhe-ei uma pedrinha branca. Nela está escrito o nome novo que

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ninguém conhece senão aquele que a recebe” (Ap 2,17).

Falando do Céu disse Santo Agostinho: “Ali descansaremos e veremos. Veremos e amaremos. Amaremos e louvaremos. Eis a essência do fim sem fim. Pois que fim mais nosso que chegar ao reino que não terá fim?” (A Cidade de Deus, 30,5).

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SANTIFICADO SEJA O VOSSO NOME

O nome do Deus único deve tornar-se cada vez mais aquilo que é: um nome de paz e um mandamento de paz.

(São João Paulo II)

Depois de nos colocarmos na presença de Deus, nosso Pai, que está no céu, para adorá-lo, amá-lo e bendizê-lo, Jesus nos ensinou a fazer sete pedidos, sete bênçãos. Os três primeiros, para buscar a Glória do Pai; os quatro seguintes, por causa de nossa miséria suplicarmos a Sua Graça. “Um abismo grita a outro abismo” (Sl 42,8), diz o salmista. O abismo da nossa miséria clama pela majestade do Pai.

O primeiro pedido nos leva em direção a Ele: Vosso Nome, Vosso Reino, Vossa Vontade! É próprio do amor pensar primeiro naquele que amamos. Em cada um destes três pedidos não falamos de nós mesmos, mas do que se apodera de nós, que é o desejo da Glória do Pai: “Seja santificado o Vosso Nome!”.

O Catecismo explica que o termo “santificar” deve ser entendido no sentido de “reconhecer como santo, tratar de maneira santa”. Na adoração, esta invocação é às vezes compreendida como um louvor e uma ação de graças... Pedir-Lhe que Seu Nome seja santificado nos envolve na Sua decisão que “nos escolheu para sermos santos e irrepreensíveis diante de seus olhos” (Ef 1,4).

No Sermão da Montanha Jesus deixou claro que devemos fazer brilhar a nossa luz diante dos homens, com boas obras, e “glorifiquem o vosso Pai que está no céu” (Mt 5,16).

A Santidade de Deus é o Seu mais profundo mistério. A Escritura chama de Glória, a irradiação de sua Majestade manifestada na criação e na história. Ao criar o homem “à sua imagem e semelhança” (Gn 1,26), Deus o coroa de glória; mas, pecando, o homem ficou privado da Glória de Deus. Sendo assim, Deus vai manifestar Sua Santidade a fim de restaurar o homem “segundo a imagem de seu Criador” (Cl 3,10). O Pai deseja que cada filho seja “conforme a imagem do Seu Filho” (Rm 8,29), que é Santo.

A partir da Aliança que Deus fez com Seu povo no Sinai, este povo é “Seu” e deve ser uma “nação santa” (ou consagrada, em hebraico) porque o Nome de Deus “habita nele”. O nome de Deus o representa e santifica Seu povo.

O povo de Deus profanou o Seu nome entre as nações, se entregando ao culto dos deuses dos pagãos, que todos os profetas denunciaram. A preocupação dos que voltaram do exílio da Babilônia (530 a.C.) era exatamente resgatar a paixão do Nome de Deus.

Jesus nos revela o Pai e santifica plenamente o Seu Nome. No Batismo fomos

“lavados, santificados, justificados em Nome do Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito de nosso Deus” (1Cor 6,11). Durante toda nossa vida, Deus nosso Pai “nos chama à santidade” (1Ts 4,7). O que glorifica a Deus Pai é o fato de Seu nome ser santificado em

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nós e por nós, mediante uma vida santa. São Cipriano de Cartago, (†258) pergunta:

Quem poderia santificar a Deus, já que é Ele mesmo quem santifica? Mas, inspirando-nos nesta palavra: “Sede santos porque eu sou Santo” (Lv 11,44), nós pedimos que, santificados pelo Batismo, perseveremos naquilo que começamos a ser. Pedimo-lo todos os dias, porque cometemos faltas todos os dias e devemos purificar-nos de nossos pecados por uma santificação retomada sem cessar... Recorremos, portanto, à oração para que esta santidade permaneça em nós.

Para que o Nome de Deus seja santificado entre as nações, isso depende de nossa vida e de nossa oração, como mostraram os Profetas e os Apóstolos. São Paulo disse: “Tu, que dizes que não se deve adulterar, adulteras! Tu, que abominas os ídolos, pilhas os seus templos! Tu, que te glorias da lei, desonras a Deus pela transgressão da lei! O Nome de Deus está sendo blasfemado por vossa causa entre os pagãos” (Rm 2,22-24; Is 52,5).

O profeta Ezequiel mostrou bem como o Nome de Deus era profanado pelos pecados do povo idólatra e como seria santificado pela sua conversão. Deus santificará Seu Nome, definitiva e completamente, quando Ele purificar os israelitas de seus pecados, dando-lhes um novo coração e um novo espírito, para que possam observar os Seus estatutos (Ez 36,22-28).

Entre todos os povos aonde foram, aviltaram o Meu santo nome, porque se dizia deles: eis o povo do Senhor, eles deixaram a sua terra. Eu, pois, quis salvar a honra do Meu santo Nome, que os israelitas profanaram entre as nações, às quais tinham ido. Por isso, declara à casa de Israel o que segue: eis o que diz o Senhor Javé: não é por vós que faço isto, ó israelitas, mas por honra do Meu santo nome que profanastes entre pagãos, aonde tínheis ido. Quero manifestar a santidade do Meu augusto Nome que aviltastes, profanando-o entre as nações pagãs, a fim de que conheçam que eu sou o Senhor – oráculo do Senhor Javé –, quando sob seus olhares eu houver manifestado a Minha santidade por meu proceder em relação a vós. Eu vos retirarei do meio das nações, eu vos reunirei de todos os lugares, e vos conduzirei ao vosso solo. Derramarei sobre vós águas puras, que vos purificarão de todas as vossas imundícies e de todas as vossas abominações. Dar-vos-ei um coração novo e em vós porei um espírito novo; tirar-vos-ei do peito o coração de pedra e dar-vos-ei um coração de carne. Dentro de vós meterei Meu espírito, fazendo com que obedeçais às minhas leis e sigais e observeis os Meus preceitos. Habitareis a terra de que fiz presente a vossos pais; sereis Meu povo, e serei vosso Deus (Ez 36,20-28).

Pedimos a Deus que santifique Seu Nome, porque é pela santidade que Ele salva e santifica toda a criação. Trata-se do Nome que dá a salvação ao mundo perdido, mas pedimos que o Nome de Deus seja santificado em nós por nossa vida. Pois, se vivermos bem, o Nome divino é bendito; mas, se vivermos mal, ele é blasfemado.

Rezamos, portanto, para merecer ter em nossas almas tanta santidade quanto é santo o Nome de nosso Deus. Quando dizemos “santificado seja o vosso Nome”, pedimos que Ele seja santificado em nós que estamos Nele, mas também nos outros, que a graça de

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Deus ainda aguarda, a fim de conformar-nos ao preceito, que nos obriga a rezar por todos, mesmo por nossos inimigos. E por isso não dizemos expressamente: vosso Nome seja santificado “em nós”, porque pedimos que ele O seja em todos os homens.

De acordo com a Bíblia, o Nome de Deus podia ser santificado ou profanado pelo homem ou por Deus. A humanidade santifica o Nome pela observância de Seus mandamentos. Ela profana Seu Nome quando transgride-os: “Guardareis os Meus mandamentos e os praticareis. Eu sou Iahweh. Não profanareis o meu Santo Nome, a fim de que Eu seja Santificado no meio dos filhos de Israel” (Lv 22,31-32).

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VENHA A NÓS O VOSSO REINO

O Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e gozo no Espírito Santo.

(Rm 14,17)

Cristo veio a nós para implantar o Reino de Deus e extinguir o reino do maligno que reinava soberano. “Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo; fazei penitência e crede no Evangelho” (Mc 1,15). “Jesus andava pelas cidades e aldeias anunciando a Boa-nova do Reino de Deus” (Lc 8,1).

Jesus mandou que antes de tudo buscássemos o Reino: “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo” (Mt 6,33).

O Reino está no meio de nós e virá plenamente na glória quando Cristo o restituir a Seu Pai. A Igreja é na terra “o germe e o começo do Reino de Deus” (LG, 5). Sem a Igreja não há Reino de Deus.

Jesus entregou o Reino de Deus ao cuidado da Igreja; disse aos Apóstolos:

Disponho para vós o Reino, como meu Pai o dispôs para mim, a fim de que comais e bebais à minha mesa em meu Reino, e vos senteis em tronos para julgar as doze tribos de Israel. Não temas pequeno rebanho, porque foi do agrado do Pai dar-vos o Reino (Lc 22,29-30;12,32).

A Pedro, Jesus confiou as “chaves do Reino”, uma autoridade específica: “Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: o que ligares na terra será ligado nos Céus, e o que desligares na terra será desligado nos Céus” (Mt 16,19). O poder das chaves designa a autoridade para governar a casa de Deus, que é a Igreja. Jesus, “o Bom Pastor” (Jo 10,11), confirmou este encargo depois de Sua Ressurreição: “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21,15-17). O poder de ligar e desligar significa a autoridade para absolver os pecados, pronunciar juízos doutrinais e tomar decisões disciplinares na Igreja. Jesus confiou esta autoridade à Igreja pelo ministério dos apóstolos (cf. Mt 18,18).

São Cipriano de Cartago (210-258), Padre da Igreja, dizia:

O Reino de Deus pode até significar o Cristo em pessoa, a quem invocamos com nossas súplicas todos os dias e cuja vinda queremos apressar por nossa espera. Assim como Ele é nossa Ressurreição, pois Nele nós ressuscitamos, assim também pode ser o Reino de Deus, pois Nele nós reinaremos.

Este pedido é o Maranatha, o grito do Espírito e da Esposa: “Vem, Senhor Jesus”. Tertuliano de Cartago (†220) disse:

Mesmo que esta oração [Pai Nosso] não nos tivesse imposto um dever de pedir a vinda deste Reino, nós mesmos, por nossa iniciativa, teríamos soltado este grito, apressando-nos a ir abraçar nossas esperanças. As almas dos mártires, sob o altar, invocam o Senhor com grandes gritos: “Até quando, Senhor, tardarás a pedir contas de nosso sangue aos habitantes da terra?” (Ap 6,10). Eles devem, com

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efeito, obter justiça no fim dos tempos. “Senhor, apressa portanto a vinda de teu reinado (Or. 5).

O Catecismo explica:

Na Oração do Senhor, trata-se principalmente da vinda final do Reinado de Deus mediante o retorno de Cristo. Mas este desejo não desvia a Igreja de sua missão neste mundo, antes a empenha ainda mais nesta missão. Pois a partir de Pentecostes a vinda do Reino é obra do Espírito do Senhor “para santificar todas as coisas, levando à plenitude a sua obra (Oração Eucarística, IV; §2818).

São Paulo explica que o “Reino de Deus é justiça, paz e alegria no Espírito Santo” (Rm 14,17). Os últimos tempos, que estamos vivendo, são os tempos da efusão do Espírito Santo. Trava-se, por conseguinte, um combate decisivo entre a carne e o

Espírito, que o Apóstolo explica aos gálatas:

Digo, pois: deixai-vos conduzir pelo Espírito, e não satisfareis os apetites da carne. Porque os desejos da carne se opõem aos do Espírito, e estes aos da carne; pois são contrários uns aos outros. É por isso que não fazeis o que quereríeis. Se, porém, vos deixais guiar pelo Espírito, não estais sob a lei. Ora, as obras da carne são estas: fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, superstição, inimizades, brigas, ciúmes, ódio, ambição, discórdias, partidos, invejas, bebedeiras, orgias e outras coisas semelhantes. Dessas coisas vos previno, como já vos preveni: os que as praticarem não herdarão o Reino de Deus! Ao contrário, o fruto do Espírito é caridade, alegria, paz, paciência, afabilidade, bondade, fidelidade, brandura, temperança. Contra estas coisas não há lei. Pois os que são de Jesus Cristo crucificaram a carne, com as paixões e concupiscências. Se vivemos pelo Espírito, andemos também de acordo com o Espírito. Não sejamos ávidos da vanglória. Nada de provocações, nada de invejas entre nós (Gl 5,16-26).

São Cirilo de Jerusalém (315-386), bispo e doutor da Igreja, dizia em suas Catequeses mistagógicas:

Só um coração puro pode dizer com segurança: “Venha a nós o vosso Reino”. É preciso ter aprendido com Paulo para dizer: “Portanto, que o pecado não impere mais em vosso corpo mortal” (Rm 6,12). Quem se conserva puro em suas ações, em seus pensamentos e em suas palavras pode dizer a Deus: “Venha o vosso Reino” (5,13).

A Igreja chama a atenção para o fato de que o Reino de Deus não se confunde com o reino dos homens, o progresso da cultura e da sociedade em que estão empenhados. Mas, esta distinção não é separação. A vocação do homem para a vida eterna não suprime, antes reforça seu dever de acionar as energias e os meios recebidos do Criador para servir neste mundo à justiça e à paz (cf. GS 22; EN, 31).

O papa Paulo VI, na Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, chamou a atenção para a missão da Igreja e a realidade do Reino de Deus:

Não devemos esconder que numerosos cristãos, generosos e sensíveis perante os problemas dramáticos que se apresentam (...) têm frequentemente a tentação de reduzir a sua missão às dimensões de um projeto simplesmente temporal; os seus objetivos a uma visão antropocêntrica; a salvação, de

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que ela é mensageira e sacramento, a um bem-estar material; a sua atividade, a iniciativas de ordem política ou social esquecendo todas as preocupações espirituais e religiosas. No entanto, se fosse assim, a Igreja perderia o seu significado próprio. A sua mensagem de libertação já não teria originalidade alguma e ficaria prestes a ser monopolizada e manipulada por sistemas ideológicos e por partidos políticos. Ela já não teria autoridade para anunciar a libertação, como sendo da parte de Deus. Foi por tudo isso que nós quisemos acentuar bem na mesma alocução, quando da abertura da terceira Assembleia Geral do Sínodo, “a necessidade de ser reafirmada claramente a finalidade especificamente religiosa da evangelização. Esta última perderia a sua razão de ser se se apartasse do eixo religioso que a rege: o reino de Deus, antes de toda e qualquer outra coisa, no seu sentido plenamente teológico (n. 62; EN, 32).

Jesus contou sete parábolas para explicar a realidade do Reino de Deus, que já está no meio de nós, mas que vai se construindo entre nós.

“Fazei penitência porque está próximo o Reino de Deus” (Mt 3,2). Nessas parábolas Ele revela a pequenez e a humildade de sua origem, o seu crescimento progressivo, sua dimensão universal, sua força salvadora, os bens espirituais que o Reino traz, a mistura dos bons com os maus até o juízo final, a ligação íntima entre os aspectos terrenos e celestes e a sua consumação no fim dos tempos.

Jesus explica o Reino comparando-o com a parábola do semeador (Mt 13,4-9) que semeia em todo tipo de terreno, mas apenas um quarto das sementes dão fruto.

O joio e o trigo (Mt 13,24-30) – um inimigo lança o joio no meio da evangelização (as heresias). Aqui vemos a preguiça dos trabalhadores que não guardaram o campo e permitiram a ação dos inimigos.

O grão de mostarda (Mt 13,31-32), a menor das hortaliças, mas que dá grande árvore, mostra a força da Igreja, que avança lentamente por todo o mundo.

O fermento na massa (Mt 13,33), que a mulher lança na farinha, mostra a ação da Igreja no mundo para implantar o Reino de Deus.

O tesouro escondido (Mt 13,44) revela a grande quantidade de dons do Reino, que alguém encontra quando menos espera.

A pérola preciosa que o negociante encontra (Mt 13,45-46) revela a beleza do Reino de Deus que o encanta, o desprendimento e a generosidade de quem deseja entrar neste Reino.

A rede de arrasto lançada ao mar (Mt 13,47-50) indica que haverá no final dos tempos a separação entre os bons e os maus que caminharam juntos no Reino.

O Reino não virá de maneira triunfante: “Os fariseus perguntaram um dia a Jesus quando viria o Reino de Deus. Respondeu-lhes: O Reino de Deus não virá de um modo ostensivo. Nem se dirá: Ei-lo aqui; ou: Ei-lo ali. Pois o Reino de Deus já está no meio de vós” (Lc 17,21).

Jesus enviou os Apóstolos “a pregar o Reino de Deus e a curar os enfermos” (Lc 9,2), e nos envia hoje como “discípulos e missionários” (Bento XVI). Jesus é exigente:

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“Aquele que põe a mão no arado e olha para trás, não é apto para o Reino de Deus” (Lc 9,62).

É preciso ser puro para pertencer a Seu Reino: “Se o teu olho for para ti ocasião de queda, arranca-o; melhor te é entrares com um olho de menos no Reino de Deus do que, tendo dois olhos, seres lançado à geena do fogo” ( Mc 9,47). O Reino pertence aos pequeninos: “Deixai vir a mim os pequeninos e não os impeçais, porque o Reino de Deus é daqueles que se lhes assemelham” (Mc 10,14).

São Paulo chama a atenção para isso.

Acaso não sabeis que os injustos não hão de possuir o Reino de Deus? Não vos enganeis: nem os impuros, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os devassos, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os difamadores, nem os assaltantes hão de possuir o Reino de Deus. (1Cor 6,9-10).

Os que põem sua confiança e segurança no dinheiro terão dificuldade para entrar no Reino: “Filhinhos, quão difícil é entrarem no Reino de Deus os que põem a sua confiança nas riquezas! É mais fácil passar o camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar o rico no Reino de Deus” (Mc 10,24-25).

Os milagres, as curas, exorcismos etc., que Jesus fez, mostravam a presença do Reino de Deus: “Mas, se expulso os demônios pelo dedo de Deus, certamente é chegado a vós o Reino de Deus” (Lc 11,20).

É preciso estar disposto a fazer violência a si mesmo para entrar no Reino, cortando tudo que impede a entrada nele: “Desde então é anunciado o Reino de Deus, e cada um faz violência para aí entrar” (Lc 16,16).

Os que buscarem o Reino em primeiro lugar serão recompensados: “Em verdade vos declaro: ninguém há que tenha abandonado, por amor do Reino de Deus, sua casa, sua mulher, seus irmãos, seus pais ou seus filhos, que não receba muito mais neste mundo e no mundo vindouro a vida eterna” (Lc 18,29).

Para entrar no Reino é preciso do Batismo. “Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer de novo não poderá ver o Reino de Deus” (Jo 3,5).

Para entrar no Reino é preciso encarar as tribulações da vida com fé: “Confirmavam as almas dos discípulos e exortavam-nos a perseverar na fé, dizendo que é necessário entrarmos no Reino de Deus por meio de muitas tribulações” (At 14,22).

“O Reino de Deus está próximo” (Mc 1,15). Cristo convoca-nos à conversão e à fé, como também, à vigilância. Na oração, o discípulo vigia atento à espera “Daquele que É e que vem”. Na Sua primeira vinda, veio na humildade da carne; virá na Sua segunda vinda na Glória.

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SEJA FEITA A VOSSA VONTADE ASSIM NA

TERRA COMO NO CÉU

A conformidade com a vontade divina é o tesouro do cristão e o remédio para todos os seus males.

(São Vicente de Paulo)

Qual é a vontade de Deus? São Paulo diz que “Deus quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,3-4). Ele “usa de paciência, porque não quer que ninguém se perca” (2Pd 3,9). Seu mandamento, que resume todos os outros e que nos diz toda a Sua vontade, é que “nos amemos uns aos outros, como Ele nos amou” (Jo 13,34). “Deus é amor” (1Jo 4,8).

Jesus cumpriu perfeitamente a Vontade do Pai uma vez por todas. Jesus disse ao entrar neste mundo: “Eis-me aqui, eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade” (Hb 10,7). Só Jesus pode dizer: “Faço sempre o que lhe agrada” (Jo 8,29). Na oração de Sua agonia, Ele aceita totalmente esta vontade: “Não a minha vontade, mas a tua seja feita!” (Lc 22,42). É por isso que Jesus “se entregou a si mesmo por nossos pecados, segundo a vontade de Deus” (Gl 1,4). “Graças a esta vontade é que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo” (Hb 10,10).

Nós, criaturas e pecadores, que nos tornamos em Cristo filhos adotivos, pedimos ao nosso Pai que una nossa vontade a de Seu Filho para realizar Sua Vontade, Seu plano de salvação para a vida do mundo. Não somos capazes de fazer a Vontade do Pai; mas, unidos a Jesus e com a força de Seu Espírito Santo, podemos entregar-Lhe nossa vontade e decidir-nos a escolher o que Seu Filho sempre escolheu: fazer o que agrada ao Pai.

Pela oração é que podemos “discernir qual é a vontade de Deus” e obter “a perseverança para cumpri-la”. Jesus nos ensina que entramos no Reino dos céus não por palavras, mas praticando a vontade do Pai que está nos céus. “Se alguém faz a vontade de Deus, a este Deus escuta” (cf. Mt 7,21; Jo 9,31).

Fazer a vontade de Deus, dizia Santo Afonso de Ligório (†1787), é “fazer o que Deus quer e querer o que Deus faz”. Fazer o que Deus quer é algo objetivo: obedecer às leis de Deus, aos Seus Mandamentos e viver a doutrina ensinada pela Igreja em termos de fé e de moral. Querer o que Deus faz é aceitar com resignação e fé tudo o que Deus permitir que aconteça conosco, sem revolta e murmuração. Sem dúvida, dizia o Santo, este é o caminho da santidade. “Aceita tudo o que te acontecer” (Eclo 2,4).

Mas, por que nem sempre é fácil discernir e realizar a vontade de Deus? Porque o pecado entrou no mundo e desorganizou o plano de Deus. Ele criou o melhor dos mundos possíveis. “Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31); mas os pecados estragaram a obra do Criador.

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O profeta diz que Deus não se compraz em holocaustos e sacrifícios, mas sim na obediência total à Sua vontade.

Samuel replicou-lhe: “Acaso o Senhor se compraz tanto nos holocaustos e sacrifícios como na obediência à sua voz? A obediência é melhor que o sacrifício e a submissão valem mais que a gordura dos carneiros. A rebelião é tão culpável quanto a superstição; a desobediência é como o pecado de idolatria. Pois que rejeitaste a palavra do Senhor, também ele te rejeita e te despoja da realeza!” (1Sm 15,22-23).

A obediência é a resposta livre dada a Deus; no ser e no fazer cotidiano é que mostramos a submissão ao que o Senhor deseja. Isso significa a “imolação da vontade própria” para aderir ao que Deus quer. Por isso é importante, pelo dom do discernimento, entender e fazer a vontade de Deus. Jesus é o Caminho desta conduta diária; Ele nos deixou com Sua vida e Suas palavras o exemplo de como fazer a vontade de Deus.

Somos servos daquele a quem obedecemos: “Não sabeis que, quando vos ofereceis a alguém para lhe obedecer, sois escravos daquele a quem obedeceis, quer seja do pecado para a morte, quer da obediência para a justiça?” (Rm 6,16).

O cristão precisa aprender o que significa renúncia, não se revoltar contra as provações que, na sua sabedoria, Deus sabe serem necessárias para purificar a nossa alma. O Evangelho é uma escola de mortificação, ensina a “tomar a cruz a cada dia” e seguir Jesus.

Em seguida, dirigiu-se a todos: “Se alguém quer vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me. Porque, quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem sacrificar a sua vida por amor de mim, salvá-la-á. Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se vem a perder-se a si mesmo e se causa a sua própria ruína?” (Lc 9,23-26).

Há cristãos que só querem as consolações de Deus e as doçuras espirituais. Deus muitas vezes nos dá as Suas consolações, conforta e anima a nossa pobre alma; mas muitas vezes também permite as tribulações da vida; e é durante esse tempo que Lhe mostramos a nossa fidelidade. Precisamos buscar mais o Deus das consolações do que as consolações de Deus, senão não seremos verdadeiros filhos fiéis.

Não nos esqueçamos jamais de que o Filho amado de Deus veio a esse mundo como um menino, numa manjedoura, em uma gruta pobre, para realizar o grande projeto redentor traçado pelo Pai; e depois abraçou livremente a cruz por amor a cada um de nós.

O Sim radical de Jesus ao Pai, à Sua obra salvadora, deve ser a referência para todos os que desejam se salvar, agradar a Deus, fazendo a Sua santa vontade. Infelizmente hoje o mundo quer o contrário; deseja que Deus se acomode aos caprichos humanos. Seja feita a “minha” vontade!

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Amar a Deus e querer fazer a Sua Vontade é o caminho diário da santificação. “Seja feita a Vossa Vontade assim na terra como no Céu”, dizemos todos os dias.

Quando se faz a Vontade de Deus, nada é pequeno e desprezível nesta vida, tudo se torna sagrado: o trabalho mental ou braçal, o estudo, a oração, a luta para manter a família e educar os filhos; enfim, tudo se torna santificador. É o que fazia o beato Henrique Suzo dizer: “Prefiro ser neste mundo o verme mais miserável da terra, pela vontade de Deus, do que um Serafim no Céu pela minha própria vontade!”.

Só o amor a Deus nos fará cumprir com reta intenção, sem desânimo, e com diligência, a Sua vontade e aceitar tudo o que Ele quiser para nós. E é preciso nos convencermos de uma vez por todas, sem a mínima desconfiança, de que tudo que Ele permite que nos aconteça é para o nosso bem, principalmente para a nossa santificação. Jesus deixou isto muito claro quando disse que o Pai não nos dá pedra quando Lhe pedimos um pão, não nos dá uma cobra quando Lhe pedimos um peixe, e não nos dá um escorpião quando Lhe pedimos um ovo (cf. Lc 11,9-13).

Frei Pascoal, religioso capuchinho, guia dos peregrinos na Terra Santa, costuma dizer-lhes: “Tudo o que nos acontece nos favorece, se a gente não se aborrece e ainda agradece”. Isso não é comodismo mórbido, não! É uma ação na fé.

“Se vós pois, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará coisas boas aos que Lhe pedirem” (Mt 7,11).

Também as provações que nos atingem são “coisas boas” para a nossa santificação e é, também, por amor a Deus que devemos acolhê-las. Esta é a maior prova do nosso amor: acolher a Vontade de Deus, qualquer que ela seja.

Quando aprendermos, de fato, a aceitar, incondicionalmente, a Vontade de Deus, em todas as circunstâncias da nossa vida, então – ensinam os santos – nada poderá nos perturbar.

Somente com esta “reta intenção”, de tudo fazer só por Deus, e nada mais, é que conseguiremos vencer todos os obstáculos do apostolado e todas as dificuldades da vida.

Há um versículo que aparece pelo menos quatro vezes na Sagrada Escritura: “O justo vive pela fé” (Hab 2,4; Rm 1,17; Gl 3,11; Hb 10,36).

A palavra fé na Bíblia é também traduzida como “fidelidade” a Deus. É a atitude daquele que crê e que obedece ao Senhor. Neste sentido São Paulo fala aos romanos da “obediência da fé” (Rm 1,5).

A fé é um ato de adesão a Deus; isto é, submissão que implica obediência à Sua santa e perfeita vontade. A fraqueza da nossa natureza humana impede muitas vezes que a nossa fé seja coerente; quer dizer, às vezes os nossos atos não estão conforme as exigências da fé. Portanto, não basta crer, é preciso “obedecer”.

Depois que o povo hebreu recebeu a Lei de Deus por meio de Moisés, exclamou: “Tudo do que Iahweh falou, nós o faremos e obedeceremos” (Ex 24,7). Esta era a

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vontade do povo; no entanto, sabemos que este mesmo povo prevaricou muitas vezes prestando culto aos deuses dos pagãos. Depois que Josué, no limiar da morte, conclamou o povo a ser fiel a Deus e só a Ele prestar culto na Terra que Deus lhe dava, o povo respondeu: “A Iahweh nosso Deus serviremos e à sua voz obedeceremos” (Js 24,24).

Mas sabemos que logo após atravessar o rio Jordão e tomar posse da Terra tão esperada, este povo não demorou a render-se aos encantos dos deuses dos cananeus. Isto mostra que não é fácil, também para nós, viver a fidelidade a Deus, pois também hoje os falsos deuses nos atraem e querem ocupar o nosso coração.

Na obediência radical a Deus, o Cristo “desatou o nó da desobediência de Adão” e nos reconciliou com o Pai. Da mesma forma, ensinam os Santos Padres, pela obediência da Virgem, ela desatou o laço da desobediência de Eva que lançou a humanidade na danação.

A partir daí, a obediência a Deus passou a ser a marca principal daquele que crê. Ela é o melhor remédio para os males que o pecado original deixou em nossa natureza: orgulho, vaidade, presunção, autossuficiência, exibicionismo etc.

O profeta afirma: “A obediência é melhor do que o sacrifício” (1Sm 15,22). E Thomás de Kempis, na Imitação de Cristo, assegura: “Obedecer é muito mais seguro do que mandar.”

No pátio da Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende-RJ, onde estudei, está escrito uma frase da qual nunca me esqueci: “Cadetes, ides comandar, aprendei a obedecer!” Se a obediência é tão necessária para com os homens, quanto mais para com Deus!

A outra característica da fidelidade a Deus é o firme propósito de servir-Lhe sempre, com perseverança e reta intenção, mesmo nos momentos mais difíceis. Como agrada a Deus o filho fiel! O profeta diz: “Iahweh guarda os passos dos que lhe são fiéis” (2Sm 22,26). E o Senhor Jesus disse: “Muito bem servo bom e fiel! Sobre o pouco foste fiel, sobre o muito te colocarei. Vem alegrar-te com o teu Senhor” (Mt 25,21). Tudo o que recebemos de Deus nesta vida, é este “pouco” sobre o qual é testada a nossa fidelidade a Deus.

Ser fiel a Deus é ser obediente às Suas leis, à Sua vontade, e servir-Lhe com toda a alma. Santo Inácio de Loyola afirmava que viver bem é “amar e servir a Deus nesta vida”. Jesus disse aos Apóstolos na última Ceia: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” (Jo 14,15). Portanto, amar a Deus, mais do que um sentimento, é uma “decisão”: guardar os Seus mandamentos, cumprir a Sua vontade.

O Senhor instituiu a Igreja para que a Sua vontade fosse expressa e objetivamente conhecida, e não ficasse ao sabor do julgamento de cada um. Ele garantiu à Sua Igreja – na última Ceia – que o Espírito Santo a conduziria “a toda a verdade” (Jo 16,13), e que a voz da Igreja seria a Sua voz: “Quem vos ouve, a Mim ouve; quem vos rejeita, a Mim

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rejeita; e quem Me rejeita, rejeita aquele que me enviou”(Lc 10,16).

Então, ser fiel ao Senhor é ser fiel à Sua Igreja e a tudo aquilo que ela ensina. O papa Paulo VI disse certa vez: “Quem não ama a Igreja, não ama Jesus Cristo.” É lógico! A Igreja é o Corpo de Cristo! Quem não é fiel à Igreja, não é fiel a Jesus Cristo! Quem não serve a Igreja, não serve a Jesus Cristo... A Igreja é o Cristo prolongado na história dos homens. Quando a Igreja nos toca, é o próprio Senhor quem nos toca.

A fidelidade está ligada à perseverança e à paciência. Santo Agostinho disse: “Os que perseveram em vossas companhias sejam vossos modelos. E os que vão ficando pelas calçadas, aumentem vossa vigilância.”

O grande São João da Cruz ensinava: “A constância de ânimo, com paz e tranquilidade, não só enriquece a pessoa, como a ajuda muito a julgar melhor as adversidades, dando-lhes a solução conveniente.”

Mas, para que haja serviço a Deus, perseverante e alegre, e para que possamos amar e cumprir os seus mandamentos, é preciso uma vida de piedade, vigilância e oração, sem isso, a alma esfria. Sabemos que “mosca não assenta em prato quente”; quando a alma esfria, os demônios se aproximam dela para vencê-la pela tentação.

Não seremos julgados pela nossa capacidade intelectual e nem pela grandeza das nossas obras, mas, como disseram os santos, pela pureza do nosso amor a Deus e pela perseverança nesta vivência. Jesus garantiu que diante de todas as adversidades que virão, “quem perseverar até o fim será salvo” (Mt 24,13).

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O PÃO NOSSO DE CADA DIA NOS DAI HOJE

A total renúncia a si mesmo significa aceitar com um sorriso o que Ele dá e o que Ele tira... Dar sempre o que é pedido, quando serve o teu bom nome ou a tua saúde, significa total renúncia a si mesmo; então, serás livre.

(Beata Madre Teresa de Calcutá)

Quando dizemos a Deus: “Dai-nos o pão de cada dia”, é a bela confiança dos filhos que tudo esperam de seu Pai. Deus é bom, disse Jesus: “Ele faz nascer o seu sol igualmente sobre maus e bons e cair chuva sobre justos e injustos e dá a todos os seres vivos o alimento a seu tempo” (Mt 5,45; Sl 104,27).

Jesus nos ensina a fazermos este pedido, “o pão de cada dia”, tudo de que precisamos para viver; que glorifica efetivamente nosso Pai, porque reconhece como Ele é Bom para além de toda bondade. Pertencemos a Deus, e Ele pertence a nós, age em nosso favor. Mas esse “nós” O reconhece também como o Pai de todos os homens e nós Lhe pedimos por todos eles, em solidariedade com suas necessidades e sofrimentos.

O “pão nosso” não é apenas o pão material, mas todos os bens “úteis”, materiais e espirituais. No Sermão da Montanha, Jesus insiste nesta confiança filial que coopera com a Providência de nosso Pai. Jesus quer nos libertar de toda inquietação e de toda preocupação. É esse o abandono filial dos filhos de Deus.

Aos que procuram o Reino e a justiça de Deus, Ele promete dar tudo por acréscimo. Tudo pertence a Deus, Ele não tem falta de nada. “Quem possui Deus, nada lhe falta, se ele próprio não falta a Deus”. Meditemos profundamente nessas palavras de Jesus e Lhe peçamos a graça de acreditar nelas e vive-las na fé, a cada dia:

Portanto, eis que vos digo: não vos preocupeis por vossa vida, pelo que comereis, nem por vosso corpo, pelo que vestireis. A vida não é mais do que o alimento e o corpo não é mais que as vestes? Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam, nem recolhem nos celeiros e vosso Pai celeste as alimenta. Não valeis vós muito mais que elas? Qual de vós, por mais que se esforce, pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida? E por que vos inquietais com as vestes? Considerai como crescem os lírios do campo; não trabalham nem fiam. Entretanto, eu vos digo que o próprio Salomão no auge de sua glória não se vestiu como um deles. Se Deus veste assim a erva dos campos, que hoje cresce e amanhã será lançada ao fogo, quanto mais a vós, homens de pouca fé? Não vos aflijais, nem digais: Que comeremos? Que beberemos? Com que nos vestiremos? São os pagãos que se preocupam com tudo isso. Ora, vosso Pai celeste sabe que necessitais de tudo isso. Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo. Não vos preocupeis, pois, com o dia de amanhã: o dia de amanhã terá as suas preocupações próprias. A cada dia basta o seu cuidado (Mt 6,25-34).

A realidade dos que têm fome por falta de pão revela outra profundidade deste pedido de pão que fazemos ao Pai. O drama da fome no mundo convoca os cristãos que

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rezam para uma responsabilidade em relação aos irmãos, tanto no comportamento pessoal como em sua solidariedade com a família humana. O cristão, como “sal da terra e luz do mundo” (Mt 5,13-14), tem de lutar no mundo pela justiça social, dentro do que a Igreja nos ensina e chama de “Doutrina social da Igreja”. Não é o socialismo ateu e materialista, estatizante, que vai trazer a paz e o alimento a todos; e nem o capitalismo selvagem, que só visa o lucro. A Igreja ensina que a dignidade do homem é que deve reger o comportamento social, político, econômico etc.

A pobreza das bem-aventuranças é a virtude da partilha que convoca a comunicar e partilhar os bens materiais e espirituais, não por coação, mas por amor, para que a abundância de uns venha em socorro das necessidades dos outros.

Ao pedir o pão de cada dia, não podemos esquecer que Deus nos deu os meios para obtê-lo. A terra nos fornece tudo de que precisamos para viver; e é com o trabalho que o homem conquista o pão de cada dia, com a graça de Deus. “Reza e trabalha”, é o lema de São Bento para seus monges. Santo Inácio de Loyola ensinou a seus jesuítas: “Rezai como se tudo dependesse de Deus e trabalhai como se tudo dependesse de vós.”

Tendo realizado nosso trabalho, o alimento fica sendo um dom de nosso Pai; convém pedi-lo e disso render-Lhe graças. É esse o sentido da bênção da mesa numa família cristã. Daqui vem todo o belo sentido do trabalho no plano de Deus.

O trabalho não é um castigo para o homem, foi inserido na nossa vida por Deus para a nossa redenção. Por causa do pecado ele agora é acompanhado do “suor”, mas este sofrimento Deus o fez matéria-prima de salvação.

Infelizmente, a maioria dos homens, inclusive muitos deles católicos, têm uma visão distorcida do trabalho, e por isso fazem de tudo para se ver livres desse “fardo”. É um engano.

Para nos mostrar a importância do trabalho Jesus trabalhou até os trinta anos naquela carpintaria humilde e santa de Nazaré. E para nos mostrar que todo trabalho é santificado, Ele assumiu o trabalho mais humilde, o de carpinteiro, que era desprezado no Seu tempo.

Trabalhando, como homem, Jesus tornou sagrado o trabalho humano e fonte de santificação. Por isso, o lema de vida de Santo Afonso de Ligório era: “Nunca perder tempo”.

Deus nos colocou no mundo “para cultivá-lo e guardar” (Gn 2,15); logo, “o trabalho não é uma penalidade, mas sim a colaboração do homem e da mulher com Deus no aperfeiçoamento da criação visível” (CIC, §378).

Falando da vida oculta de Jesus, na família de Nazaré, o papa Paulo VI dizia: “Uma lição de trabalho. Nazaré, ó casa do “Filho do Carpinteiro”, é aqui que gostaríamos de compreender e celebrar a lei severa e redentora do trabalho humano” (5 de janeiro de 1964).

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O trabalho é, pois, um dever: “Quem não quer trabalhar, também não há de comer” (2Ts 3,10). O trabalho honra os dons do Criador e os talentos recebidos. Suportando a pena do trabalho unido a Jesus, o artesão de Nazaré, o homem colabora de certa maneira com o Filho de Deus na Sua obra redentora. Mostra-se discípulo de Cristo carregando a cruz cada dia, na atividade que está chamado a realizar. “O trabalho pode ser um meio de santificação e uma animação das realidades terrestres no Espírito de Cristo” (CIC, §2427).

A primeira maneira de vivermos bem o “mandamento do amor” é trabalhando bem para servir bem àqueles que se beneficiam do nosso trabalho. Jesus nos deixou como modelo a Sua vida de serviço. Disse muito claramente: “O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mt 20,28).

Toda a nossa vida é sagrada, tanto a espiritual quanto a profissional. Nada é profano em nossa vida. Os primeiros cristãos não se afastaram do mundo para viverem o Evangelho; mas continuavam a viver no meio da sociedade.

Como dizia São Josemaria Escrivá, é preciso “santificar o trabalho, santificar-se no trabalho e santificar-se pelo trabalho”. Santificar o trabalho é dar glória a Deus por meio dele. São Paulo disse aos coríntios: “Quer comais ou bebais ou façais qualquer outra coisa, façais tudo para a glória de Deus” (1Cor 10,31). Se até o simples comer e beber devem dar glória a Deus, quanto mais o trabalho!

Aos colossenses São Paulo explica mais claro ainda: “Tudo quanto fizerdes, por palavra ou por obra, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai” (Cl 3,17).

Um pouco adiante, o Apóstolo insiste novamente: “Tudo o que fizerdes, fazei-o de bom coração, como para o Senhor e não para os homens. Sabeis que recebereis como recompensa a herança das mãos do Senhor. Servi ao Senhor Jesus Cristo” (Cl 3,13).

Aqui está o ponto mais importante. Tudo o que fazemos deve ser feito “para o Senhor”. Não importa o que seja, se é grande ou pequeno, deve ser feito tendo o Senhor como o “Patrão”.

Se você é lavadeira, então lave cada camisa ou cada calça como se o próprio Jesus fosse vesti-las. Se você cozinha, faça a comida como se o Senhor fosse sentar-se à mesa daqui a pouco, para comer essa comida. Se você é professor, dê a sua aula como se Jesus fosse um aluno que quer aprender. Se você é um médico, atenda cada paciente como se o próprio Jesus fosse o doente.

O trabalho bem feito é um bom exemplo, por isso o cristão tem que realizá-lo com toda a perfeição possível, empregando todos os talentos. Um mau trabalhador é um mau cristão. Um operário displicente é um mau cristão. Um professor cristão, mas relapso, é um contratestemunho cristão...

Referências

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