• Nenhum resultado encontrado

THE BURGLAR OF BABYLON: LANGUAGE, POETRY AND POWER

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "THE BURGLAR OF BABYLON: LANGUAGE, POETRY AND POWER"

Copied!
15
0
0

Texto

(1)

Alex Santana Costa2 Jackson Chediak3

Taiane Cortez de Souza Chediak4

RESUMO

Sem o entendimento de que a língua está em constante modificação, o que ocorre é a marginalização das variações e mantém-se a ideia de que há somente uma forma correta de fazer uso da linguagem. Considerando isso, este estudo teve por objetivo analisar o poema O ladrão da Babilônia, de autoria da poeta Elizabeth Bishop, estadunidense, à luz da Sociolinguística, em especial, sobre as variações linguísticas, a fim de contribuir para desconstruir a ideia de que há somente uma forma correta de falar. Tal poema foi eleito para fins de análise por enaltecer a variante padrão da língua portuguesa como a única possível e, assim, contribuir por desvalorizar as variações da língua, processos pelos quais esta se atualiza, renova-se. A análise deu-se por revisão bibliográfica e os resultados encontrados apontam que, tanto na língua inglesa quanto na tradução do poema, feita pelo poeta e tradutor brasileiro Paulo Henriques Britto, o discurso que se faz presente no poema reforça a equivocada ideia de que há uma única forma correta de expressão, de dizer o que se pretende, como se a língua fosse imutável e dissociada das necessidades de expressão de seus falantes. Para a poeta, aquele que fala de forma não-padrão está também fora do padrão, o que, por sua vez, coloca o falante desta forma em uma condição de marginalidade, condição esta que resulta em preconceito linguístico.

Palavras-chave: Elizabeth Bishop. Sociolinguística. Variação Linguística. O ladrão da Babilônia. ABSTRACT

Without the understanding that the language is constantly changing, what happens is the marginalization of variations and the idea remains that there is only one correct way of using language. Considering this, this study aimed to analyze the poem The Burglar of Babylon, written by the North American poet Elizabeth Bishop, from the perspective of Sociolinguistics, especially on linguistic variations, in order to contribute to deconstruct the idea that there are only a correct way of speaking. This poem was chosen for analysis purposes because it praises the standard variant of the Portuguese language as the only possible one and, thus, contributes to devalue the variations of the language, processes by which it is updated, renewed itself. The analysis was carried out through a bibliographic review and the results found show that, both in the English language and in the translation of the poem, made by the Brazilian poet and translator Paulo Henriques Britto, the discourse that is present in the poem reinforces the mistaken idea that there are a single correct form of expression, to say what is intended, as if the language were immutable and dissociated from the needs of expression of its speakers. For the poet, the one who speaks in a non-standard way is also out of the standard, which, in turn, puts the speaker, in this way, in a condition of marginality, a condition that results in linguistic prejudice.

Keywords: Elizabeth Bishop. Sociolinguistics. Linguistic variation. The burglar of Babylon.

1 Poema The burglar of Babylon, de Elizabeth Bishop, traduzido para a língua portuguesa por Paulo Henriques

Britto.

2 Mestre em Letras pela Fundação Universidade Federal de Rondônia. E-mail: alexboombang78@gmail.com.

Porto Velho – RO.

3 Doutorando em Língua Portuguesa (PUC-SP) e Bolsista da CAPES. E-mail: chediakjackson@gmail.com.

Porto Velho – RO.

(2)

INTRODUÇÃO

É indissociável língua e sociedade, de tal forma que essa implicação faz com que uma interfira na outra, numa inter-relação. Isso nem sempre é compreendido em determinados contextos, porque a educação formal tem, na sua tradição do ensino de língua materna, a persistência em debruçar-se ao ensino uma norma-padrão, ou seja, uma forma “correta de se dizer”, desconsiderando outras formas de falar. Tal situação faz com que os falantes de determinada língua levem adiante essa ideia equivocada de que só há uma forma de falar corretamente, qual seja: a norma padrão. Os estudos da Sociolinguística, parte da Línguística, enfocam a Língua, a Cultura e a Sociedade, de forma que estas duas últimas não possam existir uma sem a outra (PESSOA, apud BURGEILE & ROCHA, 2009).

É sob esta perspectiva que O ladrão da Babilônia, da poeta estadunidense Elizabeth Bishop, traduzido pelo poeta e tradutor brasileiro Paulo Henriques Britto, será explorado e apresentado ao leitor que certamente vislumbrará a arena de conflito entre as variantes padrão e não-padrão da língua portuguesa, formando um mosaico no qual língua, fala, sociedade, falante e aspectos culturais parecem compor um retrato cubista nos paredões de pedra das favelas da cidade maravilhosa a partir da ótica de Elizabeth capturada pelo mencionado tradutor.

Se Bishop, se Britto, se invenção ou até subversão; como o foco do estudo não visa adentrar e tampouco transpor o âmbito dos estudos de tradução pós-colonial, os holofotes se voltam à saga de Micuçu5, o “ladrão” do Morro da Babilônia, representante da classe marginalizada e, portanto – como comumente vem sendo estereotipado por muitos gramáticos e até linguistas – usuário da variante não-padrão da língua portuguesa, que certamente nos proporcionará uma reflexão acerca da linguagem e poder, dentro de um contexto social idealizado por Elizabeth Bishop e recriado pelo tradutor, que juntos representam a classe privilegiada da sociedade – os que elegem a variante padrão da língua como um modelo único correto e aceitável de comunicação oral e escrita, onde o “falar errado” tem uma ligação direta com a pobreza e a marginalidade, uma visão que a sociolinguística se propõe a investigar e a desconstruir.

É importante esclarecer que a versão do poema a ser analisada neste artigo, sob uma perspectiva da sociolinguística, é a tradução realizada pelo brasileiro Paulo Henriques Britto. Portanto, não serão discutidas as possíveis interferências e/ou subversões cometidas pelo

(3)

tradutor brasileiro durante o processo de tradução do texto original em língua inglesa para nossa língua materna.

1. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A POETA E SEU TRADUTOR

Na capa do livro “Poemas do Brasil”, há uma citação interessante da editora acerca da importância e prestígio que os poemas de Bishop e a própria poeta aos poucos foram ganhando no âmbito literário:

Desde a morte de Elizabeth Bishop em 6 de outubro de 1979, sua poesia só fez crescer em importância. Hoje ela é considerada em seu país a grande poeta surgida entre Wallace Stevens e John Ashbery. A discreta miss Bishop foi pouco a pouco suplantando todos os poetas de sua geração, e isso com uma obra que se resume a uma centena de poemas. Boa parte desses poemas – aqueles em que há referências, mesmo oblíquas, ao Brasil, país em que Bishop viveu pouco menos de um terço de sua vida – acha-se cuidadosamente traduzida neste volume por um dos melhores poetas e tradutores da atualidade, Paulo Henriques Britto (Bishop, Elizabeth: 1999).

Por outro lado, na capa da obra “Uma arte: As cartas de Elizabeth Bishop”, também uma tradução de Paulo Henriques Britto, o foco está no fato de esta poeta – apesar de ter publicado pouco em vida – ser “cada vez mais reconhecida como um dos maiores nomes da poesia norte-americana deste século.” Pois mesmo “quinze anos após sua morte, com a publicação de uma parte de sua volumosa correspondência, um novo aspecto de seu gênio vem à tona: Bishop é uma mestra da arte de escrever cartas.” Acrescenta-se que:

Foi no Brasil, onde a autora viveu cerca de vinte anos – a maior parde deles com sua companheira, Lota de Macedo Soares, amiga, colaboradora de Carlos Lacerda – que foram escritas muitas destas cartas. Textos de alto valor literário e documentos autobiográficos preciosos, elas também nos revelam o Brasil dos anos 50 aos 70 visto pelo olhar arguto e implacável de uma grande escritora.

Por sua vez, Paulo Fernando Henriques Britto, o tradutor, nasceu no Rio de Janeiro no dia 12 de dezembro de 1951, onde sempre residiu, exceto nos períodos em que viveu nos Estados Unidos. Foi durante sua permanência neste país que Paulo teve acesso à língua inglesa, língua da qual e para a qual ele traduz. Atualmente, além de tradutor profissional e poeta, atua como professor nas áreas de tradução, criação literária e literatura brasileira na PUC-Rio.

(4)

2. O LADRÃO DA BABILÔNIA: CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

Em “Poemas do Brasil”, no ensaio de abertura do livro intitulado “Bishop no Brasil”, Britto, referindo-se ao mencionado poema, expõe que

Essa balada esplêndida foi inspirada por um episódio real, ocorrido em abril de 1963, quando Bishop viu, da cobertura do Leme, a polícia militar perseguindo um ladrão na favela do morro da Babilônia. A ambiguidade já começa na relação entre a voz lírica e a história sendo contada: de início temos um narrador na terceira pessoa, impessoal e distante; com o desenrolar do poema, porém, o foco narrativo vai passando para Micuçu, o ladrão, e com ele permanece até o momento de sua morte (BISHOP, 1999: p.30).

Nesta passagem, é perceptível que, conforme afirma Tânia Maria Alkmin, apud MUSSOLIM e BENTES (2001, p.49), “Linguagem e sociedade estão ligadas entre si de

modo inquestionável. Mais do que isso, podemos afirmar que essa relação é a base da constituição do ser humano.”. Dessa forma, acredita-se que a tal perseguição policial a um

suposto ladrão/bandido, em um morro, habitado por pessoas que ali vivem em condições muito precárias, tenha influenciando não apenas a composição do poema em questão, mas também a escolha, tanto pela poeta como pelo tradutor, de um aparato lexical, para eles, inerente às personagens arroladas no decorrer da narrativa, bem como no impacto que as palavras e contextos escolhidos poderiam e deveriam causar no leitor estrangeiro e brasileiro, respectivamente.

Um outro aspecto considerado relevante para esta contextualização é que, mesmo sendo indiferente aos autores brasileiros, Bishop manifestava admiração por João Cabral de Melo Neto, dizendo que “Ele é o único de quem eu realmente gosto muito” (BISHOP: 1999, p.17). Chegou, então, a traduzir trechos de “Morte e vida severina” em uma revista de poesia norte-americana, deixando um ano depois desta tradução marcas implícitas e impactantes deste estilo de balada popular em seu primoroso poema “O ladrão da Babilônia”.

Elizabeth, mesmo sem nunca ter dominado a língua portuguesa, impetrou algumas traduções que, embora em sua maioria tenham sido tentativas frustrantes, acabou ainda que inconscientemente, envolvendo-se com a nossa língua por meio da nossa literatura. E pode-se inferir que “Morte e vida severina” tenha lhe proporcionado um “olhar para a língua dentro

da realidade histórica, cultural, social em que ela se encontra, isto é, em que se encontram os seres humanos que falam e escrevem” (BAGNO, 2002, p.23).

(5)

Dentre outros aspectos relevantes, será analisado como Bishop (na versão traduzida para a língua portuguesa) exterioriza seu “retrato do favelado brasileiro” dentro dessa “realidade histórica, cultural e social” em que ambos estavam inseridos e – ao mesmo tempo – separados por um abismo sociocultural e linguístico, a fim de, como sugere Gnerre, tentar – através da linguagem usada pela mencionada poeta – verificar de qual posição “o falante

(Bishop/ou Micuçu) ocupa de fato ou acha que ocupa na sociedade em que vive” (GNERRE,

1985, p.3 – grifo nosso).

3. ANÁLISE DO POEMA: MICUÇU E BISHOP SOB UM VIÉS

SOCIOLINGUÍSTICO

As pessoas falam para serem “ouvidas”, às vezes para serem respeitadas e também para exercer uma influência no ambiente em que realizam os atos lingüísticos. O poder da palavra é o poder de mobilizar a autoridade acumulada pelo falante e concentrá-la num ato lingüístico (BOURDIEU, apud GNERRE, 1986, p.3).

No início de “O ladrão da Babilônia”, mais precisamente nas suas cinco primeiras estrofes, Bishop tenta contextualizar o ambiente e as personagens da sua narrativa policial, conduzindo o leitor a adentrar em um âmbito inóspito, insalubre e perigoso, onde milhares de seres humanos vivem amontoados nas paredes de pedra das favelas do Rio de Janeiro, feito pássaros em “ninhos frágeis”, sem dignidade e segurança:

Nos morros verdes do Rio Há uma mancha a se espalhar: São os pobres que vêm pro Rio E não têm como voltar.

São milhares, são milhões, São aves de arribação, Que constroem ninhos frágeis De madeira e papelão.

Parecem tão leves que um sopro Os faria desabar.

Porém grudam feito liquens, Sempre a se multiplicar, Pois cada vez vem mais gente. Tem o morro da Macumba, Tem o morro da Galinha, E o morro da Catacumba;

(6)

O Esqueleto, o do Noronha, Tem o morro do Pasmado E o morro da Babilônia.

(BISHOP, 1999, p.123 – grifo nosso)

Esta é a imagem do mencionado morro e de seus habitantes, que de início teriam inspirado a poeta estadunidense a compor esse poema. Assim sendo, é nesse ambiente “cosmofavelita” que surge – a partir da sexta estrofe – o temível protagonista (ou antagonista?), Micuçu, a quem Bishop atribui aspectos socioculturais, linguísticos e ideológicos para ela inerentes às pessoas que residiam nas favelas, sob condições de vida tão precárias:

Micuçu era ladrão E assassino sanguinário. Tinha fugido três vezes Da pior penitenciária.

Dizem que nunca estuprava, Mas matou uns quatro ou mais. Da última vez que escapou Feriu dois policiais.

Disseram: "Ele vai atrás da tia, Que criou o sem-vergonha. Ela tem uma birosca No morro da Babilônia".

E foi mesmo lá na tia, Beber e se despedir:

"Eu tenho que me mandar, Os home tão vindo aí.

(BISHOP, 1999, p.125 – grifo nossos)

Aqui, o primeiro aspecto que deve ser analisado sob um olhar sociolinguístico é o fato de Bishop ter atribuído ao suposto ladrão da Babilônia o nome de “Micuçu”, que, como citado anteriormente, é o “nome popular de uma cobra da Região Norte, cujo veneno é mortal” (BISHOP, 1999, p.125). Essa conotação pejorativa, associada às expressões “assassino sanguinário”, “matou uns quatro ou mais” e “sem-vergonha” podem ser interpretadas como sendo uma tentativa da poeta de estereotipar o habitante da favela, como sendo traiçoeiro, perigoso, cruel e oportunista.

Em seguida, quando a poeta faz referência à tia de Micuçu, no início da oitava estrofe do poema, utiliza-se da fala de terceiros: “Disseram” (Quem disse? Os demais habitantes da

(7)

favela? Os policiais?), para lançar mão de uma palavra pertencente à variedade não-padrão da língua portuguesa, “birosca”, ao invés de “barzinho”, por exemplo. É uma forma de fazer valer sua posição de superioridade, inclusive linguística. Assim, alguém precisa assumir o papel de inferior, de favelado, cuja forma de expressão tem de ser popular, para que o leitor não o confunda com a narradora, que, como representante da classe dominante, não deve se expressar como um pobre, ladrão, assassino sanguinário, que diz, por exemplo, “Eu tenho que me mandar, / Os home tão vindo aí” (BISHOP, 1999, p.125 – grifo nosso).

Para subsidiar as lacunas inerentes a esse campo de discussão, faz-se pertinente citar Pessoa, quando afirma que:

A diferença linguística que nos caracteriza enquanto falantes de LP (brasileiros, portugueses ou africanos) não deve ser, no entanto, motivo de discriminação ou de separação, mas deve ser vista como aquilo que é: fator de identidade. Nesse contexto, as diferenças refletem a cultura do falante, a sua história, o seu percurso de vida. Não perceber as potencialidades educativas por trás dessa diversidade é desperdiçar um importante instrumento de conscientização (PESSOA, apud BURGEILE & ROCHA: 2009, p.164).

Sob esta perspectiva, a sociolinguística também tem um papel político importante no que concerne à busca por valorização das variantes linguísticas presentes em línguas e dialetos, por exemplo, propondo respeito às diferenças entre elas e levando em consideração os aspectos sociopolítico-culturais de seus falantes, eixo central de seu estudo enquanto ciência.

Portanto, a supramencionada citação de Pessoa corrobora o ponto de vista que nos propomos investigar e descolonizar, que é justamente o fato de a variante não-padrão de uma língua estar exclusivamente relacionada apenas ao fator social de seus falantes, ignorando os fatores diacrônicos, diatópicos, diastráticos e diamésicos que, segundo Ilari e Basso (2009), têm de ser levados em consideração no âmbito dos estudos linguísticos relacionados aos fenômenos da linguagem.

Ilari e Basso, explanando acerca da variação diastrática no português brasileiro, confirmam essa tese de que os níveis de linguagem oscilam de padrão a não-padrão conforme a escolaridade do indivíduo, sendo atribuída à parte menos escolarizada e mais pobre a variedade menos privilegiada, denominada também de “português subpadrão”:

A principal conclusão da seção “Variação diatópica” é que no Brasil, não encontramos verdadeiros dialetos no sentido diatópico do termo. Encontramos, em compensação, uma séria diferença entre o português falado pela parte mais escolarizada da população (que, não por acaso, é também a parte mais rica ou menos pobre) e pela parte menos escolarizada.

(8)

É o fenômeno que os linguistas chamam de variação diastrática (etimologicamente: o tipo de variação que se encontra quando se comparam diferentes estratos de uma população.) Referida às vezes como “português subpadrão” ou “português substandard” , a variedade de português falada pela população menos escolarizada foi descrita por vários estudiosos, (ILARI E BASSO, 2009, p.175).

Na estrofe seguinte, a poeta continua dando voz a Micuçu: “‘Eu peguei noventa anos. /

Nem quero viver tudo isso! / Só quero noventa minutos, / Uma cerveja e um chouriço”

(BISHOP, 1999, p.125). Nestes versos, infere-se que Bishop esteja retratando o ladrão como uma pessoa fria e irônica, que banaliza sua própria vida, talvez com a intenção de mostrar ao leitor que em uma favela as pessoas não tivessem motivos para planejar suas vidas, por conviverem tão intensamente com a pobreza, o perigo, a ameaça e a morte todos os dias.

Sendo assim, o retrato que a poeta estadunidense tenta esboçar de Micuçu tem de estar completamente em consonância com sua ideologia construída em relação ao habitante das favelas. Além disso, está relacionado com os aspectos socioculturais que o ambiente lhe proporcionou durante a condição de produção do poema, bem como em perfeita harmonia com as características inerentes a um ladrão, que – talvez devido às circunstâncias proporcionadas pela pobreza em que foi “educado” – ficou condicionado a levar uma vida de bandido.

Retomando o âmbito das discussões acerca das variedades padrão e não-padrão da língua portuguesa – mas sem manter distância da tese onde “o pobre tem de falar ‘errado’” – Bishop, de forma previsível, inclui na fala de Micuçu mais alguns “desvios da norma culta da nossa língua” e uso de expressões coloquiais: "‘Brigado por tudo, tia, / A senhora foi muito legal. / Vou tentar fugir dos home, / Mas sei que eu vou me dar mal" (BISHOP, 1999, p.127, grifo nosso). Um aspecto interessante a ser levado em consideração é que, até este trecho do poema, não há registros de desvios da norma culta na fala da poeta. Dessa forma, resta ao leitor sempre a visão de que a narradora do poema está narrando-o de uma posição hegemonicamente superior (do alto de um edifício, não apenas de pedra, mas linguístico); ao passo que Micuçu fala sempre de uma posição inferior, ainda que esteja no alto do morro.

Como é possível observar, em “O ladrão da Babilônia”, a favela também é vista e retratada sob uma perspectiva marginal e retrógrada. Bishop, inclusive, cita em trechos deste poema uma negra, visto que, talvez para a poeta norte-americana e muitas pessoas ao redor do mundo, favela combina com mulata, que combina com pobreza, e, por que não?, com nudez, sensualidade e prostituição. “Encontrou uma mulata / Logo na primeira esquina. / ‘Se tu contar que me viu / Tu vai morrer, viu, minha fia?" (BISHOP, 1999, p.127, grifo nosso).

(9)

Além disso, as expressões em destaque nesta passagem do poema demonstram mais uma tentativa da poeta de marcar a fala não-padrão de Micuçu. No entanto, é importante ressaltar que é comum muitos falantes da variante padrão da língua portuguesa utilizarem esse tipo de expressão, inclusive em situações formais que exigiriam o uso da variedade padrão.

Questiona-se então: por que só a fala dos menos favorecidos tem de ser considerada “errada”? A resposta é eminente! É porque a linguagem tem de fato relação com o poder. Por isso e por outras questões, “Uma variedade lingüística ‘vale’ o que ‘valem’ na sociedade os

seus falantes, isto é, vale como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações econômicas e sociais” (GNERRE, 1985, p.4).

Portanto, Bishop fez exatamente isso com destreza e coerência; criou uma personagem, cuja forma de se expressar deveria refletir o meio em que vivia, por ela descrito de forma superficial e, ainda sim, exclusivamente negativa, atribuindo a Micuçu e ao Morro da Babilônia linguagem e características inerentes a um indivíduo e local respectivamente degradantes:

Ouvia berro de cabra, Ouvia choro de bebê, Via pipa rabeando,

E pensava: "Eu vou morrer".

Urubu voou bem baixo, Micuçú gritou: "Péra aí", Acenando com o braço, "Que eu ainda não morri!"

(Bishop, 1999, p.127 – grifo nosso)

No início deste trecho do poema, é Micuçu quem “ouvia, via e pensava”. O interessante é que ele ouvia “berro de cabra” e “choro de bebê” ao mesmo tempo. Subtende-se, então, que, no morro, as cabras conviviam com as pessoas como se fossem animais domésticos; sendo este mais um aspecto negativo que Bishop fez questão de atribuir ao local. Em seguida, é a vez de Micuçu incorporar mais uma expressão não-padrão para seu léxico: “Péra aí”, quando se vê espreitado por um urubu.

Simultaneamente, nos versos subsequentes, a poeta estadunidense cria um cenário policial extravagante, com helicóptero do exército e soldados subindo o morro, talvez com o intuito de explicitar que o ladrão da Babilônia é altamente perigoso e que sua prisão ou morte é uma questão de segurança pública:

(10)

Bem atrás do urubu.

Lá dentro ele viu dois homens Que não viram Micuçú.

Logo depois começou Uma barulheira medonha. Eram os soldados subindo O morro da Babilônia

(Bishop, 1999, p.129 – grifo nosso)

Voltando-se para a plateia que observava aquela megaoperação policial, Bishop incorpora em sua fala, pela primeira vez no poema, uma palavra de uso popular e, portanto, não-padrão: “biroscas”. No entanto, não se pode afirmar que se trata de um lapso; ou seja, acredita-se que tal palavra tenha sido utilizada para depreciar um suposto “barzinho”, onde os fregueses, em sua maioria, favelados, bebem pinga e xingam: “Das janelas dos barracos, / As

crianças espiavam. / Nas biroscas, os fregueses Bebiam pinga e xingavam” (BISHOP, 1999,

p.129 – grifo nosso). É importante destacar que a poeta norte-americana faz questão de dizer que as crianças também eram espectadoras daquela cena, e, portanto, tinham de conviver com o perigo iminente.

Após narrar a morte acidental do comandante daquela operação policial, Bishop exterioriza um sentimento de vingança por parte dos policiais e chama Micuçu de “infeliz”: “Queriam parar a busca, / Mas o Exército não quis. / E os soldados continuaram / À procura

do infeliz” (Bishop, 1999, p.131 – grifo nosso).

A poeta também faz referência a outro tipo de audiência àquele cenário de perseguição policial: os ricos que observavam o desfecho daquele enredo do alto dos seus apartamentos. Supõe-se que ela também faça parte dessa platéia privilegiada, portando seu binóculo em seu camarote, com visão privilegiada, entretendo-se com a atuação daqueles atores da vida real: “Os ricos, nos apartamentos, / Sem a menor cerimônia, / Apontavam seus binóculos / Pro morro da Babilônia [...] Os ricos, com seus binóculos, / Voltaram às janelas abertas. / Uns subiam à cobertura / Para assistir mais de perto” (Bishop, 1999, p.131;135 – grifo nosso).

O que diria de fato Micuçu se a ele fosse concedida a chance de se expressar com sua própria voz? Que visão ele descreveria dos ricos a perscrutar sua tentativa de fuga e a almejar sua morte? Que aparato lexical se utilizaria para descrever cada um daqueles senhores e senhoras que pareciam se divertir com a sua desgraça? Talvez Micuçu dissesse: _O que estão olhando, bando de ladrões de colarinho branco? Se eu tivesse dinheiro como vocês, eu não estaria fugindo assim, mas em um jatinho particular.”.

(11)

No entanto, o ladrão da Babilônia não teve voz, fora simplesmente emudecido e dublado pela poeta estadunidense, que atribuiu a ele comportamento e léxico que imaginou serem inerentes a um pobre favelado, bandido e brasileiro.

Micuçu continua sua fuga, mas não consegue fugir da deturpação de Bishop: “Micuçu

ouvia o soldado / Ofegando, esbaforido. / Tentou se embrenhar no mato. / Levou uma bala

no ouvido. / Ouviu um bebê chorando / E sua vista escureceu. / Um vira-lata latiu. / Então Micuçu morreu” (Bishop, 1999, p.135 – grifo nosso). Nestes versos, Bishop descreve a tão esperada morte de Micuçu, com direito a vira-lata dando-lhe a extrema unção ou compara-o a um vira-lata, sendo que suas últimas palavras, tão sem importância, são descritas como um latido qualquer.

Após a morte do ladrão da Babilônia, Bishop direciona seu olhar implacável à tia de Micuçu, atribuindo a sua fala traços da variedade não-padrão da língua portuguesa, com o intuito de estereotipar sua voz de pobre e habitante da favela: "Eu criei ele direito, / Com

carinho, com amô. / Mas não sei, desde pequeno / Micuçu nunca prestô. / "Eu e a irmã dava dinheiro, / Nunca faltou nada, não. / Por que foi que esse menino / Cismou de virar ladrão?”

(Bishop, 1999, p.137 – grifo nosso).

É importante levar em consideração que os desvios da norma padrão da nossa língua materna, destacados nesses versos, são comuns no discurso de muitos falantes da variedade não-padrão. No entanto, acredita-se que a poeta norte-americana tenha utilizado os referidos termos como forma de marginalizar a habitante do morro da Babilônia, visto que para ela (e muitos outros escritores colonizadores) pobre tem de expressar-se como tal.

Em seguida, Elizabeth Bishop exterioriza suas concepções acerca de Micuçu e se utiliza da fala de um dos fregueses da “birosca” pertencente à tia do ladrão da Babilônia, para fazer valer sua posição social e linguística hegemônicas e, sobretudo, seu complexo de superioridade: “Mas já fora da birosca / Comentou um dos fregueses: / "Ele era um ladrão de merda. / Foi pego mais de seis vezes" (Bishop, 1999, p. 139 – grifo nosso). Em contrapartida a esse discurso preconceituoso, em “Língua e Liberdade”, Celso Pedro Luft expõe que:

Todas as variedades da língua são valores positivos. Não será negando-as,

perseguindo-as, humilhando quem as usa, que se fará um trabalho produtivo no ensino. Nem se mudarão em nada esses usos de níveis culturalmente inferiores, como alguns equivocadamente pensam. Cada falante fala como sabe e consegue falar, não como ele ou outros desejariam que falasse (LUFT, 2002, p.69).

(12)

É importante que essa temática seja abordada com maturidade e propriedade, uma vez que não envolve apenas aspectos de cunho linguístico sob um olhar meramente sincrônico, mas falantes de uma língua em comum, cujos fatores históricos, culturais e ideológicos precisam ser levados em consideração, visto que, como afirma Luft, “os diversos dialetos não

são mais do que faces da mesma língua” (LUFT, 2002, p.69).

Chegando ao final do poema, Bishop repete sua primeira e quinta estrofes, talvez para resgatar ao leitor as origens de Micuçu e sugerir que naquele lugar sempre haverá um substituto à altura do ladrão da Babilônia. No entanto, é importante salientar que a maioria das pessoas que povoam aquele morro possa ser aquela que já vem fugindo da fome, da miséria, do descaso e da marginalidade; são seres humanos desesperados que veem na cidade grande uma oportunidade de ascender enquanto cidadãos. No entanto, em decorrência do preconceito, inclusive linguístico, não lhes são concedidas oportunidades básicas para alcançar seus ideais e ali, nos “morros verdes do Rio”, penduram suas casas, sua esperança e emudecem ou tem emudecidas e/ou subvertidas as suas vozes:

Nos morros verdes do Rio Há uma mancha a se espalhar: São os pobres que vêm pro Rio E não têm como voltar.

Tem o morro do Querosene, O Esqueleto, o do Noronha, Tem o morro do Pasmado E o morro da Babilônia.

(13)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sob uma ótica sociolinguística, “O ladrão da Babilônia” pode ser utilizado como um exemplo de que o fato de a linguagem ter relação direta com o poder depende exclusivamente da perspectiva que cada indivíduo, leitor e/ou crítico encara e lida com as diversas variedades existentes em uma língua; ou seja, sem desprestigiar uma variedade em detrimento de uma outra classificada como melhor ou “correta” por estar relacionada a um fragmento da sociedade ocupante de uma posição socialmente e politicamente hegemônica.

Para subsidiar este ponto de vista, é pertinente citar o fato de Elizabeth Bishop ter atribuído a Micuçu (o ladrão da Babilônia) não só características deturpadoras, como as de assassino e sanguinário, por exemplo, mas também por ter selecionado a sua fala um aparato lexical exclusivamente inerente à variedade não-padrão da língua portuguesa; criando, assim, como sugere Gnerre, uma espécie de “arame farpado” separando-o do “mundo evoluído” da referida poeta: “A começar do nível mais elementar de relações com o poder, a linguagem

constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder” (GNERRE,

1985, p.16). Além de corroborar a tese de que ainda continua recaindo excepcionalmente sobre os “pobres” o título de representante da variante não-padrão da nossa língua.

Um outro aspecto interessante a ser analisado no poema em tela é a forma como Bishop utilizou a linguagem para representar a si e às outras personagens, retratadas por ela como inferiores. A poeta estadunidense trouxe à tona as variedades subpadrão da língua portuguesa, como assim denominam Ilari & Basso, para fins estéticos, uma vez que foram utilizadas, ainda que inconscientemente, apenas “para caracterizar determinados tipos

humanos (Micuçu e demais favelados do morro)” (ILARI & BASSO, 2009, p.177 – grifo

nosso). Sendo que tais variedades, segundo estes autores, “têm poucas chances de serem

encontradas na forma escrita da língua, por isso, se quisermos encontrar exemplos escritos de português subpadrão, teremos de procurá-los ou em entrevistas feitas pelos linguistas, precisamente com a finalidade de registrar sua existência” (p.177).

Como as variadas deturpações cometidas por Bishop em “O ladrão da Babilônia” adentraram inevitavelmente o âmbito do multiculturalismo e devido ao fato de a sociolinguística tem correlação com a teoria pós-colonial, acreditamos ser valiosa e pertinente a contribuição de pressupostos teóricos de alguns autores do pós-colonialismo para expor que tal prática exercida pela mencionada poeta precisa ser encarada sob um víes crítico e não com ingenuidade; pois, como diz Yogi Berra, “Você é capaz de observar muito apenas prestando

(14)

O problema é que muitos leitores e/ou críticos não têm atribuído a devida relevância a esse tipo de prática preconceituosa que vem ocorrendo há muito tempo no âmbito dos estudos da linguagem e práticas de ensino de línguas. O que se pode observar é que ainda há o ensino de uma variedade de “língua elitizada”, não restando espaço para discussões e tampouco aprendizagem acerca da existência e uso natural de suas variantes por falantes de vários níveis sociais e não apenas das classes mais pobres.

Considerando que Bishop era uma observadora atenta da cena que ocorria no morro da Babilônia, que a inspirou a compor o poema em análise, não se pode afirmar que sua atitude estava desprovida de interesse, pois, como foi exposto no decorrer deste estudo, ela demonstrou intenção de marginalizar Micuçu e sua comunidade, inclusive a linguística, para fazer valer, ainda que inconscientemente, sua posição superior de cidadã estadunidense e representante da classe privilegiada da sociedade na qual estava inserida.

Um outro ponto que precisa ser mencionado é a tradução realizada por Britto, que proporcionou todo esse debate sociolinguístico. No entanto, surge uma outra problemática: a quem deve recair os aspectos negativos levantados nos versos do poema concernentes à série de preconceitos e deturpações direcionadas a falantes e variedades linguísticas? Salienta-se que este não é um campo que a sociolinguística sozinha conseguiria investigar e desconstruir. Entretanto, é possível se chegar à conclusão de que até mesmo na poesia – vista por muitos como apenas uma obra de arte e, portanto, desprovida de engajamento político – a linguagem pode ser utilizada como forma de poder, com o intuito de oprimir, marginalizar e negar a determinados indivíduos o acesso a outros níveis da sociedade e, consequentemente, à obtenção de respeito enquanto cidadãos.

(15)

REFERÊNCIAS

BAGNO, Marcos, STUBBS, Michael & GAGNÉ, Gilles. Língua materna: letramento,

variação e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2002, 1 ed.

BAKHTIN, Mikhail (V. N. Volochinov). Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 7 ed., 1995.

BISHOP, Elizabeth. Poemas do Brasil; seleção, introdução e tradução de Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia da Letras, 1999.

________________. Uma Arte: as cartas de Elizabeth Bishop; seleção e organização (edição americana) Robert Giroux: seleção (a partir da edição americana) Carlos Eduardo Lins da Silva e João Moreira Salles: tradução Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

BURGEILE, Odete & ROCHA, Júlio César Barreto (Orgs.). Estudos em Linguística

Aplicada: multiculturalismo e ensino-aprendizagem de línguas. São Carlos: Pedro e João

Editores / Porto Velho: EDUFRO, 2009.

GNERRE, Maurizzio. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1985, 1 ed. ILARI, Rodolfo & BASSO, Renato. O português da gente: a língua que estudamos a

língua que falamos. São Paulo: Contexto, 2009, 2 ed.

LUFT, Celso Pedro. Língua e liberdade: Por uma nova concepção da língua materna. São Paulo: Ática, 2002, 8 ed.

MUSSOLIM, Fernanda & BENTES, Anna Christina (Orgs.). Introdução à linguística:

domínios e fronteiras. São Paulo. 2001, vol. 1.

PRATT, Mary Louise. Imperial Eyes: Travel Writing and Transculturation. New York and London: Edition published in the Taylor & Francis e-Library, 2003.

Referências

Documentos relacionados

A rubrica “Aplicações para garantia de depósitos” enquadra os ativos fi nanceiros que servem de garantia dos depósitos constituídos nas CCAM participantes no FGCAM, de acordo com

O processo de transformação bacteriana utilizada na Biologia Molecular ocorre in vitro, e pode ser afetado pelo tamanho e conformação da molécula de DNA a ser introduzida na

Com base na determinação legal, verifica-se que a remoção a pedido de servidor para acompanhamento de cônjuge ou companheiro, independentemente da existência de vaga,

Solução. João vai à praia se, e somente se, Marcelo joga basquete.. Negação de “Ou… Ou…” é “se, e

Planejamento, execução, acompanhamento, avaliação e controle das atividades relacionadas à psicologia aplicada à área clínica de atuação nas unidades de saúde

O Ministério do Trabalho aprova o quadro das atividades e operações insalubres e adota normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância

As abraçadeiras tipo TUCHO SIMPLES INOX , foram desenvolvidas para aplicações que necessitam alto torque de aperto e condições severas de temperatura, permitin- do assim,

Receitas decorrentes da prestação de serviços regulares de transporte coletivo municipal rodoviário, metroviário e ferroviário de passageiros, inclusive as decorrentes da