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Versão cinematográfica de O Pagador de Promessas e a Palma de Ouro

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Versão cinematográfica de O Pagador de Promessas e a Palma de Ouro

Neste texto nos dedicamos à análise da adaptação da peça O Pagador de Promessas de Dias Gomes escrita, em 1959, para versão fílmica, em 1962, dirigida por Anselmo Duarte. Coloca-se em perspectiva a repercussão de O Pagador após o prêmio recebido em Cannes, a Palma de Ouro. Uma importante premiação para o cinema nacional. Assim com um elucidativo material documental de periódicos narramos como reverberou a película aqui e em outros países. Concluímos refletindo sobre a censura durante o regime civil-militar em relação aos produtos culturais, com destaque para os filmes e consequentemente aos seus cineastas, entrecruzando o contexto histórico, social e político da década de 1960. A interpretação do Brasil que Dias Gomes realiza em sua obra teatral desdobrou-se e foi perseguida pelos censores tanto no teatro como no cinema.

Palavras- chave: Filme, Palma de ouro, censura.

A peça O Pagador de Promessas que dois anos depois de sua estreia teve sua versão fílmica sendo lançada, narra a história de Zé-do-Burro, personagem que sai do sertão da Bahia para pagar uma promessa na Capital, feita para seu amigo Nicolau, o burro, na Igreja de Santa Bárbara. O animal foi atingindo por um galho de árvore, durante um dia de tempestade. Segundo a Mãe de Santo, era para Iansã que Zé tinha que cumprir a obrigação.

Quando Zé contou ao padre Olavo que fez a promessa à imagem de Iansã, em um terreiro de Candomblé, justificando seu ato por conta da falta de uma imagem da Santa na capela do povoado, o padre não permitiu que a personagem realizasse seu desejo. Intolerante, disse-lhe que a promessa foi feita para o diabo e não para a Santa Bárbara. Não aceitou também o fato de Zé-do-Burro ter procurado um rezador afamado em sua região, Preto Zeferino, que, por vezes, já tinha lhe curado uma dor de cabeça.

O longa metragem tem 98 minutos de duração e imagens em preto e branco, foi o único filme brasileiro a receber a Palma de Ouro no festival de Cannes (1962) e o primeiro filme brasileiro indicado ao Oscar (1963, EUA), também ganhou nos Estados Unidos, em 1962, no San Francisco International Filme Festival, prêmio Golden Gate nas categorias: melhor filme, melhor trilha sonora (Gabriel Migliori). Alguns críticos como o cineasta Glauber Rocha acreditam que Anselmo Duarte fez a produção do filme com o intuito de ganhar o festival de Cannes, pois conseguiu reproduzir muito bem a história da religiosidade popular brasileira.1

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[...] Quando apresentado pela primeira vez, em 1962, o filme entusiasmou a plateia presente. Após receber o prêmio do Festival de Cannes, O Pagador de Promessas levou o Brasil a várias manchetes de cinema. Essa produção, entre tantas outras, como O cangaceiro, Vidas Secas, Deus e o Diabo na Terra do Sol e Central do Brasil, compõe o mapa da cinematografia sertaneja. O cinema sertanejo brasileiro, principalmente durante o período do Cinema Novo, instiga várias investigações acerca do diálogo entre a literatura e o cinema, por ser um tema recorrente em tais artes no Brasil.2

Entre 1958-1962 surgiu o Ciclo Baiano de Cinema, e com ele vamos ter a representação dos sujeitos nordestinos/sertanejos pelo olhar de diretores e escritores baianos, como é o caso de Dias Gomes, que escreveu O Pagador de Promessa, e ao adaptá-la, tem essa versão dirigida pelo então paulista Anselmo Duarte, que se tornou um “grande sucesso” nas telas. Além da cinematografia estrangeira que recorrentemente fez uso de clichês e estereótipo ao representar o Brasil, especificamente o Nordeste, os sulistas se destacam como pioneiros na produção fílmica do país.

Durval Muniz de Albuquerque Jr., ao discutir sobre o olhar do cinema para o Nordeste, fez uma análise do filme O Pagador de Promessas. O autor foca na dicotomia entre cultura rural e urbana. “Toda a luta de Zé do burro é para ser reconhecido e aceito pela ordem, ser acolhido e integrado numa ordem reformadora com a sua presença.”3

Segundo Albuquerque Jr., o estereótipo nordestino/sertanejo, demonstrado no cinema, só começa a mudar com o surgimento do Cinema Novo. Ressalta que o atraso nacional não está apenas na região Nordeste: “Esse novo cinema irá constatar que o subdesenvolvimento estava, também, nas cidades sulistas, não apenas no campo e no Nordeste [...]”4

Em janeiro de 1961, o Jornal do Brasil já noticiava a versão cinematográfica da da peça O Pagador de Promessas.

A adaptação para o cinema já foi feita pelo próprio autor, que entregará a Anselmo Duarte para que seja então preparado o roteiro técnico. O Pagador de Promessas foi o maior sucesso teatral do ano passado, em São Paulo, tendo conseguido nada menos que seis prêmios da crítica paulista: espetáculo e direção (Flávio Rangel) autor, atriz (Natália Timberg), ator (Leonardo Vilar) e revelação e cenógrafo.5

Dias Gomes contou em sua autobiografia que tinha com Flávio Rangel um compromisso, “[...] se O Pagador viesse a ser filmado, ele seria o diretor. Desde a estreia

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da peça, Flávio alimentava esse sonho e procurava um produtor para o filme.”6 No entanto, o próprio Flávio Rangel cede a direção da versão fílmica para Anselmo Duarte. Em um dos espetáculos da peça no TBC, Flávio Rangel convidou Anselmo Duarte e Oswaldo Massaini para assistirem, e os dois ficaram interessados na adaptação.

Em certo dia, o diretor da peça Flávio Rangel levou Anselmo Duarte à casa de Dias Gomes e lhe disse: “Dias, eu queria muito fazer esse filme, mas não consigo produtor. Anselmo tem um produtor, Oswaldo Massaini, e eu abro mão da exclusividade que você me deu.”7 Gomes alega que hesitou, duvidava que Anselmo Duarte fosse o melhor diretor para O Pagador de Promessas, consultou seus amigos do Cinema Novo, Leon Hirshman e Alex Vianny que segundo ele, acharam uma temeridade. Anselmo Duarte mesmo percebendo a resistência do dramaturgo insistiu na ideia e certa vez lhe falou: “Se você me der essa peça, eu vou com ela ganhar a Palma de Ouro, juro por Deus.”8

Gomes narrou que não acreditou que ele ganharia o Palma, mas a determinação dele lhe deu a certeza de que Anselmo Duarte faria o melhor. Mesmo assim, o dramaturgo fez algumas exigências:

[...] no contrato que assinei com Oswaldo Massaini, fiz constar uma cláusula: uma vez o roteiro definitivo aprovado, o diretor seria obrigado a segui-lo cena por cena; queria assegurar inteira fidelidade à minha história. Desse contrato constava também a obrigação de fazer a adaptação cinematográfica, onde procurei também me resguardar, mantendo quase literalmente o desenvolvimento e os diálogos da peça, e nisso amarrando a direção, reconheço – dessa acusação, que é feita a Anselmo, eu tenho culpa. Nos créditos do filme aparece somente o nome dele como autor do roteiro; isso é falso, entreguei-lhe a adaptação já em seu terceiro tratamento, isto é, a história dividida em cenas, com a ação das personagens e os diálogos definitivos, cabendo-lhe acrescentar, no tratamento final, a definição dos planos e a movimentação de câmera.9

Notamos como o dramaturgo faz questão em seu discurso de dizer que elaborou boa parte do roteiro do filme, mesmo não tendo seu nome nos créditos da película. Dias Gomes mencionou na autobiografia que viajaram juntos para Salvador a fim de escolherem os locais de filmagem. Anselmo Duarte via a história da peça de forma maniqueísta, uma luta entre o bem e o mal “[...] entre heróis e bandidos, em que o herói era o candomblé, e o bandido, a igreja católica. Custei a convencê-lo de que o sentido do argumento era muito mais complexo. Mas ele, finalmente, me deu razão.”10

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Logo os periódicos nacionais começaram a dar destaque ao filme. O Diário de Notícias (BA), de 1962 destacou: “O Pagador vai a Cannes”. A matéria expunha que o cinema nacional acabara de receber um êxito com um filme filmado na Bahia. Tratara-se de O Pagador de Promessas, de Dias Gomes e dirigido por Anselmo Duarte. O filme foi “[...] exibido numa sessão privada para um grupo de críticos e diplomatas do Itamarati, incumbidos de selecionar o representante brasileiro ao Festival de Cannes, deixou todos empolgados pela sua elevada categoria.”11 Saíram fascinados com o filme, segundo o periódico.

O Diário de Notícia (RJ) já havia noticiado no dia 03 de abril que na noite da sessão especial antes de ir para Cannes: “Pela primeira vez, no Brasil, assiste a um acontecimento que é tão comum em vários países: o povo bater palmas de pé quando uma cena se destaca ou quando um trecho de filme o impressiona.” A matéria ainda trouxe um apelo ao Itamarati e ao nosso Ministério de Relações Exteriores para dar-lhe ajuda e publicidade naquele momento a fim de que o filme trouxesse o prêmio que merecia.

No dia 25 de maio de 1962, o Estado da Bahia traz uma manchete com o título: “Vencemos!”. Segundo a matéria, a vitória do filme significava mais que mero prêmio cinematográfico de âmbito nacional. Significava mais que a consagração de Anselmo Duarte:

A “Palma de Ouro” conquistada com o talento de uma equipe brasileira e a verdade de um tema nosso vem nos dizer de perto que o cinema brasileiro encontrou o seu caminho exato como arte de um povo jovem e necessitado de maior comunicação humana, como o início da concretização de uma famosa profecia que nos colocava no futuro como o país realizador do maior e melhor cinema do mundo.12

Para o jornal com Cannes o mundo abre as suas portas para “[...] deixar que as nossas vozes sejam ouvidas.”13 Enfim, segundo o periódico: “venceremos pela verdade.” Em junho de 1962 o A Tarde lançou a matéria: “Os brasileiros pararam o trânsito em Cannes” entrevista Jean Lucien Descave. Membro da delegação designada pelo Itamarati para representar nosso país no XV Festival Cinematográfico de Cannes, ele contou ao jornal:

— Fui eu quem deu a notícia à delegação brasileira de que a Palma de Ouro havia sido concedida ao Pagador de Promessas. O júri estava reunido desde às 10 horas da manhã e somente às 14 horas foi afinal conhecido o veredicto. Saí correndo para o hotel, onde estavam reunidos todos os brasileiros que receberam, atônitos, os meus gritos: Palma de Ouro I. No primeiro momento, ninguém queria acreditar na grande

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notícia. Quando afinal compreenderam o significado da grande vitória, houve uma reação comovida de todos, tendo Norma Beneguel sido acometida de uma crise.14

Jean Descave, francês, casou-se com uma baiana, já tendo, inclusive, produzido filmes na Bahia. Ele residia em São Paulo. Foi o primeiro membro da delegação a regressar ao país, e narrou as emoções dos membros ao receber a notícia do prêmio.

Logo depois da premiação, O Pagador continuou ocupando as páginas dos periódicos nacionais. Dias Gomes declarou ao Diário de Notícias (BA) que se encontrava feliz e orgulhoso pelo prêmio alcançado, segundo a reportagem, “[...] menos por ser autor da peça do que por ser brasileiro.”15 Notamos que a declaração do dramaturgo tende ao nacionalismo, almejando, segundo a nossa leitura, que os brasileiros também sentissem orgulho do filme.

Afirmou que tal prêmio “[...] não pertence particularmente a ninguém, mas as artes do Brasil que demonstram sua maturidade e as suas possibilidades artísticas.”16 E elogiou mais uma vez o trabalho de direção do Anselmo Duarte e dos artistas que participaram da película. Finalizou a entrevista dizendo: “[...] o filme estreará no Brasil dentro de 30 dias e que já foi vendido comercialmente na França, Suíça, Alemanha e em andamento em outros contratos internacionais.”17

O Jornal da Bahia entrevistou a atriz Glória Menezes, principal intérprete daquela película, que acabava de regressar da Europa. Disse na entrevista:

O filme já foi negociado em diversos países europeus, entre os quais a Itália, França, e Alemanha, por 80 mil dólares – disse ainda – A sua estreia mundial já está marcada para o próximo dia 17, em Paris, e outros países demonstram interesse em adquirir o filme, como por exemplo, os Estados Unidos, por quantia superior a 80 mil dólares.18

Ainda nessa matéria, o jornal expôs a vontade do presidente John Kennedy em ver o filme: “[...] comunicou à Embaixada do Brasil nos Estados Unidos seu interesse em assistir em sessão cinematográfica especial, na sala de projeções da Casa Branca, ao filme brasileiro O

Pagador de Promessas, recente laureado em Cannes.”19Essa notícia, certamente, deixou as

pessoas que ainda não tinham assistido o filme mais curiosas, principalmente os críticos cinematográficos de outras partes do mundo.

No dia 21 de julho, a revista Manchete trouxe a reportagem de Durval Ferreira em suas páginas com o título: “A volta do campeão de Cannes” e a nota: “Anselmo Duarte recebeu em

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Santos a maior homenagem até hoje tributada a um artista brasileiro”. As imagens feitas pelos fotógrafos: Geraldo Móri, Jorge Butsuem e Perilo Silva, transmitiu a comoção e emoção dos presentes naquele momento. A narrativa de Durval Ferreira expôs:

Durante a travessia do Atlântico os passageiros do “Augustus” não deram especial atenção àquele rapaz alto, moreno, que costumava passar pelo convés com máquinas fotográficas a tiracolo. Ouviram dizer que se tratava de um cineasta brasileiro, mas isso, efetivamente, ainda é pouco para chamar a atenção de um europeu. Quando o navio atracou no Rio, viram-no cercado, no salão principal, por dezenas de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas. No dia seguinte, ao aproxima-se o transatlântico do porto de Santos, os passageiros ficaram intrigados percebendo, em terra, compacta multidão. Haveria algum político ilustre e incógnito a bordo? Seria Pelé? Ao longe, milhares de pessoas empunhavam faixas e cartazes. Qual não foi a surpresa geral, quando viram o moço alto e moreno sair do navio carregado nos braços do povo que gritava (em estilo de comício) seu nome: “Anselmo! Anselmo!” Anselmo Duarte, o grande vitorioso do Festival de Cinema de Cannes com o filme O Pagador de

Promessas, recebia, naquele instante, a maior homenagem até hoje tributada a

qualquer artista brasileiro.20

Imagem 7: Revista Manchete, Rio de Janeiro, 21 jul. 1962, p. 84, Nº 535.

Notamos na imagem acima, o quanto ela é eloquente e com intervenções políticas. Anselmo Duarte cumprimentando as pessoas e sendo escoltado, lembra um comício de um político carismático. O “povo brasileiro” estava orgulhoso e sentindo-se parte daquele prêmio, que não era apenas de O Pagador de Promessas e de seus realizadores, era também do próprio

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“povo” que se via naquele longa. O cinema nacional teve seu reconhecimento em meio a multidão.

A matéria de Durval Ferreira continuou nas próximas páginas da edição: “O Triunfal cortejo iniciado no Porto de Santos terminou nas ruas centrais de São Paulo”. Segundo o repórter, subiram no carro dos bombeiros os protagonistas Leonardo Vilar, Glória Meneses, Dionísio Azevedo, o autor Dias Gomes e o produtor Osvaldo Massaini. “Sob aplausos e foguetes, o cortejo atravessou as ruas de Santos.”21Anselmo Duarte falou aos repórteres: “- Uma vez me perguntaram onde os brasileiros encontravam reservas de vergonha para suportar as vaias do público quando se apresentavam em festivais de cinema de categoria. A resposta aí está!”22

Imagem 8: Revista Manchete, Rio de Janeiro, 21 jul. 1962, p. 86, Nº 535.

Ao analisarmos esta fotografia e levando em conta o que Circe Bittencourt nos diz sobre fotografias: “É sempre necessário perguntar o que está sendo fotografado, a fim de compreender por que e para que algumas fotografias foram feitas. Uma foto é sempre produzida com determinada intenção, existem objetivos e há arbitrariedade na captação das imagens.”23

Notamos que Dias Gomes está ali ao fundo em cima do carro dos bombeiros, e Anselmo Duarte logo à frente erguendo a Palma de Ouro, ou seja, o protagonismo na volta de Cannes era do diretor da película, talvez por isso em várias entrevista Dias Gomes fez questão de afirmar

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que adaptou a peça para versão cinematográfica e participou das filmagens das cenas. Em uma entrevista ao Programa Roda Viva, TV Cultura, em 1995, Dias Gomes mais uma vez falou sobre isso:

[...] o filme é uma peça filmada; há duas ou três cenas fora, mas o resto, se você acompanhar, vai ver que é igualzinho quase. Que era uma prova da minha insegurança com relação ao cinema. Então eu disse: “Vou me garantir”. Isso fez até certo mal, talvez, ao filme...Ficou um filme, talvez, muito acadêmico, embora seja realmente um trabalho muito bom do Anselmo. Eu tenho até que louvar essa fidelidade dele ao meu texto, foi a única vez que eu tive um texto no cinema com absoluta fidelidade.24

É a partir dessa semelhança da versão fílmica com a versão teatral que Dias Gomes e Anselmo Duarte se glorificam após Cannes. Ambos se elogiam, mas notamos que o protagonismo do sucesso é disputado pelos dois em nossa leitura.

Com regime civil-militar os cineastas passaram a conviver com a censura em seus filmes. Não só o cinema, mas no teatro, na música e em outras artes. Dias Gomes relatou: “[...] a censura primava pela falta absoluta de critérios, era muito difícil você saber exatamente o que ia ser proibido.”25 Gomes mencionou que aprendeu a jogar com censura, “[...] muitas vezes, eu fiz cenas para serem cortadas, que é uma maneira de você entregar o boi...”26

Inimá Simões, ao falar sobre a censura cinematográfica no Brasil, também afirma que os critérios da censura eram muito subjetivos, “[...] dando margem a interpretações pessoais de toda ordem. Para se ter uma ideia, em 1965, o chefe da Censura, Pedro José Chediak (apelidado por alguns cineastas ‘Chediak, o stripador’), baixou uma portaria proibindo o stri-tease nos filmes.”27

Segundo Inimá Simões, a censura era realizada por um grupo de três censores. “Eles assistiam aos filmes em uma pequena sala de projeção. Quando surpreendiam alguma cena ou diálogo que julgavam impróprios, apertavam uma campainha e o projecionista colocava em pedaço de papel no rolo do filme, marcando o ponto exato.”28Dependendo do número de cortes o filme era interditado, e cabia ao diretor e produtor da película recorrer ou propor um meio-termo aos “tesourinhas” que se encontravam na nova capital do país, Brasília.

Dias Gomes disse ao programa Roda Viva, TV Cultura, que a censura do meio de produção era pior que a do Estado, pois a censura de Brasília, por exemplo, era negociável: “[...] eu ia para Brasília, discutia com a censura, às vezes conseguia convencer o censor a liberar alguma

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coisa, algumas cenas e tal, havia uma negociação. Quando a censura é da empresa, é um problema da empresa, pronto e acabou.”29

Em 1964, a censura ainda era branda, mas no ano seguinte ela já se fazia presente com rigor a qualquer diálogo que para eles fosse considerado subversivo, contra a moral da sociedade. Segundo Marcos Napolitano, essa relativa liberdade de expressão concedida aos artistas e intelectuais de esquerda fazia crer que eles estavam diante de uma “ditabranda” e não de uma “ditadura”.

Para Roberto Schwarz, foi se construindo uma guerra revolucionária que os militares tiveram quem barrar em 1968:

Através de campanhas contra tortura, rapina americana, inquérito militar e estupidez dos censores, a inteligência do país unia-se e triunfava moral e intelectualmente sobre o governo, com grande efeito de propaganda. Somente em fins de 68 a situação volta a se modificar, quando é oficialmente reconhecida a existência de guerra revolucionária no Brasil. Para evitar que ela se popularize, o policialismo torna-se verdadeiramente pesado, com delação estimulada e protegida, a tortura assumindo proporções pavorosas, e a imprensa de boca fechada.30

Marcos Napolitano afirma que mesmo com essa relativa liberdade, “[...] é um mito dizer que não houve censura até o AI-5. No teatro e no cinema, sobretudo, a censura entre 1964 e 1968 foi bem atuante. Entretanto, nada próximo ao que ocorreria depois do fatídico 13 de dezembro de 1968.”31 Para Napolitano, o regime militar foi criterioso, ou seja, primeiro cortou o elo dos artistas/intelectuais de esquerda com o povo, para depois impedir a criação e expressão de ideais desse segmento ideológico.

Portanto, a luta contra a censura durou até 1979, com a lei da anistia promulgada no governo do presidente João Batista Figueiredo. Notamos que os artistas e intelectuais estavam na luta constante contra o regime e suas medidas castradoras.

1 SANTIAGO, Nayara Carneiro. Processo de transposição de linguagem na obra o pagador de promessas. Artigo

publicado na Revista Graduando. Nº 2 jan/jun, ISSN 2236-3335. UEFS, 2011, p. 89.

2 Ibid., p. 89.

3 ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz de. A invenção do nordeste e outras artes; prefácio de Margareth Rago. 2.

Ed., Recife: FJN, Ed. Massangana; São Paulo: Cortez, 2001, p. 210.

4 Ibid., p. 210.

5 Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 4 jan. 1961, p. 4.

6

GOMES, Dias. Dias Gomes: Apenas um subversivo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998, p. 182.

7 Ibid., p. 182.

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8 GOMES, 1998, p. 182. 9 Ibid., p. 182-183. 10 Ibid., p. 183.

11 Diário de Notícias, Salvador, 8 e 9 abri. 1962, p. 6. 12 Estado da Bahia, Salvador, 25 maio 1962, p. 1. 13 Estado da Bahia, Salvador, 25 maio 1962, p. 1. 14 A Tarde, Salvador, 14 e 15 jul. 1962, p. 8. 15 Diário de Notícias, Salvador, 24 maio 1962, p. 1. 16 Diário de Notícias, Salvador, 24 maio 1962, p. 1. 17 Diário de Notícias, Salvador, 24 maio 1962, p. 1. 18 Jornal da Bahia, Salvador, 3 e 4 de jun. 1962, p. 3. 19 Jornal da Bahia, Salvador, 3 e 4 de jun. 1962, p. 3. 20 Manchete, Rio de Janeiro, 21 jul. 1962, p. 85, Nº 535. 21 Manchete, Rio de Janeiro, 21 jul. 1962, p. 86, Nº 535. 22 Manchete, Rio de Janeiro, 21 jul. 1962, p. 86, Nº 535.

23 BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. "Documentos não escritos na sala de aula". In: Ensino de História:

fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez Editora, 2011, p. 367.

24 GOMES; GOMES, 2012, p. 170. 25 GOMES; GOMES, 2012, p. 161. 26 Ibid., p. 161.

27 SIMÕES, Inimá. Roteiro da Intolerância: a censura cinematográfica no Brasil. São Paulo: Editora SENAC São

Paulo, 1999, p. 77.

28 Ibid., p. 76.

29 GOMES, Luana Dias; GOMES, Mayra Dias. Dias Gomes. Rio de Janeiro: Beco do Azougue 2012, p. 160. 30 SCHWARZ, 2001, p. 25.

31 NAPOLITANO, 2017, p. 63.

REFERÊNCIAS:

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez, 2009.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. "Documentos não escritos na sala de aula". In: Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez Editora, 2011.

GOMES, Dias. Dias Gomes: Apenas um subversivo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. _____________. O Pagador de Promessas. 1° ed. Rio de Janeiro: Agir, 1961.

(11)

GOMES, Luana Dias; GOMES, Mayra Dias. Dias Gomes. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2012.

HOLLANDA, Heloísa Buarque. Impressões de Viagem CPC, Vanguarda e Desbunde: 1960/1970. São Paulo: Editora Brasiliense, 1980.

NAPOLITANO, Marcos. Coração civil: a vida cultural brasileira sob o regime militar (1964-1985) – ensaio histórico. São Paulo: Intermeios: USP – Programa de Pós-Graduação em História Social, 2017.

SANTIAGO, Nayara Carneiro. Processo de transposição de linguagem na obra o pagador de promessas. Artigo publicado na Revista Graduando. Nº 2 jan/jun, ISSN 2236-3335. UEFS, 2011.

SIMÕES, Inimá. Roteiro da Intolerância: a censura cinematográfica no Brasil. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 1999.

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