Cama e café: hospitalidade e capital social na preservação do bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Marcelo Augusto Mascarenhas Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Núcleo de Pesquisas e Estudos Avançados em Turismo da Universidade Federal de Ouro Preto – NUPETUR/UFOP Angela Cabral Flecha Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP; Núcleo de Pesquisas e Estudos Avançados em Turismo da Universidade Federal de Ouro Preto – NUPETUR/UFOP
É comum que em grandes cidades brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro, parte das áreas centrais assim como o seu entorno (principalmente bairros residenciais), sejam espaços desvalorizados e degradados, tanto fisicamente quanto socialmente. A tendência ao isolamento periférico das elites e das camadas mais pobres, normalmente torna parte dos espaços centrais e algumas áreas próximas, objetos pouco lembrados em ações públicas de revitalização, ações estas que já não são muito comuns dentro da esfera pública. Através de iniciativas coletivas do poder social local juntamente com parcerias, é muito provável que se possa reverter tal situação de descaso. Como um possível exemplo deste tipo de atitude, o presente trabalho apresenta o caso do bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, onde se desenvolveu a primeira rede de Bed and Breakfast (Cama e Café) do Brasil. Tratase de um projeto onde as casas do bairro e seus moradores são “vendidos”, respectivamente, como hospedagem e anfitriões para turistas e/ou viajantes que buscam um lugar para se alojar. Mais que unidades habitacionais, “vende se” espaços, ambiências, hospitalidade domiciliar. Neste contexto, o problema do estudo aqui realizado se concentra na seguinte questão: como se estabeleceu a sinergia entre o capital social do bairro de Santa Teresa e o seu território, e quais são os resultados alcançados com este jogo de relações? Do conjunto de relações que dão sustentação à sinergia mencionada, destacarse á no presente trabalho o estudo das interações na esfera da hospitalidade, e das ações cooperativas do capital social. Sobre a relevância do presente estudo podese dizer que a mesma está centrada na busca do entendimento sobre as interações que estruturam as trocas entre, o capital social local, o capital social visitante, e o território deste encontro. A pesquisa de tal cenário visa contribuir não só com a análise das relações sociais frente o uso do território, mas também com os estudos sobre a preservação do espaço urbano. Para melhor compreender os objetos/processos aqui observados, assim como os resultados obtidos no trabalho, fazse uso também das teorias da hospitalidade. É por meio da prática desta última, que os atores sociais interagem e dão um novo significado para o espaço das habitações de Santa Teresa. A estruturação deste estudo foi iniciada com base em uma pesquisa realizada junto a moradores do bairro, visitantes, e os responsáveis pela rede de Cama e Café na localidade. Dentre as considerações finais apresentadas, destacase a alta contribuição que o fator ‘identidade com o espaço’ (bairro) exerce sobre os atores sociais locais, e suas respectivas ações. Também vale ressaltar o quão elevado é o conjunto de ações, interrelações, e comunicação do bairro, não apenas entre si como também com outros bairros, com a cidade do Rio de Janeiro, e até com o cenário internacional.
Introdução
Muitas são as formas de organização e ação coletiva em prol do desenvolvimento social, e dos espaços que a sociedade utiliza em seu benefício. O estudo aqui desenvolvido apresentará um olhar sobre a organização coletiva e a preservação sóciocultural observada na realidade do bairro de Santa Teresa, na cidade do Rio de Janeiro. Teremos na hospitalidade do bairro, o ponto central da análise aqui realizada. Esperase com este estudo, compreender um pouco mais sobre as formas de organização e ação coletiva do capital social, inserido em localidades demarcadas (aqui representadas pelos limites espaciais do bairro em questão) de maneira formal ou não, e integrantes de pequenos universos populacionais.
A escolha do tema em questão se justifica por inúmeros motivos, dentre os quais destacamse: a representatividade do bairro de Santa Teresa para a cidade do Rio de Janeiro, seja por sua riqueza histórica, arquitetônica, cultural, social, ou mesmo por sua atratividade turística (que hoje é muito relevante). Ainda como justificativa para a escolha de tal recorte espacial, destacase o fato deste bairro ser a sede da primeira rede de Cama e Café (ou em Bed and Breakfast, do termo original) do Brasil; um grupo com mais de cinqüenta domicílios do bairro (e seus moradores), cadastrados e aptos a fornecerem hospedagem para turistas, visitantes, curiosos, etc.
Temos que o problema do estudo aqui desenvolvido perpassa a compreensão sobre qual o papel do capital social para a preservação e o desenvolvimento do bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Dentro deste campo de incertezas, buscarseá entender melhor duas questões: como se dá a interação entre capital social local e seus espaços sociais (privados e públicos); e como é a entrada do forasteiro (hóspede) no cotidiano, na realidade sócioespacial de Santa Teresa.
A metodologia utilizada para a construção deste estudo foi, revisão bibliográfica para a sustentação teórica do trabalho; informações estatísticas sobre a realidade do bairro, estas retiradas da Contagem Populacional de 1996 (IBGE, 1996) e do Censo Populacional de 2000 (IBGE, 2000); e levantamento qualitativo de informações para verificação empírica dos fatos. Nesta terceira fase foram realizadas entrevistas com moradores do bairro, visitantes/turistas, e os responsáveis pelo projeto Cama e Café em Santa Teresa. Estas entrevistas
foram inicialmente gravadas e posteriormente transcritas. Apesar de usar alguns dados estatísticos, não é objetivo do presente estudo inferir os resultados observados para realidades diferentes do contexto aqui observado.
Hospitalidade e processos sociais
Para melhor compreendermos a dinâmica do capital social de Santa Teresa (especialmente do grupo inserido no projeto Cama & Café) com os seus espaços, fazse indispensável analisarmos alguns aspectos teóricos que dialogam com a realidade observada no bairro. Dentre os pontos mais relevantes, destacamos o olhar sobre a hospitalidade e os processos sociais decorrentes desta.
Pontualmente sobre o tema hospitalidade temos, grosso modo, duas linhas gerais de discussão: a corrente anglosaxã, e a corrente francesa. A primeira trata essencialmente a hospitalidade como um produto, uma questão paralela à gestão mercadológica dos meios de hospedagem. Quanto à linha francesa, foco maior do estudo aqui desenvolvido, temos uma ótica que analisa a hospitalidade como processo social, resultado de interações, trocas entre os indivíduos envolvidos no processo de busca e oferta de abrigo.
Ao contrário das relações de hospitalidade vistas em Derrida (2003), no caso de Santa Teresa não temos dois obstáculos que o autor menciona como fundamentais no encontro entre o anfitrião e o possível hóspede. De acordo com Derrida (2003), o encontro em busca da hospitalidade envolve problemas de linguagem, comunicação, assim como incertezas, inseguranças vivenciadas por ambas as partes, aquele que oferta e aquele que busca o acolhimento. Sobre o conflito de comunicação, o autor coloca este como fruto da diferença de língua entre o dono da casa, o rei, o senhor, o Estado, e o “estrangeiro 1 ”. Segundo Derrida (2003), este último é quem deve se submeter à linguagem do anfitrião, e não o contrário. Para ele, a hospitalidade deve ser pedida na linguagem da casa, e não na língua da rua, do exterior (DA MATTA, 1991). A “violência” de impor a tradução da sua linguagem (DERRIDA, 2003, p. 15) é amenizada no caso de Santa Teresa, isto porque entre o anfitrião e o
1
Estrangeiro aqui é o sujeito que não é de casa, não é o senhor, o poder do lar. Por tal motivo, é praticamente desprezível a familiaridade que este tenha com o hospedeiro, ou até sua origem (se da mesma cidade ou não).
estrangeiro, existe um elo de ligação que ameniza em muito este tipo de “confronto” social. Para que se efetive uma relação entre hospedeiro e hóspede no projeto Cama & Café, este último entra em contato inicialmente com uma central de reservas. Neste intermediário de relações, são checados os perfis dos estrangeiro, e a partir daí estes são encaminhados(ou indicados) para os anfitriões com uma provável afinidade de interesses. Com base no processo acima, podemos observar que pelo menos um dos embates entre hóspede e hospedeiro descritos por Derrida (2003) é praticamente anulado, ou em muito minimizado, graças à intermediação realizada pela central de reservas do Cama & Café.
Um segundo problema descrito por Derrida (2003) são as incertezas que o estrangeiro traz para a casa que o acolhe, e viceversa. Para o autor, o estrangeiro por vezes assume o papel do homem questionador, aquele que perturba a realidade e/ou a estrutura local. Por parte do estrangeiro, as interrogações pairam sobre os deveres que este assume ao buscar a hospitalidade (DERRIDA, 2003). A intensidade de tais deveres, assim como os conflitos culturais que estas obrigações podem ocasionar, são um grande foco de interrogações e temores para aquele que deseja ser acolhido. Mesmo no caso do Cama & Café em Santa Teresa, onde existe um ponto intermediário entre as partes extremas do processo, e um relacionamento a princípio comercial, podemos dizer que dificilmente tais incertezas são anuladas. Tal fato pôde ser verificado nos depoimentos colhidos tanto com anfitriões do projeto, quanto com hóspedes que estiveram alojados em casas ou apartamentos do mesmo. Notase que é comum no discurso dos entrevistados, mencionar uma certa ansiedade, expectativa em saber quem serão seus visitantes ou hospedeiros. Percebese que, apesar do vínculo comercial entre as partes, o relacionamento entre as partes acaba por superar os limites mercadológicos do processo. Tal observação também foi notada em estudo feito por Paço Cunha, Ferreira e Fois Braga (2004), onde buscouse entender as racionalidades que sustentavam o processo de hospitalidade trabalhado pelos anfitriões do Cama & Café.
Podese dizer que a hospitalidade praticada comercialmente no próprio lar, acaba por exercer uma significativa pressão sobre o hospedeiro. Por ser um relacionamento comercial, este tem menos oportunidades para recusálo. O
contrato que, na hospitalidade pura e simples, é meramente social, estabelece maiores compromissos ao tornarse também um elo mercadológico entre o anfitrião e o estrangeiro. O sacrifício da dádiva mencionado por Camargo (2004), tornase maior quando o hóspede aumenta seu poder diante daquele que o recebe. A partir do momento que se paga pela hospitalidade, maiores são os direitos de cobrar aquilo que se deseja “consumir”. Destes “aluguéis” de espaços em algumas residências de Santa Teresa, podese imaginar que surjam pressões indiretas pela preservação do território de Santa Teresa. Não queremos dizer que a preservação deste bairro seja decorrente da hospitalidade praticada dentro dos seus limites, mas sim que a hospitalidade possa realmente ser um dos vetores que incidem sobre o processo de preservação desta localidade.
Visto que a hospitalidade é inevitavelmente um processo de transformações, de trocas socioculturais entre os indivíduos e espaços que dela participam (GRINOVER, 2002), poderíamos ter o seguinte paradoxo para a realidade de Santa Teresa: como manter em seu próprio ritmo, o máximo possível, a cultura e os processos sociais locais, uma vez que este espaço é ponto de encontro e convivência para diferentes culturas? Uma provável explicação para que este fato tenha se tornado efetivamente um problema é a presença de uma identidade muito bem demarcada ante a cultura e parte da população residente do bairro, assim como o vínculo destes com o espaço em que habitam. A solidez da subjetividade que habita o território de Santa Teresa, é provavelmente um dos maiores sustentáculos de atual contexto. Diante de tais reflexões teóricas, tornase interessante ir em busca de um entendimento mais empírico sobre a realidade do território aqui e da população aqui pesquisada. Análise das informações coletadas
Antes de avançarmos especificamente sobre as informações referentes às entrevistas feitas, é conveniente apresentar um pouco do contexto histórico, cultural e social que prevalece sobre Santa Teresa.
Surgido no século XVIII, o bairro foi durante certo período, moradia destinada às classes mais altas do Rio de Janeiro, fruto de uma das primeiras frentes de expansão para além do núcleo inicialmente estabelecido como
espaço para povoamento (WIKIPEDIA, 2006). Repleto de grandes casarões e inclusive uma linha de transporte por meio de bonde, que liga o Santa Teresa até a região mais central da cidade, a localidade conserva até hoje muito de suas características passadas. Geograficamente, podese dizer que o mesmo se encontra em uma pequena colina ao lado do bairro da Lapa. Inserido em uma região bem central do Rio de Janeiro, Santa Tereza é repleto de ladeiras, e possui algumas favelas em sua parte mais alta (WIKIPEDIA, 2006).
Segundo o Censo Demográfico de 2000, o bairro possuía naquele ano cerca de 13703 domicílios particulares e permanentes (IBGE, 2000). Com relação aos domicílios, segundo o número de moradores residentes nestes, tínhamos em 2000 a seguinte distribuição:
Tabela 1 Distribuição dos domicílios segundo o número de moradores
Nº de morados por domicílio Nº absoluto % do total populacional
1 morador 2.578 0,1881 2 moradores 3.601 0,2628 3 moradores 3.086 0,2252 4 moradores 2.349 0,1714 5 moradores 1.157 0,0844 6 moradores 491 0,0358 7 moradores 213 0,0155 8 moradores 108 0,0079 9 moradores 58 0,0042 10 moradores 26 0,0019 11 moradores 14 0,0010 12 moradores 10 0,0007 13 moradores 6 0,0004 14 moradores 3 0,0002 15 moradores ou mais 3 0,0002 Número total de domicílios 13.703 1,0000 Fonte: Censo 2000, IBGE.
Com base na tabela acima, vemos que os domicílios com até 2 moradores residentes equivalem a aproximadamente 45,09% do total de domicílios particulares e permanentes. Se observarmos os domicílios com até 3 residentes, este percentual sobe para 61%. Isto nos mostra que os domicílios de Santa Teresa têm em sua maioria, muito poucos moradores permanentes.
Quanto à população residente do bairro, podemos observar com base nos dados da Contagem Populacional (IBGE, 1996) e do último Censo (IBGE, 2000), que houve um decréscimo no número de residentes de Santa Teresa
com o avanço do tempo. O valor desta queda foi de aproximadamente 5,2% do total de residentes contabilizado em 1996. Apesar da diminuição absoluta, podemos ver na tabela 2 que a distribuição por sexo em termos percentuais, praticamente não sofreu alteração entre a Contagem Populacional e o Censo de 2000. A maioria feminina se manteve entre os residentes do bairro. Tabela 2 População residente distribuída por sexo População residente (Habitante) População residente (Percentual) Ano 1996 2000 1996 2000 Homens 20.299 19.231 46,77 46,74 Mulheres 23.107 21.914 53,23 53,26 Total 43.406 41.145 100 100 Fonte: Contagem Populacional 1996 e Censo 2000, IBGE.
Segundo informações obtidas no Censo de 2000 (IBGE, 2000), a distribuição etária dos moradores de Santa Teresa se dava da seguinte forma: Tabela 3 Distribuição etária e por sexo, em % para o ano de 2000, dos residentes do bairro de Santa Teresa; dos residentes no município do Rio de Janeiro; e razão entre as % de Santa Teresa e do Rio de Janeiro. Santa Teresa Rio de Janeiro Razão entre as % de Santa Teresa e do Rio de Janeiro Grupo etário H M T H M T H M T 0 a 9 anos 7,19 7,06 14,25 7,65 7,39 15,05 0,94 0,96 0,95 10 a 19 anos 7,43 7,53 14,96 8,08 8,09 16,18 0,92 0,93 0,92 20 a 29 anos 8,62 8,96 17,58 8,25 8,66 16,91 1,04 1,03 1,04 30 a 39 anos 7,86 8,62 16,48 7,26 8,16 15,43 1,08 1,06 1,07 40 a 49 anos 6,44 8,1 14,54 6,35 7,64 13,99 1,01 1,06 1,04 50 a 59 anos 4,16 5,29 9,46 4,27 5,34 9,61 0,97 0,99 0,98 60 a 69 anos 2,89 3,86 6,74 2,89 4,02 6,89 1,00 0,96 0,98 70 a 79 anos 1,62 2,6 4,22 1,65 2,66 4,31 0,98 0,98 0,98 80 a 89 anos 0,47 1,07 1,53 0,44 0,97 1,42 1,07 1,10 1,08 90 a 99 anos 0,06 0,17 0,23 0,05 0,15 0,19 1,20 1,13 1,21 100 anos ou mais 0,00 0,01 0,01 0,00 0,01 0,02 0,00 1,00 0,50 Total 46,74 53,27 100,00 46,89 53,09 100 1,00 1,00 1,00 Fonte: Censo 2000, IBGE.
Podemos observar que o grupo mais freqüente em Santa Teresa, é aquele entre 20 e 39 anos. Só neste estrato, temos mais de 34% dos residentes. Se compararmos os totais deste subgrupo, podese ver que em Santa Teresa ele é mais representativo que no Rio de Janeiro (34,06 do bairro contra 32,24 do município). Se analisarmos a população com idade até 39 anos, esta
porcentagem sobe para mais de 63% dos residentes do bairro. Para este segmento o percentual é muito similar ao observado no município (63,27 de Santa Teresa, contra 63,57 do Rio de Janeiro). Apesar do estilo de moradias observados em Santa Teresa, podese dizer que a população residente no bairro é relativamente jovem. A população entre 40 e 69 anos, representa cerca de 30,74% do total de residentes, um número também bastante expressivo e em muito similar com o percentual observado no município do Rio de Janeiro. Grosso modo, sobre as porcentagens totais analisadas, podemos dizer que a distribuição etária do Bairro de Santa Teresa, é bastante similar à verificada para o município aqui analisado.
Sobre a distribuição etária de acordo com o sexo dos residentes, podemos notar que as maiores diferenças do bairro, são observadas no grupo de 40 e 49 anos, em diante (neste segmento, as mulheres eram aproximadamente 25% mais numerosas que os homens. Para os grupos com idades superiores a este último, estas diferenças aumentam respectivamente para 27,16%; 33,56%; 60,49%; 127,65% e 183,33% para os residentes entre 90 e 99 anos). Tais diferenças entre homens e mulheres, para a esfera municipal, também apresentamse muito similares aos valores encontrados para o bairro. Para o grupo entre 40 e 49 anos, no Rio de Janeiro, as mulheres eram 20% mais numerosas que os homens. Nos grupos com idade superior a este último, as mulheres eram mais representativas em aproximadamente 25%; 39%; 61%; 120%, e 200% para o grupo de 90 a 99 anos.
Ao direcionarmos nossa analise para as classes de rendimento nominal mensal, isto para as pessoas consideradas responsáveis pelos domicílios, podemos verificar que a realidade de Santa Teresa não se apresenta muito distinta daquela observada para o município do Rio de Janeiro. Na tabela quatro, podemos ver os grupos com renda nominal mensal até 3/4 de salário mínimo, que em Santa Teresa, representam 0,56 do mesmo segmento observado na esfera municipal. Para os grupos com renda nominal mensal entre Mais de 1 1/2 a 2 salários mínimos, e Mais de 10 a 15 salários mínimos, temos uma maior representatividade observada em Santa Teresa do que no Rio de Janeiro, já que a razão do bairro para o município é equivalente a 1,05. Neste segmento de renda, temos aproximadamente 67,02% do grupo de Santa Teresa, e 63,96 dos grupos do Rio de Janeiro. Para os grupos onde o
responsável pelo domicílio tem renda nominal mensal acima de 20 salários mínimos, o bairro se mostra menos representativo que o município, já que a razão entre o primeiro e o segundo gira em torno de 0,72. Tabela 4 Classes de rendimento nominal mensal da pessoa responsável pelo domicílio; % para o bairro de Santa Teresa, o município do Rio de Janeiro, e razão entre o 1º e o 2º %. Classes de rendimento nominal mensal da pessoa responsável pelo domicílio % por domicílios particulares permanentes, em Santa Teresa % por domicílios particulares permanentes, no município do Rio de Janeiro Razão entre as % observados em Santa Teresa e no Rio de Janeiro Até 1/4 de salários minimos 0,04 0,08 0,5 Mais de 1/4 a 1/2 salários mínimos 0,14 0,26 0,54 Mais de 1/2 a 3/4 de salários mínimos 0,31 0,54 0,57 Mais de 3/4 a 1 salário mínimo 7,84 8,35 0,94 Mais de 1 a 1 1/4 de salário mínimo 1,17 1,27 0,92 Mais de 1 1/4 a 1 1/2 salário mínimo 3,12 3,32 0,94 Mais de 1 1/2 a 2 salários mínimos 9,81 9,45 1,04 Mais de 2 a 3 salários mínimos 11,57 11,14 1,04 Mais de 3 a 5 salários mínimos 16,90 15,59 1,08 Mais de 5 a 10 salários mínimos 21,73 20,81 1,04 Mais de 10 a 15 salários mínimos 7,01 6,97 1,01 Mais de 15 a 20 salários mínimos 5,46 5,44 1,00 Mais de 20 a 30 salários mínimos 3,15 3,72 0,85 Mais de 30 salários mínimos 3,15 5,09 0,62 Sem rendimento 8,61 7,96 1,08 Total 100,00 100,00 1 Notas: 1 Salário mínimo utilizado: R$151,00 2 A categoria sem rendimento inclui as pessoas que receberam somente benefícios. Fonte: Censo 2000, IBGE. Por fim, com relação às informações sobre a escolaridade dos residentes permanentes de Santa Teresa, assim como do município do Rio de Janeiro, podemos avaliar os seguintes dados. Na tabela 5, vemos que, de acordo último Censo (IBGE, 2000), aproximadamente 51,34% dos domicílios de Santa Teresa tinham seu responsável com até 8 anos de estudo. Para a esfera municipal, este percentual era de 53,46%. A razão entre o primeiro e o segundo valores é de 0,96. Se analisarmos os percentuais de domicílios, onde seus responsáveis tivessem entre 9 e 11 anos de estudo, vemos que para o bairro estes são 23,01 do total. Para o nível municipal, a porcentagem em questão é 24,43% do todo. A razão entre a primeira e a segunda esfera é de 0,94. Sobre os grupos entre 12 e 15 anos de estudo, vemos que Santa Teresa assume percentual maior que aquele observado para o Rio de Janeiro. Temos 15,94% para o primeiro e
14,07% para o segundo (porcentagens em relação aos respectivos totais). A razão entre os valores observados para o bairro e para o município é de 1,13. Em continuidade à mudança de padrão observada acima, vemos que os o percentual referente a 16 anos de estudo ou mais, é bem maior para a realidade de Santa Teresa do que para o Rio de Janeiro. Responsáveis pelos domicílios, com mais de 16 anos ou mais de estudo, são aproximadamente 9,8% para o bairro, e 7,85% para o município. Isto nos dá uma razão de 1,25 entre Santa Tereza e o Rio de Janeiro. Tabela 5 Anos de estudo da pessoa responsável pelo domicílio; % para o bairro de Santa Teresa, o município do Rio de Janeiro, e razão entre o 1º e o 2º %. Anos de estudo da pessoa responsável pelo domicílio % por domicílios particulares permanentes, em Santa Teresa % por domicílios particulares permanentes, no município do Rio de Janeiro Razão entre as % observadas em Santa Teresa e no Rio de Janeiro Sem instrução e menos de 1 ano 4,90 5,17 0,95 1 ano 3,01 2,55 1,18 2 anos 3,11 2,94 1,06 3 anos 4,63 4,51 1,03 4 anos 13,71 15,36 0,89 5 anos 4,65 4,41 1,05 6 anos 2,74 2,69 1,02 7 anos 2,82 3,63 0,78 8 anos 11,57 12,20 0,95 9 anos 1,90 1,81 1,05 10 anos 2,92 2,81 1,04 11 anos 18,19 19,81 0,92 12 anos 1,45 1,37 1,06 13 anos 1,96 1,62 1,21 14 anos 2,47 1,92 1,29 15 anos 10,06 9,16 1,10 16 anos 5,36 4,88 1,10 17 anos ou mais 4,44 2,97 1,49 Não determinados 0,10 0,19 0,53 Total 100,00 100,00 1,00 Fonte: Censo 2000, IBGE. Como fechamento deste resumido olhar estatístico sobre a população do bairro de Santa Teresa, podemos dizer que, grosso modo, a realidade deste primeiro espaço é em muito semelhante à realidade observada na população do município do Rio de Janeiro.
Na distribuição por idade e sexo, poucas são as diferenças relevantes. Somente para o bairro, vale destacar que as mulheres são aproximadamente 53,27%, que entre os 20 e 69 anos o grupo feminino tem 34,83%, enquanto o
masculino tem 29,97% (diferença de 4,86 pontos percentuais), e entre os 20 e 79, este percentual sobe para 37,43 para as mulheres e 31,59 para os homens (com diferença de 5,84 entre ambas porcentagens). Com relação à renda nominal mensal do responsável pelo domicílio, isto para o bairro de Santa Teresa, destacamos 67,02% entre mais de 1½ e 20 salários mínimos. Aqueles que recebem acima de 2 até 10 salários mínimos, representam cerca de 50,2% do total. Entre os com mais de 5 e 20 salários mínimos mensais, temos 32,2% dos responsáveis pelos domicílios. Finalmente, 12,47% aqueles que recebem mais de 10 até 20 salários mínimos por mês. Com relação aos anos de estudo dos responsáveis pelos domicílios do bairro analisado, destacamos que mais de 51% têm até 8 anos de estudo, cerca de 11,57% têm de fato 8 anos de estudo, 38,95% têm entre 9 e 15 anos de estudo, e 25,74% têm 11 ou mais anos de estudo.
Especificamente sobre o projeto Cama e café, temos que segundo informações do site, das 18 casas apresentadas como opções de hospedagem, 12 destas apresentavam mulheres como o anfitrião do estabelecimento. Isto já nos coloca em uma realidade diferente da observada na população do bairro. Apesar das mulheres serem realmente maioria, o percentual apresentado entre os anfitriões do Cama & Café é bastante superior ao do bairro. Enquanto neste último elas são em torno de 53,27%, nas opções de hospedagem do projeto elas são aproximadamente 66%. Na entrevista com Carlos Magno, um dos responsáveis pelo projeto, o mesmo disse não perceber diferença entre o número de mulheres e homens, assim como não percebia diferença no relacionamento entre mulheres e homens enquanto anfitriões do projeto Cama & Café. Encontramos nos estudo de Lynch e MacWhannell (2004), um provável apoio para a compreensão desta predominância feminina. Os autores abordam em seu trabalho alguns aspectos do espírito empreendedor feminino, dentre os quais destacase a propensão ao exercício da hospitalidade, principalmente na esfera doméstica (LYNCH; MACWHANNELL 2004). Das variadas motivações que podem levar a mulher à hospitalidade comercial em seu lar, poderíamos destacar o desejo de status, e a necessidade de desenvolver tarefas criativas e sociais. Eis, nestes dois últimos pontos, mais um provável vetor que incide sobre o processo de conservação dos espaços “vendidos” pelo Cama & Café (ou indiretamente por Santa Teresa). Algumas outras questões que também
devem exercer força sobre a idéia e o trabalho de conservação do bairro são possíveis maior escolaridade e maior renda da população residente, em comparação à população do município do Rio de Janeiro.
Muitos são os resultados que podem ainda ser extraídos do presente trabalho campo, entretanto, pelo seu atual desenvolvimento, optouse por divulgar apenas o estrato aqui apresentado.
Considerações finais
Com base nas informações apresentadas ao longo do estudo aqui desenvolvido, algumas idéias podem ser levantadas para debate e/ou avaliação em futuros trabalhos que objetivem continuar tal linha de discussão, seja no mesmo território analisado, ou até em espaços diferentes deste.
Dentre as considerações finais do trabalho, podemos destacar o quanto o fator “identidade com o local” foi presente nos depoimentos das pessoas envolvidas no projeto Cama & Café. Verificamos que o vínculo com o bairro analisado perpassa por questões referentes à cultura da região onde o bairro se localiza, e idéias sobre o estilo de vida que os anfitriões se propõem a levar. Tal sensação de pertencimento que os residentes demonstraram ter com a localidade, contribui em muito para o trabalho de preservação desta. Vale salientar que o trabalho de conservação do bairro e sua cultura, é fruto de variados vetores que incidem sobre este ponto. Observase desde ações individuais de pouca racionalidade, até grupos coletivos de trabalho diretamente focados na manutenção e valorização de Santa Teresa e sua cultura.
Ainda sobre os pontos de maior destaque neste estudo, é interessante observar o quão articulado e “comunicativo” tende a ser o bairro em questão. Tanto o projeto Cama & Café quanto Santa Teresa possuem seus próprios sites. Nestes, os estrangeiros interessados em sua visualização podem encontrar algumas facilidades, haja vista que o primeiro permite visualização em português ou inglês, e o segundo permite visualização em português, inglês ou francês. Ainda sobre a comunicabilidade do projeto Cama & Café, e em parte de Santa Teresa, temos que, de acordo com as entrevistas realizadas e o material analisado, observamos que alguns grupos e entidades de representação coletiva localizados no bairro, desenvolvem grande comunicação com outros pares localizados não só na cidade, como também fora desta,
inclusive com alguns destes situados fora do país. Sobre este diálogo com o grupos estrangeiros, pôdese verificar neste trabalho que a divulgação e a aceitação tanto do projeto quanto do bairro e sua cultura, têm sido maiores perante o público estrangeiro, que em relação aos originários de outras cidades do Brasil. É notório que, pela cidade do Rio de Janeiro ser um reduto de grande circulação de estrangeiros, este aspecto referente ao número de visitantes internacionais já era de certa maneira esperado. Com relação ao processo de comunicação averiguado não somente entre parte dos residentes do bairro, mas também destes com o público externo (seja apenas do bairro, da cidade, ou do país), podemos destacar que existem indícios relativamente consistentes sobre a consolidação de redes (racionalizadas ou não), entre as partes envolvidas neste processo de trocas sociais e comerciais. Sugerese o entendimento de tais redes como proposta para estudos posteriores.
Por fim, do material coletado, observado e analisado, podemos considerar que Santa Teresa, apesar de ter estatísticas populacionais muito similares às do município do Rio de Janeiro, é um bairro que se destaca de outros em muitos aspectos. O grau de identidade que certos grupos de moradores e admiradores nutrem pela localidade, contribui significativamente para o trabalho de preservação deste espaço. O projeto Cama & Café, de forma racional ou não, inseriuse neste contexto que inegavelmente proporcionou, tanto para si quanto para a localidade (espaços e população), variados benefícios. O fato é que Santa Teresa apresenta uma realidade bastante particular, formada por um conjunto de aspecto que não comumente se observa em outras localidades. De uma identidade bem definida, até sua riqueza histórica e patrimonial, o bairro é um ponto privilegiado para a ebulição do desenvolvimento de movimentos sociais vinculados ao seu contexto.
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