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Narrativa e analogias na arquitectura

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Academic year: 2021

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(1). NARRATIVA E ANALOGIAS NA ARQUITECTURA Doutoramento em Arquitectura Especialidade: Teoria e Prática do Projecto. José Carlos de Oliveira Manalvo. Orientador: Professor Catedrático Jorge Filipe Ganhão da Cruz Pinto Constituição do Júri: Presidente e vogal: Doutora Maria Madalena Aguiar da Cunha Matos, Professora Associada, Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa. Vogais: Doutor Domingos Manuel Campelo Tavares, Professor Catedrático Emérito, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto; Doutor Jorge Filipe Ganhão da Cruz Pinto, Professor Catedrático, Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa; Doutor João Gabriel Viana de Sousa Morais, Professor Catedrático, Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa; Doutora Paula Cristina André dos Ramos Pinto, Professora Auxiliar, ISCTE do Instituto Universitário de Lisboa; Doutora Maria Soledade Gomez Paiva Sousa, Professora Auxiliar, Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa. . Tese especialmente elaborada para a obtenção do grau de doutor Documento definitivo Dezembro, 2016.

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(3) . NARRATIVA E ANALOGIAS NA ARQUITECTURA Doutoramento em Arquitectura Especialidade: Teoria e Prática do Projecto. José Carlos de Oliveira Manalvo. Orientador: Professor Catedrático Jorge Filipe Ganhão da Cruz Pinto Constituição do Júri: Presidente e vogal: Doutora Maria Madalena Aguiar da Cunha Matos, Professora Associada, Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa. Vogais: Doutor Domingos Manuel Campelo Tavares, Professor Catedrático Emérito, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto; Doutor Jorge Filipe Ganhão da Cruz Pinto, Professor Catedrático, Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa; Doutor João Gabriel Viana de Sousa Morais, Professor Catedrático, Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa; Doutora Paula Cristina André dos Ramos Pinto, Professora Auxiliar, ISCTE do Instituto Universitário de Lisboa; Doutora Maria Soledade Gomez Paiva Sousa, Professora Auxiliar, Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa. . Tese especialmente elaborada para a obtenção do grau de doutor Documento definitivo Dezembro, 2016. i.

(4) ii.

(5) Para a Clara. iii.

(6) iv.

(7) RESUMO. NARRATIVA E ANALOGIAS NA ARQUITECTURA Doutoramento em Arquitectura Especialidade: Teoria e Prática do Projecto. José Carlos de Oliveira Manalvo. Esta investigação cruza a narrativa e a arquitectura, incidindo na relação do conhecimento expresso em histórias, com a concepção espacial suportada em analogias, na arquitectura de Quatrocentos, com Alberti (1404-1472), e a recriação da narrativa com Francisco de Holanda (1517-1584) e António Rodrigues (c. 1525-1590), em Portugal. Tem como ponto de partida, a base teorética do conhecimento narrativo investigado pelas Ciências Sociais, Ciências Cognitivas, e Narratologia. Segundo estas disciplinas, as narrativas estruturam o conhecimento num enredo com poder cognitivo, fazendo sentido e dando sentido à experiência, iludindo a perda de memória através da grafia que guarda a qualidade narrativa do pensamento originário. A investigação estabelece, a partir da leitura das fontes primárias, o quadro conceptual da análise aos objectos, para enquadrar o conhecimento narrativo, a sua validação, o campo na arquitectura e os aspectos pragmáticos. Transfere e define os conceitos que ligam a. v.

(8) narrativa e a arquitectura, imaginação narrativa, estruturas narrativas, diegese, transformação e, finalmente, as analogias. A partir dos fundamentos da base conceptual, apresentam-se os resultados com aspectos narrativos e as analogias na concepção da arquitectura de Alberti; discutem-se as dimensões operativas da narrativa na arquitectura e na prática de projecto, para explicar como o pensamento narrativo dá forma à arquitectura e como a narrativa se torna campo de teste no tempo de Holanda e Rodrigues.. PALAVRAS CHAVE: conhecimento narrativo; imaginação narrativa, analogias, discurso narrativo, natura naturans.. vi.

(9) ABSTRACT. NARRATIVE AND ANALOGIES IN ARCHITECTURE Doutoramento em Arquitectura Especialidade: Teoria e Prática do Projecto. José Carlos de Oliveira Manalvo. This research crosses the narrative and architecture, focusing on the relation of knowledge expressed in stories, with the spatial conception supported by analogies in the Quattrocento architecture, with Alberti (1404-1472), and the recreating of narrative with Francisco de Holanda (1517 -1584) and António Rodrigues (c. 1525-1590) in Portugal. It takes as its starting point, the theoretical basis of narrative knowledge investigated by the Social Sciences, Cognitive Sciences, and Narratology. According to these disciplines, the narratives structure knowledge in a plot with cognitive power, making sense and giving meaning to the experience, eluding memory loss by recording the narrative quality of the original thought. The research establishes, from a reading of primary sources, the conceptual framework of the analysis to objects, to frame the narrative knowledge, its validation in the field architecture and pragmatic aspects. Transfers and defines the concepts linking. vii.

(10) narrative and architecture, narrative imagination, narrative structures, diegesis, transformation, and finally the analogies. Starting on the conceptual basis, the results are presented in narrative aspects and analogies in the design of Alberti's architecture; discusses the operational dimensions of narrative in architecture and design practice, to explain how the narrative thinking shapes the architecture and how the narrative becomes a testing ground in the time of Holland and Rodrigues.. KEYWORDS: narrative knowledge; narrative imagination, analogies, narrative discourse, natura naturans.. viii.

(11) AGRADECIMENTOS. O autor deseja expressar o seu sincero apreço ao Professor Doutor Jorge Cruz Pinto pela orientação, pela confiança e pela liberdade com que permitiu o desenvolvimento desta investigação, e como acompanhou a participação em conferências internacionais. Além disso, um agradecimento especial ao Doutor José Vela Castillo, e à Arquitecta Catarina Fernandes, pelo interesse manifestado na investigação e pelas discussões sobre o tema. Finalmente, um agradecimento a todas as pessoas das Instituições Religiosas com as quais desenvolveu obras, pelo interesse manifestado no desenvolvimento desta investigação em paralelo com a actividade profissional.. ix.

(12) x.

(13) ÍNDICE. Resumo Abstract Agradecimentos Índice Imagens Quadros Introdução Capítulo 1 Caso de estudo Propósito da investigação Problema específico a abordar Estado da arte Teoria Arquitectura Literatura Metodologia Análise de informação Selecção de objectos Selecção de assuntos Estrutura da tese Capítulo 2 Quadro conceptual Enquadramento Validação do conhecimento O campo: narrativas na arquitetura Conhecimento expresso em narrativas Reconstituição de narrativas Suportes Pragmática do conhecimento narrativo Legitimação do conhecimento narrativo (Des)legitimação, desempenho Instabilidades Conceitos Imaginação narrativa Estruturas narrativas Diegese Tempo e acção. xi. v vii ix xi xiii xvii 3 7 7 11 13 34 35 36 38 41 41 43 44 45 49 49 51 52 57 59 60 62 64 68 70 73 74 75 86 90 97.

(14) Actante Analogias Capítulo 3 Resultados e discussão Descrição dos resultados Estrutura do discurso narrativo Forma do discurso Denotação Similaridades Delineamento e narrar Temas Imagens narrativas Discurso ilustrado Reelaboração de narrativas Edificações Discussão Narrativa anterior à arquitectura Narratividade Pensamento narrativo Desenho narrativo Estruturas de conhecimento Lógica das analogias Conclusão Perspectivas de desenvolvimento Anexos Bibliografia. xii. 109 110 121 121 121 121 128 133 139 155 159 162 168 171 176 186 189 194 199 207 220 228 238 249 251 259.

(15) IMAGENS. Imagem 1 – Invenção de Pitágoras, referida por Vitruvio no Livro IX De Architectura, “cette invention qui est utile à beaucoup de choses, mais principalement pour mesurer, a aussi un grand usage dans les Edificespour regler les hauteurs des degrez des Escaliers (…) como podemos ler versão de Perrault de 1673:255. 24 Imagem 2 – Exemplo prático de Alberti, sem referência a Pitágoras, para representação de triângulos rectângulos que permitem decompor formas mais complexas para realizar levantamentos e retirar medidas indirectas, in Ex ludis rerum mathematicarum c. 1450. f.8. (seq. 19). 24 Imagem 3 – A sequência de números inteiros que permite construir em ângulo recto é sintetizada na representação gráfica, dando corpo ao Teorema de Pitágoras. Observamos que os quadrados que compõem cada lado são iguais e a soma das partes em ângulo recto é igual ao conjunto maior de quadrados. 25 Imagem 4 – De re aedificatoria. Trad. Giorgio Vasari, 1550.. 29. Imagem 5 – De Aetatibus Mundi Imagines (1543-1573) . Madrid. 29 Imagem 6 – Tratado de Arquitectura. António Rodrigues (?). 1576. BN. 30 Imagem. 7 – Santa Maria Novella. In http://www.museumsinflorence.com/musei/santa_maria_n ovella-cloist.html, consultado a 20150901. 177. Imagem 8 – Santo Sepulcro da Capela Rucellai, Florença. In http://www.museomarinomarini.it/section.php?page=rucell ai, consultado a 20150901. 177. xiii.

(16) Imagem. 9 – Palácio Rucellai, Florença. In http://www.europeana.eu/portal/record/08535/local__def ault__6108.html?start=1&query=what%3A%22Palazzo+Ru cellai+in+Florenz%22&startPage=1&qt=false&rows=24, consultado a 20150901. 178. Imagem 10 – interior da Santissima Anunziata, Florença. In http://www.firenze-online.com/visitare/informazionifirenze.php?id=6#.VhFLZbRUMuI, consultado a 20150901. 179 Imagem. 11 – São Sebastião, Mântua. In http://www.cpp.edu/~aehacker/arc362/Northern%20Italy %20and%20Palladio/Images/3176.jpg, consultado a 20150901. 179. Imagem. 12 – São Sebastião, Mântua. In . http://www.lombardiabeniculturali.it/architetture/schede/ MN360-01055/, consultado a 20150601 180. Imagem. 13 – Templo Malatestiano, Rimini. In http://www.historiasztuki.com.pl/ilustracje/STYLERENESENS/Tempio-Malatestiano-Alberti.jpg, consultado a 20150901. 180. Imagem. 14 – Templo Malatestiano, Rimini. In http://www.historiasztuki.com.pl/ilustracje/STYLERENESENS/Tempio-Malatestiano-Alberti-plan-3.jpg, consultado a 20150901. 181. Imagem. 15 – Santo André, Mântua. In https://classconnection.s3.amazonaws.com/101/flashcards/ 739101/jpg/s._andrea21326424823092.jpg, consultado a 20150901. 182. Imagem. 16 – Santo André, Mântua. In http://www.historiasztuki.com.pl/ilustracje/STYLERENESENS/Sant'Andrea-Mantua-fasada.jpg, consultado a 20150901. 183 xiv.

(17) Imagem. 17 – São Sebastião, Mântua. In http://architetturaquattrocentocinquecento.blogspot.pt/201 2/02/san-sebastiano-mantova-1460.html, consultado a 20150901. 184. Imagem. 18 – Santo André, Mântua. In http://www.historiasztuki.com.pl/ilustracje/STYLERENESENS/SantAndrea-Matua-interior.jpg, consultado a 20150901. 184. Imagem 19 – fotografia de paisagem, desenhos, maqueta. (Manalvo, Projecto e Narrativa: a investigação sobre a narrativa como método de pesquisa., 2009) 186. xv.

(18) xvi.

(19) QUADROS. 252. Quadro 1 – Diagrama temporal. Quadro 2 – Tipos de conhecimento e procedimentos empregues na pesquisa de narrativas, segundo Polkinghorne, in Hatch e Wisniewski, ed. (1995). 254 Quadro 3 - Estrutura básica para a metodologia de pesquisa sobre a análise narrativa. (Webster e Mertova 2007:105). 255 Quadro 4 – Analogias na De re aedificatoria.. 256. Quadro 5 – Raciocínio analógico.. 257. xvii.

(20) xviii.

(21) Introdução Esta investigação é o culminar da pesquisa, pensamento e obra que começou nos últimos anos da licenciatura em arquitectura. Nesta, a pesquisa sobre a arquitectura e a prática de edificar, conduziu à procura de uma forma estruturante do pensamento e da acção que servisse de mediação entre a arquitectura, o desenho e o pensamento. Esta forma estruturante que ‘dar a ver a arquitectura’, o desenho e o pensamento radicou, desde muito cedo, na concepção da palavra e imagens literárias, o que conduziu à ideia da presença e à imposição de formas narrativas na arquitectura, na concepção e na investigação. A ideia da presença das formas narrativas, tornou-se produtiva, desenvolveu-se em paralelo, e com iterações, com o percurso profissional, acompanhando obras no papel, obras construídas e mobiliário, com o ímpeto de estrutura agregadora. Em 2009 teria o primeiro momento de registo, fora do contexto da obra, através da dissertação de mestrado sobre o tema ‘Projecto e Narrativa: a investigação sobre a narrativa como método de pesquisa’ (FAUTL). Através desta dissertação, foi iniciado o registo de uma inquietação, pensamento sobre a disciplina ‘pesquisa narrativa’, combinando essa forma de pesquisa com a investigação no projecto, no contexto da contemporaneidade. A teoria narrativa introduziu-se assim, de uma forma mais evidente, nas preocupações da obra, no sentido de potenciar a imaginação literária e arquitectónica, e clarificar a comunicação pela obra.. 3.

(22) A investigação ulterior aprofunda os argumentos filosóficos da relação da narratologia com a arquitectura, tomando a obra escrita de Leon Battista Alberti (1404-1472), sobretudo De re aedificatoria (1486), como narrativa anterior à arquitectura a que se refere, e procurando testar a presença da forma narrativa na concepção de arquitectura em Francisco de Holanda (1517-1584) e de António Rodrigues (c. 15251590), cem anos depois das formulações de Alberti. A investigação é também o resultado da participação em conferências científicas, onde foram apresentados e discutidos resultados provisórios desta investigação, e onde foram recolhidos contributos de outros investigadores interessados nesta temática1.. 1. Antuérpia (‘Narrative and Analogies in Architecture. The recreation of Alberti's treatise (1486) in Portuguese Renaissance with Holanda (1517-1584) and Rodrigues (c. 1525-1590)’. 2012. Editada em Proceedings of the international conference ‘Theory by Design. Architectural research made explicit in the design teaching studio’. Faculty of Design Sciences. Artesis University College. Antwerp University Association. Oct 2012. ISBN: 978-94-90705-077; São Paulo (‘Narrativity and Architecture. The Portuguese Renaissance with Holanda (1517-1584) and Rodrigues (c. 1525-1590)’. 2012. Editada em Proceeedings of the international conference ‘Espaços Narrados. A construção dos múltiplos territórios da língua portuguesa’. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. pp 659-671. Oct 2012. ISBN: 978-85-8089-022-8; Delft (‘Disegno interno’: rhetoric and narrative into architectural design. Paper presented in the second International Conference on Architecture and Fiction, ‘Writingplace. Literary Methods in Architectural Research and design’. Faculty of Architecture, Delft University of Technology. Nov 2013; Covilhã (‘Narrative ways of designing’. Paper presented in the International Conference on Design Research ‘Designa 2013: Interface’. Universidade da Beira Interior. PT. Nov 2013. ISBN 978-989-654-139-2 (papel); 978-989-654-140-8 (e-pub); 978-989-654-141-5 (pdf) ; Coimbra (‘Designing by narrative. An inquiry into architecture after ‘De re aedificatoria’’. 2013. Editado em Proceedings of the international conference Digital Alberti ‘’Tradition and 4.

(23) innovation in the theory and practice of architecture’’; Joelho, Coimbra; vol 5; 2014. ISSN: 1647-2548; e Lisboa (‘Architectural narrative fictions’ Paper presented at the International Conference ARCH&LIT: Inter-Arts Dialogue(s), FCSH-Universidade Nova, Lisboa, 4-5 dezembro 2014.. 5.

(24) 6.

(25) Capítulo 1 CASO DE ESTUDO É reconhecida a aproximação descritiva à arquitectura2 em textos e em suportes de acção / acontecimentos que fazem a distinção da forma construída e a forma habitada. Contudo, retirando os textos do âmbito da linguagem, resta um meio, uma estrutura de suporte menos sujeita à dúvida e ao desajuste em relação ao referente – o desenho. Esta perspectiva vem valorizar a via do desenho para a arquitectura e retoma o desenho como base para a invenção de máquinas arquitectónicas no Renascimento, suportes para fazer arquitectura. A concepção da arquitectura, é hoje uma disciplina onde o sentido da visão e os meios visuais são mais valorizados que a invenção dos meios que permitam edificar essa arquitectura. Contudo, começamos a recuperar hoje, a partir de outras disciplinas, outros sentidos e aceitamos uma forma menos consciente para a experiência e a prática da arquitectura. Este domínio multissensorial é assim aceite e, do ponto de vista filosófico, dá corpo e substância à experiência, ao habitar e ao aparecimento do espaço vivido. Os textos que se referem ao espaço vivido, tem sido sobretudo um meio descritivo e prescritivo de aspectos técnicos e funcionais, usados no projecto para clarificar o pensamento e as intenções de desenho. E, desta forma, têm sido relegados para segundo plano na prática da. 2. Na redação deste documento, por opção do autor, não se seguem as regras do acordo ortográfico.. 7.

(26) concepção da arquitectura, porque não atingem o âmago da concepção, da arte edificatória. No domínio estrito da literatura encontramos imagens de arquitectura, descrição de espaços dos acontecimentos e dos estados de espírito, que são parte integrante da forma literária, porque os acontecimentos têm lugar num cenário, ou cenários, sem os quais não teriam suporte. Estes cenários são lugares, na acepção arquitectónica, que evocam as experiências que neles têm lugar através da palavra e das acções de actantes. Para o ouvinte, transformado em actante, a imaginação é activada pelos sentidos visuais e auditivos, criando assim imagens visuais, o ambiente e a consciência necessários para a experiência dos lugares. Esta caracterização da experiência humana, lugar cinemático, define o ponto de vista da concepção orientada para o protagonismo do criador / actante de uma ficção. Nessa concepção dá-se lugar a imagens vivas na mente, um conjunto de memórias emocionais. Encontramos também outros textos, veja-se Umberto Eco, Calvino, Borges, onde a forma arquitectónica passa para a literatura. Nestes textos a arquitectura é matriz de organização, organiza o diverso, embora não esteja baseada num fim teorético ou estético da arquitectura, mas na unidade do nosso mundo externo e interno. Em certo sentido, repetimos como (Sartre, 1964) expressa em ‘Les Mots’, recontando as histórias3 como se as estivéssemos a viver, o mundo interno e externo na mesma narrativa.. 3. Usamos a grafia história para designar as histórias que se contam e não as histórias do universo da historiografia (stories e não histories).. 8.

(27) Nesta visão, a arquitectura está centrada na vida e no que esta abarca e não somente nas relações de forças que lhe definem a forma4. Se imaginamos uma parede, pensamos no que acontece atrás dela e não noutras paredes ou artifícios estéticos. No domínio da arquitectura, como sabemos, fundem-se vários conhecimentos, pelo que é muitas vezes uma forma de saber impura, sem um ponto de partida claro, com métodos diversos. Vitrúvio sugere que a arquitectura tem uma origem mítica e que se fundamenta na concepção da cabana primitiva associada à descoberta do fogo, à vida em sociedade e à invenção da linguagem. Já Alberti propõe que a arquitectura resulta da necessidade de protecção do homem e dos seus bens, relativamente à intempérie (livro IV, cap. 1), depois concebida como necessidade de conservação da vida em comodidade. Alberti dá assim, voz a aspectos estéticos, económicos e emocionais, reunindo assim muitos e diversos conhecimentos numa disciplina complexa e dotada de entropia. Para resolver a multiplicidade de aspectos em presença, a palavra, os conceitos verbais, as figuras de estilo e os fenómenos de esquematismo são fulcrais para compreender as narrativas e a imaginação que a partir delas se constrói. Desta relação, nasce o paralelismo entre a escrita e o desenho, desde Vitrúvio, às ilustrações com letras em Alberti, entre muitos outros.5 É contudo, Alberti quem escreve um conjunto de livros teóricos, De re aedificatoria, de carácter argumentativo e sem ilustrações desenhadas,. 4. Na literatura clássica a vida é abordada de uma forma épica, com relações de casualidade, interdependências e dimensões humanas, éticas e morais.. 5. Por vezes os textos têm um influência fundamental para a arquitectura. A este propósito, veja-se, por exemplo, a obra e os escritos de Louis Kahn (1901-1974).. 9.

(28) que têm a particularidade de activarem a imaginação do ouvinte através de meios literários, por si, através da forma e da lógica e das figuras de estilo como metáforas6. É através desta figura retórica que relaciona um objecto com outro, que se leem transferências de informação analógicas, transpostas de uma coisa para outra, de género para a espécie, e ao contrário, ficando o primeiro objecto implícito no segundo. Assim, a literatura, ou o texto, evoca uma consciência do fenómeno arquitectónico mediando sensações de experienciar a arquitectura do texto adequado à arquitectura, da linguagem para o pensamento espacial e arquitectónico. Esta evocação traduz-se numa poética, no sentido evocativo e metafórico, na formalização verbal para o leitor/ouvinte sentir o fenómeno arquitectónico. Neste sentido, o propósito das palavras é dar sentido, orientar, iluminar e revelar. Uma palavra poética que dá a ver, activa os sentidos e o entendimento, que estudos recentes ( (Havik, 2014) com referência a Pallasmaa pp. 12) tentam capacitar ‘escrever arquitectura’ da mesma forma como um compositor escreve música. Nestes estudos, entre a arquitectura e a literatura, procura-se compreender a capacidade das palavras para estimularem a experiência arquitectónica, textos que medeiam as experiências sensoriais que não são comunicáveis em desenho7. Outros estudos como (Keunen, 2011) incidem sobre as narrativas para explorar conceitos do estruturalismo, de Bahktin, relativos à criação de imagens mentais, como imaginação narrativa. 6. Segundo (Aristóteles, 2011) p. 7, (384 a.C. – 322 a.C.), o uso de metáforas é o maior talento do homem, aquele que não se pode aprender de outros.. 7. A este propósito lembramos a descrição de J. Ruskin (1819-1900) em The Stones of Venice, da fachada de S. Marcos.. 10.

(29) Estes desenvolvimentos definem assim o campo do estudo geral, situado na relação entre as narrativas e a arquitectura, mediado pela experiência do espaço vivido e a construção mental das imagens narrativas, do texto e do edificado. Definem também a circunscrição da investigação, de caráter teorético, à relação entre o texto instaurador da teoria da arquitectura de Alberti (De re aedificatoria), escrito no alvor do humanismo, e os textos de Francisco de Holanda e António Rodrigues no contexto do Renascimento em Portugal, cem anos depois das formulações de Alberti. Propósito da investigação Esta investigação, centrada na teoria e prática do projecto, tem como objectivo geral traçar a relação entre a narrativa e a arquitectura, no sentido de deduzir a correspondência entre a narrativa e os resultados nos objectos de estudo, para compreender as razões que dão sentido a diferentes interpretações na arquitectura. O enquadramento disciplinar da investigação, com o ponto de vista a partir da teoria e prática do projecto e da pesquisa narrativa, permitirá descodificar a narrativa e caracterizar os processos bem como os acontecimentos críticos identificáveis na obra arquitectónica, para testar a passagem do texto à arquitectura através de um estudo selectivo de objectos considerados relevantes que, simultaneamente, coloquem à prova a problemática enunciada pela pretensa passagem de conceitos, como analogia formativa e expressiva. Pretende-se, assim, analisar de que modo a narrativa intervém na concepção, e se esta atribui significado e forma ao espaço arquitectónico, relacionando a metodologia do discurso humanista e. 11.

(30) os ensinamentos de Alberti (1404-1472) na narrativa anterior à arquitectura, De re aedificatoria, e instauradora da teoria da arquitectura como antropogenese, com os resultados patentes na arquitectura de Quatrocentos, para pesquisar os mecanismos que regem o uso da narrativa no delineamento de um “corpo completo e claramente construído”. Pretende-se, ainda, questionar a existência de um pensamento narrativo na arquitectura, e especificamente a relação entre pensamento discursivo e não discursivo, através do teste da arquitectura do Renascimento em Portugal, de Francisco de Holanda (1517-1584) e de António Rodrigues (c. 1525-1590), para determinar os instrumentos da pesquisa narrativa bem como as dimensões operativas da arquitectura e da prática de projecto, que assumem maior relevância na investigação e na compreensão da arquitectura como suporte e como fonte de disseminação de informação. Este objectivo, assenta numa perspectiva teorética da investigação narrativa, para desvendar a relação entre (pensamento) narrativas e a (representação da arquitectura) arquitectura a partir da leitura de Alberti, para desvendar a transformação do registo verbal no registo espacial. A disciplina da investigação narrativa propõe o acesso e a reconfiguração do real no contexto das narrativas. Estes dois modos de acesso ao real centram-se no estudo das transformações, registados nos suportes em narrativas, fábulas e ficções. Segundo a filosofia das histórias, estes suportes apresentam-se em conflito de legitimidade, e desenvolvem dois caminhos: a hermenêutica do significado e a lógica do sentido. Do pronto de visto pragmático, a função da narrativa. 12.

(31) apresenta-se diverso, já que a forma e o objectivo divergem com o aparecimento de meta-narrativas8. Relativamente à narrativa instauradora da teoria da arte edificatória, o interesse na interpretação e compreensão do legado deixado por Alberti mantém-se actual e com valor para os nossos dias, a avaliar pela continuidade das traduções da obra e pela investigação das conexões entre a obra teórica, a obra arquitectónica e a cultura da época. A vasta bibliografia sobre Alberti e sobre o Renascimento não esclarece, contudo, qual a relação da narrativa com a arquitectura, não enuncia as dimensões operativas da arquitectura de raiz clássica e da prática de projecto, e quais as conexões desta proposta teórica com as obras do Renascimento / Maneirismo (1520-1600) no contexto nacional. Argumentando a expressão de Sartre sobre “recontar histórias”, não está esclarecido como a passagem das artes da memória medievais chegam à “retórica arquitectónica” e como estruturam o pensamento racional sobre a disciplina. Problema específico a abordar Podemos compreender um objecto arquitectónico através do apelo que esse objecto faz os sentidos da visão e do movimento. Face a uma imagem, uma representação, uma maqueta ou a realidade, os sentidos participam de uma forma directa na apreensão dos estímulos para a intelectualização e compreensão do real, procurando determinar a posição, a dimensão, a relação entre as partes, os limites, as permeabilidades, a luz. Neste movimento, do corpo para o objecto, os sentidos deslocam a fisicidade do corpo pelas representações ou pela. 8. Ver (Lyotard, 1984) a propósito da definição da pós-modernidade.. 13.

(32) realidade, para compreender se o objecto é habitável, o que é, qual o tema que desenvolve. Outra forma, indirecta, de compreender um objecto da cultura material é através da leitura de fontes bibliográficas que investiguem esse objecto ou através do(s) seu(s) autor(es). A primeira forma procura dar a compreender a realidade através do ordenamento de acontecimentos relevantes, que constroem uma narrativa e que dão sentido a uma interpretação enquanto a segunda forma recebe passivamente esse ordenamento como uma história que é contada. Compreende-se, deste modo, que há diferentes tipos de narrativas e diferentes maneiras de fazer histórias uma vez que dependem das interpretações e das formulações que lhes dão sentido. Parafraseando Sartre, em Les Mots (ed. 1964), “as pessoas são contadoras de fábulas, vivem rodeadas pelas suas histórias e das histórias dos outros, veem tudo o que lhes acontece através dessas histórias e tentam viver as suas vidas como se estivessem a recontálas”. As narrativas constituem, por isso, uma forma de estruturar o que se sabe, são veículos de (in)formação fundados na cultura, estruturas adequadas à comunicação de saber, com interesse para a arquitectura. Mas, como se usa o que se sabe? Esta interrogação está presente na praxis9, bem como na relação do pensamento com a matéria, na poiesis10 e, é muitas vezes respondida subjectivamente com uma estrutura narrativa que permite grafar resultados possíveis. A estrutura, como suporte de informação é, em nosso entender, aquela que permite analisar o veículo de pensamento e comunicação, comparável à linguagem. Para esta análise, a formulação das hipóteses 9 10. Praxis, no sentido da prática de investigação, demonstração, prova prática. Poiesis, no sentido de produção plasmada na matéria, poeticamente.. 14.

(33) para a compreensão deste fenómeno assenta na noção, da filosofia das histórias, de que as histórias representam coisas como se existissem, ou coisas que existem, e as circunstâncias como acto11. Contudo, para distinguir as narrativas no texto, nas imagens e na obra arquitectónica, é necessário investigar o que é representado na narrativa e o que se denomina de conteúdo narrativo da história. Para investigar esta temática, suspeita-se que a narratividade na arquitectura resulta do uso de analogias, enquanto a prática de projecto se funda no pensamento narrativo, uma forma de ‘poiesis’. Importa, assim, determinar a relação dos dois domínios, narrativa e arquitectura, bem como as dimensões operativas da narrativa na arquitectura. Para investigar a relação entre a narrativa e a arquitectura toma-se como objecto, da reflexão, a narrativa de Alberti, ‘De re aedificatoria’, por se tratar de um texto de arquitectura que se refere à arquitectura que ainda não existe e, avança-se, como hipótese, a existência de uma estrutura narrativa em De re aedificatoria, especialmente incorporada no processo do lineamentis e que esta dá sentido à arquitectura. A prática reflexiva e comparativa no estudo da relação do texto com a arquitectura, a partir do ponto de vista da teoria e da prática do projecto, contribui para um entendimento das conexões entre saberes diferentes e em última análise da disciplina que trata da edificação, mesmo na contemporaneidade12. O texto sobre a arte edificatória, tal como a restante obra de Alberti é fundamental para compreender as realizações do Humanismo Italiano, no qual ocorrem transformações 11 12. Tal como refere (Currie, 2010), in “Narratives & Narrators. A Philosophy of Stories”. Esta prática reflexiva e comparativa remonta a Vasari (Le Vite …1550) com as implicações disciplinares do texto que supera o exemplo edificado.. 15.

(34) não só na arte, mas na cultura e na língua13, criando um legado para a disciplina na contemporaneidade polarizada entre construção vitruviana e a coisa mentalmente concebida. Os textos do humanismos são também importantes para compreender a alteração do paradigma da concepção, por proporem narrativas didácticas, esclarecer a vontade de compreender, de criar conhecimento e, por antecederem a realização das obras14. Para esta investigação, o horizonte temporal do ‘corpus’ em análise circunscreve-se ao percurso delineado no Quadro 1 – Diagrama temporal (pp. 252), a partir do Renascimento Italiano e, considera-se a importância de Alberti na transição de uma prática organizada em ministeriu (lat. ofício de servo) para uma coisa mental, uma arte liberal independente da profissão manual. Tal como Alberti refere no Prólogo do De re aedificatoria, publicado em latim, em Florença em 1485, recebemos do passado “muitos e variados saberes”, que estão à vista de todos, não se excluindo, antes se relacionando, tecendo o suporte “para que a vida seja vivida de uma forma agradável e feliz”. Destes saberes, a arquitectura apresenta-se “utilíssima e extremamente agradável ao género humano” (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 2011), pp. 137. Com esta perspectiva, Alberti inaugura o discurso disciplinar sobre a arquitectura, com o “desejo de ser 13. É neste período, pela mão de Alberti, que a teoria científica da perspectiva é enunciada, passando da óptica medieval para a perspectiva científica com três tipos de raios numa pirâmide visual. É igualmente da sua responsabilidade o estabelecimento das regras gramaticais do volgare florentino que ganha assim o estatuto de língua.. 14. Note-se contudo, que na obra De re aedificatoria há algumas referências, embora breves, a outros trabalhos em que Alberti participou, apenas como exemplos de um processo e não como resultados de uma prática.. 16.

(35) absolutamente claro (…) fácil e acessível”15, sem contudo tomar a forma de um texto científico ou literário. Trata-se de um texto que não explicita ideias ou as enuncia, como faria um texto científico, nem trabalha um enredo ou uma exposição narrativa como um texto literário. A arte da edificação, na acepção de Alberti, explanada ao longo dos dez livros, trata da disposição de matérias, desde a fundação ao coroamento de uma edificação, ora enunciando ora expondo. Este enunciado, na forma de uma anotação sobre o objecto de estudo, descreve disciplinadamente o objecto – a edificação material – ultrapassando o propósito da encomenda proposta, a anotação aos dez livros de Vitrúvio entretanto redescoberto e publicado, igualmente em latim, em Roma em 148616. Através deste discurso, Alberti pretende dar a entender um assunto multifacetado, vasto e difícil de expor, sem contudo nada acrescentar para enfeitar o discurso, como o próprio afirma ao longo da obra (Livro V (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 2011) pp. 317; Livro VI (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 2011) pp. 375), mas atribuindo valor à forma não discursiva da arquitectura.. 15. Contrariamente à falta de inteligibilidade de outros discursos sobre a disciplina, como em Vitrúvio ao escrever sobre toda a arquitectura. In (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 1485) p. 145, Livro I, cap. 1.. 16. Os dois tratados, de Vitrúvio e de Alberti, têm recepção contemporânea na cultura do Quattrocento, apesar de 15 séculos de distância. Note-se que o humanismo recuperou os modelos literários da antiguidade greco-romana, com o objectivo de restaurar o latim clássico. Na recuperação destes modelos encontramos a tradição ciceroniana segundo a qual se recuperava o conhecimento que afecta a condição humana e promove o aperfeiçoamento espiritual do homem, o conhecimento humanista. Neste sentido os dois tratados são contemporâneos, apesar do hiato temporal (Payne, 1999). Não obstante a recuperação do latim, Alberti proporá em 1437-1441 as Regole della volgar lingua fiorentina (Regras da língua vulgar de Florença), também designada Grammatichetta Vaticana. 17.

(36) A narrativa de Alberti aborda a arte edificatória, baseada na análise e no. levantamento. histórico. referenciado,. embora. pouco. pormenorizado. Por isso, não é um texto sobre a arquitectura da Antiguidade, como o de Vitrúvio, mas é um texto para ser lido por patronos, sobre uma forma de fazer arquitectura recuperando a memória e ultrapassando a referência. De re aedificatoria analisa os edifícios antigos numa síntese tripartida17, com equivalência semântica ao que fez Vitrúvio, sob o ponto de vista da construção (necessitas) firmitas, da comodidade (commoditas) – utilitas e da beleza (voluptas) – venustas, para fundamentar uma prática re-edificatória, renovadora da arquitectura do passado que se perdia da memória. Os livros I, II e III abordam a necessitas – teoria geral da construção, uma relação entre a matéria e a forma da edificação; os livros IV e V abordam a commoditas onde é desenvolvida a concepção no binómio necessidade / desejo; os livros VI, VII, VIII e IX abordam a voluptas, o prazer gerado pela beleza; finalmente, o livro X, já fora do entendimento ternário, aborda as regras de reparação dos edifícios voltando a referir-se aos três primeiros livros18. De re aedificatoria retoma temas abordados anteriormente, tratados de arte paralelos com a obra literária de Alberti como se tratasse de sequências (ou enredos) que conformam uma obra (a edificação) no. 17. Veja-se (Cassirer, 1983 [1927]) pp. 383 sobre a analogia da trindade dos signos sensíveis com o divino na aproximação ao saber na filosofia do renascimento, (…) tout ce qui est achevé et parfait est de toute nécessité triple. Or la Sagesse est parfaite, la trinité est parfaite, donc on trouve trois Sagesses et trois trinités. (ie - in mundo:Intellectualis / Celestis / Sensibilis).. 18. Este é, segundo alguns autores, um livro incompleto (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 1485) pp. 25) mais próximo de uma obra literária e menos tratadista, recapitulando noções, como uma obra aberta, existencial.. 18.

(37) seu conjunto, completa e multifacetada19. A estrutura das sequências está presente nas partes do tratado com linhas de desenvolvimento que abordam novas perspectivas sobre os conteúdos. Assim, os livros que compõem o tratado têm uma relativa unidade com o conjunto dos livros em sequências de conhecimento disciplinar, mas permitem a leitura separada, sem sequência e sem perda de sentido parcial. O texto de Alberti é o primeiro especificamente sobre a arquitectura que ainda não existe, um texto que não aborda todo o conhecimento sobre a edificação, mas que toma a concepção da edificação o seu objecto principal. Note-se que a diferença principal entre o tratado de Vitrúvio e o de Alberti reside no objecto de cada um e na identificação dos ramos de conhecimento que são necessários para abordar esse objecto. Vitrúvio, em De Architectura refere-se ao produto da arquitectura e enuncia os saberes necessários no Livro I, mas Alberti, em De re aedificatoria refere-se ao estudo sistematizado da concepção da arquitectura sem enunciar quais os saberes em causa, antes reporta-se a analogias com conhecimentos fora da arquitectura, como o “edifício-corpo” no Prólogo, corpo animal cuja matéria é delineada, ou como no Livro IX cap. 5 com as analogias com a música20.. 19. A especificação do campo disciplinar da arquitectura centra-se no conhecimento do objecto arquitectónico, a coisa, o acontecimento de algo determinado e que tem existência mental ou que é objecto de um discurso de fundamentação assumindo-se assim simultaneamente objecto mental e sensível, dado a ver e a compreender.. 20. Além dos conceitos que Alberti faz equivaler aos que encontramos no texto de Vitruvio, a concepção é dominada pela introdução de analogias. Estas analogias têm como objectivo a inteligibilidade da arquitectura através de equivalências com harmonias musicais e sistemas proporcionais derivados da matemática Pitagórica, nomeadamente com a equivalência das proporções pitagóricas para a visão com a música.. 19.

(38) Outras distinções dos dois tratados permitem antever o carácter generativo da narrativa que advém da formulação de Alberti. No domínio da concepção, enquanto Vitrúvio concebe a prática unida à reflexão, atribuindo-lhe uma filiação estrutural, Alberti atribui-lhe uma dimensão mental, na concatenação das partes, precedendo a obra onde se persegue a beleza e harmonia cultural face à beleza e harmonia criadas pela natureza. No domínio da teoria e da prática, Vitrúvio enuncia uma doutrina artística canónica, uma teoria prática, com projectos pré-determinados a partir da noção de euritmia21, enquanto Alberti apresenta uma teoria do projecto, não como um edifício é por si, mas como é para nós, no acto perceptivo22, uma coisa mental baseada na faculdade de apreciação humana e uma ordenação disciplinar, uma teoria metafísica e didáctica. Relativamente às relações proporcionais, Vitrúvio apresenta uma visão dogmática com uma modulação previamente adoptada e corrigida opticamente, enquanto Alberti aborda o todo, como uma história bela para o ouvido, aliando o prazer dos olhos ao prazer dos ouvidos, comparando o trabalho de um arquitecto ao de um músico por compor a diversas vozes, estabelecendo relações biunívocas entre o texto (musical) e a arquitectura23. A analogia das harmonias musicais (Livro IX Cap. 5) serve para o desenvolvimento de sistemas proporcionais, de carácter argumentativo já que a partir de duas dimensões se relaciona uma terceira. harmoniosamente.. Alberti. define. este. processo. de. 21. Proporção entre as partes de um todo, regularidade do ritmo.. 22. Choay in (Alberti L. B., L' art D' edifier, 2004) designa este processo de concepção uma antropogenese por situar o homem no meio dos homens e na natureza, tornando a praxis arquitectónica matéria de carácter antropológico.. 23. A este propósito veja-se (Eriksen, 2001).. 20.

(39) proporcionar um edifício de concinidade24 (conformidade, elegância, apuro) com a natureza, a harmonia das partes para constituírem a totalidade, que prevalece sobre uma suposta unidade estilística ao conjugar em planos distintos estilos diversos (tempos e narrativas). Finalmente, no domínio dos estilos, Vitrúvio apresenta quatro ordens ou géneros: dórica, jónica, coríntia, compósita (ou itálica), enquanto Alberti substitui as ordens pelo conceito de columnatio – partes da coluna e não as ordens – sistema generativo com sete elementos que se organizam para reproduzir as ordens nas variações específicas: pedestal, base, coluna, capitel, arquitrave, cornija (Livro VII, cap. 5)25. As analogias e exemplos usados por Alberti baseiam-se na tradição da retórica de Cícero, para potenciar a comunicação persuasiva da narrativa, como por exemplo “a diversidade dos edifícios deve-se à diversidade dos humanos e à arquitectura deve-se, mesmo, a possibilidade de vida em sociedade”26. Ao manter figuras da eloquência no acto da concepção arquitectónica, Alberti cria uma retórica arquitectónica que usa os ensinamentos da escolástica e da oralidade no ordenamento do discurso disciplinar. Neste discurso, os descritores usados constituem 24. O conceito de concinidade é fundamental para a compreensão dos limites da linguagem em que Alberti opera e, por extensão, dos limites da concepção da arte edificatória. Tal como definiu os limites das representações, claramente traçados a negro em Della Pittura (1435), o conhecimento dos limites que dão forma à cultura permite organizar a realidade para a tornar compreensível ao pensamento e, criar uma estrutura semântica cujos limites são conhecidos pelos sentidos (Ackerman, 1991).. 25. No limite Alberti recusa o desenho e dá a ver esquemas análogos ao desenho de letras, Livro VII, cap. 7, recuando do esquema de um som para a ideia de um símbolo.. 26. In (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 1485) pp. 37, Introdução por Mário Kruger. Esta ideia dos exemplos de Alberti apoia-se na obra Della famiglia (1432). Veja-se, contudo outra tese sobre a origem da arquitectura (McEwen, 1997), anterior aos conceitos desenvolvidos pela filosofia clássica grega que nela se suportam.. 21.

(40) os. paradigmas. que. são. trabalhados:. a. região,. a. área,. a. compartimentação, a parede, a cobertura, a abertura (…) para valorizar a arquitectura como um dos saberes que contribuem para que a vida seja vivida de uma forma agradável e feliz. Com o texto sem desenhos27, Alberti valoriza a transmissão oral da concepção da arquitectura sem a pré-figuração e o controlo efectivo da obra pelas prescrições desenhadas, como na contemporaneidade. A valorização da oralidade em detrimento do desenho impede a cópia de modelos e a consequente perda de sentido28. Desta forma, Alberti defende o valor generativo das regras e do método narrativo que dá a ver o mundo mental, contra o poder redutor da imagem, que dá a compreender imprecisões interpretativas. Por um lado, o texto integra a narrativa de uma prática da memória e é menos adulterável que o desenho, em virtude de ser suficiente para descrever conceitos, como relações proporcionais e analogias. Assume um carácter retórico para um caminho de nova contextualização com a particularização do legado deixado pelo passado, a base da formulação da interpretação da memória que se revive. Por outro lado, o desenho inicia o caminho de um novo quadro edificado, dando a compreender os objectos da arquitectura mental através dos sentidos. A perda de controlo da obra. 27. Embora alguns autores justifiquem a forma do tratado pelos meios disponíveis na época, não nos parece, contudo, completamente válida a argumentação relativa à tradição de edição de folios, baseada na cópia e iluminura, uma vez que já em 1439 Johannes Gutenberg (c. 1398-1468) tinha melhorado a impressão com tipos móveis e a utilização da gravura era frequente.. 28. Note-se contudo, que alguns autores que se debruçaram sobre o período histórico anterior reforçaram o valor da representação gráfica como estratégia de memória. Veja-se (Carruthers, The Craft of Thought. Meditation, Rhetoric, and the Making of Images, 400-1200, 2006), pp. 228-231 sobre o plano de St. Gall.. 22.

(41) é resolvido a partir do projecto, uma forma de retórica visual ( (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 2011) pp. 72, na introdução por M. Kruger), como uma escrita, através da qual o delineamento e a tradução edificada tentam coincidir. Embora a forma do tratado exclua as imagens, os conhecimentos anteriores, como o tratado de Vitrúvio, estão presentes noutras obras de Alberti. Veja-se (Alberti L. B., Ex ludis rerum mathematicarum)29 (manuscrito “Matemática Lúdica” que apesar do titulo em latim foi escrito em vulgar, c. 1450) onde Alberti aborda a possibilidade de medir grandezas inapreensíveis sem o uso de instrumentos, máquinas, tendo apenas como auxílio a matemática, dando voz à ciência na tentativa de ampliar o domínio do homem sobre a natureza natural. Neste aspecto, a narrativa de Alberti reflecte as tradições anteriores e, à semelhança de Vitrúvio em De Architectura no Livro IX, apresenta um princípio de Pitágoras na forma de uma sequência de números inteiros (3, 4, 5), de utilização ainda hoje frequente, para executar ângulos rectos na construção (Imagem 1, Imagem 2, Imagem 3). Ao retirar este saber do tratado da arte edificatória, reforça o valor do verbo na concepção30.. 29. Alberti, Leon Battista, 1404-1472. Ex ludis rerum mathematicarum : manuscript, [14--]. MS Typ 422.2. Houghton Library, Harvard University, Cambridge, Mass.. 30. Do De re aedificatoria existe uma referência breve a este conhecimento no livro III cap. 2 in (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 1485) pp. 233 sem contudo referenciar Pitágoras.. 23.

(42) Imagem 1 – Invenção de Pitágoras, referida por Vitruvio no Livro IX De Architectura, “cette invention qui est utile à beaucoup de choses, mais principalement pour mesurer, a aussi un grand usage dans les Edifices pour regler les hauteurs des degrez des Escaliers (…) como podemos ler versão de Perrault de 1673:255.. Imagem 2 – Exemplo prático de Alberti, sem. referência. a. Pitágoras,. para. representação de triângulos rectângulos que permitem decompor formas mais complexas para realizar levantamentos e retirar medidas indirectas, in Ex ludis rerum mathematicarum c. 1450. f.8. (seq. 19).. 24.

(43) Imagem 3 – A sequência de números inteiros que permite construir em ângulo recto é sintetizada na representação gráfica, dando corpo ao Teorema de Pitágoras. Observamos que os quadrados que compõem cada lado são iguais e a soma das partes em ângulo recto é igual ao conjunto maior de quadrados.. O texto de Alberti é, assim, um novo método de concepção em arquitectura que possibilita a criação e não a reprodução de obras da Antiguidade Clássica, operando a síntese Medieval – pelas estratégias da memória – com o pensamento moderno - sustentado pela razão. É um documento com uma dimensão narrativa facilmente identificável dado o universo de personagens, os acontecimentos reais e fictícios no espaço e no tempo, que ilustram as dimensões conceptuais que estruturam a disciplina. Neste sentido a narrativa é o suporte legitimado para geração de conhecimentos ou aplicação de práticas para a realização de uma obra, trabalhando os significados, assimilando-os, acomodando-os ou transformando-os. Este processo que reescreve, ou redesenha, o que foi escrito antes é diferente da. 25.

(44) cópia e baseia-se na retórica explorado no Quattrocento31 e opera de quatro maneiras: “por adição, por subtração, por transferência e por transformação (…) mas não por cópia integral”. Deste modo, a arte edificatória defendida por Alberti, movendo-se entre a imitação e a concinidade, manifesta-se ambígua porque transforma o legado da arquitectura clássica de algo previsível em inexplicável e, por outro lado, o tratado inverte os termos da teoria, transformando o inexplicável em algo previsível, como observa M. Kruger ( (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 2011), p. 120, Introdução). Compreende-se assim, que as influências das obras de Alberti fazem-se sentir no desenvolvimento e na sistematização do saber sobre a disciplina, na prática e na transmissão desse saber32. A falta de imagens ou desenhos reforçam o valor e peso do verbo na oralidade da narrativa. Reflecte, ainda a precisão na transmissão de um modo generativo de arquitectura e não reprodutivo33. Com o advento da impressão, o texto de Alberti é publicado em 1485 e 1550 em Florença34, com imagens ilustrativas que interpretam (dão a 31. Veja-se (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 1485) pp. 119, na Introdução por M. Kruger, a referência ao professor de latim e retórica de Alberti, Gasparino Barzizza (1360-1431). 32. A bibliografia sobre Alberti é vasta atestando o interesse da sua obra que permanece referencial no nascimento da sistematização sobre a disciplina da arquitectura, e da inovação projectual, no nascimento de uma arte liberal, coisa mental que necessitava da teoria didáctica, não só relativa à encomenda mas também à aprendizagem da prática e separação dos saberes conceptuais dos tradutores.. 33. Como referência, o primeiro tratado com imagens impressas foi editado por Serlio (14751553/55) em 1537 e 1540, livros III e IV respectivamente, após a publicação parcial em 1517. Neste tratado, pela primeira vez as ilustrações têm tanta importância como o texto, no apelo ao sentido da visão, em representações concretas e informativas, recorrendo a projecções ortogonais e perspectiva na mesma representação. 34. Edição de Cosimo Bartoli.. 26.

(45) compreender) os princípios enunciados por Alberti, passando a fazer parte da difusão do conjunto de narrativas sobre arquitectura35. Os conceitos usados por Alberti começam então a ser conhecidos e entram no léxico comum, como base do Renascimento, no âmbito da aprendizagem e da recepção da arquitectura. No contexto português o interesse pelo legado de Alberti centra-se nas viagens de Francisco de Holanda (1517-1584) e António Rodrigues (c. 1525-1590), no reinado de D. João III, para Itália. Há, ainda, a convicção de que André de Resende (1500-1573) trabalhava numa tradução do texto de Alberti para vernáculo, no reinado de D. João III, pelo que o tratado estaria acessível para Holanda, Rodrigues, tal como outros ensinamentos de geometria/desenho e matemática. (Moreira, Um Tratado Português de Arquitectura do século XVI (1576-1579), 1982) atribui a António Rodrigues a autoria do primeiro tratado de arquitectura português composto por duas partes conhecidas: um manual de fortificação de pendor vitruviano e, outra parte de, preposiçois mathematicas. No entanto, esta atribuição não tem sido consensual uma vez que as páginas existentes não se apresentam de forma estruturada e aproximam-se mais de uma produção escrita, provavelmente enquadrada noutra. 35. Nestas narrativas inclui-se o redescobrimento de Vitrúvio, com a primeira tradução impressa para italiano (1521), depois de Fra Giocondo (1433-1515) de Cesare Cesariano (1476/78-1453); os livros de Sebastiano Serlio (1475-1553/55) com publicação parcial a partir de 1517, com representações em perspectiva e projecção ortogonal; Iacomo Barozzi da Vignola (1507-1573) afastando-se do estudo da arquitectura antiga, faz a interpretação e compila as regras em imagens, na forma de Cânone com a teoria das proporções visando a aplicabilidade prática (pré-barroco); Andrea Palladio (1508-1580) com ilustrações rigorosas em projecções ortogonais (planta, corte e alçado) de obras próprias que estabelecem o valor do exemplo ao ilustrarem o tratado; Vincenzo Scamozzi (1548-1616) que pela primeira vez faz surgir o projecto como instância mediadora, enquanto a ideia permanece o conceito mental (universal); entre outros.. 27.

(46) forma de transmissão dos saberes36, onde a geometria e a construção andavam a par. Neste período, o ensino centrava-se no Paço da Ribeira, na lição dos moços fidalgos, reorganizada em 1562 e em 1572, onde se reunia o ensino da matemática e da arquitectura37; mais tarde, na aula da esfera (Colégio de Santo Antão) – final do séc. XVI até meados do séc. XVIII – onde se ensinavam disciplinas físico-matemáticas38; e na Aula de do Risco (Paço da Ribeira) fundada por Filipe II em 159439.. 36. Veja-se a referência de (Conceição, 2008) p. 427) “Para além da sua incompletude, essa palavra — arquitectura — não é sequer escrita, ao mesmo tempo que o vocábulo arquitecto surge apenas na correcção posterior, a rasurar descuidadamente a palavra fortificador”, para justificar. Compõe um texto onde são reunidos apontamentos retirados principalmente de Vitrúvio na edição de Daniel Barbaro, dos dois primeiros livros de Serlio e do tratado de Pietro Cataneo, num esboço inicial que pode sugerir um desejo tratadístico, mas um desejo frustado”.. 37. Ver (Soromenho, 1991), Manuel Pinto de Vilalobos, da Engenharia Militar à Arquitectura (vol. 1). Dissertação de Mestrado. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa. Ver ainda, (Ferreira, 2009) Luís Serrão Pimentel (1613-1679): Cosmógrafo Mor e Engenheiro Mor de Portugal. Dissertação de Mestrado em História dos Descobrimentos e da Expansão. Lisboa: Faculdade de Letras da universidade de Lisboa, Departamento de História, 2009. 38. In Sphaera Mundi: A Ciência na Aula da Esfera. Manuscritos científicos do Colégio de Santo Antão nas colecções da BNP. Lisboa BNP 2008.. 39. Não obstante o interesse nacional pelo Humanismo Italiano, o contexto nacional foi menos entusiasta nas realizações. Veja-se a este propósito as referências ao encontro de Frei Bartolomeu dos Mártires (1514-1590), (Duarte, 2011), com Daniele Barbaro (c. 1514- 1570).. 28.

(47) Imagem 4 – De re aedificatoria. Trad. Giorgio Vasari, 1550.. Imagem 5 – De Aetatibus Mundi Imagines (1543-1573) . Madrid. 29.

(48) Imagem 6 – Tratado de Arquitectura. António Rodrigues (?). 1576. BN.. Assim, atendendo à importância do texto fundador da teoria da concepção, o problema específico a abordar, o interesse de investigação recai sobre a sobre a pergunta geral: “como é que as narrativas informam a arquitectura?”, e, em particular: “como é que a narrativa em De re aedificatoria informa os resultados na obra de Alberti?” “Qual a relação do conceito de lineamentis – a ideia que ordena uma prática cultural do humanismo, através da qual se complementam a estrutura (narrativa) e a geometria – com a construção de uma natureza espacial que deriva da transmissão oral grafada pelas linhas euclidianas, em alternativa aos modelos numéricos pitagóricos e platónicos que se acreditava regular a harmonia do mundo” segundo (Hersey, 1976). “Qual a relação da proposta teórica sobre o plano de criação na arte da edificação com os ensinamentos de Nicolau de Cusa (1401 - 1464)”. 30.

(49) E, no contexto nacional40, “como é que a narrativa instauradora da teoria da arquitectura é recriada com Francisco de Holanda (1517-1584) e António Rodrigues (c. 1525-1590) e, (in)forma o renascimento em Portugal, 100 anos depois”. O corpo de hipóteses que se avançam para explicar o fenómeno em estudo centram-se: no poder da grafia para registar o saber, registar a memória, permitindo a passagem do conhecimento prático dos ofícios ao projecto e à arquitectura. Nesta, as narrativas suportam-se no uso de analogias que têm poder cognitivo e, invertendo o sentido das formas grafadas, o texto “dá a ver” enquanto a imagem “dá a compreender”. Estabelece-se assim a arquitectura como arte do enredo, onde a narrativa dá sentido (poder cognitivo) e faz sentido. Nesta hipótese, delinear a arquitectura é equivalente a narrar a forma mental imaginada, narrativa que a matéria persegue. Este processo de. 40. A aplicação no contexto da renascença em Portugal precisa de ser validada pela historiografia, através da atribuição inequívoca das obras escritas e das obras edificadas aos autores expressos. Essa validação historiográfica está fora do âmbito desta investigação. Recolhem-se por isso argumentos críticos para a validação dos registos escritos e edificados, e foca-se a investigação no campo teorético da teoria e prática da arte edificatória.. 31.

(50) saber específico que Alberti denomina de lineamentis41, por oposição a construção, reúne o poder generativo para a concepção por se mover entre necessitas, commoditas e voluptas, e se reportar à imaginação (narrativa) de quem define e gera a arquitectura. Para Alberti “toda a função e razão de ser do delineamento resume-se em encontrar um processo, exacto e perfeito, de ajustar entre si linhas e ângulos, afim de que, por meio daquelas e destes, se possa delimitar e definir a forma do edifício”42. Mais do que equivalente às linhas43 que representam os raios visuais que impõem os limites das formas em Della Pittura44, este processo de conformação cria simultaneamente o limite e a semântica das formas. Entende-se, por isso, que este processo é análogo à criação de uma tecitura, uma narrativa do visível que se baseia em axiomas e na abstracção que permite manter os conceitos válidos quando se abandona a hipótese. Note-se que o processo de usar linhas, no desenho, é diferente para o pintor e para o arquitecto, como refere Alberti. Enquanto o pintor. 41. Lineamentis designa uma linha traçada ou definida, tal como o contorno de uma figura ou de um perfil. Lineamentum – linea+mentum (ampliação do prefixo). Linea designa uma linha, simultaneamente um objecto como uma corda usada por carpinteiros ou construtores para medir um alinhamento, como uma linha traçada numa superfície com um riscador, ligando dois pontos ou assinalando um alinhamento e ainda, como uma relação genealógica de ascendência. In Oxford Latin Dicitonary, (AA. VV., 1968). Na tradução de A. Santo, e revisão de M. Kruger, em Alberti 2011, este conceito é traduzido por delineamento, recuperando um termo hoje em desuso.. 42. In (Alberti L. B., Da Arte Edificatória, 1485) pp. 145, Livro 1, cap. 1.. 43. Herança do vitral gótico.. 44. Alberti não explica se os três tipos de raios visuais (extrínsecos, medianos e centrais) que permitem a descrição e a representação da realidade num véu, numa janela, emanam dos objectos ou do olho de quem vê. Veja-se (Ackerman, 1991) pp. 59-96.. 32.

(51) desenha uma janela que perspectiva o infinito e o estar em face, uma impressão num véu, para o arquitecto, uma planta representa o estar dentro, é uma expressão dos limites. Compreende-se então que o delineamento (narrativa), não depende intrinsecamente da matéria, embora a matéria seja fundamental na estética, o delineamento tem um estatuto ontológico e de um saber autónomo, um carácter criativo de uma coisa mental que prescinde de ser representada para ser compreendida. Mas, por outro lado, o delineamento é o ordenamento, um traçado mentalmente concebido, uma coisa mental imaginada que tem uma representação gráfica da localização e proporção das partes, é uma síntese do particular e do geral levada a cabo pela razão. É um conhecimento análogo à proposta de Nicolau de Cusa (14011464) sobre a natureza do conhecimento modelada pela razão, pelo conhecimento matemático, mantendo a unidade por meio de correspondências45. E, como no delineamento se opera uma especificação de um saber análogo46, altera-se o paradigma aristotélico das causas que reúnem 45. Vejam-se as analogias musicais na comparação dos acordes com as relações proporcionais do edificado, originados a partir de uma ordem matemática universal que exclui o artista. Esta é uma característica inata da beleza, a relação entre as partes.. 46. A analogia permite a transferência de saberes de uma disciplina para outra sem relação causal. Permite desenvolver o processo cognitivo por apresentar uma solução verosímil, apoiando-se num saber prévio sobre outra matéria que é transferido para o problema em causa. As semelhanças são objecto de interpretação fazendo sentido num contexto particular, por exemplo, a analogia de um “corpo completo e claramente definido” com a 33.

(52) potência e acto na matéria, para criar uma teoria ordenadora de um edifício que edifica. Esta recuperação de um saber anterior assente na teoria tem, assim, um valor ético que é diferente de uma arte mecânica tradutiva / medieval circunscrita às máquinas que permitem colocar em prática a coisa material. Estado da arte Adoptando o sentido de narrativa, a partir da raiz latina47, como ordenamento de particularidades, verifica-se que narrar radica em conhecer e não em contar, o que indica que as narrativas ao estruturam acontecimentos, um enredo num contexto espaciotemporal, não se limitam à relação de causa-efeito própria de uma sucessão temporal (de contar) mas ampliam o conhecimento através das relações entre vários saberes no seio da cultura (de conhecer). É nesta concepção que se caracterizam as narrativas com um sentido antropológico ou existencial ou em alternativa um sentido formal, ligado a esquemas e gramáticas, consoante sejam relevantes para a compreensão de um fenómeno dando sentido, ou para a compreensão de uma prática, fazendo sentido. Por isso, enumeram-se outras narrativas para além das literárias, como as narrativas pictóricas e as narrativas arquitectónicas, ficções, consoante o objecto e o suporte48. Esta concepção de narrativas tem inerente uma complexidade e ideia incorpórea do arquitecto, a semelhança arquitectura e música segundo a qual “a arquitectura baseia-se em matemáticas, e o arquitecto deve rectificar as normas das harmonias musicais”. 47. (AA. VV., 1968) Oxford Latin Dictionary. London, Oxford University Press.. 48. A compreensão do valor e da importância das narrativas para a cultura, nos domínios da investigação e da prática, assume importância para a investigação do fenómeno descrito na temática em estudo, sobretudo considerando-se que a investigação se movimenta num corpus de informação onde a qualidade e quantidade são relevantes para o saber.. 34.

(53) amplitude que revela o alcance da narrativa como ferramenta e como objecto de estudo pertinente. Contudo, a temática da relação entre a narrativa e a arquitectura não tem sido estudada de forma sistemática e fora do contexto da historiografia. Interessa-nos por isso, registar três grupos de investigações consideradas pertinentes para a compreensão da problemática das narrativas e arquitectura: a perspectiva teorética vinda das ciências sociais onde a preocupação principal reside na aplicabilidade e validade; a perspectiva da arquitectura, e, finalmente a perspectiva vinda da literatura, que atravessa a modernidade, sobre a validade do conhecimento (narrativo).. Teoria Nos últimos 20 anos, o desenvolvimento dos limites do conhecimento incorporou no domínio da ciência uma forma de saber que é especificamente veiculada em narrativas, abordada por uma metodologia de investigação, tomando de empréstimo a filosofia das histórias (Clandinin & Connelly, 2004). Em 1966, (Barthes, Introduction à l’analyse struturale dês récits, 1966)49, ampliou as narrativas para além das literárias, para suportar uma variedade de actividades cognitivas e comunicativas, da fala às artes visuais. O interesse pela forma de investigação suportada em histórias levou ao desenvolvimento de uma metodologia da investigação da narrativa, centrada nos eventos críticos da mesma. Esta forma de investigação emerge por direito próprio, sendo abordada desde há duas décadas como instrumento de ensino, primeiramente na pesquisa sobre 49. Originalmente publicado in Communications, 8.. 35.

Referências

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