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A ACÚSTICA MUSICAL NO RENASCIMENTO DA MÚSICA

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Academic year: 2019

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A ACÚSTICA MUSICAL NO RENASCIMENTO DA MÚSICA

∗ ∗∗

MARIA LÚCIA NETTO GRILLO

∗ ∗ ∗

∗∗∗∗∗ADÍLIO JORGE MARQUES

∗ ∗ ∗

∗∗∗∗∗∗∗∗∗LUIZ ROBERTO PEREZ LISBÔA BAPTISTA

∗ ∗ ∗

∗∗∗∗∗∗∗∗∗∗∗∗∗RICARDO PEREIRA MARTINS

Introdução

A Música desempenha desde sempre importante presença na cultura de todas as civilizações. Musicalidade e festas, apresentações a reis e rainhas e o domínio desse saber são constituintes de todos os tempos. Desde os bardos celtas aos hindus, até os gregos precursores do racionalismo ocidental, a Música sempre despertou o interesse de pensadores. Estes buscaram a relação entre a religiosidade que praticavam e a natureza que os cercava. Os gregos foram primordiais na questão de relacionar essa mesma natureza e os princípios da Filosofia Natural, algo que chamamos hoje de princípios científicos.

Para entendermos nossa situação atual, em tudo que nos envolve em termos de tecnologia, ciência, cultura, etc, faz-se necessário um retorno temporal para explicarmos determinadas problemáticas. A Acústica é um campo da Física que enfrenta grandes obstáculos no ensino médio, além de os alunos considerarem uma disciplina difícil, ela é passada de forma superficial e sem relação com o seu cotidiano. Através da produção de conhecimento sobre a problemática, objetivamos levantar uma contribuição para um ensino contextualizado pela História que relacione a Física com a Música e a Matemática, para podermos motivar os alunos e leva-los a entender melhor o conteúdo. Propomos neste trabalho a aplicação do enfoque CTS, através de uma abordagem interdisciplinar que envolva História, Física, Matemática e Música (RICARDO & ZYLBERSZTAJN, 2002).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) propostos pelo MEC orientam os profissionais a uma educação comprometida com a cidadania, além de praticidade e eficiência na transmissão do conhecimento. Desta forma, apesar dos currículos escolares possuírem uma flexibilidade que lhes permitem desenvolver e contextualizar temas de acordo com as suas

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Doutora em Física, FAPERJ

∗∗ Centro de Formação Tecnológica/RJ, Doutor em História da Ciência

∗∗∗ Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Regente

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realidades locais e regionais, os temas sugeridos nos mesmos PCN’s devem servir de eixo norteador em todo o Brasil, a fim de que toda a rede de ensino possa participar ativamente da discussão desses temas considerados de grande urgência social (BRASIL, 1999).

Nem sempre Arte e Ciência foram consideradas próximas, no entanto, na Música durante um longo período essa relação foi bastante relevante. Na Grécia Antiga, a Música, muito por conta dos estudos de Pitágoras com o monocórdio, era considerada como um dos quatro ramos da Matemática e correspondeu a uma longa tradição pitagórica no estudo dos intervalos musicais. No período do Renascimento (séc. XVI), período deste trabalho, a Música polifônica começa a apresentar problemas entre a teoria e a prática musical. Cria-se uma incongruência entre pressupostos pitagóricos e a teoria musical.

Nisto, Vincenzo Galilei, pai de Galileu, músico, professor e teórico musical, atesta a impossibilidade de encaixar um número inteiro da escala pitagórica, com isso, inicia estudos sobre os intervalos musicais, – que posteriormente, com Bach, resultará na escala igualmente temperada – preocupando-se mais com a experimentação do que a visão dogmática como os pitagóricos. Nesse contexto, começam a se desenvolver os estudos sobre a Acústica Musical, no qual se destacam físicos e matemáticos como: Marin Mersenne, John Wallis, Johannes Kepler, Vicenzo Galilei, Galileu Galilei, René Descartes, Christiaan Huygens e Joseph Saveur; este último, considerado o pai da Acústica. No que diz respeito à Música há a emergência da polifonia renascentista no lugar dos excessos da polifonia medieval, no qual se destacam os compositores Josquin Des Près, Guillaume Dufay, Johannes Ockeghem, John Dustable, Palestrina e Lassus.

O início: os gregos e Pitágoras

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tradições “pagãs” foram ressignificadas com a nova religião, presença de Estado, mas que “absorveu” os antigos costumes culturais de muitos povos. Músicas litúrgicas são fonte de inspiração mística e são fonte de “religare” entre os fieis e o Criador (STRATHERN, 1998).

Mas, voltando ao início da relação com a música o maior dos personagens foi Pitágoras, nascido na ilha grega de Samos por volta do século VI antes da era cristã. Segundo Boyer (1996), admite-se que desapareceu após as perseguições impostas a ele e aos seus discípulos quando sua Escola foi obrigada a fechar. As relações matemáticas desenvolvidas pelos pitagóricos seriam a expressão da própria divindade, descrita com um simbolismo particular: a Matemática, cuja essência espiritual era os números. O número um, por exemplo, refletia a razão e seria gerador dos demais. O número dois era o primeiro par, feminino. O três é o primeiro com propriedades masculinas verdadeiras, o da harmonia. O algarismo quatro representava a justiça ou o ajuste de contas, e o cinco era a união entre os primeiros números, feminino e masculino. Seis, o número da criação. Assim, os ímpares eram masculinos em suas qualidades, e os elementos pares, femininos (conceito muito em voga até a Idade Média).

O mais sagrado era o dez, o número do universo, do Divino, e que descreveria a perfeição da Criação. Chamada em grego de “Tetraktys sagrada”, a escola de Samos desenvolveu maneiras para se chegar à compreensão maior de seus símbolos, algo adotado para a estruturação da música. Foi a adição de vários deles, seqüenciais ou não, dando como resultado outros algarismos que demonstravam o significado mais profundo da identidade daquilo que se queria estudar. Por exemplo, com a adição dos quatro primeiros números inteiros obtém-se como resultado a “Tetraktys”, ou o dez Divino: 1 + 2 + 3 + 4 = 10 , onde: 1 + 0 = 1, o retorno à Unidade (MARCONDES, 1997). Ainda segundo Boyer (1996) os “ternos numéricos pitagóricos” mostram novamente a relação entre o quadrado de um número inteiro e uma espécie de “ressonância” entre os dois lados de uma soma:

1 = 12

1 + 2 + 1 = 22

1 + 2 + 3 + 2 + 1 = 32

1 + 2 + 3 + 4 + 3 + 2 + 1 = 42 .

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mesma relação entre o som obtido em seus instrumentos de corda e o tamanho dessa corda valeria para qualquer outro corpo, conclusão mais tarde confrontada por Vincenzo Galilei (1520-1591). As proporções eram:

Nome Proporção do

tamanho da corda

Quarta 3:4

Quinta 2:3

Oitava 1:2

Tônica 1:1

Tabela 1 – Relação entre o tamanho da corda e a nota emitida, segundo Samos

O Renascimento viria muito tempo depois confrontar a validade da universalização dessa proposta. Evidencia-se, assim, a importância de Pitágoras apesar do grande intervalo de tempo entre a sua época e a pós-Idade Média.

O Renascimento

Renascença ou Renascimento é um período que, na Música, corresponde aos séculos XV e XVI e, nas demais Artes e Ciências, teve início no século XIV. Seu início ocorre na Itália e foi se propagou por toda a Europa. Para a Música seu começo é considerado na região flamenga. Os grandes músicos dessa época eram os “flamengos”: “de Paris e Dijon, através de Reims e Cambrai e Mons até Bruxelas, Bruges e Antuérpia, quer dizer, a Bélgica e o norte da França” (CARPEAUX, 2009:23). O feudalismo já não dominava politicamente e a corte de Borgonha exercia grande influência, com uma forma de vida requintada. Estavam presentes também os monges, com um estilo de vida diferente. Segundo Chaim (2006), a palavra “Renascença” foi criada por Jules Michelet no ano de 1855.

São consideradas manifestações precursoras os trabalhos dos poetas Petrarca (1303-1374) e Boccaccio (1313-1375), que introduziram o Humanismo e a valorização da cultura da Antiguidade Clássica. O Humanismo, estimulado pelos clássicos, incentivava a secularização das atitudes exaltando a beleza do mundo natural.

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os fenômenos naturais. Foi uma verdadeira revolução, não a única conhecida na história, porém devido às grandes proporções ficou conhecida como A Revolução Científica. Segundo Abdounur (2003) as teorias de Aristóteles influenciaram o pensamento até o século XV e destacavam principalmente o caráter qualitativo da natureza.

“A ciência satisfazia-se com explanações sustentadas por comparações e analogias nem sempre bem estruturadas e apoiadas em místicas numerológicas ou evidências pouco seguras, tais como a explicação da queda livre de um corpo pela tendência a dirigir-se ao seu lugar natural no centro do Universo” (ABDOUNUR, 2006:27).

O desenvolvimento da Matemática nesse período estimulou outras áreas, como a Física e principalmente a Astronomia, que levou a profundas transformações na Filosofia e na religião. Inicialmente o interesse era pelo comércio, pela mecânica e pela geometria aplicada à perspectiva na pintura e na cartografia. A trigonometria se desenvolveu no século XV sendo muito aplicada principalmente na Astronomia. Segundo Ronan (2001), no século XVI a álgebra realmente se desenvolve pela demanda de bancos, mercadores, oficinas, administradores públicos, astrólogos e demais estudiosos. Entre 1472 e 1500 foram publicados 214 livros de Matemática, e era comum estudiosos se dedicarem a várias áreas do conhecimento, como Girolamo Cardano, que escreveu mais de duzentos textos sobre Religião, Música, Filosofia, Física, Medicina e Matemática. Foi o primeiro a usar números imaginários e percebeu a trajetória parabólica dos projéteis.

As áreas da Física que mais se desenvolveram nesse período foram o magnetismo terrestre, a ótica, a mecânica e a acústica musical. Simon Stevin, nascido em 1548 em Bruges (Bélgica), escreveu 3 livros sobre estática e hidrostática. Publicou também pequenos tratados sobre vários temas como forças dos ventos, astronomia (apoiando Copérnico) e escalas musicais. A ótica se desenvolveu inicialmente com o interesse em óculos, que surgiram no final do século XIII na Itália e no século XVI já eram conhecidos em toda a Europa. Depois os estudos de associações de lentes levaram Giambattista della Porta a encontrar os princípios do telescópio e do microscópio composto.

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foram impressas cartas de baralho na Alemanha e no século XV Gutenberg inventou uma nova forma de impressão, a do tipo móvel. Isso facilitou a difusão do pensamento da Renascença, o que antes era limitado aos conventos e universidades. As grandes navegações incentivaram o desenvolvimento da matemática, da astronomia e do magnetismo.

No Renascimento havia um movimento chamado hermetismo, que, segundo Ronan (2001), exerceu uma profunda influência nos estudos do mundo natural, como nos trabalhos sobre o heliocentrismo de Copérnico e Giordano Bruno. Eram idéias semi-religiosas e quase mágicas e se baseavam em escritos que se pensava que tivessem origem no Egito, na época de Moisés. Seriam inspirados na divindade egípcia Thot, deus do cálculo e do aprendizado, com equivalente grego chamado Hermes “Trismegisto”, que significa três vezes grande. Mais tarde, em 1614, descobriram que na verdade não eram escritos de épocas tão antigas, mas já da era cristã. “Sua filosofia básica era uma forma de gnosticismo que ensinava que o homem é capaz de descobrir elementos divinos dentro de si, (...) e atingir um conhecimento intuitivo de Deus e da salvação, auxiliados por Hermes” (RONAM, 2001:13).

Uma figura considerada típica dessa época foi Leonardo da Vinci (1452-1519). Nasceu em Anchiano, na Toscana, Itália. Como manifestou talento artístico ainda bem jovem, seu pai o levou para Florença para estudar com o artista (pintor, ourives e escultor) Andrea Del Verrochio. Com ele, Leonardo recebeu uma educação informal. Mantinha vários cadernos de anotação, com desenhos de projetos, sendo que nem todos foram criados por ele, ou possivelmente nenhum deles. Foi nessa fase que Leonardo aprendeu a desenhar usando perspectiva. Não teve instrução universitária nem escreveu nenhum livro. Era uma época de muitos inventores. “Essencialmente, ele era um filósofo que desejava contemplar o mundo, regalar-se com suas maravilhas e não transformá-las em valor prático” (RONAM, 2001:16). Não sabia latim nem mecânica, mas sabia desenhar muito bem e gostava de observar a natureza, especialmente a luz, e estudou reflexão e refração. Também estudou anatomia humana e de alguns animais usando a dissecação e depois desenhava o que observava.

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imediata à nova teoria. Graças a Giordano Bruno a igreja Católica ficou contrária ao heliocentrismo, que já tinha sido aceito antes. Bruno, que seguia o hermetismo e o arianismo (Cristo seria um homem apenas, e não um Deus encarnado) foi acusado de heresia. Ele combateu o Calvinismo e associou a teoria do heliocentrismo ao hermetismo. Como a Universidade de Oxford não aceitara suas idéias ele escreveu críticas a essa instituição e à igreja da Inglaterra. Também escreveu livros contra as opiniões filosóficas aceitas na época. Na Itália foi preso pela Inquisição e em 1600 foi queimado vivo por heresia.

A Música Precursora do Renascimento

Não podemos fixar datas precisas para um estilo musical. Vemos ao longo da história, alguns autores que vivem num período e sua Música pertence ao período anterior, ou mesmo posterior. Um exemplo típico dessa atemporalidade é Carlo Gesualdo (1560-1614). Entre seus madrigais há alguns com estilo romântico (muito posterior a sua época), outros lembram Tristão e Isolda (de Wagner – 1859) e outros são atonais, como Schoenberg (1871-1951). Buscamos no entanto evidenciar o estilo musical predominante do Renascimento.

Segundo nosso interesse, que é conhecer o passado para entendermos o presente, fazemos como Otto Maria Carpeaux e a maioria dos historiadores da Música: consideramos a Música da Europa. “Nossa Literatura, nossas Artes Plásticas, nossa Filosofia seriam incompreensíveis sem o conhecimento dos seus fundamentos Greco-romanos”. (CARPEAUX, 2009, p. 17). A origem da Música Ocidental está na Idade Média, com o coral gregoriano, o cantochão, o canto litúrgico da Igreja Católica Romana. Esse estilo de Música foi incentivado pelo Papa Gregório I, por isso ficou conhecida como gregoriana, embora não seja obra dele. O termo foi criado em 1903, pelo Papa Pio X (CHAIM, 2006:13) . Nessa época coexistiam outros estilos: a música profana – a poesia lírica aristocrática dos “troubadours”, cantada nos castelos, e a poesia lírica popular, cantada nas aldeias (CARPEAUX, 2009:19). Essa Música ficou conhecida mais tarde como “ars antiqua” (séculos VI-XIII).

A “ars antiqua” era monofônica (uma única voz) e caracterizada pelo “imobilismo”. Seguia o texto a ser cantado e sua notação musical era pobre, anterior ao que conhecemos hoje, que teve origem com o monge Guido da cidade de Arezzo (início do séc. XI). Não havia distinção entre os valores das notas e não eram usadas as 5 linhas do pentagrama atual.

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surgiram as primeiras músicas a 2 vozes: uma seguia fielmente o texto e a outra era como um ornamento.

Em torno do século XII já surgiam as primeiras tentativas do uso de notas longas e curtas. Era o início do que ficou conhecido como “ars nova” (sécs. XII a XIV). Surgiam nessa época novos conhecimentos na Matemática e na Filosofia, com o nominalismo e as novas regras, “com precisão matemática... sem ferir as exigências do ouvido” (CARPEAUX, 2009:21), do contraponto.

A Música profana teve muita influência na “ars nova”, o que não aconteceu com a “ars antiqua”, que era predominantemente litúrgica. O grande compositor dessa época é Guillaume de Machaut (1310-1377), que foi o primeiro que escolheu cinco partes fixas do texto da missa e colocou-os em música (o Senhor tende piedade – o kyrie, o glória, o credo, o santo e o cordeiro de Deus – agnus Dei). Essa tradição permanece ainda hoje na Igreja Católica.

Surge então o primeiro grande estilo da música ocidental, que é a Missa, e o primeiro exemplo é a “Messe Du Sacre” de Machaut. Era ainda a Música medieval, porém já dando origem a um novo estilo, a Música renascentista.

A Música do Início do Renascimento

Estamos então nos séculos XV e XVI, onde predomina a polifonia vocal. As formas musicais dominantes dessa época eram as missas e os motetos, ambos cantados sem acompanhamento de instrumentos musicais (a capela). Essa Música era constituída de arabescos e ornamentos bem complexos, mais semelhantes à arte gótica da Idade Média. Essa complexidade, com vozes linearmente independentes, foi aos poucos aumentando, com um número de vozes cada vez maior e mais tarde com 2 ou mais coros simultâneos. Os músicos eram então cientistas, criando uma arte só executada e compreendida por profissionais. Faziam uma Música que nem sempre se parece destinada aos ouvidos, mas à inteligência (CARPEAUX, 2009:25). A complexidade chegou a 36 ou mais vozes independentes, com inversão e reinversão de temas.

Os primeiros grandes contrapontistas foram John Dunstable (1370-1453) e Guillaume Dufay (1400-1474). A missa Se la face, de Dufay, combinava com a pintura de Van Eyck, com seus anjos que parecem cantar, na catedral de St Bavo em gent. A música de Dufay é considerada mais rica em relação a seus predecessores.

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ocidental. É considerado o representante do Quattrocento. Sua música era também bastante complexa, com contrapontos, inversões e imitações. Alguns chegam a dizer, segundo Carpeaux (2009), que algumas de suas músicas não são destinadas à execução, mas ao ensino e que os seus coros deveriam ser acompanhados por órgão, para que os cantores não se desorientassem. Ele compôs a missa L’Homme arme, os motetos Preter rerum seriem a 6 vozes e Qui habitat in adjutório a 24 vozes. Apenas algumas de suas obras ainda são executadas hoje. Suas músicas litúrgicas são compostas por vozes que cantam ao mesmo tempo textos diferentes, sendo um deles quase sempre profano; dessa forma as palavras ficam incompreensíveis. Josquin marcou sua época com seu estilo, que teve alguns sucessores, dentre eles o inglês Thomas Tallis (1505-1585), que manteve seu estilo tardiamente, e já apresentava também influência do italiano Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525-1594), outro grande que criou um novo estilo, que ficou conhecido como palestriano.

A Época da Reforma e da Contra-Reforma

No “cinquecento” surgiu o movimento da Reforma (1517), através de John Wyclif na Inglaterra, Lutero na Alemanha e Calvino na França, que modificava o estilo típico da Renascença. O estilo “flamengo” é mantido, porém o centro de maior desenvolvimento se desloca para a França, a Alemanha, a Itália e a Inglaterra. Observa-se então uma mudança social, que influencia no estilo musical e na forma como era ouvida. A sociedade fica dividida entre os que permanecem católicos e os que aderem ao movimento reformista. A Música sai das igrejas, atingindo especialmente a aristocracia. Os estilos principais eram a “chanson” na França e o madrigal na Itália. Os madrigais eram canções a 4 ou 5 vozes, cantadas inicialmente sem acompanhamento e mais tarde se admitia o alaúde. Entre os que aderem à Reforma, a Música se mantém principalmente dentro das igrejas, mas tomando uma roupagem mais simples, para atingir a devoção do povo. Palestrina ficou mais conhecido no movimento da Contra-Reforma.

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A Reforma introduziu novos hábitos nas igrejas, com cultos que deveriam ter a participação de todos, também nas músicas, que tomam então uma forma mais simples. Os compositores, mesmo polifonistas como Claude Goudimel (1505-1572), deviam compor de forma que todos pudessem cantar. Lutero introduz nas igrejas da Reforma o órgão, que acompanhava o povo todo cantando. Mais tarde foram introduzidos outros instrumentos e músicas com um estilo mais elaborado, cantadas por coros profissionais: eram as cantatas. Michael Praetorius (1571-1621) compôs 1244 cantatas e influenciou a obra de Bach, já do Barroco.

O nome Contra-Reforma foi dado mais tarde por historiadores protestantes. Era a época da Companhia de Jesus (os jesuítas) e do Concílio de Trento. Foi um período de reformas na igreja Católica. Os jesuítas divulgaram as Artes Plásticas e a Música, que deviam representar a verdade religiosa. Os fiéis deviam entender bem os textos e todas as vozes dos corais deviam cantar o mesmo texto. As músicas eram cantadas sem instrumentos, a capela. Palestrina é o mais importante compositor desse novo estilo. Alguns até não o consideram como renascentista. Foi regente da capela Giulia, cantor na capela papal, regente do coro de San Giovanni in Laterano, do coro de Santa Maria Maggiore e de San Pietro no Vaticano. Palestrina manteve a polifonia nas igrejas, porém de forma que o texto fosse entendido por todos. Sua música ainda é horizontal, melódica, mas já é vertical, harmônica. Os acordes acentuam as sílabas importantes. Ele consegue “impressionar os músicos sem desagradar aos teólogos” (CARPEAUX, 2009:44). Sua obra mais famosa é o Stabat Mater, de 1591. É uma música tipicamente harmônica, com vozes sem independência melódica. Entre seus sucessores destaca-se o grande sacerdote e mestre espanhol Tomás Luís de Victoria (1540-1611). “Natural de Ávila, foi cedo para Roma, onde trabalhava como regente do coro do Colegium Germanicum dos jesuítas”. (CARPEAUX, 2009:45). Em toda sua vida sempre compôs músicas litúrgicas. Até hoje são cantados alguns motetos de Victoria nas igrejas.

A Música do Final do Renascimento

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O flamengo Adrian Willaert (1480-1562) e Gregório Allegri (1584-1652) são destaques entre os compositores para mais de um coro. Eram músicas compostas para 8, 10 ou 16 vozes. Era um estilo bem diferente do palestriano. Willaert, natural de Bruges (Bélgica), foi nomeado em 1527 regente do coro da basílica de São Marcos em Veneza. Observava as possibilidades sonoras de fazer alternar os coros colocados nos dois balcões superiores de que aquela basílica dispõe. Zarlino apoiou-se em seus métodos e desenvolveu seus trabalhos, integrando teoria e prática. (Abdounur, 2003:39)

Entre os discípulos de Willaert destacam-se os venezianos Andréa Gabrieli (1510-1586) e seu sobrinho Giovanni Gabrieli (1557-1612). Na Sonata Piano e Forte, Giovanni substitui os dois coros de vozes por dois coros de trombones. Era uma inovação revolucionária.

A música era então feita para impressionar os fiéis da Contra-Reforma. “A mais impressionante dessas obras é devida a Orazio Benevoli (1602-1672): a Missa Solene para a inauguração do novo domo de Salzburgo, em 1628” (CARPEAUX, 2009:50). É escrita para 8 solistas, 8 coros, orquestra de 34 vozes instrumentais e 2 órgãos.

O último representante desse estilo é Giuseppe Ottavio Pitoni (1657-1743), que escreveu para 48 vozes, já em época de homofonia operística. Segundo Carpeaux (2009), a polifonia policoral passou por um processo de autodestruição; o resultado será o acompanhamento instrumental de uma voz só: a homofonia.

O Desenvolvimento da Acústica Musical no Renascimento

Um dos maiores teóricos musicais da época foi Gioseffe Zarlino (1517-1590). Baseado nos trabalhos de Ludovico Fogliani (1470-1539) publicou um livro em 1558, que, segundo Abdounur (2003), foi a base da educação científico-cultural em toda a Europa durante 2 séculos. Outros teóricos importantes da época foram Vicenzo Galiliei, o espanhol Francisco Salinas e um pouco depois Marin Mersenne, padre e matemático francês (1588-1648) e René Descartes, filósofo francês (1596-1650).

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Zarlino escreveu sobre contraponto e sobre as tríades em termos harmônicos, embora na época só se levasse em conta os intervalos. Deu uma explicação racional sobre as quintas e oitavas paralelas, que então eram consideradas proibidas e distinguiu os tons maiores e menores. Criou o critério de consonância, usando analogias sobre a inversão de intervalos: “a quarta perfeita (inversão da 5ª perfeita) deveria ser consonante, já que 3as consonantes e 2as dissonantes invertidas resultam respectivamente em 6as consonantes e 7as dissonantes” (ABDOUNUR, 2003:41).

Segundo Abdounur (2003), para Zarlino a perfeita harmonia consistia em diversidade, o que é explicado também através de analogias com a natureza. Os indivíduos de uma mesma espécie são gerados similares, porém diferentes em alguns aspectos particulares. Dizia então que a variedade proporcionava maior prazer aos nossos olhos e a nossos ouvidos. Faz analogia também com a pintura: “a diversidade de cores agrada aos olhos assim como a variedade de consonâncias” (ABDOUNUR, 2003:42). Para justificar a necessidade da diversidade na Música, fazia analogia também com a Arquitetura e a Poesia: um tema é escolhido (na poesia) e as modulações e harmonias são como os adornos (na arquitetura). Dessa forma ele desvaloriza a típica música medieval, que não valorizava a diversidade.

Zarlino considerava que as consonâncias eram obtidas pelas 6 primeiras divisões da corda, segundo o número sonoro ou harmônico, que era o conjunto dos primeiros 6 números inteiros. Ele foi o responsável pela construção da escala diatônica (gama diatônica), de acordo com as proporções de freqüências da série harmônica. É também conhecida como escala natural (ver tabela 2).

Intervalo Razão r 2ª maior 9/8 = 1,125 3ª maior 5/4 = 1,25 4ª justa 4/3 = 1,333

5ª justa 3/2 = 1,5

6ª maior 5/3 = 1,666 7ª maior 15/8 = 1,875

8ª justa 2

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Através de seu interesse pela diversidade, Zarlino considera o contraponto como a “arte de fazer harmonia da diversidade” (ABDOUNUR, 2003:48). Ele explica analogicamente que alguns intervalos em si eram desagradáveis, porém quando combinados com outros podiam produzir efeitos maravilhosos, como ingredientes em remédios. Considerava importante a congruência entre texto e música: textos tristes deveriam ser usados com harmonias sombrias e ritmos graves e textos alegres com ritmos ágeis e harmonias alegres.

A Revolução Científica, iniciada no Renascimento, induzirá novas idéias no âmbito musical, com argumentos racionais, que substituem as analogias de Zarlino. E neste contexto está Vincenzo Galilei “pai de Galileu, músico, compositor e teórico musical seria um dos precursores de uma nova maneira de enxergar os fenômenos musicais.” (PRADO, 2010:53) Ele foi aluno de Zarlino com quem aprendeu muito sobre a relação entre teoria musical e matemática. No entanto, diferente de Zarlino que defendia uma concepção aritmética especulativa da tradição pitagórica, Vincenzo buscava “constatações experimentais” que defendessem a teoria musical. Segundo Prado (2010), “tudo teve início a partir do projeto de um grupo de artistas e intelectuais. [...] Este grupo, conhecido como camerata Fiorentina era um núcleo de atividade intelectual, uma espécie de academia de estudos.” Vincenzo adotou uma postura crítica com relação aos comprimentos de corda e os intervalos musicais estabelecidos como consonantes pelos pitagóricos, ele fez experimentos e provou que “as relações variavam não somente segundo o parâmetro medido na corda – tensão, densidade linear, etc – mas também de maneira geral, segundo o parâmetro medido em qualquer fonte sonora.” (PEREIRA, 2010:28) Tal postura, foi significativa para o desenvolvimento da acústica musical posteriormente, pois, o experimento ganhava destaque, bem ao encontro do processo da Revolução Cientifica. “A crítica de Vincenzo Galilei é representativa de um novo paradigma científico, no qual o dogmatismo aritmético presente na tradição pitagórica é substituído por uma prática científica vinculada à análise experimental.” (Ibidem)

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Referências

ABDOUNUR, O. J. Matemática e Música – O pensamento analógico na construção de significados, São Paulo: Escrituras, 2003.

BOYER, C.B. História da Matemática. São Paulo: Editora Edgard Blucher, 1996.

BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, 1999.

CARPEAUX, O. M. O Livro de Ouro da História da Música, Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 2009.

CHAIM, I. A. A Música Erudita da Idade Média ao Século XX. São Paulo: Letras e Letras, 2006.

HENRY, J. A Revolução Científica e as Origens da Ciência Moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

MARCONDES, D. Introdução à História da Filosofia - dos Pré-Socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.

OSTERMANN, F., MOREIRA, M. A. Atualização do currículo de Física na escola de nível médio: um estudo desta problemática na perspectiva de uma experiência em sala de aula e da formação inicial de professores. Caderno Catarinense de Ensino de Física, Florianópolis, v. 18, n. 2, 2001.

PEREIRA, R. A., A física da música no renascimento: uma abordagem histórico-epistemológica. 2010. 107f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Física). São Paulo: USP, 2010.

PRADO, L. A. G., Matemática, física, e música no renascimento: uma abordagem histórico-epistemológica para um ensino interdisciplinar. 2010. 110f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática). São Paulo: USP, 2010.

RICARDO, E. C.; ZYLBERSZTAJN, A. O ensino das ciências no Nível Médio: um estudo sobre as dificuldades na implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 19, n. 3, 2002.

RONAN, C. A. História Ilustrada da Ciência, v. III. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. SADIE, S. Dicionário Grove de Música, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.

Imagem

Tabela 1 – Relação entre o tamanho da corda e a nota emitida, segundo Samos
Tabela 2: relação entre as freqüências na escala de Zarlino

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