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Ativismo judicial e resistência da sociedade civil organizada enquanto freio às agressões aos direitos humanos incitados pelo discurso de ódio / Judicial activism and resistance of organized civil society as a brake on human rights abuses prompted by the

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Academic year: 2020

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Ativismo judicial e resistência da sociedade civil organizada enquanto

freio às agressões aos direitos humanos incitados pelo discurso de ódio

Judicial activism and resistance of organized civil society as a brake on

human rights abuses prompted by the hate speech

DOI:10.34117/bjdv6n11-241

Recebimento dos originais: 11/10/2020 Aceitação para publicação: 12/11/2020

Henrique Alexander Keske

Doutor em Filosofia

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS Mestre em Filosofia

Pontifícia Universidade Católica – PUC/RS

Advogado. Integrante do Grupo de Estudos de Direitos Humanos e Transformação Social, da Universidade Ritter dos Reis, Núcleo FAPA

E-mail: hiquekeske@hotmail.com

Claudine Rodembusch Rocha

Doutora em Direito

Universidade Federal de Burgos-Espanha Mestre em Direito

Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC

Pós-graduada em Demandas Sociais e Políticas Públicas pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, Advogada, Professora da Pós-Graduação Lato Sensu em Direito da Faculdade Imed, pólo Porto Alegre e da Universidade Estácio de Sá – Núcleo Centro – Porto Alegre/RS

E-mail: claudinerodembusch@hotmail.com

RESUMO

O presente artigo, a partir de revisão bibliográfica e de análise jurisprudencial, tematiza o discurso de ódio, presente desde o último processo eleitoral, no cenário político brasileiro, apresentado exemplos paradigmáticos de tais discursos, com algumas de suas implicações, enquanto atentatórios aos direitos humanos fundamentais de minorias étnico-raciais e de diversidade sexual; enquanto contextualiza como ativismo judicial positivo, os votos dos Ministros Relatores da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26, bem como do Mandato de Injunção 4733, que equiparam a homotransfobia aos crimes de racismo, por considerá-los na categoria de racismo social, reconhecendo, assim, a omissão legislativa do Congresso Nacional em legislar sobre o tema.

Palavras-chave: ADO 26 x MI 4733, crime de homofobia e transfobia, direitos humanos,

ativismo judicial, discurso de ódio

ABSTRACT

This article, based on bibliographic review and jurisprudential analysis, thematizes the hate speech, present since the last electoral process, in the Brazilian political panorama, presents paradigmatic examples of such discourses, with some of its own, while it acts on human rights foundations of ethnic-racial minorities and sexual diversity; while contextualized as a positive judicial activist, the votes of the Ministers Reporting on the Unconstitutionality Mandatory

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Action 26, as well as the Mandate of Intent of 4733, which equip a homotransphobia to crimes of racism, considering social reasoning, thus recognizing a Legislative omission of the National Congress on Legislation on the subject.

Keywords: ADO 26 x MI 4733, crime of homofobia transfobia human rights, judicial activism,

hate speech

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Justifica-se a discussão proposta pelo artigo, em função de que o cenário eleitoral brasileiro, findo em 2018, em que se estabeleceram exemplos paradigmáticos de discursos políticos passíveis de enquadramento enquanto discurso de ódio, notadamente, nas redes sociais, embora estejam presentes também nas outras mídias de que se valeram as candidaturas, quer em nível regional e federal, podem ensejar sérias consequências de agressão aos direitos fundamentais, insculpidos na Constituição Federal, pois incitam a violência e podem legitimar essas agressões perpetradas contra grupos minoritários integrantes de nossa sociedade. O problema proposto é o da complexidade de delimitar claramente o tema, em suas variáveis, daí a necessidade do recurso metodológico à revisão bibliográfica e à análise dialética entre definições, limites, proibições, proteções e demais condições que enseja, inclusive com recurso teórico aos âmbitos do direito internacional. Considera-se, como resultado, que o debate, notadamente eleitoral, centrado no discurso de ódio e menos na discussão de idéias e propostas de governo e políticas públicas, causa fragilização das instituições democráticas, em um momento de crise institucional que o país atravessa, mormente quando podem lançar sua influência sobre a legitimação de ações que afetam esses direitos fundamentais, mesmo agora, quando já nos distanciamos das discussões eleitorais propriamente ditas.

Entretanto, na esteira dos exemplos de discurso de ódio que se apresentam a seguir, notadamente voltados contra as minorias integrantes de nossa sociedade multicultural, multiétnica e pautada pela diversidade de orientações sexuais, destacam-se as ações de resistência dos grupos sociais que representam tais minorias, ao solicitarem a prestação jurisdicional do Estado, no sentido de terem respeitados seus direitos de igualdade e de dignidade, enquanto insculpidos na Constituição Federal/88. Tais reivindicações encontram respaldo, de pronto, a seu turno, por se referirem a direitos humanos fundamentais constitucionais, devidamente positivados e, logo, com efeito irradiador a todo o conjunto de nosso ordenamento. Nesse sentido, destacam-se as representações movidas pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia

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Legislativa do Rio Grande do Sul, contra pronunciamentos dos parlamentares Luís Carlos Heinze e Alceu Moreira.

Trata-se, ainda, de apresentar os argumentos utilizados pelo Deputado Federal Jean Wyllys, no sentido de renunciar a seu terceiro mandato na Câmara dos Deputados, em função de que alega constantes difamações e ameaças de morte, dirigidas a si mesmo e a membros de sua família, uma vez que vem pautando sua atividade parlamentar pela defesa dos direitos humanos fundamentais, para se contrapor às agressões sofridas pelos integrantes da comunidade de gays, lésbicas bissexuais, transgêneros e transexuais do país. Nesse sentido, a carta-renúncia que apresentou a seu partido político, bem como ao Presidente da Câmara dos Deputados, faz referência direta ao crime de assassinato perpetrado contra a Vereadora do Partido Socialista e Liberdade, no Rio de Janeiro, Mariele Franco e seu motorista, Anderson Gomes, ocorrido em 14 de março de 2018, ainda investigado, mas sem conclusão que apresente os indiciados em tal prática, mesmo tendo-se passado tempo demais do ocorrido. E aqui, nesse passo, se pode formular o seguinte questionamento: estaria o discurso de ódio, amplamente difundido pelas mídias massivas, tanto no último processo eleitoral, como ainda depois de seu encerramento formal, como que legitimando tais práticas atentatórias aos direitos de referidas minorias sociais?

Por fim, trata-se de apresentar os votos dos Ministros Relatores, Celso de Melo e Edson Fachin, referentes, respectivamente, tanto à Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADO 26, quanto ao Mandato de Injunção 4733, que reconhecem a homofobia e a transfobia, como crimes equiparáveis ao crime de racismo, caracterizando, dessa forma, a omissão legislativa do Congresso Nacional, em não legislar sobre o tema e, logo, deixar a descoberto da proteção da norma jurídica as comunidades que sofrem tais agressões a seus direitos fundamentais. Ademais, os votos dos Relatores, até a data do presente artigo, contam com votos favoráveis ao pleito, dos Ministros Luís Barroso e Alexandre de Morais. Tais decisões, a seu turno, são apresentadas como exemplo positivo de ativismo judicial, em função do atendimento de demandas sociais não devidamente abrigadas pelo Poder Legislativo e que conduzem tais reivindicações de direitos a uma espécie de limbo jurídico, pois ainda não abrangido pela norma; donde decorre, então, a prestação jurisdicional do Estado, a cobrir essa lacuna jurídica de nosso ordenamento. Assim, tais decisões se mostram como um freio institucional ao discurso de ódio e às agressões aos direitos fundamentais de tais minorias.

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2 A RELAÇÃO DIALÉTICA ENTRE A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O DISCURSO DE ÓDIO

De pronto, torna-se necessária a afirmação de que o denominado discurso de ódio trata-se de uma variável da liberdade de pensamento; entretanto, desde que a norma jurídica não pode determinar a volição íntima do ser humano, enquanto este pensamento não se manifestar como discurso, ou seja, desde que não externado, não gera consequências jurídicas. Em sentido contrário, porém, quando se extrapola o nível do pensar e se expressam as idéias na forma de discurso, não importando o tipo de mediação discursiva empregado, estamos diante da expressão do pensamento e, enquanto tal, passível de gerar consequências que podem vir a ser consideradas nocivas e, daí, sim, propiciar o enquadramento nas normas jurídicas que tratam do tema. (FREITAS e CASTRO, 2013, p.327/355). Vale ressaltar, portanto, que se faz necessário que ocorra a transposição das idéias, do plano abstrato, para o plano fático, pois são os fatos que suportam o direito, de forma que a interferência jurídica só pode ocorrer nesse sentido, ou seja, a discriminação deve ser externalizada em quaisquer meios. (SHAFER, LEIVAS e SANTOS, 2015).

Por sua vez, em nível internacional, se focarmos o direito comparado, o discurso de ódio é estudado sob a denominação de “hate speech”, sendo considerado sob o ponto de vista de manifestações de intolerância, dirigidas a grupos determinados, em uma mesma sociedade, ou relativamente a outros países, a partir de motivações de discriminação e preconceitos voltados às religiões, raças, etnias, orientações sexuais, gêneros e outras formas de exclusão e/ou inferiorização de tais segmentos sociais. (SARMENTO, 2018). Nesse sentido, importa ainda considerar que estas formas de exteriorização do pensar, uma vez se constituindo em discurso manifesto, acabam por atacar e ferir os direitos fundamentais, ainda mais quando positivados, como no caso do Brasil, na Constituição Federal/88, quer se tratem de direitos individuais e/ou mesmo coletivos, de forma que os possíveis limites à liberdade de expressão se mostram como superados, uma vez que: “quem, odeia prefere as facilidades da caricatura e do preconceito, à lógica do raciocínio, pois, no ódio, não há espaço para o outro, não há o diálogo capaz de gerar conhecimento e consenso, há apenas a necessidade furiosa de estabelecer no outro, distante de si, a fonte da própria indignidade”. (ALVES e MISI, 2016, p. 152). Da mesma forma, este discurso: “(...) refere-se a palavras que tendem a insultar, intimidar ou assediar pessoas, em virtude de sua raça, cor, etnicidade, nacionalidade, sexo ou religião, ou que têm capacidade de instigar violência, ódio ou discriminação contra tais pessoas.” (BRUGGER, 2007, p. 117). Ainda mais, tal discurso se mostra:

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(...) como uma forma de manifestação do pensamento que traz consigo o direito de externar uma idéia e, ao mesmo tempo, incide sobre a esfera da autonomia privada, posto dirigir-se a contaminar determinado ambiente com uma idéia de fúria contra um grupo vulnerável propagando- se sem possibilidade de diálogo, de liberdade de escolha e do exercício da livre iniciativa privada. (CARCARA, 2014, p. 62).

Outra das características a serem observadas para o enquadramento do discurso nesta categoria, diz respeito ao fato de que, além da discriminação dos grupos ou de pessoas já referidas, o ponto focal do sentimento de ódio se dirige à desvalorização do outro; e isto se refere tanto ao nível individual, quanto ao coletivo, haja vista que, dirigindo a ofensa a algum membro de determinado grupo, essas características se difundem a todos os demais integrantes assim categorizados, que se enquadrem nessas situações. Ademais, duas claras posições discursivas se fazem presentes: em uma delas, o autor do discurso se coloca como superior, externando essa repulsa, enquanto que, concomitantemente, inferioriza aqueles a quem ou contra quem o discurso é dirigido. De qualquer maneira, em ambos os casos, a finalidade é a de somente humilhar, expressando que, por suas características específicas, esses grupos determinados a quem se dirige, não são habilitados a compartilhar da mesma posição do agressor. (FREITAS e CASTRO, 2013, p. 327/355).

Assim, ao praticar esses atos discursivos, o agressor externa os valores que considera como normais e naturais, passando a visualizar ao outro como não enquadrado nessa bagagem valorativa e, portanto, fora do normal e não natural em suas posições, constituindo-se em suas diferenças, como um perigo às idéias de ordem social daqueles valores, que são considerados ofendidos pelo agressor e, logo, os não enquadrados em tais posições devem ser combatidos e eliminados: a vítima do discurso passa, dessa forma, a ser considerada uma ameaça a tais valores, afirmados como absolutos. (MELO, SILVA, et alii, 2017, p. 57/79).

Ao se abordar o tema, mister referir-se que se trata de um problema complexo que a discussão enseja, haja vista que se deve analisar a colisão de direitos fundamentais, mormente entre a liberdade de expressão e a não-discriminação, focando os limites de tais posturas; devendo-se, em função disso, focar-se a análise sempre a partir dos casos concretos em que possam estar ocorrendo esses conflitos, fazendo-se sempre a ressalva de que não há a especificidade de uma regra decisiva para esse enquadramento, podendo as decisões oscilarem, em certas situações, mesmo quando se está diante dos mesmos direitos e bens jurídicos. (SILVEIRA, 2007). Esse relacionar-se, portanto, entre liberdade de expressão e discurso do ódio, se mostra complexo e tem recebido tratamento diferenciado, em nível internacional, haja vista que:

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Na comunidade mundial, tal discurso, às vezes, é protegido, às vezes, não. Assim, o discurso de ódio é muito mais protegido nos Estados Unidos do que na Alemanha, Europa, Canadá e na maioria dos países com constituições modernas. Na jurisprudência dominante americana, a liberdade de expressão, nela incluído o direito de expressar mensagens de ódio, é um direito prioritário que, normalmente, prevalece sobre interesses contrapostos de dignidade, honra, civilidade e igualdade. Nos Estados Unidos, o discurso de ódio é visto, integralmente, como uma forma de discurso, e não de conduta, apesar do fato de que tal discurso possa ser verdadeiramente doloroso para outros. O direito internacional e a maioria dos ordenamentos jurídicos não-americanos, porém, atribuem, assim, maior proteção à dignidade, honra e igualdade dos destinatários do discurso de ódio. (BRUGGER, 2007, p. 125).

Outra clara distinção, a seu turno, deve ser feita, entre o discurso de ódio, propriamente dito e o conteúdo de incitação à violência ou à prática de crimes, já que as proibições, tanto a uma, quanto à outra, visam garantir a ordem e a paz, tendo-se em vista uma violência física imediata; enquanto que a proibição ao discurso de ódio visa o fim da exclusão pretendida pelo próprio agressor, podendo, nesses casos, envolver, até mesmo violência física, mas não imediata, pois decorrente do sentimento de antipatia social desencadeado pelo discurso. Nesse sentido, se destaca que:

A incitação à violência pode configurar discurso de ódio, mas o que o define é o potencial e a probabilidade de gerar uma reação violenta por parte do destinatário da manifestação. Da mesma maneira, a incitação ao crime pode configurar discurso de ódio, porém, o que a caracteriza é a intenção e o potencial de induzir pessoas que compartilhem da opinião externalizada a cometerem infrações penais. (OLIVA, 2015, p.72).

Na esteira dos Tratados Internacionais, a Organização das Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, evidencia a complexa relação entre a liberdade de expressão e o enquadramento das posições em discurso de ódio, haja vista que expressa, claramente, em seu artigo 19 que: “Todos os seres humanos têm direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.” A seu turno, a Declaração Americana dos Direitos Humanos – Pacto de San Jose da Costa Rica determina, em seu artigo 13.1, que: “toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha”. Entretanto, em ambas as declarações, a liberdade de expressão não é considerada como um direito absoluto, já que o próprio texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos apresenta limitações a esse exercício indiscriminado da liberdade, uma vez que em seus artigos 2º e 7º, vedam-se, expressamente, quaisquer discriminações baseadas em critérios de raça, cor, sexo, linguagem,

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religião, opinião política, origem nacional ou social, entre outros. Nesse mesmo sentido, a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos proíbe, em seu artigo 13.5, quaisquer propagandas a favor da guerra e apologia ao ódio que incite à violência. Resta, aqui, destacar que o Brasil é signatário de todas essas Convenções e Tratados Internacionais o que, portanto, torna tais direitos exigíveis em nosso sistema jurídico pátrio.

É preciso ainda considerar que, diante do discurso de ódio, torna-se necessário afirmar que o enfrentamento da questão deve ser perpassado pelo princípio da tolerância, ainda mais em uma sociedade contemporânea complexa, marcada pela pluralidade e, mais, pela diversidade constitutiva, quer seja étnica, de gênero, cultural e/ou religiosa, sob os mais diversos matizes. Sendo assim:

Responder ao intolerante com a intolerância é, certamente, algo eticamente pobre e talvez politicamente inoportuno. Não estamos afirmando que o intolerante, acolhido no recinto de liberdade, compreenda, necessariamente, o valor ético do respeito às idéias alheias. Mas é certo que o intolerante perseguido, jamais se tornará um liberal. É melhor uma liberdade sempre em perigo, mas expansiva, do que uma liberdade protegida, mas incapaz de se desenvolver. Somente uma liberdade em perigo é capaz de se renovar. Uma liberdade incapaz de se renovar transforma-se, mais cedo ou mais tarde, em uma nova escravidão. (BOBBIO, 204, p. 196/197).

Por fim, então, deve-se considerar que o respeito e, logo, a tolerância pelo diverso, manifestado pela alteridade é que deve pautar todos os níveis da expressão de quaisquer discursos, quer se revistam de conteúdo político e/ou filosófico-ideológico, voltado para quaisquer dos segmentos que integram as complexas sociedades contemporâneas, marcadas, precisamente, pela difícil articulação da diversidade em termos étnicos, religiosos, raciais, de gênero, e em todas as suas formas de expressão, em que colidem valores morais de todos os matizes. O mesmo princípio deve ser o pressuposto do debate em nosso país, mormente em um processo eleitoral marcado pela radicalização de posições e pelo apelo emocional, em detrimento do debate racional de idéias e programas de governo, sem que se tornem claro as políticas públicas a serem aplicadas para realizar as metas difundidas pelos diversos programas de partidos, principalmente dos que encontraram respaldo nas urnas, nessas últimas eleições. Daí se chega à fragilidade das instituições democráticas brasileiras, que já enfrentam situações de risco em função do contexto de crise não só política e econômica, mas institucional em que nos encontramos, uma vez que esse discurso venha a legitimar ações concretas contra os direitos humanos fundamentais constantes do ordenamento e, logo, igualmente assegurados às minorias sociais.

Nesse sentido, os operadores do direito devem estar atentos acerca das definições, limites e proibições a serem verificadas em relação ao discurso de ódio, com vistas à

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manutenção do Estado Democrático de Direito, como máxima garantia constitucional, assegurando a liberdade de expressão como prerrogativa da cidadania ativa, mas, concomitantemente, coibindo os excessos capazes de incitar a violência e as práticas criminosas, como atentatórias à manutenção do pacto e mesmo da paz social brasileira, em níveis satisfatórios de equilíbrio. Da mesma forma, as instituições da sociedade civil organizada que defendem os bens jurídicos e/ou direitos de tais minorias, devem agir via processos reivindicatórios possibilitados pelo próprio ordenamento, valendo-se dos instrumentos legais disponibilizados para tanto, de que se apresentam, a seguir, alguns exemplos paradigmáticos, para embasar a discussão do tema proposto.

3 O DISCURSO DE ÓDIO NO CENÁRIO POLÍTICO BRASILEIRO ATUAL E SUAS IMPLICAÇÕES

Em 29 de novembro de 2013, em audiência pública relativa à demarcação das terras indígenas, na cidade de Vicente Dutra, no Rio Grande do Sul, o então Deputado Federal Luiz Carlos Heinze afirmou, claramente, como crítica ao Governo de Dilma Rousseff, como Presidente da República, que: "No mesmo governo, seu Gilberto Carvalho, também ministro da presidenta Dilma, estão aninhados quilombolas, índios, gays, lésbicas, tudo que não presta, e eles têm a direção e o comando do governo". Entretanto, em fevereiro de 2014, em função da repercussão negativa do referido discurso, o Parlamentar oferece uma espécie de retratação, afirmando que não pretendia ofender gays e lésbicas, pois convive com eles/elas, inclusive em sua casa. Porém, não se retrata em relação aos quilombolas e indígenas, não deixando claro o que significou essa declaração no que diz respeito a esses dois grupos minoritários do país. (http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2014/02/eu-convivo-com-gays-em-casa-diz-deputado-apos-video-polemico-no-rs.html ).

Na mesma ocasião, o Parlamentar também foi categórico ao sugerir ação armada dos agricultores: "O que estão fazendo os produtores do Pará? No Pará, eles contrataram segurança privada. Ninguém invade no Pará, porque a Brigada Militar não lhes dá guarida lá e eles têm de fazer a defesa das suas propriedades". E completou: "Por isso, pessoal, só tem um jeito: se defendam. Façam a defesa como o Pará está fazendo. Façam a defesa como Mato Grosso do Sul está fazendo. Os índios invadiram uma propriedade. Foram corridos da propriedade. Isso aconteceu lá". Ao terminar, foi aplaudido pelo público. Cabe destacar que estes discursos ocorreram em área conflagrada pela questão de demarcação de terras indígenas, no município de Vicente Dutra, em que, no mesmo mês de novembro, o prefeito da cidade decretou situação de emergência no município, alegando, para tal, a falta de segurança pública. O referido decreto

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teve validade por 30 dias; e isto porque mobilizações ocorreram na cidade para pressionar a homologação da desapropriação, em favor dos indígenas, de 715 hectares de terra onde vivem 75 famílias de pequenos agricultores. A área já foi demarcada pela FUNAI – Fundação Nacional do Índio, em 2012 como área indígena, mas os agricultores ainda não receberam as indenizações e permanecem nas propriedades. Por sua vez, o Deputado Alceu Moreira, com críticas ao sistema de segurança brasileira, defendeu que os agricultores devem usar os próprios recursos para defender as propriedades em caso de invasão: “Nós, os parlamentares, não vamos incitar a guerra, mas lhes digo: se fartem de guerreiros e não deixem um vigarista desses dar um passo na sua propriedade. Nenhum! Nenhum! Usem todo o tipo de rede. Todo mundo tem telefone. Liguem um para o outro imediatamente. Reúnam verdadeiras multidões e expulsem do jeito que for necessário”. (http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2014/02/eu-convivo-com-gays-em-casa-diz-deputado-apos-video-polemico-no-rs.html).

Por conta de tais discursos, o Ministério Público Federal (MPF) e a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul apresentaram representações pedindo que os Deputados Federais Luís Carlos Heinze (PP-RS) e Alceu Moreira (PMDB-RS) sejam denunciados por racismo e incitação ao crime. Os pedidos foram encaminhados em agosto de 2014, ao então Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot; e têm como base os discursos proferidos durante audiência pública realizada em Vicente Dutra (RS), em novembro de 2013. Ainda cabe destacar que, como líderes da Frente Parlamentar de Agropecuária, a chamada Bancada Ruralista, Moreira e Heinze estão entre os parlamentares mais atuantes na série de iniciativas legislativas que visam a retirada de direitos dos povos indígenas do país, que incluem até alterações nos processos de demarcação de terras, através de projetos de lei e propostas de emendas constitucionais em discussão no Congresso Nacional. Além disso, ambos, Heinze e Moreira, estão entre os 274 Deputados que votaram pela redução da proteção das florestas do país com a flexibilização do Código Florestal Brasileiro; e entre os 29 Deputados que votaram contra a Proposta de Emenda Constitucional do Trabalho Escravo, que prevê expropriação de propriedades onde for flagrado trabalho escravo.

(https://reporterbrasil.org.br/2014/02/deputados-heinze-e-alceu-moreira-sofrem-representacoes-por-racismo-e-incitacao-ao-crime/ ).

Apesar de tais mobilizações, porém, o processo eleitoral de 2018 acabou por consagrar, nas urnas, ao Deputado Heinze, como Senador pelo Rio Grande do Sul, com expressivos 2.316.365 votos, enquanto que o Deputado Alceu Moreira foi reeleito com 100.341votos. Nesse sentido, mesmo que tais discursos tenham sido novamente trazidos à discussão pública, fica a série inquietação que também motivou o tema do presente artigo: o discurso de ódio,

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claramente racista e homofóbico fica, dessa forma, respaldado, ou pior ainda, institucionalizado pelo processo eleitoral democrático? Ademais, com a troca de comando da Procuradoria Geral da República, até o presente momento, as citadas representações não seguiram seu curso, mesmo com previsão legal que embasaria sua tipificação penal, pelo enquadramento na Constituição Federal, que proíbe toda e qualquer forma de discriminação, como, por exemplo, no Art. 3º: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (http://www.planalto.gov.br) e na Lei 7.716, de 05 de janeiro de 1989, respaldadas por todas as alterações posteriores que dita norma veio a sofrer. (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7716.htm). Entretanto, resta esclarecer ainda a parte do discurso de ódio dirigido aos gays e lésbicas, já que homofobia ainda não está tipificado, porque, apesar de retratação feita pelo Parlamentar, torna-se impossível não incluir tais pronunciamentos em discurso de ódio dirigido contra esses grupos sociais minoritários em nossa sociedade e ainda não respaldados, ou melhor, protegidos por norma jurídica específica, apesar de todas as tentativas levadas a efeito nesse sentido, como Projetos de Lei em trâmite nas Casas Legislativas por períodos de tempo que chegam há 19 anos.

Na esteira desses questionamentos acerca do discurso de ódio e suas sérias implicações no cenário brasileiro contemporâneo, cabe destacar a renúncia do Parlamentar Jean Wyllys a seu terceiro mandato como Deputado Federal, a partir de carta enviada ao Presidente da Câmara, assim expressa: “Nos termos do artigo 238, inciso II e 239, caput, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, informo, em caráter irrevogável, que não tomarei posse no mandato para o qual fui eleito na 56 legislatura, conforme razões explicitadas na carta anexa, dirigida ao Partido Socialismo e Liberdade, na data de ontem, 24 de janeiro de 2019.” Este texto foi encaminhado ao Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, juntamente com o despacho proferido por este; sendo publicado no Diário da Câmara dos Deputados, Ano

LXXIV, n. 5, de 29 de janeiro de 2019.

(http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD0020190129000050000.PDF#page).

A referida carta de renúncia que encaminhou ao seu partido, por sua vez, traz importantes esclarecimentos que merecem destaque em função do escopo do presente artigo: “Tenho consciência do legado que estou deixando ao partido e ao Brasil, especialmente no que diz respeito às “pautas identitárias” (na verdade, as reivindicações das minorias sociais, sexuais e étnicas por cidadania plena e estima social) e de vanguarda, que estão contidas nos projetos que apresentei e nas bandeiras que defendo, conto com vocês para darem continuidade a essa luta no Parlamento”. Em outra parte do texto, afirma que vem sofrendo, desde seu primeiro

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mandato, ameaças de morte e pesada difamação, razão porque vive sob escolta armada há cerca de um ano, tendo atingido seu limite, uma vez que: “Todo esse horror afetou muito a minha família, de que sou arrimo. As ameaças se estenderam também a meus irmãos, irmãs e à minha mãe. E não posso nem devo mantê-los em situação de risco; da mesma forma, tenho obrigação

de preservar a minha vida.”

(http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD0020190129000050000.PDF#page).

Por fim, seguindo o objetivo perseguido pelo artigo, cabe destacar que, na referida carta, o Parlamentar acrescenta ainda que, mesmo segundo a imprensa mais reacionária veio a reconhecer, ele é a personalidade pública mais vítima de fake news no país, através de mentiras e calúnias frequentes e abundantes, que visam destruí-lo como homem público e também como ser humano. Depois, cita expressamente que sua decisão fora tomada em função do cruel assassinato de Mariele Franco, sua companheira de partido e militante da causa LGBT, por ser mulher, negra e lésbica, ocorrido no Rio de Janeiro e ainda não solucionado. Por fim, conclui por enfatizar uma séria denúncia, pois:

“mesmo diante da Medida Cautelar que me foi concedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, reconhecendo que estou sob risco iminente de morte, o Estado brasileiro se calou; no recurso, não chegou a dizer sequer que sofro preconceito, e colocaram a palavra homofobia entre aspas, como se a homofobia, que mata centenas de LGBTS no Brasil, por ano, fosse uma invenção minha. Da polícia federal brasileira, para os inúmeros protocolos de denúncias que fiz, recebi o silêncio”.

http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD0020190129000050000.PD F#page).

Evidentemente que, em nenhuma hipótese, se pretende estabelecer nenhuma ligação direta e objetiva entre os discursos dos então Deputados Luís Carlos Heinze e Alceu Moreira, com a decisão tomada pelo Deputado Jean Wyllys, nem mesmo a nenhuma das razões que alega para tanto, em sua carta-renúncia, ou mesmo ao crime hediondo praticado contra a Vereadora Mariele Franco, que também vitimou mortalmente a Anderson Gomes, seu motorista; mas, ao contrário, se quer enfatizar os perigos que o discurso de ódio, em suas trágicas implicações pode causar à normalidade institucional jurídico-política do país. Estes pronunciamentos exacerbados, mormente em função do último processo eleitoral, em que as posições político-ideológicas se extremaram como uma crescente ameaça ao Estado Democrático de Direito vigente no país, principalmente em relação aos grupos minoritários como os citados nas matérias referidas, é que acaba redundando em sérias agressões aos direitos humanos consolidados pelo ordenamento jurídico pátrio, assegurados, igualmente, a tais minorias. Além do que, dessa forma, que fique um alerta para os operadores do Direito, bem como das várias instâncias decisórias do Estado e da sociedade civil organizada, no sentido de

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mobilizar-se, de todas as formas possíveis, contra tais ameaças que, enquanto toleradas, parecem desenvolver-se de maneira latente, até explodirem em situações extremas, tendentes a sair completamente do controle institucional.

4 ATIVISMO JUDICIAL EM RELAÇÃO À DIVERSIDADE SEXUAL

Não se tem como pretensão, aqui, adentrar na atual discussão doutrinária acerca de tentativas de precisão conceitual entre as expressões protagonismo judicial e ativismo judicial, embora, para cumprir com os objetivos propostos, se prefira essa segunda expressão, para enfatizar seu possível sentido positivo, quando o juiz age diante de omissões legislativas, ou ainda para proteger direitos humanos fundamentais, por ventura ameaçados, atendendo, assim, a certas demandas sociais não abrigadas pelo legislador, por quaisquer motivos alegados para justificar tal postura. Assim, mesmo que se reconheça que se está diante de um agir que cria o direito a partir de decisões judiciais e não do processo democrático via Parlamento; e que se incorra no perigo de judicializar as questões sociais, que deveriam ser resolvidas pelos legisladores, através das normas jurídicas, como fonte originária do Direito; e ainda que se reconheça que tal ativismo possa redundar em politização do Judiciário, que, assim, possa vir a extrapolar suas próprias funções constitucionais, ao exceder os limites de abrangência das próprias normas, mesmo diante de tais argumentos, trata-se de ferramenta necessária, principalmente em se tratando de omissões legislativas. Pode-se, com certeza, discutir os limites do poder decisório dos juízes, para procurar, inclusive, esclarecer quanto ao uso de seu poder discricionário, mas não se pode deixar de admitir que, em muitos casos, como o que se dedica, agora, a estudar, no presente artigo, trata-se da única forma de frear ameaças aos direitos humanos e agressões a grupos minoritários no interior de nossa sociedade.

Trata-se, então, de apresentar esse ativismo positivo, ao se tratar da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADO 26; bem como do Mandado de Injunção - MI 4733, com a primeira apresentada pelo Partido Popular Socialista e a segunda pela ABGLT - Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgênicos; ambas, com a finalidade de obter do Supremo Tribunal Federal o reconhecimento da omissão do Congresso Nacional, portanto, tanto da Câmara dos Deputados, quanto do Senado Federal, em legislar sobre a criminalização da homofobia e da transfobia, bem como para equipar essas práticas ao crime de racismo, enquanto não houver legislação específica sobre o tema. Ademais, ambos os postulantes afirmam que recorrem ao STF, para que este, a partir de decisão, venha a suprir a omissão legislativa em criar lei específica para punir atos de violência praticados contra os integrantes dessas outras posturas sexuais, enquadrando-os, então, como crimes de racismo, ou melhor,

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equiparando-os aos crimes de racismo, já previstos em norma positivada, até que o legislativo promova lei específica com a finalidade de procurar reprimir ais discriminações e violências praticados.

O Ministro Relator da ADO 26, Celso de Melo, abre seu voto com o que denomina de brevíssima constatação, ao afirmar que:

Sei que, em razão de meu voto e de minha conhecida posição em defesa dos direitos das minorias (que compõem os denominados “grupos vulneráveis”), serei inevitavelmente incluído no “Índex” mantido pelos cultores da intolerância cujas mentes sombrias – que rejeitam o pensamento crítico, que repudiam o direito ao dissenso, que ignoram o sentido democrático da alteridade e do pluralismo de idéias, que se apresentam como corifeus e epígonos de sectárias doutrinas fundamentalistas – desconhecem a importância do convívio harmonioso e respeitoso entre visões de mundo antagônicas!!!! Muito mais importante, no entanto, do que atitudes preconceituosas e discriminatórias, tão lesivas quão atentatórias aos direitos e liberdades fundamentais de qualquer pessoa, independentemente de suas convicções, orientação sexual e percepção em torno de sua identidade de gênero, é a função contramajoritária do Supremo Tribunal Federal, a quem incumbe fazer prevalecer, sempre, no exercício irrenunciável da jurisdição constitucional, a autoridade e a supremacia da Constituição e das leis da República. (Portal de Notícias – Supremo Tribunal Federal).

O inteiro teor do voto, de 155 páginas, constante do Portal de Notícias do STF, (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=403953), finaliza por reconhecer que julga procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, com eficácia geral e efeito vinculante, nos termos a seguir indicados:

(a) reconhecer o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional na implementação da prestação legislativa destinada a cumprir o mandado de incriminação a que se referem os incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição, para efeito de proteção penal aos integrantes do grupo LGBT;

(b) declarar, em consequência, a existência de omissão normativa inconstitucional do Poder Legislativo da União;

(c) cientificar o Congresso Nacional, para os fins e efeitos a que se refere o art. 103, § 2º, da Constituição c/c o art. 12-H, “caput”, da Lei nº 9.868/99; (d) dar interpretação conforme à Constituição, em face dos mandados constitucionais de incriminação inscritos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Carta Política, para enquadrar a homofobia e a transfobia, qualquer que seja a forma de sua manifestação, nos diversos tipos penais definidos na Lei nº 7.716/89, até que sobrevenha legislação autônoma, editada pelo Congresso Nacional, seja por considerar-se, nos termos deste voto, que as práticas homotransfóbicas qualificam-se como espécies do gênero racismo, na dimensão de racismo social consagrada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento 154, em elaboração ADO 26 / DF plenário do HC 82.424/RS (caso Ellwanger), na medida em que tais condutas importam em atos de segregação que inferiorizam membros integrantes do grupo LGBT, em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero, seja, ainda, porque tais comportamentos de homotransfobia ajustam-se ao conceito de atos de discriminação e de ofensa a direitos e liberdades fundamentais daqueles que compõem o grupo vulnerável em questão; e

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(e) declarar que os efeitos da interpretação conforme a que se refere a alínea “d” somente se aplicarão a partir da data em que se concluir o presente julgamento. (Portal de Notícias – STF).

Por sua Vez, o Ministro Relator do MI 4733, Edson Fachin, afirma que seu voto apresenta expressa fundamentação no inciso IX do Art. 93, bem como no inciso LXXVIII, Art. 5, da Constituição Federal, ao elencar as seguintes premissas:

Primeira: É atentatório ao Estado Democrático de Direito qualquer tipo de discriminação, inclusive a que se fundamenta na orientação sexual das pessoas ou em sua identidade de gênero.

Segunda: O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero e a orientação sexual.

Terceira: À luz dos tratados internacionais de que a República Federativa do Brasil é parte, dessume-se da leitura do texto da Carta de 1988 um mandado constitucional de criminalização no que pertine a toda e qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.

Quarta: A omissão legislativa em tipificar a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero ofende um sentido mínimo de justiça ao sinalizar que o sofrimento e a violência dirigida à pessoa gay, lésbica,

bissexual, transgênera ou intersex é tolerada, como se uma pessoa não fosse digna de viver em igualdade. A

Constituição não autoriza tolerar o sofrimento que a discriminação impõe. Quinta: A discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero, tal como qualquer forma de discriminação, é nefasta, porque retira das pessoas a justa expectativa de que tenham igual valor.

Da mesma maneira, o inteiro teor do voto, que consta do Portal de Notícias do STF (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=404047), ao se debruçar sobre o tema, apresenta a base constitucional e doutrinária, bem como a base dos precedentes judiciais, concluindo que:

Por todas essas razões, julgo procedente o presente mandado de injunção, para (i) reconhecer a mora inconstitucional do Congresso Nacional e; (ii) aplicar com efeitos prospectivos, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito, a Lei 7.716/89 a fim de estender a tipificação prevista para os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional à discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero. (Portal de Notícias – STF).

Assim, se por um aspecto, quanto ao tema do presente artigo, se pode perceber uma espécie de descompasso entre atitudes de membros do Poder Legislativo e, portanto, legisladores, ou seja, autores de leis, como os referidos nos discurso dos Parlamentares Carlos Heinze e Alceu Moreira, no sentido de se pronunciarem por meio do que se pode enquadrar como discurso de ódio; de outra parte se verifica, pela mobilização de grupos sociais da sociedade civil organizada, enquanto representantes de forças sociais minoritárias, uma demanda pela prestação jurisdicional do Estado, em ter atendidos seus pedidos de igualdade de condições, sob a proteção do Estado Democrático de Direito. Além disso, nesse contexto é que

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se inserem, logo, as decisões judiciais em comento, que podem ser classificadas, aqui, de ativistas, no sentido de atenderem dita demanda social reivindicatória de igualdade de direitos em nosso ordenamento pátrio, pois se encontram positivados e consubstanciados no arrimo dos direitos humanos insculpidos em nossa Carta Política.

Lastime-se, nesse ínterim, a renúncia do Deputado Jean Wyllys, às vésperas de ter um de seus mais intransigentes postulados de defesa dos direitos da comunidade LGBT do país atendidos, ainda que por via judicial. Ressalva-se, porém, que não se dispõe, ainda, de uma decisão definitiva do STF, pois a sessão plenária já foi suspensa duas vezes, por alegações de atendimento de pautas de outras questões emergentes e que também se encontram à espera de julgamento, mas também, em virtude de forte reação do próprio Poder Legislativo que, em relação à ADO, se defendeu dizendo que já havia aprovado, em 2001, o Projeto de Lei 5.003, o que motivou seu envio ao Senado que, este assim, ainda não o havia votado. O Senado, a seu turno, limitou-se a informar que não se omitira, também, dado que o referido PL se encontra na pauta para votação. Entretanto, quanto ao Mandato de Injunção, tanto a Câmara, quanto o Senado, limitaram-se a afirmar que não se omitiram, muito embora não tenham justificado porque não o fizeram. Ambos as ações foram julgadas em conjunto e até a data do presente artigo, contam com os votos favoráveis, além de ambos os Relatores, como já citado, dos Ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, ao também julgarem procedentes as

ações pleiteadas.

(https://brasil.elpais.com/brasil/2019/02/21/politica/1550760382_105987.html ).

O Governo Federal também reagiu às decisões proferidas, através do Advogado Geral da União, Felipe Betin, no sentido de pedir que se preserve a independência do Congresso: "Pede-se que "Pede-se pre"Pede-serve a independência do Congresso para tomar essa decisão (...), pois apenas o legislativo pode decidir sobre a criminalização da LGBTfobia, uma vez que não há qualquer menção a isso na Constituição ou no arcabouço legal. (...) não se pode entender que a LGBTfobia possa ser considerada um crime de racismo.” (Brasil. portal elpais.com/ 2019/02/21). Da mesma forma, reagiu a Bancada Evangélica, alegando, fundamentalmente, a autonomia do Congresso Nacional em decidir temas como estes e que, assim, o STF estaria extrapolando suas atribuições constitucionais. Entretanto, tais enfrentamentos, se caracterizam como incitas ao jogo das instituições democráticas, enfatizando, precisamente, que se inserem no contexto da pluralidade política assegurada pelo Estado Democrático de Direito, como norma e princípio máximo regulador de nosso ordenamento, conforme positivação constitucional.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podem-se apresentar alguns argumentos concludentes acerca da discussão que o tema enseja, partindo-se do ponto de vista de identificar, aqui, um esgotamento da distribuição de competência entre os Três Poderes do Estado, na clássica formulação iluminista francesa dos freios e contrapesos, haja vista que se está diante de um Legislativo claramente omisso, pois nenhuma pauta justificaria cerca de 18/19 anos de espera para a votação dos Projetos de Lei, nesse sentido reivindicatório de direitos das minorias que lhe foram encaminhadas. Da mesma forma e, concomitantemente, em função disto, a sociedade civil organizada se vê forçada, então, a recorrer ao Poder Judiciário para ver atendidas tais reivindicações que, uma vez acolhidas pela via judicial, ensejam a caracterização de tais decisões como produção de normas jurídicas que não pelas vias parlamentares, extrapolando-se, dessa forma, os próprios limites que as próprias Cortes, em todas as instâncias, mas, notadamente, no Supremo, deveriam respeitar.

De outra banda, uma estrita posição legalista afirmaria, precisamente, o ponto de vista de que se deva atentar somente para a produção do Direito via processos legislativos, portanto, atendendo às posições majoritárias, representadas pelo processo político, nos respectivos parlamentos; de maneira que as decisões judiciais deveriam ficar circunscritas somente ao âmbito do texto da norma. Entretanto, ao tratarmos de direitos e garantias fundamentais, positivados em nossa Carta Política, deve-se atentar para a natureza ínsita de tais normas, ou seja, referem-se a dispositivos gerais, mas de aplicação que se irradia ao conjunto do ordenamento, devendo ter seu conteúdo consubstanciado pela análise direta dos casos concretos, de forma que, a partir de sua formulação abstrata, venham a se converter em direitos assegurados, de forma objetiva, na concretude das relações sociais. Sendo assim, é nesse sentido que se inserem as decisões judiciais a serem consideradas como ativismo, no sentido de lançarem a proteção jurídica sobre esses grupos minoritários, de forma que o processo democrático do Estado de Direito, pelo poder decisório da Suprema Corte, possa, nesse sentido, apresentar-se como contramajoritário, de maneira a não ensejar uma nefasta ditadura da maioria, em condenar essas minorias étnicas, raciais, ou de diversidade sexual, ao completo desamparo do Direito.

Ademais, se nos fixarmos no argumento de que a discricionariedade judicial é eivada de interpretações valorativas pessoais do julgador, não podemos deixar de perceber que o mesmo processo valorativo pessoal está presente nas ações dos legisladores que, por representarem os grupos majoritários que lograram representação política nos Parlamentos, colocam tais convicções político-ideológicas nos textos legais, passando, dessa forma, a obrigar todo o

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conjunto da sociedade a uma obediência a tais normas. Logo, se o juiz não é imparcial, menos imparcial ainda o é o legislador. Assim sendo, se as minorias não obtém representação política nos Parlamentos, devem, portanto, se valer dos instrumentos jurídicos que a própria Carta Política, ou seja, o legislador constituinte originário, outorgou como forma de equilíbrio dessas posições reivindicatórias de direitos e é aqui que se destacam as medidas em comento, ou seja, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, bem como os mandatos de injunção.

Por fim, cabe destacar que, em alguns casos, como nos discursos relativos a índios, negros e judeus, por exemplo, as agressões chegam a estar socialmente naturalizadas, a tal ponto que nem sequer são mais consideradas ofensivas, mas o são para aqueles que as sofrem. Daí o legislador criminalizar tais práticas ofensivas, não apenas enquanto discurso, mas enquanto ações diretas atentatórias contra tais grupos étnicos: temos aí o enquadramento legal do crime de racismo. O mesmo se dá em relação aos discursos dirigidos aos gays, lésbicas e transgêneros, daí a necessidade de sua criminalização, não apenas enquanto discurso, mas como práticas atentatórias contra os bens jurídicos fundamentais, como a vida, a dignidade, a honra e a igualdade, por sua fundamental condição de seres humanos e, logo, detentores de direitos originários. Nesse sentido, com base em tais argumentos, deve-se promover o alinhamento com as posições até agora proferidas pelo STF, no sentido de se considerar a equiparação da homotransfobia, aos crimes de racismo social, como uma vitória do Estado Democrático de Direito em nosso país, como fruto das reivindicações de direitos feitos por esses grupos que representam, na sociedade civil organizada, essas minorias vulneráveis.

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