• Nenhum resultado encontrado

Novo Céu, Nova Terra: uma reflexão de Ap 21,1-8

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2020

Share "Novo Céu, Nova Terra: uma reflexão de Ap 21,1-8"

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

NOVO CÉU, NOVA TERRA:

Maristela Patrícia de Assis**

Resumo: este artigo é uma análise de Ap 21, 1-8, como uma

proposta de Deus à humanidade para a construção de uma nova socie-dade. Uma sociedade baseada na justiça, liberdade, amor, igualdade e verdade. Para a construção dessa sociedade e para que se cumpra o reinado de justiça, é imprescindível romper com o sistema opressor, promovendo a descontinuidade plena com o sistema de domínio es-tabelecido por toda e qualquer tipo de idolatria. Prevalece então a justiça, a igualdade e a liberdade como proposta de vida para uma nova sociedade voltada para a felicidade da humanidade vivendo em completa comunhão com Deus.

Palavras-chave: Justiça. Liberdade. Igualdade. Humanidade.

Idolatria.

A

leitura do Apocalipse numa perspectiva sociológica é tarefa desafia-dora e intrigante. Pode conduzir por águas profundas e inebriantes, capazes de tirar o fôlego. Enfim, é preciso coragem para empreender uma leitura sociológica do Apocalipse de João. O intérprete tem que se debruçar sobre o lugar social daqueles que estão marginalizados na literatura bíblica e fazer o confronto com o lugar social dos grupos que hoje também estão à margem da desencantada sociedade globalizada neoliberal pós-moderna (FERREIRA, 2009, p. 19).

O Apocalipse de João introduz o leitor a um mundo repleto de simbolismo aterrorizante que pode distanciá-lo da realidade para uma vida de fantasias, idealizando um mundo vindouro e transfigurando o mundo

UMA REFLEXÃO DE AP 21, 1-8*

(2)

real, tornando a interpretação uma perfeita elucubração. Portanto, a in-terpretação desse simbolismo na perspectiva da existência de um conflito social no mundo da época, conduz à nada distante vida real vivida no Império Romano, aproxima o leitor à cruel realidade daquele contexto histórico, imerso em injustiças e violências, capazes de engolir o inocente e desavisado cristão com suas corrupções e idolatrias. A leitura sociológica do livro do Apocalipse se faz em perspectiva transformadora, na lucidez de historiador, buscando o olhar de quem sofreu as consequências do poder dominante, de quem sofreu o efeito negativo das ações dominadoras do Império Romano, e no olhar de quem pretende resistir e não se calar, pro-fetizar e testemunhar.

A ideia do Apocalipse foi primeiramente um modo de resistência de uma comunidade que não queria ser engolida pelo dragão nem ser destru-ída pela Besta, mas queria, sobretudo resistir e proferir a todos, bradando em alta voz, a existência de uma resistência a um mundo cruel e violen-to que pretendia o domínio de violen-todos por méviolen-todos que ultrapassavam o sentido do que é humano. O Apocalipse é então um livro de resistência (BORTOLINI, 2008, p. 9). Como instrumento de resistência, a denúncia como profecia integra o livro do Apocalipse. É então um livro de denúncia profética que orienta em direção à resistência de um grupo organizado e unido (BORTOLINI, 2008, p. 10). Denunciar e resistir é o mesmo que confrontar um sistema de forças e poder dominante que se mantém pela violência e idolatria. O confronto se dá pelo testemunho da comunidade que denuncia, resiste, crê e celebra. Resistir ao poder opressor, denunciar as injustiças que ele produz e provoca na sociedade, celebrar a fé em Cristo como único Senhor leva as comunidades a enfrentar o testemunho (BOR-TOLINI, 2008, p. 12).

O Império Romano era realmente opressor, e não aceitava oposição ao seu poder e domínio. Confrontar tal sistema opressor pelo testemunho e denúncia era arriscar a própria vida, individual e de toda uma comunidade. A repressão através do terrorismo era o modo de agir dos romanos (HORSLEY, 2004, p. 33). Não havia diálogo ou justo julgamento, na verdade não havia justiça. O terrorismo era o método utilizado para subjugar os povos e explorá-los com altos impostos e escravidão. Subjugando os povos ao expandir seu domínio imperial Roma estabeleceu uma nova ordem mundial, sendo ela a única superpotência remanescente (HORSLEY, 2004. p. 26). A nova ordem imperial prevalecia pelo estabelecimento de um sistema escravagista, repressor e violento. Mas um sistema que se presumia ser pela paz. Uma mentirosa paz que

(3)

se propagava provavelmente com o fim de mascarar seus propósitos de dominação e seus métodos cruéis e violentos. Essa nova ordem se estabelece como a Pax Romana que na verdade “possibilitou aos romanos extraírem mercadorias dos povos que haviam subjugado, na forma de tributos, tanto para sustentar suas forças militares como para pacificar as massas romanas com ‘pão e circo’” (HORSLEY, 2004, p. 40). O Império Romano, então, ao conquistar um território, adotava o sistema de cobrança de impostos, de confisco dos bens, de escravidão, e estabelecia a Pax Romana que anunciava paz e segurança, mas a um preço que, segundo Tamez (1994, p. 149), era “sempre em troca de submissão inegociável”.

O livro do Apocalipse foi então dirigido às diversas comunidades cristãs para que pudessem se fortalecer em tempos difíceis. Em sua prática de justiça pelo testemunho, a fim de ampliar cada vez mais suas comunidades, a profecia era disseminada. Para produzir o crescimento das comunidades era urgente a divulgação da profecia. Por se tratar de denúncia e resistência era urgente profetizar. Não mais se podia calar diante das atrocidades cometidas pelo sistema imperial romano. Por vezes tais atrocidades eram de tal amplitude que se tornavam uma questão de humanidade e sobrevivência a batalha que aos poucos se estabelecia com a resistência cristã. Resistir e denunciar a injustiça, a violência e a mentira, era contrariar todo o sistema de interesses e poder do Império Romano, que não aceitava confronto.

Mas, além da resistência o livro de Apocalipse apresenta uma pro-posta à primeira vista fantasiosa e inimaginável que permite ao leitor entrar em um mundo de sonhos e fantasias, mas que à luz da palavra da vida é perfeitamente palpável. E no olhar de quem sofre injustiças, perseguições e afrontas, e para quem percebe e sente todo o peso do domínio das duas bestas feras e do dragão, é resposta à esperança de quem acreditou, resistiu e testemunhou bravamente. Sendo tais bestas feras e o tal dragão ninguém senão o Imperador, a propaganda solapadora do Império e o mal que cor-rói, resumidos no termo Reino do Mal (FERREIRA, 2009, p. 210).

Um novo céu e uma nova terra se anunciam na voz do profeta: vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra já passaram, e o mar já não existe (Ap, 21, 1). Um novo tempo e um novo espaço que se origina quando se interrompe o mundo já existente. É uma proposta de transformação de tudo que já existe de forma radical e revolucionária, em níveis jamais vislumbrados, em horizontes que se assemelham ao Jardim do Éden e se iguala ao paraíso. Mas é necessário que ocorra uma descontinui-dade com o primeiro céu, a primeira terra e o mar. Uma descontinuidescontinui-dade que não é histórica, pois a nova terra e o novo céu estão disponíveis para

(4)

toda a humanidade como continuação da história. Este mundo novo já pode ser vivido aqui na história por antecipação dessa Nova Jerusalém se realizando na comunidade que é a Igreja (GORGULHO, 1977, p. 200). Contudo, a proposta vai além e se apresenta em sua plenitude quando oferecida por Deus como a nova Jerusalém. Mostrada exatamente como será após a ruptura com as primeiras coisas. Percebe-se que acontece uma descontinuidade dos fundamentos existentes, pois novo fundamento é inaugurado, novas bases estabelecidas na interrupção das bases existentes no mundo romano desigual, violento e injusto. Ocorre uma descontinui-dade com o mundo atual e com a vida dos povos (GORGULHO, 1977, p. 200). A nova Jerusalém é inteiramente outra terra com a humanidade completamente recriada e Deus convivendo com ela como totalmente ou-tro. O numinoso, o transcendente, plenamente sagrado, impregnando a nova terra de sacralidade e se desnudando de seus mistérios para se revelar à humanidade recriada.

E descrita como está no livro de Apocalipse, esta nova terra destoa de todo sistema imperial romano daquela época. Os fundamentos existen-tes nos quais se firmaram o Império Romano não se coadunam com o que há de vir. Um novo céu e uma nova terra agora com novas bases estabele-cidas por Deus após a desconstrução total do mundo existente, que só se torna possível com a descontinuidade e ruptura com o sistema vigente, o Império romano, ou qualquer outro sistema com o qual se pareça. Uma nova construção seria estabelecida para a humanidade que perseverou até o fim pelo testemunho e resistência. Tudo novo, pois os velhos dogmas esta-vam baseados em doutrinas que se sustentaesta-vam em leis maléficas, injustas e insanas que deveriam ser destruídas juntamente com seus atores: a elite imperial, o mal que destrói a verdade e a justiça, o sistema imperial e todas as forças do mal.

O profeta continua descrevendo: vi também a cidade santa, a Nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva ador-nada para o seu esposo (Ap 21, 2). A nova Jerusalém é bem diferente de tudo que já foi visto por olhos humanos, ela é concedida por Deus como um presente. Percebe-se que não é a terra que sobe, mas a cidade santa, a nova Jerusalém que desce do céu. Uma nova terra é dada à humanidade por Deus, em conformidade com o que é divino. Não há como continuar nos moldes de um sistema imperial romano opressor. Há que se romper com o sistema imperial romano, destruindo-o inteiramente para que se receba da parte de Deus um novo céu e uma nova terra. Nova terra total-mente consoante aos atributos de Deus, fundamentada em alicerces que

(5)

definem as características de Deus: amor, justiça, liberdade e igualdade. E essa terra nova e santa é descrita como enfeitada e embelezada por Deus, pela sua presença. É comparada à noiva que se embeleza para o noivo: o Cristo. A noiva se encontra com o noivo para concretizar o casamento: a aliança se constitui de forma completa, na forma mais próxima de união e comunhão. A perfeita união de Deus com a humanidade pode ser cumpri-da no novo céu e nova terra. Agora é Deus se unindo com a humanicumpri-dade no estabelecimento e construção do novo céu e nova terra. É da parte de Deus que se estabelecerá o reino de Deus em sua forma plena. Deus realiza seu projeto na história, pois a nova sociedade não é prevista para fora da história, para além do muro, mas para dentro da história, à nossa espera (BORTOLINI, 2008, p. 176).

E Deus estará habitando a nova Jerusalém, se comunicando conti-nuamente com a humanidade, em perfeita harmonia e comunhão. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles (Ap 21, 3b). Não haverá mais nenhuma mediação ou necessidade de invo-car a presença de Deus em culto ou oração, pois Deus já estará presente, Ele será habitante dessa nova terra juntamente com a humanidade, e com ela se relaciona e convive. Nela não vi santuário, porque o seu santuário é o Senhor, o Deus Todo-Poderoso, e o Cordeiro (Ap 21, 22). E todos deve-rão adorá-lo, unicamente a Ele, pois não haverá mais lugar para qualquer tipo de idolatria. Nela estará sempre a presença de Deus e do Cordeiro, com toda a sua glória. A idolatria do poder e do acúmulo deve dar lugar à partilha (BORTOLINI, 2008, p. 181). O absolutismo do Império ou o absolutismo do mercado deve dar lugar ao Único que é absoluto, pois o louvor, e a glória, e a sabedoria, e as ações de graças, e a honra, e o poder, e a força sejam ao nosso Deus, pelos séculos dos séculos (Ap 7, 12).

E todos convivendo em ambiente totalmente e continuamente sa-grado, pois Deus se faz presente como morador. Todo ser humano habi-tante dessa nova terra será um só com Deus, e todos serão um só povo. E onde Deus habita certamente o que prevalece é a justiça, o amor, a paz, a igualdade, a verdade, a liberdade, pois Deus é possuidor de todos esses atributos. A injustiça, a mentira, as guerras, o mal, a desigualdade, a es-cravidão, todas essas coisas já não mais existirão na nova terra. Está tudo diferente com a presença de Deus, na nova terra criada por Deus, adornada por Ele para que Ele possa conviver com a humanidade. Deus brilha com todo seu esplendor nessa sociedade justa, igualitária e fraterna (BORTO-LINI, 2008, p. 176). Uma nova sociedade moldada por Deus para felici-dade do ser humano. Não há mais diferenças, e todos se unem numa só

(6)

vida, assumindo todas as riquezas das civilizações e das culturas dos povos (GORGULHO, 1977, p. 197). Pois Deus ajuntará os povos e as nações serão iluminadas pela sua glória. As nações andarão mediante a sua luz, e os reis da terra lhe trazem a sua glória (Ap 21, 24). E lhe trarão a glória e a honra das nações (Ap 21, 26).

Todos os que forem habitar na nova morada terão seu lugar, não haverá mais disputa de espaço ou território. Será tudo repartido para todos, sem que haja mais necessitados de qualquer espécie. Na sociedade justa tudo pertence a todos, tudo é partilhado entre todos, não existindo mais lu-gar para o meu ou o seu (BORTOLINI, 2008, p. 178). Seria como pensar uma sociedade onde todos têm o bastante em tudo que necessitarem. Deus suprirá todas as necessidades em abundância. A nova sociedade não saberá o que é sentir a falta do que quer que seja, será uma sociedade rica e gloriosa em tudo, pois essa nova cidade é divina, repleta da glória de Deus. Todos se unem numa só vida, como um só povo, numa unidade selada pelo Espírito, pela união e comunhão com Deus e o Cristo. Segundo Tamez (2004, p. 10), para Jesus, na sociedade deve haver lugar para todos, e, essa sociedade se baseia na proclamação central de Jesus sobre o reino de Deus, que “é um reino ideal no qual não há guerras nem dominação, nem fome ou discri-minação, pois todas as pessoas são preciosas aos olhos de Deus”, que não faz distinção de gênero, classe, raça ou poder econômico. Pois em Cristo, terminam as diferenças que hierarquizam, e se adquire a plena igualdade humana, uma condição essencial da liberdade (MÍGUEZ, 2002, p. 8).

Sofrimento e dor não existirão na nova terra, pois Deus lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram (Ap 21, 4). O sofri-mento e a dor são as consequências de um sistema baseado em desigual-dades, desamor, escravidão, violência, mentira, idolatria. Destrói-se esse sistema de injustiças, mentiras, maldade e desigualdades, que é a essência do primeiro céu e da primeira terra, e desaparecem a dor e o sofrimento. A destruição desse mundo mal é essencial para que se construa o mundo novo vindo da parte de Deus. E a humanidade sofre ansiando por um novo modo de vida que mesmo hoje é premente. Mas mesmo premente o ser humano não consegue elaborar uma organização como a apresentada no livro do Apocalipse de João. Os povos têm procurado ao longo da história das civilizações soluções para a dor e sofrimento, mas não conseguiram ai-nda sequer um vestígio de explicação ou um vislumbre de uma civilização nos moldes proposto por Deus em Apocalipse.

(7)

A morte não mais existirá, pois a vida de Deus, que é eterna envol-verá a nova terra, pois Deus, a quem tem sede, dará de graça da fonte da água da vida (Ap 21, 6b). A morte é também consequência de um mundo sem Deus, sem a vida de Deus, baseado na idolatria do poder e do mer-cado. O sistema imperial romano era permeado de morte, pranto e dor e se sustentava pela idolatria do poder do Imperador. Mas em tempos atuais não é diferente, pois esse sistema capitalista globalizado se sustenta pela idolatria do poder e do mercado. As novas regras impostas pela globaliza-ção são as leis do mercado que dirigem a vida humana através da “desregu-lamentação” do mercado global (MÍGUEZ, 2002, p. 2). A dor e o pranto é uma realidade nos dias atuais. As desigualdades são parte desse mundo globalizado. A idolatria do mercado escraviza as pessoas pelo consumismo exagerado, trabalho excessivo para custear as necessidades vitais, subem-prego, poder político e econômico concentrado nas mãos de uma minoria rica e privilegiada. Enquanto o capital flui livremente, e as mercadorias produzem a riqueza, como a propriedade e a vantagem dos podero-sos, as pessoas estão confinadas a áreas de pobreza (MÍGUEZ, 2002, p. 2). É assim que funciona o sistema capitalista globalizado. Os capitais circulam livremente, mas os seres humanos, especialmente os pobres, são acorrentados, ficam presos (MÍGUEZ, 2002, p. 2).

Nesse sistema capitalista globalizado a felicidade se torna pratica-mente inatingível e relegada para o plano transcendente. O ganhar mais e mais dinheiro, combinado com a afastamento estrito de todo prazer es-pontâneo de viver é um fim em si mesmo, que do ponto de vista da felici-dade ou da utilifelici-dade para o indivíduo parece algo transcendental e irracio-nal (WEBER, 2003, p. 49). Neste contexto atual dominado pelo espírito do capitalismo globalizado, a humanidade se desumanizou e banalizou a própria vida banalizando a violência. Como no sistema imperial roma-no, a violência é parte desse sistema capitalista, e a competição selvagem predomina no mercado globalizado. O homem é dominado pela geração de dinheiro, pela aquisição como propósito final da vida, e essa aquisição econômica não está mais subordinada ao homem como um meio para a satisfação de suas necessidades materiais (WEBER, 2003, p. 49).

Não há mesmo como pensar uma nova sociedade idealizada por Deus nos moldes nem do Imperialismo Romano, nem desse sistema capi-talista atualmente existente. A ruptura é necessária para que se estabeleça a nova sociedade e a descontinuidade dos fundamentos existentes é parte dessa ruptura. A humanidade não pode conceber uma nova terra e uma nova sociedade, ela deve ser dada por Deus para sua felicidade. E muitas

(8)

vezes também não consegue entendê-la como plausível porque esse sis-tema é também gerador de mentes calcificadas. A economia capitalista moderna é um enorme cosmos no qual o ser humano nasce, e que se lhe afigura, ao menos como indivíduo, como uma ordem de coisas inalterá-vel, na qual ele tem de viver (WEBER, 2003, p. 50). Mas se acreditarem, enquanto comunidade unida, na unidade do verdadeiro Espírito de Deus e não no espírito do capitalismo, e resistirem a essa calcificação, resistirem às injustiças e desigualdades desse sistema, se não se calarem e lutarem até o fim, a nova terra se torna plausível.

A humanidade está inserida nessa concepção de ganhar dinheiro e mais dinheiro, muitas vezes na mentalidade de satisfazer uma necessidade ou vontade, que após conquistada o conduz à outra vontade ou necessi-dade, num ciclo que é vicioso e interminável, gerando uma sensação de eterna insatisfação e incompletude. É o consumismo que sustenta o mer-cado e fomenta a idolatria do mermer-cado. A economia capitalista moderna força o indivíduo, à medida que ele esteja envolvido no sistema de rela-ções de mercado, a se conformar às regras de comportamento capitalistas (WEBER, 2003, p. 50). É preciso lutar e não se conformar, não se calar diante das injustiças e não temer retaliações, resistir, mesmo em tempos de sistema capitalista globalizado. Pois, o vencedor herdará estas coisas, e eu lhe serei Deus, e ele me será filho (Ap 21, 7). Esta nova sociedade dada por Deus é para os que vencerem e não se deixarem influenciar pela idola-tria do mercado. Liberdade, justiça, solidariedade, partilha, fraternidade e verdade são as colunas sobre as quais a nova Jerusalém, a nova sociedade é construída e se sustenta (BORTOLINI, 2008, p. 174). É preciso coragem, é preciso acreditar, amar a vida, permanecer com a mente pura, não se contaminar pela idolatria, escolher a verdade e lutar por ela para participar dessa nova sociedade. Quanto, porém, aos covardes, aos incrédulos, aos abomináveis, aos assassinos, aos impuros, aos feiticeiros, aos idólatras e a todos os mentirosos, a parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo e enxofre, a saber, a segunda morte (Ap 21, 8)

Para fazer parte dessa nova sociedade, dessa grande fraternidade uni-versal é necessário abandonar a idolatria (BORTOLINI, 2008, p. 181). Qualquer tipo de idolatria seria impraticável em uma sociedade que tem por habitante o próprio Deus. Nela, estará o trono de Deus e do Cordeiro (Ap 22, 3). Deus habitará essa cidade e fará parte dessa noiva sociedade, garantindo a justiça, a liberdade, a igualdade e o amor entre os seus ha-bitantes. Pois, nela, nunca jamais penetrará coisa alguma contaminada, nem o que pratica abominação e mentira (Ap 21, 27a). Não haverá mais

(9)

a possibilidade de privilégios de uns em detrimento de outros, todos se-rão iguais, tratados como justiça e igualdade. Porque é o capitalismo atual dominador da vida econômica que educa e seleciona os sujeitos de quem precisa, mediante o processo de seleção econômica do mais apto (WEBER, 2003, p. 50). Não haverá mais a necessidade de ser o mais forte ou o m,ais competente, o melhor e mais eficiente para participar da concorrência de-sumana e desenfreada promovida pelas leis do mercado com o fim de obter ganhos, vantagens e poder. Na verdade, toda busca de poder, louvor, glória e honra é idolatria alicerçada na mentira geradora da sociedade injusta (BORTOLINI, 2008, p. 181).

O novo céu e a nova terra ainda não se tornaram realidade. A nova Jerusalém é também ansiada para este tempo de mundo globalizado. A hu-manidade continua na expectativa de que se concretize esse novo e céu e essa nova terra. Ainda há tempo e lugar para a concretização dessa nova sociedade. A nova Jerusalém pertence ao futuro, não se manifestou ainda, mas é uma promessa que impulsiona todas as comunidades (GORGU-LHO, 1977, p. 199).

NEW HEAVEN, NEW EARTH: A REFLECTION OF AP 21, 1-8 Abstract: this paper is an analysis of Ap 21, 1-8 as a proposal from God to

humanity to build a new society. A society based on justice, freedom, love, equality and truth. For the construction of this society and fulfillment of the reign of justice, it is essential to break with the oppressive system, promoting the complete discontinuity of the established dominant system by any kind of idolatry. Then the justice, equality and freedom shall prevail as a proposal of life for a new society dedicated to the happiness of mankind, living in full com-munion with God.

Keywords: Justice. Freedom. Equality. Humanity. Idolatry.

Referências

BORTOLINI, José. Como ler o Apocalipse: resistir e denunciar. São Paulo: Paulus, 2008.

FERREIRA, Joel Antonio. Paulo, Jesus e os marginalizados: leitura conflitual do Novo Testamento. São Paulo: Editora da UCG, Editora América, 2009.

GORGULHO, Gilberto da Silva & ANDERSON, Ana Flora. Não tenham medo. São Paulo: Paulus, 1977.

(10)

HORSLEY, Richard A. Jesus e o império: o reino de Deus e a nova desordem mun-dial. Tradução de Euclides Luiz Calloni. São Paulo: Paulus, 2004.

MÍGUEZ, Nestor O. La Carta de Pablo a los Gálatas, Cuando la libertad no es (neo)liberalismo. Buenos Aires: ISEDET, 2002.

TAMEZ, Elsa. As mulheres no movimento de Jesus, o Cristo. Tradução de Beatriz Affonso Neves. São Leopoldo: Sinodal, 2004.

TAMEZ, Elsa. Contra toda condenação, a justificação pela fé, partindo dos excluí-dos. São Paulo: Paulus, 1995.

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2003.

* Recebido em: 22.11.2010. Aprovado em: 16.12.2010.

** Mestra em Ciências de Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás). Graduada em Psicologia pela PUC Goiás.

Referências

Documentos relacionados

Objective: This study aims to compare water and power consumption in four cycle confi gurations (number of pulses in the conditioning phase, drying time, and vacuum depth set

O tipo de aplicação das CVTs também é vasto e vai desde a aplicação em variadores de rotação (CVTs de baixa potência, geralmente cônicos ou por esferas) para

Além disso, alguns códigos legais e textos relativos à gestão de recursos naturais (florestais, meio ambiente, preservação da fauna, flora e áreas protegidas,)

O Programa Escola Integrada – PEI, implementado em 2006 pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, por meio da Secretaria de Educação, é uma proposta de ampliação da

[r]

Você sabia que a soma das vogais do seu nome completo, recebido ao nascer,?. reflete o seu mundo interior, como você pensa e como sente

INTRODUÇÃO A presente dissertação tem por objeto as Políticas Culturales Distritales formuladas para ser implementadas entre 2004 e 2016 na cidade de Bogotá, capital da

Fig. 1 – 1a)Anteroposterior view of MAPCA feeding left sided pulmonary fields; 1b) After AVP-4 deployment; 2a) Anteroposterior view of MAPCA feeding right sided pulmonary fields;