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A Aceitação do Princípio do Incumprimento Eficiente pelos Operadores Comerciais em Relações Transnacionais

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Academic year: 2021

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1 MESTRADO

ECONOMIA E GESTÃO INTERNACIONAL

A Aceitação do Princípio do

Incumprimento Eficiente pelos

Operadores Comerciais em

Relações Transnacionais

Rodrigo Manuel Morgado dos Santos Pereira

Gomes

M

2018

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A ACEITAÇÃO DO PRINCÍPIO DO INCUMPRIMENTO EFICIENTE

PELOS OPERADORES COMERCIAIS EM RELAÇÕES

TRANSNACIONAIS

Rodrigo Manual Morgado dos Santos Pereira Gomes

Dissertação

Mestrado em Economia e Gestão Internacional

Orientado por

Prof. Dra. Mariana Fontes da Costa

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Resumo

Esta dissertação aborda um dos maiores debates dentro da análise económica do contrato: a diferença entre os remédios aplicados em caso de incumprimento contratual nos sistemas legais da common law e da civil law, enquadrando-a nas barreiras com que as empresas se deparam no processo de internacionalização, em especial ao nível da necessidade de informação de mercado, evidenciada nas principais teorias da internacionalização. Tem como objetivo final perceber de que modo as empresas portuguesas lidam com as diferenças entre esses remédios, entre os países para os quais se querem internacionalizar e onde recai a sua preferência (se no remédio da execução específica ou na indemnização pecuniária), tentando evidenciar as razões das escolhas e se estariam abertas a uma alteração na lei portuguesa que facilitasse uma desvinculação unilateral dos contratos associada a um dever de indemnização dos danos causados.

Ao procurar a opinião das empresas portuguesas, este trabalho pretende promover uma nova abordagem ao debate sobre o incumprimento eficiente, que até à data tem ignorado o ponto de vista do empresário.

Para tal recorreu-se a uma série de entrevistas semiestruturadas com 4 empresas do ramo da engenharia civil que operam simultaneamente em Portugal e no estrangeiro e que lidam com contratos de longa duração e prestam serviços cuja substituição é onerosa ou mesmo impossível em alguns casos.

Os resultados permitiram perceber a dicotomia entre a perspetiva do legislador e do empresário, que avalia as situações caso a caso, sem ponderação para a formação de uma solução geral. As empresas entrevistadas, acostumadas a um sistema de civil law apresentaram, como era esperado, alguma aversão à adoção de medidas ditas eficientes, valorizando mais a confiança e as relações com os parceiros do que a possibilidade de escapar a um negócio que se tornou prejudicial ou entrar num outro melhor. Apesar de admitirem a preferência pela indemnização em alguns casos específicos, principalmente quando a execução específica obrigaria à manutenção de uma relação deteriorada ou ao cumprimento de uma obrigação que perdeu a utilidade, o receio de oportunismo desmesurado das condições contratuais foi o principal entrave para a aceitação de uma aproximação aos sistemas legais da common law.

Palavras-chave: Internacionalização; Teoria do incumprimento eficiente; Indemnização;

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Abstract

This dissertation addresses one of the largest debates within the economic analysis of contracts: the difference between the remedies applied in cases of breach of contract in civil law and common law legal systems, framing it in the barriers that firms face in their internationalization processes, especially when it concerns market information, evidenced in the main theoretical models of internationalization. Its final goal is to understand how Portuguese firms deal with the differences between remedies, among the countries to which they want to expand to and where their preference lies (in specific performance or damages), while trying to highlight the reasons of those choices and if they would be open to a change in the Portuguese law, which would facilitate a unilateral untying from contracts, associated with a duty to pay damages.

While searching for the opinion of Portuguese companies, this work intends to promote a new approach to the debate about efficient breach, which, up until now, has ignored the viewpoint of the entrepreneur.

For that purpose, semi-structured interviews were conducted with 4 firms from the civil engineering industry sector, which operate simultaneously in Portugal and overseas, deal with long term contracts and provide services for which substitution is burdensome or even impossible in some cases.

The results allowed to understand the dichotomy between the legislator’s and the entrepreneur’s perspective, the last one which evaluates each situation on a case by case basis, without thinking of a general solution. The interviewed firms, accustomed to a civil law legal system presented, as expected, some aversion to the adoption of efficient measures, valuing trust and relationships with their partners above the possibility to escape a contract which has become burdensome or entering a better one. Although they admit their preference to be paid damages in some specific cases, mainly when performance would make them maintain a damaged relationship or to make them fulfil an obligation which has lost its utility, the fear of unhinged opportunism of the conditions in the contracts was the main reason for not accepting an approach to the common law legal systems.

Keywords: Internationalization; Theory of efficient breach; Damages; Specific

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Índice

Resumo ... i Abstract ... ii Índice ... iii 1. Introdução ... 1 2. Revisão de literatura ... 5 2.1. A Barreira da Informação ... 5 2.2. Teorias da Internacionalização ... 6 2.2.1. Modelo de Uppsala ... 7

2.2.2. A Teoria das Redes ... 8

2.2.3. O Paradigma Eclético e a Análise dos Custos de Transação ... 9

2.2.4. Modelo de Gestão Estratégica ... 11

2.2.5. Conclusão ... 11

2.3. A análise económica do contrato ... 12

2.4. A teoria do incumprimento contratual eficiente ... 14

2.4.1. Definição e pressupostos ... 14

2.4.2. Fragilidades da teoria do incumprimento eficiente ... 17

2.4.2.1. Questões éticas ... 17

2.4.2.2. Alteração das circunstâncias e o cálculo dos danos ... 18

2.4.3. A alternativa da imposição legal da reconstituição natural ... 22

2.4.4. Preferência dos operadores comerciais e possíveis explicações ... 23

2.4.4. O regime legal atual ... 26

3. Metodologia ... 29

3.1. Análise Qualitativa - caso de estudo ... 29

3.2. Seleção dos casos ... 30

4. Análise de Dados ... 32

4.1. Apresentação das empresas ... 32

4.1.1. PPSEC ... 32

4.1.2. LUSOCLIMA ... 33

4.1.3. JBMM ... 34

4.1.4. MOTA-ENGIL ... 35

4.2. Tratamento dos dados recolhidos ... 37

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4.2.2. Indemnização vs Execução específica... 38

4.2.3. Gain-seeking vs Loss-Avoiding... 39

4.2.4. Alteração do regime legal português e o princípio da confiança ... 41

4.3. Súmula ... 43

5. Conclusão ... 47

Referências ... 52

Anexo 1 – Carta de Apresentação ... 56

Anexo 2 – Declaração de Consentimento Informado ... 57

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1. Introdução

Não há como negar que a internacionalização se tornou um passo crucial para aumentar a competitividade das empresas e para a sobrevivência destas num mercado global. Aliás, a internacionalização traz, de facto, efeitos líquidos positivos para grande parte das empresas que dão este passo (Contractor, 2007).

Dentre os diversos modelos teóricos que estudam as condicionantes e motivações que levam as empresas a procurarem alternativas ao mercado doméstico, o modelo de Uppsala, a teoria das redes, o paradigma eclético e o modelo de gestão estratégica - cujos pressupostos serão objeto de breve análise nesta dissertação - procuram explicar e demonstrar que fatores como a confiança, as relações, o nível de compromisso das empresas e o conhecimento de mercado podem influenciar as decisões de internacionalização.

São múltiplas as barreiras, quer a nível interno, quer a nível externo, encontradas pelas empresas na tentativa de se internacionalizarem (Reid, 1983; Coviello & Munro, 1997; Andersen & Buvik, 2002; Whitelock, 2002; Coeurderoy & Murray, 2008; Hennart, 2009; Johanson & Vahlne, 2009; Hassouneh, 2011; Teece, 2014).

No entanto, um dos obstáculos mais comuns à internacionalização, principalmente ao nível das Pequenas e Médias Empresas (de ora em diante identificadas pela sigla PMEs), é a existência de barreiras de informação (Coviello & Munro, 1997; O. Andersen & A. Buvik, 2002; Coeurderoy & Murray, 2008; Martins & Pinho, 2010), sendo transversais a grande parte das empresas e apontadas como essenciais para a tomada de decisões por parte da gestão (Leonidou, 2004). As barreiras informacionais afetam a necessidade vital de obtenção de informação sobre o mercado no qual a empresa pretende passar a atuar e de identificação de oportunidades de negócio, sendo a sua ultrapassagem essencial para a redução da incerteza num mercado global heterogéneo e em constante transformação (Leonidou, 2004).

O contrato é um instrumento que reduz a incerteza, nomeadamente informacional, ao atribuir força jurídica vinculativa aos acordos celebrados entre operadores comerciais. Para além da disciplina fixada pelo acordo das partes, cada contrato é regido também por um conjunto de regras jurídicas gerais e abstratas em vigor em cada país, as quais podem ser obrigatórias (normas imperativas) ou depender da não regulação da matéria em sentido diferente pelas partes no acordo (normas supletivas) (Araújo, 2007).

Ora, essas regras gerais e abstratas que regulam a vida dos contratos têm sido objeto crescente de estudo e propostas de reformulação pelas teorias da análise económica do

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direito, com o objetivo de maximizar a utilidade produzida pelo contrato, iniciando, assim, um debate sobre se o contrato deve considerar aspetos de eficiência ao mesmo nível dos aspetos de justiça substantiva (Araújo, 2007), com reflexos, nomeadamente, ao nível das normas que regulam as relações comerciais internacionais (Schlechtriem, 1997) .

A teoria do incumprimento contratual eficiente constitui um dos exemplos dessa crescente influência da análise económica na regulamentação legal dos contratos e defende que quando os benefícios conjuntos do cumprimento do contrato já não excedem os custos, uma das partes tem um incentivo para entrar em incumprimento, indemnizar a outra parte pelos danos causados e resolver (extinguir unilateralmente) o contrato, terminando assim com a situação de ineficiência (Eisenberg, 2005). Esta solução é a oposta da adotada presentemente em Portugal (e na maioria dos países europeus continentais) e nos princípios da contratação internacional, nomeadamente nos princípios UNIDROIT (Principles of

International Commercial Contracts) e na CISG (United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods), onde há uma clara preferência pela reconstituição natural, permitindo que a parte afetada pelo não cumprimento exija da parte faltosa a adoção da conduta devida e não apenas uma indemnização pecuniária (Schlechtriem, 1997).

Já o contrário acontece na generalidade dos países pertencentes ao sistema de common

law, que admitem a extinção da obrigação de cumprir o contrato (substituindo esta obrigação

por uma indemnização em dinheiro) com fundamento em incumprimento eficiente, havendo uma maior flexibilidade e liberdade das empresas na persecução de contratos mais eficientes, melhorando o bem-estar geral (Zimmermann, 1990; Eisenberg, 2005; Araújo, 2007; Scalise, 2007; Lando & Rose, 2009; Bigoni et al, 2017).

Em teoria, a aceitação do princípio do incumprimento contratual eficiente permitiria às empresas uma redução da incerteza e do risco e uma maior margem de erro na escolha dos seus parceiros comerciais internacionais, podendo mais facilmente libertar-se de vínculos que, à primeira vista pareciam atrativos, mas que deixaram de ser do seu interesse manter. Deste modo, seria de admitir ser mais atrativa para os operadores comerciais.

Este trabalho pretende explorar precisamente este ponto, pondo em evidência os seus pressupostos e a sua veracidade e analisando como reagem as empresas comerciais portuguesas que se internacionalizaram ao remédio do incumprimento eficiente e se considerariam uma eventual mudança na legislação nacional nesta matéria, e com que contornos.

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Para tal, começaremos por dedicar a primeira parte da dissertação à revisão de literatura, na qual se irá fazer um estudo mais detalhado sobre o peso da barreira da informação na decisão de internacionalização das empresas e como as diferenças entre regimes legais se enquadram nesta categoria de barreiras, evidenciando o seu peso nas decisões de internacionalização. Após esta análise, serão abordados os seguintes modelos de internacionalização: o modelo de Uppsala, a teoria das redes, o paradigma eclético e o modelo de gestão estratégica, de modo a evidenciar as motivações para as empresas se internacionalizarem, além dos fatores que determinam a escolha do modo de entrada e do mercado. Evidenciar-se-á, no final, que a informação de mercado é um fator comum entre todos eles, sendo essencial para a aquisição de conhecimento e tomada de decisão.

Posto isto, entraremos na visão económica do fenómeno contratual, demonstrando como a análise económica mudou a forma de ver o contrato, valorizando aspetos que a ciência jurídica considerava irrelevantes. O pragmatismo da ciência económica fez com que esta se focasse nas consequências do contrato, nomeadamente, de que modo é que este poderia maximizar a utilidade de ambas as partes, e da sociedade em geral, criada pela vinculação das partes, ignorando, muitas vezes, questões de justiça substantiva e promovendo alterações dos remédios contratuais profundamente enraizados nos dogmas do Direito.

Avançar-se-á, depois, para a definição e análise dos pressupostos da teoria do incumprimento eficiente, abordando as suas consequências, em caso de aplicação geral; os argumentos a favor desta aplicação e os que se opõe a esta; e o histórico da preferência das entidades comerciais que operam internacionalmente. É feita, também uma abordagem aos pressupostos da solução jurídica da execução específica e de que forma se distingue da indemnização pecuniária, não deixando de referir o sistema português.

A revisão de literatura é finalizada com uma abordagem à importância da atualização dos sistemas legais, com vista à uniformização e à adoção de regras eficientes, de modo a reduzir os custos de adaptação a um sistema legal. A contratação à volta de regras ineficientes não é uma solução perfeita e a não atualização dos sistemas legais pode levar a que as empresas, na procura de um sistema legal familiar, optem pelos sistemas legais de regras ineficientes, agravando o problema dos custos de adaptação.

Segue-se uma descrição e explicação da metodologia selecionada, o método qualitativo, mais especificamente o Systematic Combining, utilizando entrevistas semiestruturadas a quatro empresas do setor da engenharia civil. A escolha destas empresas

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foi efetuada por estas lidarem com contratos internacionais de longa duração e prestarem serviços de difícil substituição, características ideais para a perceção do ponto de vista do empresário sobre a importância das diferenças entre regimes legais para a tomada de decisões de internacionalização, as diferenças percebidas entre a execução específica e a indemnização pecuniária e uma eventual alteração no sistema legal português que favorecesse mais a atribuição de indemnizações.

Na última parte desta dissertação é realizada uma análise dos resultados obtidos e de que forma se enquadram com a revisão de literatura. Inicialmente é realizada uma descrição das empresas e do seu processo de internacionalização, passando, de seguida, para uma exposição das respostas obtidas, divididas por subcapítulos, cada um abordando um tema diferente, correspondente a uma parte da entrevista. No final é feita uma súmula de todas as respostas obtidas, relacionando-as com a revisão de literatura, de modo a expor as semelhanças e discrepâncias entre a visão do empresário e estudos realizados até à data. O último capítulo aborda as conclusões e implicações dos resultados obtidos.

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2. Revisão de literatura

2.1. A Barreira da Informação

Recorrendo à definição adotada por Leonidou (2004), as barreiras informacionais são aquelas que se referem a problemas em identificar, selecionar e contactar mercados internacionais devido a ineficiências ao nível da informação. Estas ineficiências informacionais traduzem-se em maiores custos de transação.

O impacto das barreiras à internacionalização é específico de cada situação, dependendo grandemente do contexto administrativo, organizacional e ambiental da empresa. No entanto, algumas barreiras, como as de ineficiência de informação, têm um efeito obstrutivo no comportamento exportador (Leonidou, 2004). Na análise efetuada por Leonidou (2004), de 37 estudos a 39 barreiras à exportação, as barreiras de informação foram classificadas de elevada importância pelas empresas exportadoras e não exportadoras e como cruciais para tomada de decisão da gestão.

Para desenvolver uma estratégia de internacionalização, é necessário considerar múltiplos aspetos ao nível do mercado, consumidores, procedimentos, investimentos e apoios estaduais. No entanto, esta informação não está disponível de forma igualitária para todos os empresários. Katsikeas & Morgan (1994) evidenciaram que muitos dos problemas nos processos de internacionalização nascem da tomada de decisão não informada do empresário, por este não estar consciente da informação disponível e das suas fontes. Mas estar disponível não é suficiente; o empresário tem de ter iniciativa de procurar informação, sob pena de tomar a decisão menos eficiente.

As barreiras informacionais vão-se esmorecendo com o tempo, à medida que a empresa se envolve cada vez mais nos mercados internacionais, vai adquirindo know-how e conhecimentos procedimentais [conhecimento de mercado (Johanson & Vahlne,1977)], além de que desenvolve uma rede que lhe permite tornar-se cada vez mais eficiente na escolha de parceiros comerciais e recolher informação cada vez mais precisa e fiável (Uner et al., 2013). Apesar disso, a barreira da informação tem uma importância acrescida, na medida em que outras barreiras ao nível de conseguir um preço competitivo e a entrada de produtos estrangeiros, relacionados com taxas alfandegárias e outras medidas protecionistas, têm vindo a perder importância devido à crescente globalização dos mercados e consequente redução das diferenças de preço. Entre as barreiras mais referidas pelas PMEs espanholas,

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portuguesas, neozelandesas e turcas encontram-se as barreiras procedimentais, informacionais, de financiamento e de identificação de oportunidades nos mercados externos (Uner et al. 2013).

No caso das PMEs, em Portugal, proporcionar informação correta e fiável, aliada à melhoria da qualificação dos recursos humanos envolvidos no processo de exportação, são passos essenciais para a redução de barreiras que estas empresas enfrentam no seu processo de exportação (Martins & Pinho 2010). Aliás, o elevado risco associado ao processo de internacionalização das PMEs - assente no facto de os recursos à disposição das PMEs tenderem a ser mais reduzidos do que os de uma multinacional - coloca uma importância redobrada na obtenção de informação fiável e na correta tomada de decisão por parte da gestão (Coeurderoy & Murray, 2008).

Ora, as diferenças legislativas entre os vários mercados resultam num esforço extra que as empresas têm de fazer, de modo a conhecerem e se adaptarem ao regime legal existente, se se quiserem expandir para um novo mercado, resultando num aumento dos custos de transação (Carbonara & Parisi, 2009) e ineficiências na elaboração dos contratos (Eisenberg, 2005; Araújo, 2007).

Estas diferenças ao nível de procedimentos legais enquadram-se no contexto das barreiras informacionais, dentro da categoria das barreiras político-legais, sendo que, quanto mais pronunciadas estas forem, maior será o esforço que irão exigir da empresa que pretende entrar no mercado internacional (Leonidou, 2004; Dikova, 2009; Al-Hyari, 2010; Uner et al. 2013; Niñerola et al. 2017).

Mais à frente (infra, §2.4) focar-se-ão as diferenças entre os remédios legais consagrados pelos diferentes países para lidar com situações de incumprimento eficiente (tema central da dissertação), a origem e razão dessas diferenças e o modo como as empresas lidam com elas no seu processo de internacionalização. Antes, porém, procurar-se-á, de modo breve, evidenciar a relevância central que é atribuída à barreira da informação pelos principais modelos teóricos de internacionalização, efetuando primeiro uma pequena descrição dos princípios de cada um e, no final, uma súmula de como a informação sobre os mercados é crucial em todos os modelos teóricos.

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Vários autores têm procurado formular uma explicação para perceber “porquê” e “como” as empresas escolhem expandir-se para outros mercados, estudando o comportamento das empresas que escolhem expandir-se além-fronteiras. Fruto deste constante estudo nasceram várias teorias da internacionalização da empresa, sendo rebatidas e evoluindo ao longo do tempo. Whitelock (2002) reúne uma análise das principais teorias da internacionalização, cuja importância é inegável no panorama do estudo da internacionalização da empresa, sendo estas: o modelo de Uppsala, o paradigma eclético e a análise dos custos de transação, a teoria das redes (“interactive network approach”) e o modelo de gestão estratégica (“business strategy approach”).

2.2.1. Modelo de Uppsala

Desde a sua criação, por Johanson & Vahlne (1977), que o modelo de Uppsala pretende explicar as características do processo de internacionalização das empresas através de um modelo incremental, afirmando que este se inicia normalmente pela exportação ad hoc, passando, à medida que há aquisição de conhecimento e experiência de mercado, normalmente, para o uso de agentes locais e depois para as próprias subsidiárias comerciais e progredindo para modos de entrada de maior risco, mas que oferecem maior controlo e rentabilidade (Johanson & Vahlne, 1977; Whitelock , 2002; Coeurderoy & Murray, 2008; Hennart, 2009; Johanson & Vahlne, 2009; Hassouneh, 2011), iniciando-se, regra geral, em mercados psicologicamente próximos do mercado doméstico. Este conceito de distância psicológica pretende medir a aproximação cultural dos mercados e consiste nos fatores (língua, passado colonial, tradições…) que facilitam ou dificultam o entendimento entre os agentes de diferentes mercados, originando a noção de liability of foreignness, tanto maior quanto maior for a distância psicológica. O principal driver da expansão para outros mercados é o conhecimento tácito, que não se pode ensinar e é ganho através da acumulação de experiência por parte das empresas (Johanson & Vahlne, 1977; Whitelock, 2002).

Entretanto, à luz das mudanças ocorridas no paradigma teórico ao nível da internacionalização e nas práticas negociais das empresas, que foram evoluindo ao longo do século XX, verificou-se que uma grande parte destas não seguia o processo incremental do modelo, nem tinha, muitas vezes, o objetivo final de situar a produção num mercado estrangeiro (Whitelock, 2002; Coeurderoy & Murray, 2008). Acresce que as decisões de internacionalização não são unilateralmente tomadas pela empresa (Hennart 2009).

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Deste modo, Johanson & Vahlne (2009) efetuaram uma revisão do modelo de Uppsala, muito influenciados pela teoria das redes (Coviello & Munro, 1997; O. Andersen & A. Buvik, 2002), afirmando que as empresas fazem parte de redes, ou seja, estão envolvidas em relações interdependentes com outras empresas. Os autores admitem também a expansão rápida, “saltando” fases da expansão, se reunidas certas condições, de modo a explicar a rápida internacionalização de algumas empresas. Assim, se as condições de mercado forem estáveis e o conhecimento de mercado puder ser adquirido de outro modo que não a experiência e se a empresa possuir muitos recursos que permitam dar “passos” maiores de expansão, ou possuir uma experiência considerável em mercados semelhantes, é possível as empresas não seguirem o modelo incremental descrito (Whitelock, 2002; Johanson & Vahlne, 2009).

Deste modo, o modelo de Uppsala revisto define a empresa como portadora de confiança, compromissos e relacionamentos com outras empresas (os novos drivers do modelo), para além de conhecimento, sendo a internacionalização fruto das ações da empresa para fortalecer as suas posições nas redes em que participa (Coviello & Munro, 1997) e não apenas para ultrapassar barreiras.

Havendo lugar à geração de conhecimento tácito com a construção e manutenção de relações através do compromisso e da confiança, graças à participação numa rede sem fronteiras, isso permitirá a identificação, criação e exploração de oportunidades, influenciando o mercado para o qual a empresa se irá expandir e o modo de entrada que irá utilizar. Uma empresa expandir-se-á para um novo mercado alvo se encontrar oportunidades de negócio ou seguindo um parceiro que pretende ele próprio expandir-se, demonstrando o compromisso com a relação (Johanson & Vahlne, 2009; Whitelock, 2002).

2.2.2. A Teoria das Redes

Uma das grandes críticas ao modelo incremental de Uppsala, após a sua criação em 1977, era, como mencionámos supra, o facto de dar a entender que as decisões de internacionalização eram fruto de decisões unilaterais por parte das empresas, ignorando a importância das relações desenvolvidas com outras empresas envolventes (Coviello & Munro, 1997; Whitelock , 2002; O. Andersen & A. Buvik, 2002; Hennart, 2009). De facto, as empresas fazem parte de redes, ou seja, estão envolvidas em relações interdependentes com outras empresas, sejam estas clientes, fornecedores, empresas-mãe, etc. Estas redes têm

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um maior peso nas decisões de internacionalização do que a distância psicológica, principalmente nos modos de entrada ou na escolha do mercado (através do seguimento de clientes, por exemplo) (O. Andersen & A. Buvik, 2002; Johanson & Vahlne, 2009).

Os defensores da teoria das redes salientam o peso exercido pela confiança e a acumulação de conhecimento, frutos das relações dentro destas estruturas, para a tomada da decisão da internacionalização. Estas relações são essenciais para o sucesso da expansão da empresa: relações fortes dentro da rede permitem uma aprendizagem progressiva dos pontos fortes e fracos de cada uma das empresas envolvidas nesta, criando uma maior interdependência e consequente compromisso com a rede e com o mercado.

A criação de conhecimento dentro da rede permite conhecer as estratégias, recursos, necessidades e outras relações dos parceiros, o que leva à obtenção de informação privilegiada, de insider, que é crucial no processo de aprendizagem da empresa. Cria-se o conceito de relationship-specific knowledge, fruto da relação de duas empresas de recursos heterogéneos e que permite às empresas obter informação sobre como desenvolver outras relações em situações alternativas e em contexto internacional. (Coviello & Munro, 1997; Whitelock, 2002; O. Andersen & A. Buvik, 2002; Langen, 2002; Lechner & Leyronas, 2009; Johanson & Vahlne, 2009). A importância das relações dentro da rede é ainda maior quando consideramos pequenas e médias empresas, normalmente, de recursos limitados. As relações entre parceiros são muitas vezes determinantes para o futuro destas empresas, devido à reduzida margem de erro que possuem, ao contrário de multinacionais de maiores dimensões que conseguem limitar os danos e sobreviver após uma má experiência de internacionalização (Coviello & Munro, 1997; O. Andersen & A. Buvik, 2002; Coeurderoy & Murray, 2008).

A expansão da empresa para outros mercados está, então, dependente das características das várias redes em que está inserida e das redes que poderá vir a integrar, da sua posição dentro de cada rede, das suas relações com os seus parceiros e da sua capacidade de entrada em novas redes (Whitelock, 2002; O. Andersen & A. Buvik, 2002; Hennart, 2009). Esta teoria explica os fenómenos de internacionalização não incrementais, por exemplo, de seguimento de clientes ou fornecedores para outros mercados onde esta não detinha interesse (Whitelock, 2002; O. Andersen & A. Buvik, 2002; Coviello & Munro, 1997; Johanson & Vahlne, 2009) ou de formação de clusters de empresas que se complementam e beneficiam de spillovers de conhecimento (Langen, 2002).

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O paradigma eclético, também conhecido como paradigma OLI, tem como objetivo explicar de que forma as empresas internacionalizam as suas operações tendo em conta três fatores: as vantagens específicas de deter a propriedade de ativos de outra nacionalidade, que aumentam a capacidade de criar riqueza da empresa (“ownership-specific advantages” - O); as vantagens específicas de localizar as operações num determinado mercado não doméstico pelas características que trazem ganhos para a empresa (“location-specific advantages” - L); e as vantagens específicas de internalizar esses ativos, normalmente nos casos em que as vantagens de propriedade e de localização apenas são possíveis de serem apropriadas através do Investimento Direto Estrangeiro (doravante identificado pela sigla IDE) (“internalization

advantages” - I) (Dawson, 1994; Whitelock , 2002).

A análise dos custos de transação permite perceber as decisões de verticalização por parte das empresas das suas operações, resultando em diferentes modos de entrada para obter diferentes níveis de controlo (exportação, licenciamento, IDE...), ou decisões de escolha de mercado, através de decisões racionais baseadas numa análise dos custos de transação associados com cada nível de controlo, para cada mercado (Dawson, 1994; Whitelock, 2002; Boisot & Meyer, 2008; Teece, 2014). Um exemplo de comparação dos benefícios com os custos de possuir um maior controlo das operações é o caso de um mercado no qual existem vantagens competitivas de deter ativos com vantagens específicas, o que faz com que, se os benefícios de integração desses ativos forem relativamente maiores que os custos de integração, a empresa tome a decisão de utilizar mecanismos de controlo de modo a deter o controlo sobre esses ativos (Whitelock, 2002; Coeurderoy & Murray, 2008).

O paradigma eclético, com a ajuda da análise dos custos de transação, permite prever e explicar as decisões de internacionalização e integração das empresas, ou, de outro modo, as decisões do local e modo de expansão. No entanto, é um modelo que, para alguns autores, é restrito nas explicações que fornece, pois ignora objetivos de localização das operações com objetivos que vão para além da minimização dos custos de transação, como por exemplo, objetivos de implementação de processos específicos ou de obtenção de acesso a outros mercados, sendo comum haver estratégias diferentes para cada mercado, tendo em vista outros objetivos a longo prazo, em vez da redução imediata dos custos de transação (Teece, 2014). Outra crítica é o facto de atualmente o objetivo final não ser a total integração

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das operações, sendo visível nas várias empresas que operam em redes horizontais, que permitem uma maior eficiência de processos (Whitelock, 2002; McCann, 2011).

2.2.4. Modelo de Gestão Estratégica

Este modelo afirma que a empresa toma decisões tendo em vista diferentes estratégias de internacionalização, de acordo com os seus objetivos internos, baseando-se numa ideia de pragmatismo (Whitelock, 2002). A expansão ocorre, assim, pela estratégia que a empresa deseja tomar, fruto da sua filosofia interna, conjugada com os seus recursos e oportunidades de mercado. A escolha do mercado para onde expandir é baseada na sua atratividade, distância psicológica, acessibilidade e barreiras informais, e o modo de entrada é escolhido de acordo com as características específicas do mercado e da empresa (Whitelock, 2002). É importante, para isso, a empresa ter um grande conhecimento das suas potencialidades internas e vantagens competitivas, sejam estas conhecimento de mercado, tecnologia, know-how, ou outro tipo de vantagens que, ao serem aproveitadas, permitirão às empresas ter sucesso (Reid, 1983). Além do conhecimento interno, é de extrema importância o conhecimento dos mercados em análise e das suas potencialidades e características, desde potenciais custos, clientes, parceiros ou barreiras à entrada, pois só deste modo poderá a gestão da empresa tomar uma decisão acertada sobre quais as estratégias e mercados mais adequados aos objetivos da empresa (Reid, 1983; Teece, 2014).

Teece (2014) vai mais longe e tenta construir uma teoria unificada da internacionalização da empresa multinacional. Nesta primeira tentativa, o Autor afirma que a internacionalização da empresa está dependente das suas capacidades dinâmicas, colocando uma grande responsabilidade sobre o gestor da empresa, pois é das decisões deste que depende a sobrevivência e sucesso daquela. Aliás, o autor afirma mesmo que a empresa deve ir para além da sobrevivência e da adaptação às falhas de mercado. O gestor deve, sim, implementar recursos, processos e modelos de gestão específicos, combinando ativos internos e externos, guiados por uma estratégia presciente. A capacidade da empresa de entrar em trocas de tecnologia e capacidades, fortalecendo-se a si mesma e aos seus parceiros, irá fortalecer futuras decisões de IDE (Teece, 2014).

2.2.5. Conclusão

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Olhando para estas teorias, é possível encontrar um ponto em comum fulcral: em todas elas, o processo de internacionalização necessita da existência de informação de mercado, de modo a permitir tomar a melhor decisão possível (Whitelock, 2002). O paradigma eclético, aliado à análise dos custos de transação, implica a necessidade de informação relativa à realidade dos mercados, informação esta que origina custos para ser devidamente calculada e, como dito anteriormente, no caso da informação sobre os procedimentos legais, pode obrigar a empresa a incorrer em custos para a sua adaptação a essa nova realidade (Coeurderoy & Murray 2008). Esta informação é necessária para a gestão tomar a melhor decisão.

Tanto a teoria das redes como o modelo de gestão estratégica requerem a análise de vários fatores para a tomada de decisão, análise impossível sem a devida informação relativa a esses fatores de decisão, incluindo os procedimentos legais. Pode até referir-se que, ao fazer-se rodear de uma rede de parceiros comerciais experiente em negociar com vários sistemas legais, uma empresa pode reduzir as barreiras de entrada em países com regras legislativas diferentes, adquirindo o know-how desses parceiros. Esta transmissão de conhecimento permitirá ao gestor tomar uma decisão informada, de acordo com as características de cada mercado.

Só o modelo de Uppsala se distingue ligeiramente, ao requerer informação baseada no conhecimento experimental para a tomada de decisão, o que, aplicado ao caso dos procedimentos legais, se traduzirá, por exemplo em: ter, dentro da empresa, especialistas ou agentes habituados a um sistema legal diferente, que, com a sua experiência, permitem mitigar essa barreira e reduzir ineficiências na elaboração de contratos. Mejri & Umemoto (2010) defendem, aliás, a construção de um modelo baseado nos vários tipos de conhecimento, de modo a incluir um maior número de fatores que expliquem o comportamento das empresas que se internacionalizam.

Em conclusão, todos os autores consideram a informação sobre os mercados, onde está inserida a informação sobre os procedimentos legais, fulcral para o sucesso nos mercados estrangeiros.

2.3. A análise económica do contrato

Adotando uma visão económica do papel da contratação, podemos considerar o contrato como redutor da incerteza e maximizador de utilidade. Num contexto de incerteza elevada, como o mercado mundial, heterogéneo e sempre em constante mudança, o contrato

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permite garantir às partes o cumprimento de condutas acordadas, através da vinculação e da reação ao incumprimento, permitindo o planeamento e a tomada de decisões a longo prazo, criando valor através da confiança. A solução contratual apresenta-se como uma solução optimizadora, quando existe complementaridade de interesses e objetivos (Araújo, 2007).

Tendo como propósito máximo dar o melhor uso aos recursos limitados para satisfazer necessidades ilimitadas, obtendo o resultado mais eficiente, a análise económica do fenómeno contratual nada mais é do que aplicar essa perspetiva de eficiência às regras legais que regem os contratos, promovendo a avaliação das regras e normas legais conforme um critério de eficiência, ou seja, avaliando se promovem ou não o uso eficiente dos recursos (Schafer, 2004).

Segundo uma perspetiva económica, “o contrato é essencialmente um facilitador da circulação de titularidade de valores e de modos de governo conjunto (ou «governação») de problemas atinentes ao conhecimento, ao poder e aos interesses” (Araújo, 2007, p. 18), seguindo os princípios da liberdade contratual e do caráter vinculativo das obrigações contratuais, ou seja, o fundamento da liberdade de contratar ou não contratar e da preferência do contrato como fonte principal de obrigações. Este papel facilitador tem como objetivos principais permitir a circulação de bens e serviços em direção àqueles com maior necessidade e capacidade de os obter e garantir a liberdade de não contratar, para permitir o usufruto dos bens e serviços aos seus titulares. Isto funciona como garantia de que o acesso aos bens e serviços apenas é possível através da troca, mediante, em regra, o pagamento de um preço (Araújo, 2007).

Outro papel fundamental do contrato é o papel incentivador das promessas, nomeadamente através das reações ao incumprimento, vinculando as partes aos seus compromissos e aumentando a confiança nas relações comerciais e incentivando o planeamento e investimento a longo prazo (Einsenberg, 2005; Araújo, 2007).

Uma das principais críticas à análise económica do direito é a sua falta de consideração pela justiça substantiva, ao estudar o contrato como mero instrumento maximizador do bem-estar social. A análise de bem-estar ignora completamente questões redistributivas de bem-estar, estando apenas preocupada em garantir que exista um ganho de bem-estar geral, sem que nenhuma das partes perca, ou seja, ganhos de Pareto, considerando a negociação um “jogo”, no qual as partes dividem livremente a repartição do bem-estar gerado pela transação contida no contrato.

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Assumindo como referência o contrato de compra e venda, esta repartição situa-se entre dois pontos: o preço mínimo de venda e o preço máximo de compra. Estes «reservation points» delimitam o intervalo dentro do qual ambas as partes aceitam a conclusão do negócio e o bem-estar geral é maximizado. No entanto, um preço muito próximo do preço mínimo de venda é muito mais benéfico para o comprador, conseguindo ganhos de bem-estar muito superiores aos do vendedor, como explica Araújo (2007, p. 54): “no intervalo dentro do qual o contrato é possível, é mutuamente vantajoso e é maximizador de bem-estar, é possível um contínuo de preços, cada um com diferente impacto na distribuição do bem-estar entre as partes, até ao limite de preços que, de tão próximos dos «reservation

points», praticamente consumam uma «captura total» do bem-estar de uma das partes pela

outra”.

Ora, a abordagem económica ignora a componente redistributiva da justiça, preocupando-se apenas com a justiça procedimental ou adjetiva, ou seja, que esta aconteça dentro dessa “disposição negocial” e com a garantia de esta ter sido formada livremente, dentro dos limites das disposições negociais das partes. Ao situar o preço final de contratação nesse intervalo, este nunca será verdadeiramente injusto (Araújo, 2007).

Deste princípio nasce, assim, uma das questões mais controversas da análise económica do contrato: deve haver uma intervenção no sentido de uma maior igualdade na distribuição de bem-estar, correndo o risco de alterar o equilíbrio maximizador de utilidade? E mesmo não alterando esse equilíbrio, deve haver essa intervenção? É neste contexto de eficiência vs justiça substantiva que surge o debate sobre a teoria do incumprimento contratual eficiente (Schafer, 2004; Eisenberg, 2005; Araújo, 2007; Scalise, 2007)

2.4. A teoria do incumprimento contratual eficiente

2.4.1. Definição e pressupostos

A teoria do incumprimento contratual eficiente e os seus defensores argumentam que quando os benefícios conjuntos do cumprimento do contrato já não excedem os custos, pois, por exemplo, as condições atuais diferem das iniciais (muito comum em contratos de longa duração), ou simplesmente surgiu uma melhor oportunidade que garante ganhos maiores do que os existentes quando somados a uma eventual indemnização, uma das partes

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tem um incentivo para entrar em incumprimento, indemnizar a outra parte pelos danos causados e resolver o contrato, terminando assim com a situação de ineficiência.

Richard Posner (1972) (apud. Eisenberg, 2005) dá-nos uma das definições mais conhecidas da teoria do incumprimento eficiente: “[e]m alguns casos, uma das partes (contratantes) será tentada a não cumprir o contrato, simplesmente porque o proveito do incumprimento seria maior do que o proveito esperado do cumprimento do contrato. Se o proveito derivado do incumprimento também excede o proveito esperado pela outra parte do cumprimento do contrato, e os danos são limitados às perdas dos lucros, então existirá um incentivo ao incumprimento. Deve existir”.1

Segundo Scalise (2007), a teoria do incumprimento eficiente surgiu nos Estados Unidos da América, remontando a Oliver Wendell Holmes Jr., que na sua obra The Path of

the Law, 1897, constata que “o dever de cumprir um contrato num sistema de common law,

significa a obrigação de pagar pelos danos causados pelo incumprimento - e nada mais”2 duvidando, no entanto, que Holmes tivesse em mente a teoria do incumprimento eficiente tal como entendida na atualidade, quando escreveu estas palavras. No entanto, formula a essência da ideia de incumprimento eficiente, demonstrando a primazia pelo pagamento de uma indemnização pelo não-cumprimento, em vez da obrigação ao cumprimento, ideia que, mais tarde, será desenvolvida e popularizada por Richard Posner (Araújo, 2007).

Independentemente da sua associação direta à teoria da efficient breach, estas palavras demonstram, desde logo, a vocação do sistema jurídico americano para a preferência remedial pela indemnização pelos danos sofridos, deixando o remédio da realização coativa da prestação para casos excecionais, prática comum nos sistemas de common law (Zimmermann, 1990). Já para o jurista de um sistema de civil law o caso é muito diferente, sendo que nestes sistemas a preferência cai na reconstituição natural, o que vai contra os princípios da teoria do incumprimento contratual eficiente (Scalise, 2007), pois ao obrigar ao cumprimento efetivo da prestação, a situação de ineficiência mantém-se, não havendo maximização do bem-estar geral, objetivo central da teoria.

Utilizando o exemplo da lei portuguesa, pertencente ao sistema da civil law, é possível confirmar isso mesmo. Analisando o Código Civil Português, o art. 817.º indica-nos o

1 Traduzido de Einsenberg (2005): “[I]n some cases a party [to a contract] would be tempted to breach the contract simply

because his profit from breach would exceed his expected profit from completion of the contract. If his profit from breach would also exceed the expected profit to the other party from completion of the contract, and if damages are limited to loss of profit, there will be an incentive to breach. There should be.”.

2 Traduzido de Scalise (2007): “the duty to keep a contract at common law means a prediction that you must pay damages if

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princípio geral da realização coativa da prestação, estatuindo que, não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, o credor tem o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor. Este princípio aplica-se quando se tem em vista quer o pagamento de quantia certa, dando o direito à apreensão dos bens, à venda judicial dos bens penhorados e o pagamento aos credores; quer a entrega de coisa certa, dando igualmente o direito à apreensão da coisa em questão para a entrega ao credor, ou, se a coisa não puder ser entregue, aí há transformação da prestação numa indemnização pecuniária (art. 827.º) (Lima & Varela, 1997; Prata & Freitas, 2017). Outro direito dado ao credor é o do uso de meios coativos de realização da prestação, como por exemplo a venda judicial ou extrajudicial do penhor, o direito de retenção de coisas móveis e a declaração de compensação (Lima & Varela, 1997). Se estamos perante uma prestação de facto fungível ou negativo, tendo em conta os artigos 828.º e 829.º, estes conferem ao credor o direito ao cumprimento por terceiro à custa do devedor, a chamada execução por equivalente, ou a demolição da obra feita, exceto nos casos em que o prejuízo da demolição é consideravelmente maior para o devedor do que a obra em si para o credor, o que gera um direito a uma indemnização pecuniária, conforme a regra geral disposta no artigo 566.º, a qual afirma que quando a restituição natural é excessivamente onerosa para o devedor, a indemnização é fixada em dinheiro. Em todos os casos, não se exclui o direito a uma indemnização pelos danos causados, aliada ao cumprimento forçado (Lima & Varela, 1997; Varela, 1997).

Ainda de forma a comprovar a coercibilidade do regime português, o artigo 829.º-A do Código Civil afirma que estando perante uma prestação de facto infungível, positivo ou negativo, o credor pode requerer ao tribunal o pagamento de uma quantia pecuniária por dia de atraso do cumprimento ou por cada infração, exceto nas situações que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas. Esta sanção pecuniária compulsória é fixada utilizando critérios de razoabilidade, não interessando se o devedor teve culpa ou não no incumprimento, e sem prejuízo da indemnização a que houver lugar, sendo que o montante se destina em partes iguais ao credor e ao Estado (Lima & Varela, 1997; Prata & Freitas, 2017). Estes pagamentos têm como objetivo forçar o devedor a cumprir, fruto da impossibilidade do uso da força ou prisão como força de coação, visando objetivos de moralidade, eficácia e de promoção da soberania e prestígio do sistema judicial (Lima & Varela, 1997).

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O conceito de incumprimento eficiente assenta principalmente em dois pressupostos, indo ao encontro dos pressupostos da análise económica do contrato: o contrato é um mero instrumento de afetação de recursos económicos, através das trocas, procurando maximizar a utilidade geral; o conceito de eficiência social significa uma solução paretiana, ou seja, implica que os ganhos de uns aconteçam sem perdas dos demais, sendo eficiente a atuação cujos benefícios ultrapassam os montantes da indemnização que evita as perdas para qualquer das partes envolvidas (Araújo, 2007).

A ideia de incumprimento eficiente é puramente paretiana, na medida em que aceita o incumprimento quando o devedor tem a ganhar em não cumprir e o credor frustrado não fica a perder com isso, pois foi perfeitamente indemnizado, havendo uma situação de incremento de bem-estar de uma ou mais partes, sem perdas de bem-estar para outras (Scalise, 2007).

2.4.2. Fragilidades da teoria do incumprimento eficiente

2.4.2.1. Questões éticas

O principal argumento utilizado pelos opositores da teoria do incumprimento

eficiente centra-se no facto de que o paradigma doutrinário defendido pelos apoiantes desta teoria constituirá um incentivo ao incumprimento desmesurado dos contratos e a uma conduta irresponsável que subverte os pressupostos básicos do fenómeno contratual, principalmente o do respeito pelas promessas e reforço da confiança (Araújo, 2007; Eisenberg, 2005; Bigoni et al, 2017).

No entanto, poderá contrapor-se que a teoria do incumprimento eficiente apenas vai de encontro aos princípios de maximização da eficiência e do bem-estar geral e de oposição à sacralização do contrato, própria da análise económica do contrato. É apenas o reconhecimento de que não é razoável exigir o mesmo que não seria estipulado ex-ante, se as condições ex-post fossem conhecidas, estando perante um mundo em constante mudança e de informação assimétrica (Araújo, 2007). Pelo contrário, trata-se de encontrar um equilíbrio entre o direito do credor e a liberdade do devedor, nomeadamente, a liberdade de se libertar de uma prestação que, ou se tornou demasiado onerosa, ou não é a que traz maior ganho social, havendo melhor alternativa, não esquecendo, porém, outras considerações ao nível da certeza, dos ganhos em estar em relações de longa duração (Eisenberg, 2005; Bigoni et al,

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2017). Estas considerações são de elevada importância em países cujo regime judicial é avesso à ideia de incumprimento eficiente, classificando-o muitas vezes como oportunista e dificultando a sua implementação ou até a de normas promotoras de eficiência nos contratos, apelando à sacralização do fenómeno contratual (Araújo, 2007; Scalise, 2007).

No entanto, não é do interesse dos defensores do incumprimento eficiente terminar com os remédios característicos da civil law, mas antes proporcionar uma “válvula de escape” para os devedores, que visa impedir um cumprimento que seria ineficiente e traria uma perda de bem-estar geral, não deixando de admitir o uso da realização coativa da prestação, muitas vezes como alavanca numa renegociação dos termos contratuais ou em situações em que é evidente que o credor sairá prejudicado com uma indemnização pecuniária e apenas a realização da prestação beneficiará a sociedade (Araújo, 2007). É importante manter a distinção entre a quebra de uma promessa contratual e a mentira, pois a primeira obriga à existência de uma intenção verdadeira de cumprir na altura da celebração do contrato, enquanto a segunda é propositadamente indicadora de intenções insinceras e fraudulentas.

Importa, também, distinguir incumprimento eficiente de incumprimento redistributivo, causado quando o devedor utiliza o incumprimento para forçar a uma renegociação das condições contratuais, abrindo a porta a uma captura de bem-estar, em vez de aumentar o bem-estar geral (Araújo, 2007; Scalise, 2007).

Também é relevante diferenciar da sabotagem contratual, que é quando o credor procura a degradação das condições do objeto contratual, quando se apercebe da impossibilidade de transferência de bem-estar, criando perdas de bem-estar absolutas (Araújo, 2007).

O objetivo principal dos defensores da teoria do incumprimento eficiente é a introdução de normas que “se limitem a incentivar o cumprimento exclusivamente naquelas situações em que é o cumprimento, e não o incumprimento, a solução contratual mais eficiente - acautelando os casos em que a assimetria informativa e os elevados custos de transação podem gerar puros incumprimentos oportunistas, mas deixando espaço também para que, verificada pelo devedor a oportunidade de incumprir eficientemente, ele possa fazê-lo sem ter que renegociar com o credor” (Araújo, 2007, p. 742). O conceito de incumprimento eficiente nasce, então, da ideia de que o contrato é meramente um meio para atingir um fim, não o fim em si.

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Um dos grandes problemas do incumprimento eficiente suscita-se a propósito do cálculo da indemnização compensatória para o credor frustrado. Este cálculo é feito utilizando a tutela da expectation, ou tutela do interesse contratual positivo, colocando o credor na posição em que este estaria se o contrato fosse cumprido (Eisenberg, 2005; Scalise, 2007; Lewinsohn-Zamir, 2012), cobrindo os danos sofridos, os investimentos de confiança e os lucros cessantes, deste modo, incentivando tanto o cumprimento (dando garantias ao credor), como o incumprimento quando este é eficiente. Apesar das suas vantagens, como foi dito anteriormente, o cômputo do montante indemnizatório nem sempre tem o efeito desejado (Araújo, 2007).

Um segundo problema prende-se com a ocorrência de uma situação de alteração das circunstâncias. Neste caso é importante distinguir duas situações: a situação de gain seeking e a situação de loss avoiding, sendo que cada uma destas levanta considerações diferentes a nível moral, mas também a nível da solução jurídica aplicável.

No primeiro caso estamos perante uma situação em que uma das partes, após a celebração do contrato, recebeu uma proposta mais lucrativa, mesmo quando retirado o valor de uma eventual indemnização pelo não cumprimento do vínculo contratual anterior, sendo, no entanto, forçada a terminar (não cumprindo) o contrato anterior para poder aceitar a nova proposta (por exemplo, por não dispor de mão-de-obra ou de matéria-prima suficiente para assegurar o cumprimento dos dois contratos dentro dos prazos exigidos pelas contrapartes). O segundo caso refere-se a uma situação em que, após a celebração do contrato, um acontecimento inesperado torna o cumprimento do contrato prejudicial para a empresa, sendo a melhor solução para esta terminar o contrato e indemnizar a outra parte (Araújo, 2007; Einsenberg, 2005; Lewinsohn-Zamir, 2012; Bigoni et al, 2017).

Analisando primeiro o caso de gain-seeking (“Overbidder Paradigm”), para o incumprimento ser verdadeiramente eficiente é necessário que se encontrem preenchidas duas condições: primeira, que a medição das expectativas (“expectation damages”), ou seja, o cálculo dos danos, deixe o credor lesado pelo incumprimento indiferente quanto ao seu ressarcimento por via da indemnização pecuniária ou da reconstituição natural; segunda, que o devedor que não cumpriu ou pretende não cumprir o contrato saiba exatamente a utilidade que o credor dá ao bem em questão.

Em primeiro lugar, segundo o primeiro pressuposto, o objetivo principal da tutela da “expectation”, ou seja, o cálculo dos danos, é tornar o credor indiferente entre o

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cumprimento e o incumprimento, mais concretamente, entre a reconstituição natural (obrigar o devedor a cumprir exatamente aquilo a que se obrigou contratualmente), ou uma indemnização em dinheiro pelos danos causados, verificando-se o princípio da indiferença.

Na presença de um mercado concorrencial e dinâmico, no qual o bem é abundante e homogéneo, o cálculo da indemnização ficaria apenas pela diferença entre o preço do contrato e o preço de mercado, chegando facilmente ao montante que resultaria no princípio da indiferença. O problema surge quando o modo de cálculo destes danos põe o credor numa posição desfavorável. Isto acontece principalmente quando estamos perante bens de difícil obtenção no mercado ou com um valor de uso para o comprador muito maior do que o seu valor do mercado. Nestes casos, a avaliação do montante indemnizatório é feita através de uma avaliação probabilística do valor do bem, levando a falhas na definição de um preço de mercado objetivo baseado em transações de bens semelhantes, no entanto diferentes, em lugares e tempos distintos e ignorando avaliações subjetivas do bem, o que resulta num preço que maioritariamente não reflete o valor real do bem para o credor (Eisenberg, 2005; Araújo, 2007; Scalise, 2007; Lewinsohn-Zamir, 2012; Bigoni et al, 2017).

A avaliação dos lucros perdidos também deixa muito a desejar, obrigando o credor a provar com um elevado grau de certeza que os lucros iriam ser obtidos. Em alguns países, o cálculo dos danos causados pelo incumprimento é ainda limitado aos danos que, na altura da celebração do contrato, fossem previsíveis por ambas as partes em caso de incumprimento e resultassem do decorrer natural das coisas.

Outros valores necessários apurar são as quantias desembolsadas, ou investimentos de confiança realizados pelo credor e que dependem do cumprimento do contrato, e a possível perda de valor do bem, a diferença entre o valor atual e o valor do bem caso o contrato tivesse sido cumprido pontualmente (Araújo, 2007). Aliados a estas dificuldades juntam-se a desconsideração, muitas vezes, pelos danos causados entre a data do incumprimento e a data do julgamento, os custos de determinação das perdas após o incumprimento e até o risco de insolvência de uma das partes até ao final do julgamento e do pagamento da indemnização (Einsenberg, 2005; Scalise 2007).

Em segundo lugar, abordando o segundo pressuposto (conhecimento exato da utilidade que o credor dá ao bem em questão), quando estamos a falar de um bem diferenciado, o preço é negociado entre as partes, por isso, apesar de o vendedor saber, à altura do contrato, o uso geral que o comprador pode dar ao bem, não saberá exatamente o valor da utilidade que este lhe dá, que será normalmente superior ao preço de contratação.

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Na fase negocial, as partes apenas têm acesso à informação dada pelo preço acordado, o que é diferente de saber a expectativa que a parte dá ao bem ou serviço contratado (Einsenberg, 2005; Araújo, 2007). Além disso, ao longo do tempo, o nível de informação diminui e o valor do bem pode aumentar para o comprador, ora porque descobriu novos usos para este, ora porque iniciou investimentos que estarão dependentes da realização desse contrato (Einsenberg, 2005).

Vemos, portanto, que numa situação de “gain-seeking” falha o preenchimento de ambos os pressupostos, pelo que, na realidade, não há um incentivo de eficiência para a adoção da teoria do incumprimento contratual eficiente nestes casos. Uma solução proposta para lidar com estas situações é incluir uma provisão de disgorgement, ou seja, de transferências dos lucros obtidos pelo devedor através do incumprimento para o credor frustrado, de modo a desencorajar a interferência de terceiros. No entanto, esta solução não é desprovida de imperfeições, pois pode muito facilmente desincentivar totalmente qualquer incumprimento, seja ele eficiente ou não (Araújo, 2007; Scalise, 2007).

Eisenberg (2005) afirma, ainda, que a adoção desta teoria em resposta a situações de incumprimento gain-seeking levaria à ineficiente reformulação dos contratos, desincentivando o planeamento e diminuindo a confiança, e por isso, a eficiência do sistema contratual.

Em caso de incumprimento de forma a evitar perdas derivadas do cumprimento

loss-avoiding (“Loss Paradigm”), a teoria do incumprimento contratual eficiente apresenta um

argumento mais forte a favor da eficiência, pois há realmente a possibilidade de o incumprimento levar a ganhos de eficiência, sendo, para além disso, mais favorecida moralmente pelo Direito (Bigoni et al, 2017). É até razoável, de um ponto de vista moral, aceitar que as condições iniciais se possam ter alterado por motivos alheios à esfera de atuação do devedor, motivos esses que não são previsíveis ex-ante (Araújo, 2007).

No entanto, mesmo nestes casos a teoria não é livre de fragilidades, dado que na prática um comprador não sabe o custo de produção do vendedor e este não sabe o valor da utilidade do bem para o comprador. O vendedor não toma uma decisão informada, pois apenas avalia a sua decisão consoante o preço contratado, que, como referimos acima, não reflete necessariamente a verdadeira utilidade do bem, não garantindo que o incumprimento seja realmente eficiente. Suscita-se aqui, igualmente, o problema do cálculo de danos - a tutela da expectation - que pode não refletir o verdadeiro valor do bem para o credor. Por fim, um outro argumento contra a imposição legal da eficiência em sede contratual refere o perigo do

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incumprimento oportunístico por parte do vendedor, argumentando um custo de produção maior do que o valor do bem para o comprador.

Não obstante as críticas a que está sujeita a teoria do incumprimento eficiente, goza de alargada aceitação em todos os sistemas jurídicas a solução que defende que, em casos particulares em que é óbvio que o custo de cumprir o contrato é tão elevado que não se deve permitir a reconstituição natural, deve ser admitido um incumprimento eficiente como “saída” para o vendedor, como forma de mitigação dos danos (Eisenberg 2005). Como mencionámos supra, esta solução encontra cabimento no ordenamento jurídico português, no artigo 566.º do Código Civil.

2.4.3. A alternativa da imposição legal da reconstituição natural

Nas palavras de Eisenberg (2005) um regime jurídico que imponha, como regra, a reconstituição natural em caso de incumprimento do contrato (como é o caso do regime jurídico português) traz vantagens ao beneficiar o credor, dando-lhe o direito de receber exatamente o que foi contratado, reforça a confiança nas promessas e não permite a uma parte terminar o contrato unilateralmente sem o consentimento do credor.

No entanto, este sistema está longe de ser uma solução perfeita, argumentando que as características positivas da execução específica são contrabalançadas por defeitos de igual peso, apontando-se-lhe falhas ao nível da aplicação, sendo esta potencialmente demasiado onerosa, invasiva, coerciva (principalmente quando o devedor arrisca penas de multa ou prisão) e suscetível a erros de maior magnitude do que os erros de cálculo de danos para aplicação de uma indemnização. Ora enquanto os erros de cálculo de danos resultam apenas num montante pecuniário que não satisfaz completamente uma das partes, erros na aplicação da execução específica podem causar danos maiores, aponta Eisenberg (2005). Uma coisa é obrigar um agente a cumprir um contrato, outra é realizar esse controlo, pois todos os contratos correm o risco de levar a interpretações ambíguas, ao contrário da obrigação a fazer um pagamento, cuja verificação é fácil. A litigância nestes casos é, também, mais demorada e envolve custos maiores, além de obrigar a uma mitigação dos danos por parte do credor, que pode até desencorajar este a procurar esse remédio (Hatzis, 2002, Lando & Rose, 2004; Eisenberg, 2005; Scalise, 2007).

Apesar do objetivo central da reconstituição natural ser o mesmo do incumprimento eficiente - colocar o credor numa posição de indiferença entre o cumprimento e

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incumprimento - é um remédio de maior rigidez e ineficiência, ao não permitir o recálculo do montante indemnizatório, mesmo quando a alteração das circunstâncias levou a que o cumprimento se tornasse desproporcionalmente oneroso para o devedor, sendo a exoneração do cumprimento a via mais razoável. Para além disso, esta sobrecompensação indemnizatória desincentiva à diligência do potencial credor frustrado, apercebendo-se de que a perda potencial do devedor é muito maior, e incentivando comportamentos oportunistas, utilizando mesmo a opção do recurso à reconstituição natural para levar a uma renegociação dos termos do contrato, tornando-os mais favoráveis e gerando uma captura de bem-estar (Araújo, 2007; Scalise, 2007).

Esta falta de diligência leva muitas vezes a que o credor não incorra em esforços, por muito mínimos que sejam, de mitigação dos danos (“Mitigation Paradigm”) durante o período de litigação até à execução. No caso da reconstituição natural, falamos muitas vezes de períodos longos, indo de poucos meses até anos e ao não incorrer em esforços de mitigação, o resultado final pode ser uma perda absoluta de bem-estar para a outra parte e para a sociedade, sendo este um argumento favorável à sanção da indemnização pecuniária, devido à maior celeridade de atribuição da sanção (Eisenberg, 2005).

Eisenberg (2005) defende ainda que no caso de incumprimento pelo comprador, como a única obrigação em causa é pecuniária, não se deve dar preferência à reconstituição natural, mas sim ao pagamento pelos danos causados. Quanto a bens homogéneos e abundantes no mercado, é preferível um remédio de virtual specific performance, ou seja, ao cumprimento por terceiro ao cargo do devedor, sendo o remédio mais célere e eficiente nos casos em que é possível aplicar (Eisenberg 2005).

2.4.4. Preferência dos operadores comerciais e possíveis explicações

Face aos argumentos apresentados supra, seria de esperar que os operadores comerciais dessem preferência à indemnização por danos causados num reduzido número de situações, quando lhes é dado a escolher entre esse remédio e a reconstituição natural. Porém, os estudos existentes demonstram o contrário. Scalise (2007) refere que atualmente a prática comum pela maioria das empresas comerciais, mesmo em sistemas da civil law, é optar pelo remédio da indemnização pelos danos causados, em detrimento da reconstituição natural.

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Lando & Rose (2004), num estudo que incidiu sobre ações judiciais relacionadas com incumprimento de contratos comerciais regulados pela CISG em países da civil law (Dinamarca, França e Alemanha) procuram perceber até que ponto os operadores comerciais preferem a reconstituição natural ou a indemnização pecuniária como remédio face a um incumprimento contratual de que foram vítimas, nos casos em que a Lei lhes confere possibilidade de escolha.

A descoberta foi que, na Dinamarca, a reconstituição natural praticamente não é imposta coercivamente pelos tribunais, nem há sequer pedidos para a sua aplicação pelos operadores comerciais que intentam ações por incumprimento contratual (apenas um existiu durante o período analisado, de 1950 a 2000 e não foi garantido pelo tribunal), demonstrando-se, assim que a reconstituição natural foi virtualmente abandonada na Dinamarca.

Em França e na Alemanha, a reconstituição natural é aplicada pelos tribunais em situações muito específicas; no entanto é um remédio que deixou de ser da preferência dos operadores comerciais, sendo raros os pedidos para a sua aplicação. Nos casos analisados de contratos, cerca de 200, em nenhum o remédio de reconstituição natural foi aplicado pelo tribunal, tendo havido apenas um pedido para a sua aplicação.

Também Scalise (2007) avaliou o uso dos remédios contratuais de casos de incumprimento contratual em países da civil law e mesmo casos regulados pela CISG, chegando a uma conclusão semelhante: atualmente, a grande maioria dos operadores comerciais concede um período adicional ao devedor para o cumprimento e após esse período de tempo, caso o incumprimento se mantenha, reivindica uma indemnização.

Coeurderoy & Murray (2008), analisando o comportamento de empresas tecnológicas durante as primeiras decisões de internacionalização, afirmam que países cuja

framework legal não garanta a proteção do direitos do indivíduo e o desenvolvimento de novas

empresas, aliada a um sistema político instável, causam o aumento dos custos de transação de operar nesses países, argumentando também que os países abrangidos pela Common Law garantem melhor proteção destes direitos e por isso são mais escolhidos pelas empresas para situar as suas operações, apesar da primazia se dar pela escolha de um sistema legal semelhante ao do país de origem, alegando ainda que a qualidade da aplicação da lei (justiça, celeridade e custo) e o primado pelo interesse do indivíduo sobre o do Estado são fatores essenciais para a escolha dos mercados.

Referências

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