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Maternidade Escola Januário Cicco e Atenção à Saúde Mental de Mulheres: existe elo?

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

ANA PAULA DO REGO

MATERNIDADE JANUÁRIO CICCO E ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL DE MULHERES: EXISTE ELO?

NATAL, 2019

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ANA PAULA DO REGO

MATERNIDADE JANUÁRIO CICCO E ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL DE MULHERES: EXISTE ELO?

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva.

Orientadora: Profa. Dra. Jacileide Guimarães

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Alberto Moreira Campos - -Departamento de Odontologia

Rego, Ana Paula do.

Maternidade Escola Januário Cicco e Atenção à Saúde Mental de Mulheres: Existe Elo / Ana Paula do Rego. - Natal, 2019. 96 f.: il.

Orientadora: Prof. Dra. Jacileide Guimarães.

Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva, Natal, 2019.

1. Saúde Mental - Dissertação. 2. Saúde da Mulher - Dissertação. 3. História - Dissertação. 4. Conhecimentos, Atitudes e Práticas em Saúde - Dissertação. 5. Maternidade - Dissertação. I. Guimarães, Jacileide. II. Título.

RN/UF/BSO BLACK D585

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DEDICATÓRIA

À Deus Pai que sempre esteve ao meu lado, ouviu, viu, respondeu. Agiu no momento que eu mais precisei. Obrigada senhor por me teres escolhido!

Aos meus amados pais, meu pai um homem manso e humilde de coração, à minha mãe, corajosa e batalhadora. Hoje se encontram na Paz de Cristo, aquele nível de paz que só ele dá!

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AGRADECIMENTOS

Ao meu esposo Juliano, meu grande amigo, que soube esperar e ajudar.

À minha querida professora Jacileide Guimarães. Continue exercendo esse seu lado Humano de ser. Muito obrigada!

Agradeço a Deus Pai pelo dom da vida de todas as pessoas que cruzaram meu caminho e de algum modo contribuíram para meu crescimento como pessoa.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 6

2 REVISÃO DE LITERATURA...9

2.1 SOBRE A HISTÓRIA DA LOUCURA ...9

2.2 SOBRE AS MUDANÇAS NA ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO, A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA E“NOVA” POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL NO BRASIL (2019) ...11

2.3 HOSPITAL GERAL E A HISTÓRIA DO HOSPITAL NO BRASIL...13

2.5 A MATERNIDADE ESCOLA JANUÁRIO CICCO...16

2.6 ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER...17

3. OBJETIVOS...21

4. METODOLOGIA ...22

4.1 DESENHO DO ESTUDO...22

4.2 INSTRUMENTOS DA PESQUISA: PESQUISA DOCUMENTAL E ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA...22

4.2.1 PESQUISA DOCUMENTAL ACERCA DA MATERNIDADE ESCOLA JANUÁRIO CICCO...23

4.2.2 ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA...25

4.3 CENÁRIO DE PESQUISA...26

4.4 SUJEITOS DA PESQUISA...26

4.5 ASPECTOS ÉTICOS...27

4.6 ANÁLISE DOS DADOS...27

5. RESULTADOS E DISCUSSÕES: MATERNIDADE JANUÁRIO CICCO E ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL DE MULHERES: EXISTE ELO?...29

CATEGORIA 1: SAÚDE MENTAL LIMITADA AO ASPECTO PSIQUIÁTRICO E PSICOLÓGICO...29

CATEGORIA 2: SAÚDE MENTAL COMO HUMANIZAÇÃO DO CUIDADO...38

CATEGORIA 3: SAÚDE MENTAL COMO DIMENSÃO DO SOCIAL...59

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS...70

REFERÊNCIAS...72

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1 INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por finalidade analisar a atenção à saúde mental de mulheres internadas na Maternidade Escola Januário Cicco desde sua inauguração em 1940 até os dias atuais, o percurso de saberes e práticas de saúde dispensados às mulheres e a interface desses modelos com o cuidado de saúde mental, assim como, elencar as estratégias de atenção à saúde mental realizadas na atualidade.Essa construção visa revisitar o trabalho e a memória da Maternidade, considerada, historicamente como “Palácio da mãe pobre”, na expressão de Januário Cicco “Jardim humano de gente”, na fala de Heriberto Bezerra “Sala da visita cultural de medicina no Rio Grande do Norte”, ambos, médicos fundadores da Maternidade.

Exploramos informações por meio de pesquisa documental acerca de registros oficiais e entrevistamos profissionais que estiveram presentes na construção da Maternidade ao longo do tempo. A Maternidade Januário Cicco além de produzir pesquisa, é objeto de pesquisas anteriores, no presente estudo, buscamos investigar aspectos relacionados à atenção à saúde da mulher no cuidado integral, especificamente, no tocante as abordagens sobre saúde mental.

Destacou-se nos registros investigados o papel que a Maternidade exerce no Rio Grande do Norte desde sua criação, através de doações, quermesses, eventos sociais e culturais, objetivando gerar recursos financeiros para a construção do prédio em vista da necessidade de atender às mulheres em momentos importantes de sua vida, o de ser mãe, a da mulher quando busca a ambiência para parir com cuidado e atenção o seu filho em um ambiente de segurança e tranquilidade, esse era o olhar de Januário Cicco (ARAÚJO, 2000).

Assim, como enfermeira especialista em saúde da mulher de um hospital universitário, que recebeu e recebe pacientes dos mais diversos cenários de atenção à saúde, dentre eles, Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), hospitais psiquiátricos, demandas espontâneas de mulheres portadoras de problemas de saúde mental, torna-se pertinente e relevante conhecer a história dos saberes e fazeres ofertados pela Maternidade, o conhecimento dos profissionais e gestores inseridos nos cenários de atenção e cuidado prestados às mulheres e o que se realizava em cuidados em atenção à abordagem em saúde mental na saúde da Mulher.

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Há também a necessidade da abordagem em saúde mental nas organizações de trabalho e também em hospitais, pelo fato de transtornos mentais apresentarem crescimento de casos e também tratamento de profissionais e pacientes, de modo a impactar o processo de trabalho dos profissionais da saúde nas relações interpessoais entre os pares e usuário-profissional diante das dificuldades em oferecer suporte emocional a essas demandas de saúde pública global.

Acrescenta-se que as relações interpessoais inerentes ao cuidado individual e grupal propostas pela Reforma Psiquiátrica brasileira, com mudança do modelo de cuidado prestados aos usuários, anteriormente voltado ao formato medicalizante e biologicista, hoje, propugna a atenção integral. Visão corroborada por Peplau, que enfoca o potencial terapêutico do relacionamento de pessoa-para-pessoa, paciente-profissional como a fonte primária de êxito do cuidado e também como o ambiente e a saúde interferem no desenvolvimento saudável dos envolvidos (SANTOS, 1996). Por isso, deve-se conhecer como o ambiente, MEJC, trabalha a saúde da mulher na interface com a saúde mental para que a oferta dos serviços alcance os objetivos de propor atenção integral, humanizada e qualificada, superando os modelos fragmentados de atenção à saúde.

Por ser campo de ensino e pesquisa de profissões do campo da saúde, tais como, Medicina, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Serviço Social, Psicologia, Nutrição que atendem diretamente pacientes/usuários, é necessário conhecer a interface que existe entre a MEJC e a abordagem em saúde mental de modo a ofertar os serviços inerentes a cada profissão embasados no conhecimento histórico e científico através dos tempos.

A presente pesquisa mostra vínculo com estudos do passado, como o livro da História da Maternidade Escola Januário Cicco (ARAÚJO, 2000), Januário Cicco: um Homem Além do seu Tempo (ARAÚJO, 2000), Maternidade Escola Januário Cicco: história, arquitetura e patrimônio (TRINDADE, 2015) dentre outras produções, como também, enseja estímulo e desafios para novos pesquisadores de forma a consolidar a pesquisa na MEJC para a tomada de decisões e rumos assertivos com qualidade do cuidado em saúde da mulher no século XXI.

A pertinência social de tal empreendimento se dá pela possibilidade de conhecimento e reflexão dos profissionais para a transformação do cenário de trabalho por meio de mudanças na atenção ao cuidado para a atenção integral, também pela pesquisa convidar a necessidade de mobilizar discussões sobre saúde mental na interface com saúde da mulher na Maternidade e superar práticas e concepções de saúde mental fragmentada e

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biologicista pela primazia de um olhar psiquiátrico. A hipótese levantada é de que os profissionais que trabalham na Maternidade não dispõem de suporte teórico prático em saúde mental no modelo de concepções e práticas fundamentados na atenção psicossocial, seus conhecimentos e ações se pautam, ainda, em modelos da psiquiatria, que reduz o sofrimento mental a categoria de doença e diagnóstico, como também, há lacunas importantes para o desenvolvimento de saberes, práticas e discussões fundamentados no cuidado integral. Ao término da presente pesquisa, constatamos a hipótese levantada através do que trazemos e elucidamos pelas categorias e subcategorias elencadas.

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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Sobre a História da Loucura

Foucault (1972) recapitula a história da loucura desde a Idade Clássica e nos mostra como as pessoas “diferentes” eram vistas através dos tempos. Seu estudo projeta um trabalho investigativo incialmente sobre as estruturas físicas e geográficas dos ambientes asilares, donde constata-se que antes de serem hospitalização de loucos, as estruturas herdadas pelos hospícios foram leprosários, ambientes distante dos centros urbanos destinados a colocar pessoas portadores de doenças contagiosas como a lepra e também objetivavam fazer uma limpeza social nas cidades, esses espaços asilares foram durante séculos, locais desumanos e construídos para segregarem pessoas (FOUCAULT, 1972). Goffman (1976) também mostra o sofrimento dos doentes mentais e sua condição social no mundo diante da instituição hospitalar, onde eles são separados da vida social e submetidos por um longo período de tempo ao desumano tratamento, conjuntamente com um amontoado de pessoas na mesma situação de regulamentos (GOFFMAN, 1976 apud CARAPINHEIRO, 1993)

Ao confinamento dos loucos nos leprosários, Foucault (1972) destaca que na Renascença, existiu o período de vida vagante dos loucos nas embarcações fluviais que circundavam o continente europeu. Conhecidas como Nau dos loucos, que levavam e traziam doentes mentais expulsos de suas cidades, de suas vidas, sem destino, entregue aos mercadores e peregrinos, muitos chegavam e saíam da mesma cidade mais de uma vez como “o ferreiro de Frankfurt que partiu duas vezes e duas vezes voltou, antes de ser reconduzido definitivamente para Kreuznach ” (FOUCAULT, 1972, p.13).

Quando recebidos em alguma cidade, aonde não fosse autóctone, os loucos eram colocados na prisão dos hospitais asilares, mantidos pelo orçamento próprio das cidades e todo esse livramento da paisagem, a purificação do ambiente, fez muitos loucos perderem seus lares, proibido inclusive de circular nas igrejas, pois, havia castigo como “um menino de Nuremberg que tinha levado um louco a uma igreja e é punido com três dias de prisão, em 1420” (KIRCHHOFF, 1912 apud FOUCAULT, 1972, p.15).

A partir do século XVII, surge na Europa, um movimento de internamento de pessoas economicamente frágeis, desempregados, vagabundos, inválidos, “blasfemadores”, loucos, enfim, toda pessoa que “poluir” socialmente as cidades europeias serão internadas

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nos hospitais com a chancela de propor melhorias a essas pessoas, a fim de que elas se configurem dentro da ordem das cidades na visão da Igreja, da Monarquia e da Burguesia vigentes (FOUCAULT, 1972, p.).

Surge então o que ficou conhecido como a grande internação que consistiu na prática do internamento nos países da Europa, asilamento dos doentes mentais com suas peculiaridades em cada país, de forma que esses modelos de internamento e a presença da pessoa que será submetido a isso não se separarão por um longo tempo. São, pois, os loucos confinados com criminosos e a-sociais em um mesmo ambiente e com os mesmos tratamentos quer seja as sangrias, quer seja vomitórios e purgações.

Para o Século XVIII, a loucura irá pautar-se a partir do conceito de razão, portanto, será vista, estudada e moldada como espelho da não razão para as ciências médicas. A loucura será percebida como a referência invertida da razão, da coerência e da lógica dos fatos. É no outro que o louco irá identificar a sua loucura, o não seguimento da razão do outro faz com que o louco se reconheça como extravagante, a doença do cérebro que impede o homem de pensar e agir diferente do outro, construída não por meio de experiência e relatos dos loucos, mas pelo domínio lógico e racional. É a consciência do ideal e racional que faz a loucura ser avaliada pelo âmbito da razão. O louco não é visto como uma pessoa com problema de saúde mental, mas sim como um desatinado que não se adequa a razão, ou seja, a norma da sociedade. De forma que, “o louco é o outro em relação aos outros: o outro — no sentido da exceção — entre os outros — no sentido do universal” (FOUCAULT, 1972, p.202).

No século XVIII a loucura fora considerada por muitos como um fenômeno restrito ao corpo, sendo que a alma estaria livre e sadia, destinada incorruptivelmente para a eternidade. Outros listarão que o cérebro seria o responsável pelo padecimento da pessoa, pois o cérebro doente perturbaria a alma de modo a causar perturbação mental (FOUCAULT, 1972).

Foi com a Revolução Francesa e com o trabalho do médico Philippe Pinel que o hospital deixou de ser um ambiente de decisões da realiza e decisões judiciárias para se tornar uma instituição médica de modo a permitir ao médico um local em que pudesse desenvolver suas atividades diárias e sistematizá-las por meio de observação clínica das doenças e dos pacientes, permitindo criar diagnósticos, unir características epidemiológicas e clínicas das patologias, produziu-se o saber da doença mental, utilizou a divisão dos pacientes por alas e enfermarias identificadas por diagnósticos similares, e

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também o isolamento como técnica de tratamento, justificando como proteção ao paciente e familiares (AMARANTE, 2007).

Pinel se utiliza de um antigo objeto de justificativa para trazer a realidade ao louco, a moral é desenterrada por ele como um remédio de reeducação da mente de modo a afastar os delírios, as ilusões. Além disso, utilizou- se do trabalho como método terapêutico e instrumento de tratamento com a mesma função de reeducar a mente (AMARANTE, 2007).

Foi diante dessa perspectiva que surgiram as colônias terapêuticas, localidades isoladas que admitiam pessoas com problemas mentais para serem “curadas” pelo trabalho. O trabalho foi usado como modelo mais pertinente de libertação da loucura, justificando-se que os doentes estariam envolvidos em técnicas e ocupando a mente contra a “invasão” da loucura. Muitos hospitais colônias foram criados com esse objetivo, chegando a contabilizar mais de 16 mil internos em alguns deles, como foi o caso da Colônia de Juquery em São Paulo (AMARANTE, 2007).

2.2 Sobre as Mudanças na Assistência Psiquiátrica no Mundo, a Reforma Psiquiátrica brasileira e a “Nova” Política de Atenção à Saúde Mental no Brasil (2019)

A partir da segunda metade do século XX, com as repercussões da Segunda Guerra, ocorreram algumas experiências de mudanças na assistência psiquiátrica no mundo, com destaque para a experiência inglesa da Comunidade Terapêutica, a experiência francesa da Psicoterapia Institucional, a experiência também francesa da Psiquiatria de Setor, a experiência norte-americana da Psiquiatria Preventiva, e a experiência italiana da Psiquiatria democrática. Sendo que somente a experiência italiana ousou questionar o aparato médico-psiquiátrico e a lógica da tutela nas relações entre pacientes e trabalhadores (AMARANTE, 2007).

A Reforma Psiquiátrica brasileira em sintonia com a influência italiana e no impulso do processo de Reforma Sanitária, juntamente com movimentos sociais no contexto da abertura política dos anos 1980, propõe o questionamento do asilamento de doentes mentais e encampa a criação de novas leis e modelos de atenção à saúde mental, sendo definida como um:

(...) processo político e social complexo, composto de atores, instituições e forças de diferentes origens, e que incide em territórios

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diversos, nos governos federal, estadual e municipal, nas universidades, no mercado dos serviços de saúde, nos conselhos profissionais, nas associações de pessoas com transtornos mentais e de seus familiares, nos movimentos sociais, e nos territórios do imaginário social e da opinião pública. Compreendida como um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais, é no cotidiano da vida das instituições, dos serviços e das relações interpessoais que o processo da Reforma Psiquiátrica avança, marcado por impasses, tensões, conflitos e desafios (BRASIL, 2005. p.6).

Suas bandeiras de luta questionam o modelo biomédico em que o tratamento terapêutico dos pacientes era reduzido ao ambiente hospitalar, com privação de visitas, reclusão, tutela, colete de força, dentre outras medidas restritivas, e propõe avanços não só no âmbito assistencial, mas, também, no âmbito social, o teórico-conceitual, jurídico-política e sociocultural (AMARANTE, 2003).

Profissionais, usuários e familiares insatisfeitos com o modelo hospitalocêntrico criaram em 1978 o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) e lideraram encontros e conferências para a mudança da estrutura de atenção à saúde mental no Brasil (AMARANTE, 2007).

Com o desdobramento da VIII Conferência Nacional de Saúde, os participantes do MTSM realizaram a I Conferência Nacional de Saúde Mental com o lema “Por uma sociedade sem manicômios”. A partir dessas experiências a Constituição de 1988 e as legislações posteriores definiram legalmente a participação da sociedade no controle social das políticas de saúde no Brasil. Em 2001 foi promulgada a Lei 10.216, conhecida como a Lei da Reforma Psiquiátrica brasileira, que determinava a extinção progressiva dos manicômios e assegura direitos para as pessoas com transtornos problemas mentais (AMARANTE, 1998).

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT) foram ganhos da Reforma Psiquiátrica brasileira que possibilitaram a assistência territorial em saúde mental e a reinserção social (AMARANTE, 2007).

Atualmente, a chamada “Nova” Política de Atenção à Saúde Mental preconizada pelo Ministério da Saúde por meio da Portaria 3.588/2017 e a Norma Técnica 11/2019 configura-se assistencial e socialmente como o desmonte da perspectiva teórica e prática da saúde mental de base territorial ao restabelecer o incentivo a três aspectos historicamente controversos que são o incentivo a manutenção/expansão de leitos em hospitais psiquiátricos, o incentivo/expansão as comunidades terapêuticas e a defesa da eletroconvulsoterapia como método de tratamento (BRASIL, 2019).

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Particularmente, a eletroconvulsoterapia, agora reapresentada pelo Ministério da Saúde como “o melhor aparato terapêutico para a população” é historicamente rechaçada com uso restritivo apenas em casos de pessoas com transtornos mentais graves que não responderam ao uso de outros métodos terapêuticos, pois causa danos cerebrais graves e crônicos. Outro aspecto velho da “Nova” Política é a forma impositiva como foram definidas as alterações na Lei de saúde mental do país, demonstrando absoluto desrespeito as deliberações conquistadas pelas conferências de saúde mental, ao controle social, e aos debates públicos com atores envolvidos, sem consulta da sociedade acerca do modelo psicossocial já reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (AMARANTE, 2019).

A “Nova” Política de Saúde Mental é velha, pois pauta-se nos pilares do modelo psiquiátrico hospitalocêntrico. Alia-se com interesses articulados ao desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS) e o retorno de anseios de privatização e mercantilização da saúde, conforme Amarante (2019) “Com tantas prioridades e precariedades na saúde pública brasileira, o fato de priorizar e investir recursos na compra de ECT só indica que há uma pressão da indústria de equipamentos médicos”.

2.3 O Hospital Geral e a História do Hospital no Brasil

Assim como Foucault (1972) descreve a História da Loucura e sua relação ao hospital no mundo, Carapinheiro (1993) estuda a estrutura hospitalar e sua relação com os fenômenos dos saberes e poderes na sociedade. Disserta inicialmente os três níveis que o hospital representa para a sociedade. O primeiro nível, demonstra a posição que o hospital se destaca para a sociedade. Traz como referência Campos (1984) o qual cita a cultura, a evolução das ideologias, o peso do setor hospitalar, a luta interna pelo poder como fatores do desenvolvimento do sistema hospitalar. Ainda acrescenta as instituições Igreja e Estado, já detalhadamente descrito por Foucault, como também fortes fatores que interferem/modelam o ambiente hospitalar.

Assim, o hospital, modulado pelas forças externas do Estado/Igreja que por séculos decidiram sobre a vida de doentes quer sejam mentais, quer sejam de outras patologias, desenharam o modelo de tratamento aos usuários inseridos nas forças internas dos saberes e poderes médicos e institucionais, pois verifica-se que:

A persistente deslocação para o hospital da questão dos poderes dominantes no domínio saúde, produz efeitos de legitimação da influência e do poder de decisão dos corpos profissionais mais

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importantes do hospital e feitos de deslegitimação de todos aqueles que funcionam na sua órbita e na dependência das políticas que se geram no seu interior. Então, é como se as políticas hospitalares, em todos os seus vetores de ação (de angariação de capital, de tecnologia, de recursos humanos, de organização das carreiras profissionais, de racionalização das gestão), determinasse, em última instância, as orientações fundamentais das políticas de saúde em geral, conduzindo as trajetórias dos profissionais não hospitalares e as trajetórias dos doentes (CARAPINHEIRO, 1993, p.22).

O que não difere muito da forma como a Maternidade Januário Cicco foi construída por meio de recursos financeiros provenientes de festas e quermesses patrocinadas pela alta sociedade natalense como médicos, políticos, figuras da igreja e empresários (ARAÚJO, 2000). Até que nível essa construção financiada por uma sociedade seleta, com seus valores culturais da década de 1940 influenciou as políticas de gestão da Maternidade na condução de cuidados em saúde às pacientes internadas, centrada no saber médico decisório.

O segundo nível, refere-se a estrutura do hospital universitário ser diferente da estrutura do hospital geral, sendo a do universitário dotada inicialmente de mais importância na sociedade pelas características de estarem inseridos professores, a assistência, o ensino e a pesquisa. O terceiro nível, mostra a investigação sociológica que influenciou a formação hospitalar como a administração hospitalar:

Centrando-se nas dimensões da sua realidade consideradas mais relevantes para objetivos de planejamento e de rentabilização da aplicação de recursos econômicos e financeiros, deixando vazios consideráveis na sua abordagem como instituição social e deixando permanentemente na sombra os aspectos mais significativos da sua relação com a sociedade. O hospital é entendido como uma peça indispensável para a análise da evolução do sistema de saúde, considerando-o nas específicas posições estruturais que ele vai tomando, de acordo com as orientações de política de saúde conjunturalmente dominantes. Assim, a caracterização econômica do sistema hospitalar faz-se paralelamente à caracterização econômica do sistema de saúde (CARAPINHEIRO, 1993. p.34).

Dos Lazaretos, leprosários, nosocômios mais destinados a assistência religiosa do que aos tratamentos de problemas de saúde, esses ambientes tornaram-se hospitais em diversos países, sendo no Brasil o primeiro hospital a dirigir essas mesmas funções e de cura, a Santa Casa de Misericórdia de Santos, construída no Estado de São Paulo, iniciada sua construção no governo de Brás Cubas, em 1952 e inaugurada em novembro de 1543.

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O hospital atendia colonos oriundos de Portugal, escravos, nativos do Brasil, população da alta sociedade do Brasil Imperial, passando pelos governos da Monarquia e República, abrangendo doentes das diversas classes sociais. Foi ambiente de ensino e pesquisa, além de portar a primeira faculdade de medicina do país (BRASIL, 1944).

O ciclo de desenvolvimento dêste setor do domínio médico e social, embora considerado como tendo corrido parelha com o progresso da Medicina e com a própria marcha da civilização, encerra fases áureas e períodos negros; evolução e paradas, e até involuções repetidas, em vários países e em todos os tempos. Motivos políticos e de religiões, e preconceitos antigos, tiveram decisiva influência nêsses avanços e recuos na vida do hospital, como instituição, mesmo nos tempos mais modernos. Quem conhece, na sua intimidade, por exemplo, a história da assistência hospitalar brasileira, e muitos dos contemporâneos assistimos à sua acidentada existência nestes últimos vinte anos, de uma atuação, aliás, cheio de esforços, de tentativas, mas de esparsas e isoladas vitórias dignas de menção e, muita vez, mal compreendidas ou mal apreciadas; testemunha ou participante, podemos aquilatar qual tenha sido a carreira semelhante no seio de outros povos, o valor das realizações alhures, do seu adiantamento, e o que custou a inovação e a criação dos padrões modelares da organização hospitalar moderna (BRASIL, 1944, p.65).

As Santas Casas de Misericórdia e a filantropia exerciam o papel de cuidado à população brasileira desde o período colonial com ações voltadas a tratar e curar doenças, como também as pestes, no caso brasileiro a varíola e a febre amarela. Os hospitais militares surgiram no século XVIII nos edifícios jesuítas os quais foram expulsos do país e ofereciam cuidados aos profissionais militares. As Santas Casas, além de servirem de atendimento à população mais carente, ofertavam aos mais abastados cuidados de saúde, no entanto, devido ao acúmulo de ambientes coletivos e dificuldades de recuperação dos pacientes, os mais ricos se utilizavam de suas moradias para receberem tratamento, não sendo difícil a ocorrência de cirurgias em cima das mesas de suas casas, nascimento dos filhos e cuidados das afecções de saúde (ANTUNES, 1999).

O segundo estabelecimento hospitalar foi fundado em 1550 em Salvador, a Santa Casa de Salvador. Santas Casas também apresentavam a finalidade de atender aos viajantes e marinheiros cansados e debilitados, e antes das Santas Casas, essa função era exercida pelas enfermarias jesuítas (TELAROLLI JÚNIOR, 1995).

No período Imperial, surgiram os primeiros hospitais e enfermarias de isolamento destinados à segregação e atenção dos enfermos padecidos pelas epidemias. Desse modo se desenhava o corpo hospitalar juntamente com as entidades hospitalares religiosas e

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clínicas privadas no Brasil Império. A partir de 1920 com a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública é que o Estado ampliou os serviços de saúde e a assistência hospitalar no Brasil estaria cada vez mais relacionada com as políticas de Previdência Social (ARAÚJO, 1982).

Os cuidados de saúde dispensados à população estão compreendidos em um conjunto de fatores políticos, sociais, econômicos e religiosos tanto no mundo como também no Brasil. As condições econômicas ocorridas ao longos dos anos como a implantação de indústrias, apropriação de novas terras no período das grandes navegações refletiram em aglomerações de pessoas nos centros urbanos, houve contato de povos de diferentes continentes, as condições de trabalho deixaram de ser estritamente familiares e se tornaram precárias, a necessidade de mão de obra familiar abrangendo, inclusive, as crianças, fez com que emanasse modelos de atenção à saúde da população dependente da necessidade de dar suporte ao sistema financeiro que se instituía a cada momento histórico de cada país.

Além de haver interferência dos anseios do setor religioso e sujeitos das classes sociais estabelecidas na época como empresários, agentes políticos, médicos, advogados, as mulheres que atuaram na promoção dos eventos os quais financiaram a construção, da necessidade de igrejas implantarem seus dogmas e assim se manterem no poder por muitos séculos. A saúde tanto pública quanto privada e, consequentemente, o hospital, não se mostrou como fator intrínseco da necessidade de saúde do povo, mas resultado de forças externas e adequação de quem mais dispunha de poder na época e alavancava o modelo de atenção de acordo com objetivos particulares.

2.5 A Maternidade Escola Januário Cicco

O Hospital da Caridade, na rua da Salgadeira, foi o primeiro local de assistência a pacientes enfermos na cidade do Natal na segunda metade do século XIX, era uma casa que atendia pacientes pobres crônicos, não se caracterizava como Casa de Misericórdia e por isso não recebia investimentos financeiros, sendo fechado em 1906 pelo Governador Tavares Lira por considerá-lo inadequado. As pessoas com melhores condições financeiras eram tratadas em ambiente domiciliar (SARINHO, 1988).

Em 1909 o governador Tavares Lira doou sua casa para ser a nova sede do Hospital de Caridade Juvino Barreto, com 18 leitos dirigido pelo médico Januário Cicco. A casa

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se localizava no monte de Petrópolis, em frente ao mar e, acreditava-se, traria melhores condições aos pacientes por conta dos bons ares (ARAÚJO, 2000).

Em 1927 por ideia de Januário Cicco foi criada uma caixa para arrecadar renda de pensionistas e uma sociedade para administrar o hospital Juvino Barreto. A Sociedade de Assistência Hospitalar (SAH), pertencente ao Estado, fiscalizada pelo Departamento da Fazenda e sob a direção de Januário Cicco, contava com cirurgiões, anestesistas, enfermeiras e clínicos para atender a demanda dos pacientes no Hospital de Caridade Juvino Barreto (SARINHO, 1988).

Ainda com o desejo de prestar uma assistência adequada à mulher parturiente, Januário Cicco juntamente com a SAH e a intitulada elite social natalense, comerciantes e figuras políticas, arrecadaram investimentos financeiros por meio de festas e quermesses e da caixa de pensionistas do Hospital para construir uma maternidade – Maternidade de Natal – em um terreno doado pelo prefeito Omar O´Grady de Paiva, sendo as obras iniciadas em 14 de janeiro de 1932 e finalizada no início da década de 40 (ARAÚJO, 2000).

Em agosto de 1941, a SAH alugou o prédio da Maternidade para servir de quartel general durante a Segunda Guerra Mundial, sendo devolvido em péssimas condições em 1947 com muito esforço de Januário Cicco para recuperá-lo do Ministério da Guerra (ARAÚJO, 2000).

O “Palácio da Mãe Pobre” como era intitulada a Maternidade por seu idealizador, era designada por ele como um pomar, um jardim humano e em cada quarto foi colocado o nome de uma flor para que as mulheres pudessem desfrutar de dignidade e conforto no momento do parto. Foi inaugurada em 12 de fevereiro de 1950 na capela com o nome de Maternidade Januário Cicco (ARAÚJO, 2000).

Após a morte de Januário Cicco, os sucessores João Tinoco (1952-1956), Joaquim Luz Cunha, até 1961 não apresentaram grandes mudanças no cenário da Maternidade. Com a chegada de Leide Morais (1961-1989) surgiu novo modelo de gestão hospitalar, o próprio Leide Morais se auto intitulava “acostumado à hierarquia” por ser oriundo de um hospital militar (ARAÚJO, 2000).

2.6 Atenção à Saúde da Mulher

O Ministério da Saúde, diante da necessidade de implantar estratégias que reduzam a vulnerabilidade das mulheres frente às doenças sejam elas biológicas ou aquelas

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relacionadas com a discriminação na sociedade, propõe uma agenda de diretrizes para a humanização e qualidade do atendimento de mulheres no Brasil, sendo instituído a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher com enfoque na discussão de gênero como poder de construção social, a autonomia das mulheres nas decisões de sua saúde como direito de cidadã, encorajamento das mulheres nas dimensões de sexualidade e reprodução divergente do modelo até então vigente de mulher reducionista ao laço familiar de criação e educação dos filhos, subserviente ao poder masculino (BRASIL, 2004).

A definição de gênero trazida por Hera (1995) permite compreender os estigmas trazidos por aspectos culturais, históricos e sociais que fazem as mulheres no Brasil padecerem diante de definições restritivas a homens e mulheres em sociedade, com a normalização de ações e práticas sociais, o acúmulo de jornadas de trabalho, com os baixos salários, ainda mais se essa mulher for negra, pobre e portadora de transtorno mental.

Gênero se refere ao conjunto de relações, atributos, papéis, crenças e atitudes que definem o que significa ser homem ou ser mulher. Na maioria das sociedades, as relações de gênero são desiguais. Os desequilíbrios de gênero se refletem nas leis, políticas e práticas sociais, assim como nas identidades, atitudes e comportamentos das pessoas. As desigualdades de gênero tendem a aprofundar outras desigualdades sociais e a discriminação de classe, raça, casta, idade, orientação sexual, etnia, deficiência, língua ou religião, dentre outras (HERA, 1995, p.45).

Diante dessa conjuntura, dois grupos, dentre outro, sofrem com exclusão, preconceitos e estigmas, são eles, mulheres e doentes mentais, duplamente marginalizados por lacunas em seus direitos sociais e de cidadania no processo de formação da sociedade brasileira, sendo atenuado esse cenário por meio de lutas e transformação social pelo Movimento Feminista e a Reforma Psiquiátrica brasileira. Desses movimentos, foram conquistas a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e a Lei n. 10.216 que “dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental (BALLARIN, 2008).

A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) foi instituída em 2011 com o objetivo de integrar o acesso, melhorar a articulação e integração das pessoas com doença mental nas

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Redes de Atenção à Saúde. A RAPS é formada pela Atenção Básica em Saúde, Atenção Psicossocial Especializada, Atenção de Urgência e Emergência, Atenção Residencial de Caráter Transitório, Atenção Hospitalar, Estratégias de Desinstitucionalização e Reabilitação Psicossocial (BRASIL, 2013).

À RAPS cabe desenvolver ações que visem a promoção e redução de danos em saúde para pessoas com transtornos mentais, atuando com profissionais qualificados e com responsabilidade ética para fortalecer esse cuidado de modo que o usuário se sinta acolhido e seguro, e tratado terapeuticamente (TORRÉZIO, 2017).

As lacunas existentes na RAPS, mostra ainda fragilidades para a oferta do atendimento integral e universal de mulheres. Mais desafios são encontrados em hospitais os quais não são referências em saúde mental, como as maternidades. E essa terapêutica integralizada por equipe multiprofissional tende a ser pontual e dependente de apoio das equipes da RAPS. De modo a tornar o atendimento e o cuidado ainda verticalizado, deficitário de conhecimento pelas equipes e não seguimento do cuidado integral nas Redes de Atenção à Saúde como é preconizado, ficando na dependência do nível de organização e comprometimento político da maternidade na interface saúde da mulher e saúde mental na qual a paciente esteja internada (TORRÉZIO, 2017).

Quanto ao fenômeno gravidez/maternidade em torno da saúde mental das mulheres, impera a importância de se trabalhar com as redes intra e intersetoriais para que as mulheres como sujeitos que precisam estar inseridas nas redes sócio-humanas, defendida por Fontes (2007) que são os vínculos estabelecidos entre a família, os vizinhos, as organizações de apoio, as igrejas e juntamente com as redes técnicas e sócio-institucionais contribuem para o cuidado humano e integral.

Até que ponto os profissionais de saúde em âmbito hospitalar conhecem essa necessidade de também estarem inseridos e trabalhar junto com os familiares, de modo a trazer essa rede sócio-humana para o ambiente hospitalar. Como também a necessidade da resposta das organizações de saúde diante da Reforma Sanitária, após quarenta e oito anos de conquistas, em finalmente abolir a idealização de tratamento farmacológico, consultório, ambulatório aos pacientes com transtornos psiquiátricos, mas sim trazer as redes sociais para a participação do cuidado não somente nos CAPS, mas também nos hospitais e maternidades.

Esse modelo de redes e apoio com a família e os pacientes/usuários, das relações entre seres humanos na saúde mental é também discutido em teorias da enfermagem, destacadamente, as teorias de enfermagem de Hildegard E. Peplau e Joyce Travelbee,

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como alicerce e embasamento das relações entre pares dentro de grupos e instituições. Peplau traz em sua Teoria das Relações Interpessoais a importância da relação enfermeiro-pacientes como o processo terapêutico significativo, como também faz análise dos quatro tipos de experiencias psicobiológicas nessa relação: necessidade, frustação, conflito e ansiedade, que partem incialmente da orientação e continua com a identificação, exploração e resolução da relação interpessoal (ALLIGOOD, 2015).

De modo que não se cuida só do doente, mas da família e seus membros, e isso fortalece o trabalho dispensado no período do tratamento, como também a possibilidade de lograr êxito dentro do seio familiar e cultural no qual está inserido o paciente, visto que a cultura apresenta fortes traços de um processo histórico não só falado, mas também vivido pelo paciente, sua família, e comunidade de pertença.

Por isso existe essa dificuldade do cuidado da saúde mental em ambientes não tidos como “destinados" para a terapêutica de saúde mental. Os estigmas e as lacunas de conhecimento da história do cuidado em saúde mental bloqueiam passos mais firmes e largos nas políticas institucionais no sentido de efetivar ações e diminuir o sofrimento do paciente, da família, como também dos profissionais.

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3 OBJETIVOS

GERAL:

• Analisar saberes e práticas desenvolvidos na MEJC relacionados à Saúde Mental de mulheres internadas desde sua criação.

ESPECÍFICOS:

● Conhecer a abordagem acerca da Saúde Mental de mulheres internadas na MEJC;

● Elencar as estratégias de atenção à saúde mental prestadas às mulheres internadas na MEJC na atualidade.

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4 METODOLOGIA

4.1 Desenho da pesquisa

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa do saber-fazer em saúde, com a finalidade de contribuir para a atualidade da atenção integral em perspectiva de rede de atenção e seus dispositivos.

A pesquisa qualitativa tem sua origem no século passado, sendo que os diferentes tipos de abordagens foram desenvolvidos ao longo dos últimos 50 anos. Inicialmente foi mais utilizada pela área das ciências humanas e sociais, abordando valores, representações, subjetividades, posteriormente, alargando-se aos estudos do campo da saúde. Constitui uma metodologia de pesquisa usada para descrever e interpretar fenômenos sociais (MINAYO, 2001).

No campo da abordagem qualitativa, buscamos refletir à luz da contribuição da História Nova, ou seja, investigar história e memória, em seus ditos e interditos, para a ampliação dos fenômenos, agora considerando-se as margens, aquilo que a abordagem oficial expurgou. A História Nova tem suas fontes na Escola dos Annales, na França, com as explorações historiográficas de Lucien Febvre e Marc Bloch em oposição ao domínio positivista que marcou os séculos XIX e início do século XX, apresentando novas análises das estruturas e elementos da história tradicional, de modo a questionar o engessamento da escrita dominante pelo fato de que o tempo histórico apresenta novas conjunturas diante dos acontecimentos. Aborda uma nova escrita e visibilidade aos fatos narrados ou silenciados pela escrita oficial de acontecimentos que tecem saberes e práticas sociais (LE GOFF, 1978).

Segundo Burke (1997) a História Nova nasceu para “promover uma nova espécie de história” como também, ampliou o olhar do pesquisador sobre as várias fontes de investigação.

4.2 Instrumentos da Pesquisa: Pesquisa Documental e Entrevista semi-estruturada

A pesquisa documental, como técnica de investigação embasa as memórias de um passado escrito, relatado nas fontes oficiais de um fato ocorrido sob determinadas circunstâncias de um momento histórico, cultural, político que elimina em parte a

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influência do pesquisador para reviver e resgatar o passado, bem como fazer elos com o presente e projetar possivelmente o futuro (CELLARD, 2008).

Ela se propõe a criar novos conhecimentos e compreensões acerca dos fenômenos, relacionando como eles foram desenvolvidos na época. Além disso, é utilizada pelo investigador para aprofundar o fenômeno estudado a partir dos escritos das fontes primárias de investigação, que ainda não receberam tratamento analítico a fim de extrair informações e compreender o fenômeno (GUBA; LINCOLN, 1981). Essa linha de pensamento é corroborada por Helder (2006) ao afirmar que a pesquisa documental ao utilizar documentos originais que ainda não receberam tratamento analítico são decisivos nas pesquisas em ciências sociais e humanas.

A busca documental exaustiva e detalhada abre novas fontes de abordagens o que pode mudar a interpretação dos fenômenos ocorridos relacionando-os entre si. É pertinente buscar vários autores para o mesmo assunto e de modo a fazer o paralelo e revelar a fidedignidade do quão próximo o fenômeno se apresenta pela escrita oficial e não oficial a partir do dedutivo com a reconstrução e questionamentos, encadeamento de ligações e formulações de explicações (CELLARD, 2008).

À luz da contribuição da História Nova, documentos são fontes que devem ser analisadas pelo que apresentam e pelo que omitem, ou seja, são construções, sobretudo, historicamente determinadas. Nesse sentido, revisitamos a construção da Maternidade como “Palácio da Mãe Pobre” para tentarmos compreender que contexto, que sociedade, que cuidado, ou não, conseguiu atar dois lados tão contraditórios da mesma sociedade histórica que os exclui, o palácio e a pobreza! Em que medida foi palácio? Em que medida foi da mãe pobre? Que à luz da ampliação sobre a investigação de documentos oficiais nos possibilite descortinar em que medida a saúde mental entrou ou não no palácio, uma vez que do ponto de vista da saúde, sem saúde mental, toda riqueza fica pauperizada.

4.2.1 Pesquisa Documental acerca da Maternidade Escola Januário Cicco

Como proposto por Thompson (2002) a melhor forma de se iniciar uma entrevista é conhecer o máximo de informações básicas dos fenômenos por meio de leitura ou de outras maneiras. A melhor maneira de dar início ao trabalho pode ser mediante entrevistas exploratórias, mapeando o campo e colhendo ideias e informações. Diante dessa necessidade foi realizado a pesquisa em jornais para conhecimento de informações referentes a Maternidade Januário Cicco ao longo dos anos.

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A pesquisa documental se deu na busca de jornais digitalizados no Acervo da Biblioteca Nacional Digital (BND) e da Biblioteca Central Zila Mamede (BCZM/UFRN).

Em se tratando do acervo da BND, na aba onde digita o periódico ou jornal, foi digitado alguns jornais já conhecidos como Diário de Natal e Tribuna do Norte. Depois foi digitado os nomes Natal, Rio Grande do Norte e a sigla RN. Com a palavra Natal, foi evidenciado 11 jornais, disponível no Quadro 1, com as respectivas datas.

Quadro 1: Jornais Disponíveis na BND e BCZM BIBLIOTECA NACIONAL DIGITAL

(BND)

BIBLIOTECA CENTRAL ZILA MAMEDE (BCZM) ACERVOS DIGITALIZADOS DA UFRN

Correio do Natal: Periódico Político, Moral e Noticioso (RN) 1870-1889

A Ordem: 1935-1952

Diário de natal (RN): Orgam do Partido Republicano (RN) 1900-1909

Gazeta de Natal: 1888-1890 Diário de natal: Propriedade da Companhia

Libro-Typographica Natalense (RN) 1890-1899

Brado Conservador: 1877-1882

Gazeta do Natal: órgão Conservador (RN) 1880-1899

A República: 1889-1910 O Argos Natalense: Periódico Político e Social

do Rio Grande do Norte (RN) 1850-1859

Diário de Natal: 1893-1904

O Brado Natalense: Acuit ut Penetret (RN) 1840-1849

Jornais Diversos (58 jornais com período de duração pequeno e anterior a construção da MEJC)

O Brado Natalense: Acuit ut Penetret (RN) 1840-1849

Oasis; 1894-1895 O Clarim Natalense: Viva a Constituição! Viva

o Imperador (PB) 1850-1859

O Caixeiro: 1892-1894 O Natalense (RN) 1830-1839 O Macauense: 1886-1889 O Publicador Natalense (RN) 1840-1849 O Nortista: 1892-1895 Diário de natal: 1950-1989 O Povo: 1889-1891 A Ordem: 1930-1959 O Santelmo: 1891-1893

Tribuna do Norte:

Fonte: Elaborado pela autora do presente estudo a partir da pesquisa documental, 2018.

Quanto ao Diário de Natal, existe jornais dos anos de 1950 a 1989, no entanto, quando se colocou a opção de 1950 a 1959, foi evidenciado que havia apenas dos anos de 1957 a 1959. Assim, as ocorrências foram distribuídas: Diário de Natal 1957 a 1989: 1957 a 1969: 806; 1970 a 1979: 1362; 1980 a 1989: 1452.

Em todos os jornais do Diário de Natal foi digitado a palavra maternidade e posteriormente Januário. Após a leitura de cada página selecionada pelo site da BND, percebeu-se que a palavra maternidade sempre estava inserida na busca da palavra Januário. Então optou-se pela busca com a palavra maternidade. Após a leitura das 3.620 ocorrências, foram contabilizados 378 arquivos com matérias relacionadas diretamente a

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MEJC. Os demais arquivos eram matérias sobre maternidades de outras cidades, mulheres que estavam exercendo a maternidade com seus filhos recém-nascidos, profissionais médicos que exerciam a profissão em maternidades, nascimento de filhos de figuras políticas em maternidades nas cidades do RN.

Em se tratando do jornal A Ordem, na BND, apresentava-se incialmente jornais disponíveis entre os anos de 1930 a 1959. No entanto, quando se clicava em pesquisar os anos, percebeu-se que as matérias disponíveis tratavam dos anos de 1935 a 1952. Foi utilizado a palavra maternidade sendo observado 2.394 ocorrências relacionadas ao termo. Dessas, após leitura de todas as ocorrências, foi descartado qualquer matéria que não se relacionasse a Maternidade de Natal, Maternidade Januário Cicco e Maternidade Escola Januário Cicco, visto que esses foram os nomes utilizados ao longo dos anos.

Os resultados da busca documental encontram-se disponíveis nos apêndices da presente pesquisa.

4.2.2 Entrevista semi-estruturada

Empregamos a entrevista semi-estruturada (Apêndice 1) como mais um instrumento de coleta das informações que subsidiam o fenômeno investigado. Na entrevista, a memória dos entrevistados permite trazer o passado para o presente, modulando os escritos e criando novas abordagens, pois o valor da memória é “reservatório sonoro e vivo do trabalho histórico, a memória coletiva faz parte das grandes questões das sociedades desenvolvidas e das sociedades em vias de desenvolvimento [...] A memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro” (LE GOFF, 1978, p.471).

Ela complementa a busca documental na medida em que um fato noticiado pelo jornal, por exemplo, norteia o caminho do pesquisador no sentido de conhecer e compreender com mais detalhes o fenômeno narrado pela escrita oficial (HAGUETTE, 2013).

De forma que esse mesmo fenômeno pode ser questionado às pessoas envolvidas, confrontando-os e permitindo contrabalançar os extremos das falas a fim de se chegar ao real acontecimento do ocorrido (HAGUETTE, 2013).

A técnica da entrevista consiste na capacidade do entrevistador saber ouvir seu entrevistado, somado a preparação de informações básicas por meio de leitura, da exploração de características e informações de modo que “quanto mais se sabe, mais

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provável é que se obtenham informações históricas importantes da entrevista.” (THOMPSON, 2002, p.205).

Conforme Minayo (2004), a entrevista semi-estruturada é composta por perguntas fechadas e abertas, permitindo que a pessoa entrevistada tenha a liberdade de expor suas percepções sobre a temática a ser investigada. Todas as entrevistas foram gravadas, com a aquiescência dos participantes, em gravador digital e posteriormente transcritas na íntegra e submetidas à Análise de Conteúdo Temática. As questões neste estudo foram elaboradas de forma a responder os objetivos propostos. A pergunta norteadora foi: O que se oferecia/oferece em termos de abordagem sobre saúde mental de mulheres internadas na MEJC durante sua atuação profissional? E como questões correlatas: descreva saberes e práticas (conhecimentos e fazeres) desenvolvidos na MEJC sobre saúde mental de mulheres através dos tempos; descreva estratégias de atenção à saúde mental prestada às mulheres na MEJC na atualidade? (Caso ainda atue como profissional da Maternidade).

4.3 Cenário da Pesquisa

O estudo foi realizado na Maternidade Escola Januário Cicco, localizado no Município de Natal-RN. A instituição em estudo é uma Maternidade vinculada a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão, sendo campo de estágio para estudantes da área de saúde, além de abrigar cursos de residências, tanto médica quanto multiprofissional (EBSERH, 2013).

4.4 Sujeitos da Pesquisa

Os participantes da pesquisa foram nove sujeitos que participaram e/ou participam no processo de construção e continuidade da Maternidade Escola Januário Cicco, com tempo mínimo de dois anos de trabalho na instituição e que aceitaram participar voluntariamente da pesquisa. Os participantes são profissionais que acompanharam o desenvolvimento da Maternidade ao longo dos anos, convivendo diariamente com os processos decisórios de atuação e condução dos modelos de atenção à saúde desenvolvidos ao longo dos anos até os dias atuais.

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De acordo com o método utilizado o número de participantes foi considerado suficiente à medida que houve repetições dos conteúdos dos depoimentos havendo assim saturação teórica dos dados.

Os participantes são profissionais com mais de 30 anos de atuação na Maternidade, pessoas que atuaram nos mais diversos setores, seja como profissional técnico ou como gestor, também presenciaram as várias gestões, os momentos de mudança da assistência médico-hospitalar, a inserção do SUS e o novo modelo de gestão proposto pela EBSERH.

4.5 Aspectos Éticos

O presente projeto foi encaminhado para apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário Onofre Lopes de acordo com a Resolução 466/12, que dispõe sobre pesquisa envolvendo seres humanos, obtendo o CAEE 93878418.4.0000.5292 e Parecer de Aprovação 2.809.554 (Apêndice 2).

Todos os participantes envolvidos no estudo foram informados sobre a voluntariedade e, após entenderem os objetivos da pesquisa e concordarem em participar da mesma, assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Apêndice 3) e também o Termo de Autorização de Voz (Apêndice 4) para a gravação da entrevista. Para garantir o anonimato dos participantes, seus nomes foram substituídos por pseudônimo.

4.6 Análise dos Dados

A análise dos dados foi feita através da análise de conteúdo do tipo temática, que consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõe a comunicação e cuja presença, ou frequência de aparição emite significado para o objetivo analítico escolhido (MINAYO, 2004).

A primeira fase da análise de conteúdo temática busca a organização dos conteúdos, após a realização de uma leitura criteriosa dos relatos, etapa denominada de pré-análise. A pré-análise é a fase de organização dos conteúdos que corresponde à sistematização das ideias iniciais através da leitura flutuante, em que se faz um reconhecimento do texto, absorvendo impressões e orientações que permitirão a organização dos conteúdos em recortes, para posterior obtenção das unidades de análise utilizadas na fase de exploração do material (MINAYO, 2004).

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Dessa forma, foi realizado inicialmente leitura flutuante e exaustiva do material; a seguir, na segunda fase, onde se efetua recortes do texto, identificou-se as unidades de registro que focalizaram o discurso dos entrevistados quanto ao objeto de estudo. Após esta etapa, agrupou-se as unidades de significação e elencamos as categorias que reuniram os grupos de elementos dentro de um título genérico, caracterizando-se assim, as categorias de análise do presente estudo. A última etapa da análise procedeu a interpretação das falas, à luz da literatura científica da área abordada e do referencial de análise.

Assim, as categorias de análise elencadas a partir dos discursos dos participantes da presente pesquisa foram:

• Categoria 1: Saúde Mental Limitada ao Aspecto Psiquiátrico e Psicológico. • Categoria 2: Saúde Mental como Humanização do Cuidado.

• Categoria 3: Saúde Mental como Dimensão do Social.

A seguir adentramos nos resultados e discussões da pesquisa a partir das referidas categorias de análise.

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5 Resultados e Discussões: Maternidade Januário Cicco e Atenção à Saúde Mental de Mulheres: existe elo?

Categoria 1: Saúde Mental Limitada ao Aspecto Psiquiátrico e Psicológico

Figura 1: em alusão à Teoria da Pirâmide Maslow estão abaixo a relação sobre as concepções sobre abordagem em Saúde Mental na Maternidade

Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

A figura acima mostra a existência de uma hierarquia na abordagem em Saúde Mental na Maternidade, na base do conhecimento, saberes e práticas na visão dos profissionais encontra-se o pode biomédico, que define as normas, e condutas de atenção exercidas pelos profissionais de outras profissões para que se alcancem o cuidado da saúde da mulher.

A ótica de saberes e práticas em Saúde Mental explanadas pelos entrevistados refere ao âmbito do modelo de Psiquiatria que durou até a Reforma Psiquiátrica brasileira, ligada ao tratamento médico na pessoa do psiquiatra e a oferta do serviço de Psicologia e Serviço Social. Não existir um serviço ou programa de abordagem em Saúde Mental era sinônimo

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de ausência do médico Psiquiatra e da Psicologia ou também do número reduzido de profissionais psicólogos e assistentes sociais. Esse pensamento é o da visão da Psiquiatria, focado no poder médico e unidirecional, no tratamento hospitalar desses pacientes, na administração de medicamentos como tratamento, na oferta de serviços de psicoterapia hospitalar individual e sob demanda, os pacientes vistos como diagnóstico da doença e não como sujeito social, distante do que é proposto pela Saúde Mental que são novos dispositivos que abordem os sujeitos e famílias na integralidade do cuidado, trabalho multidisciplinar, com autonomia e respeito aos direitos conforme proposto por Amarante (2018).

Nessa época não tinha tanta ênfase sobre esse assunto. Não se tinha. Tinha esses programas se fazia esses programas, se orientava, mas na época não era uma coisa tão divulgada e tão cobrada, porque hoje em dia de certa maneira é uma matéria, é uma disciplina (E-4)

A abordagem em Saúde Mental na MEJC, na ótica dos entrevistados, é a de que se trabalhava o que o Ministério da Saúde orientava aos profissionais, como não havia ainda o programa de cuidados em Saúde Mental no Ministério bem estabelecido, consequentemente não havia na MEJC, os processos de cuidados em saúde eram direcionados pelo o que o Ministério implantava.

Veja bem, eu desconheço dentro da Maternidade que tenha existido algum protocolo especial para a Saúde Mental mesmo a gente tendo alguns casos de pacientes que se internaram com psicose pós-parto. Então quando a gente tinha uns casos de psicose pós-parto nós chamávamos o médico especialista e o médico especialista delineava o tipo de tratamento que a paciente ia ter e a gente oferecia os cuidados que eram pertinentes utilizando ainda o método do livro de Brunner (E-4).

Percebe-se que as discussões em Saúde Mental, seus dispositivos de mudança nos modelos anteriores ao da Reforma Psiquiátrica brasileira, ainda se encontravam distantes dos centros de discussões no anfiteatro da Januário Cicco, isso mostra a concepção e consequentemente da oferta de serviços em saúde direcionados a diagnósticos das doenças e a parte do corpo afetada pela mulher, separados do universo da pessoa como sujeito social, desconhecimento sobre Saúde Mental e cuidado integral, ofertando serviços fracionados de acordo com a necessidade do momento da mulher, como também mostra a realidade da sociedade brasileira na época em não problematizar o sofrimento psíquico e a forma como era conduzido o “cuidado” de saúde dessas pacientes.

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Não, não trabalhava porque acho que o povo não tinha nem tempo não era orientado para isso as coisas mudaram, os conhecimento foram mudando, meu tempo vou dizer a você, meu tempo foi diferente, eu sou de 1975 e me formei em 1975, eu aprendi, tudo que eu aprendi eu apliquei, agora essa parte que você tá falando eu acho que tinha que ter uma equipe para preparar e chegar e fazer esse serviço, a gente não tinha tempo de chegar e fazer a gente tratava as paciente bem, não maltratava, dava assistência, acompanhava até a portaria porque a gente era quem acompanhava (E-5)

A partir do que a literatura científica referenciava em cuidados e abordagens em Saúde Mental, era que se conduzia o cuidado da mulher internada na MEJC, seja ela pessoa com transtorno mental ou não. A condução do cuidado se baseava no modelo biomédico de enxergar a saúde humana, com o médico no centro das decisões, os demais profissionais de saúde seguindo a orientação médica, baseada na medicina hospitalocêntrica e medicalizante, a mulher vista como um estudo de caso, distante da singularidade do ser como humano. Existia a vinculação da Saúde Mental às categorias profissionais.

A gente abria o livro via o conjunto de cuidado que tinha que ter com a paciente que tinha psicose recuperável e nós ficávamos ali atentos para ver se tinha algum delírio alucinações como era o comportamento a medicação feita rigorosamente, mas não existia um protocolo e um serviço da instituição para a Saúde Mental dessas mulheres nem mesmo no momento do parto havia uma preocupação com a questão desejando, eu pelo menos nunca vi essa lógica do desejo dentro dos esquemas de atendimento no centro de parto, apesar da gente saber que o parto é uma reação desejante que amamentar é uma relação desejante (E-9).

Ao longo dos anos, com a melhoria dos investimentos da UFRN é que se pode contratar, por meio de concursos, profissionais de saúde para atuarem na Maternidade, dentre eles, psicólogos e assistentes sociais. E com isso foi se melhorando a abordagem em Saúde Mental.

Saúde Mental não tinha nada. Demorou muito. Isso foi gradual neh. Foi gradual. Mas, eu tenho a impressão que começou na minha gestão. Melhorou porque se conseguiu contratar neh, a universidade contratar profissionais e, pelo menos na entrada das pacientes começou a ter uma

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assistência psicológica. Assistente Sociais. Primeiro era assistente sociais, depois era psicólogo. Mas, o psicólogo, acho que tinha no início era uma psicóloga. Acho que era só sob demanda. Isso aí eu tenho certeza, no início não tinha um quadro de psicólogos não (E-2).

Além de não existir um cuidado em Saúde Mental na Maternidade, com o passar dos anos e de modo ainda incipiente, foi inserido novos profissionais, mas para o entrevistado, essa assistência ainda era precária, havia uma demanda reprimida, o que sugere que além de número reduzido de profissionais e também pelo modelo de abordagem em Saúde Mental bem anos anteriores ao da Reforma Psiquiátrica brasileira proposto pelas instituições de saúde no país, os cuidados em Saúde Mental nos primórdios de sua criação na Maternidade se baseavam em cuidados medicamentoso e religioso, tendo em vista que naquela época existia as freiras que atuavam nos cuidados de saúde das pacientes.

Havia também a inserção das religiosas, as freiras, na atuação assistencial na dispensação dos medicamentos e para o entrevistado a presença delas significava cuidados em Saúde Mental, possivelmente com associação de conforto espiritual ao de bem-estar mental. Essa ótica de interface entre religião e Saúde Mental é bastante reportado na literatura como se a religião fosse o pronto socorro de pessoas em sofrimento mental, onde as pessoas buscariam a cura ou alívio do sofrimento, o que nos leva ao tempo da Idade Média discorrido por Foucault (1972) em que o sofrimento psíquico tinha suas raízes provenientes do mundo espiritual. Hoje, superado essa simbologia espiritual, ainda há forte peso da religião na saúde, muito bem corroborado pela literatura como a religião sendo uma força que dá significado e ordena da vida, fundamental em momentos de maiores dificuldades e apresentam percepção e vivência melhor da vida quando comparado com pessoas distantes da espiritualidade, uma vez que:

As dimensões de espiritualidade e religiosidade estão associadas à melhor qualidade de vida, com melhores resultados para as pessoas que estão se recuperando de doença física e mental, ou que tenham menores alternativas de recursos sociais e pessoais, sendo que indivíduos pouco religiosos, com bem-estar espiritual baixo ou moderado apresentam o dobro de chances de apresentarem transtornos mentais, e cerca de sete vezes mais chance de ter algum diagnóstico de abuso ou dependência do álcool (MURAKAMI, 2012)

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Os entrevistados consideravam que a assistência precária em abordagem de Saúde Mental ocorria devido aos poucos profissionais e não apresentavam condições de atender as necessidades das mulheres, seja na visão espiritual, da escuta dessas pacientes

Eu acho que nesse item aí a assistência era precária naquela época e hoje ainda é, nós tínhamos profissionais tanto de serviço social como psicologia, mas um número que não dava para atender as pacientes (E-3).

Depreende-se que os cuidados de saúde eram vinculados ao número de profissionais e profissões existentes na Maternidade, para os entrevistados, a assistência era insuficiente em virtude de a Maternidade ainda ser um ambiente de cuidados em saúde em formação inicial, com poucos profissionais, detinham poucas estratégias e conhecimentos acerca do tema.

E outras profissões já existiam né, a farmácia já existia que era na época existiam as irmãs, então as irmãs tinham umas irmãs que era quem chefiava e tomava conta da farmácia que era lá no térreo onde é hoje ali (E-5).

Com atuação maior do Serviço Social e da Psicologia no aspecto de abordagem em Saúde Mental para as demandas da casa

De início, era serviço social que atuava, era quem tinha mais, todos tinham pouco, mas era o que tinha o número melhor, e o psicólogo muito pouco, tinha mais praticamente fixa no ambulatório que até era inserida do Estado, mas também já se aposentou e quando a gente precisava ela vinha atender a demanda dentro da Maternidade (E-3).

Percebe-se pelas falas que quando o profissional era solicitado para resolver determinada demanda, havia a subjetividade de cada profissional, da forma como ele entende e planeja suas percepções de cuidado em Saúde Mental. Isso é relatado pela literatura na discussão da Reforma Psiquiátrica brasileira que visa mudar os modelos e engajamento dos profissionais de saúde no sentido de se politizarem pelos melhores cuidados em saúde mental no país.

Parte-se da compreensão de que, dependendo da maneira como cada profissional se insere, organiza e maneja os conhecimentos teórico-técnicos e prático-profissionais necessários para atuar na Saúde Mental, e se movimenta politicamente nos espaços de luta dentro e fora

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dos serviços, pode ou não efetivar e dar sustentação para a defesa das mudanças que se quer implantar nesse campo no País. Assim, a Saúde Mental demarca um tipo de trabalho que tem como particularidade a de incluir no saber-fazer profissional não apenas conhecimentos técnico-científicos e determinados manejos práticos, mas, especialmente, a implicação política e afetiva com a construção de outro modo de cuidar e entender a loucura (RAMMINGER, 2006, p. 38)

E além de a atuação profissional ser pode demanda, também se observa desconhecimento de um modo geral de como atuar frente às necessidades das pacientes com transtornos mentais

Existia, sempre era mais o serviço social que atuava mais, porque a gente não tinha um psicólogo, a gente não tinha quem desse um suporte mais especializado. Às vezes as mães vinham parir aqui e o bebê ficava com a família, ela tinha que voltar porque estava internada, voltava lá pro João Machado. Era Casa de Saúde Natal e João Machado, mas especificamente assim voltado para isso não era, quando surgia a demanda, ia ver como fazer. Não tinha uma coisa bem estabelecida (E-7).

Para o entrevistado, o conhecimento de abordagem em Saúde Mental ofertado pela Maternidade era o modelo cartesiano, focado no poder médico de conduzir e definir o tipo de tratamento dispensado às pacientes, a forma como a mulher com doença mental deveria ser cuidada na lógica medicalizante com protocolos padronizados de normas e condutas para pacientes com transtornos mentais, vigilantes para surtos e agressões. E também não existia o profissional psiquiatra da casa na Maternidade, a consulta era por demanda a algum outro serviço que vinha conhecer a paciente e ordenar a conduta.

Porque ninguém levava em conta essa importância com as pacientes, até também para com os próprios funcionários, porque a Saúde Mental tanto o funcionário tem que ter uma boa base, um acompanhamento bom e para poder lidar, um retorno aos próprios pacientes a pessoa tem que ter um embasamento sobre isso. Então a gente trabalhava de acordo com o que vinha de programas, mas que não era basicamente só Saúde Mental dos pacientes (E-4)

A fala do entrevistado mostra que além de existir na MEJC o cuidado em saúde direcionado ao que o Ministério da Saúde propunha, havia também a visão da necessidade do profissional de saúde conhecer as práticas, cuidados e saberes em Saúde Mental, o que não era feito nem pelo Ministério da Saúde como também pela própria Maternidade.

Quando você tinha algum problema muito sério de Saúde Mental de uma paciente você pedia ajuda geralmente ao [Hospital] Onofre Lopes, a outro hospital, mas assim não era uma prática corriqueira a gente ter aqui esse atendimento, não (E-6).

Referências

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