UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
EMBRAPA AMAZÔNIA ORIENTAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA
PÂMELA VIRGOLINO FREITAS
EFEITO DA PERDA DE COBERTURA FLORESTAL SOBRE A
DIVERSIDADE DE PEIXES DE RIACHOS EM UMA ZONA DE
TRANSIÇÃO CERRADO-AMAZÔNIA
Belém, Pará, Brasil 2019
PÂMELA VIRGOLINO FREITAS
EFEITO DA PERDA DE COBERTURA FLORESTAL SOBRE A
DIVERSIDADE DE PEIXES DE RIACHOS EM UMA ZONA DE
TRANSIÇÃO CERRADO-AMAZÔNIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ecologia do convênio Universidade Federal do Pará e Embrapa Amazônia Oriental, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ecologia. Área de concentração: Ecologia. Linha de pesquisa: Ecologia de comunidades e ecossistemas.
Orientadora: Dra. Karina Dias da Silva – UFPA/Altamira Coorientador: Dr. Paulo Ricardo Ilha Jiquiriçá - IPAM
Belém, Pará, Brasil 2019
PÂMELA VIRGOLINO FREITAS
EFEITO DA PERDA DE COBERTURA FLORESTAL SOBRE A
DIVERSIDADE DE PEIXES DE RIACHOS EM UMA ZONA DE
TRANSIÇÃO CERRADO-AMAZÔNIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ecologia do convênio Universidade Federal do Pará e Embrapa Amazônia Oriental, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ecologia pela comissão julgadora composta pelos membros:
COMISSÃO JULGADORA
Profª Drª. KARINA DIAS DA SILVA Universidade Federal do Pará (Presidente)
Profª. Drª. BARBARA DUNCK DE OLIVEIRA Universidade Federal do Pará (UFPA)
Drª. CECÍLIA GONTIJO LEAL
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALq), Universidade de São Paulo (USP)
Profº. Dr. HELDER M. V. ESPÍRITO SANTO Universidade Federal do Pará (UFPA)
Dr. LEANDRO SCHLEMER BRASIL Programa de Pós-Graduação em Zoologia (UFPA)
Profº. Dr. RAPHAEL LIGEIRO Universidade Federal do Pará (UFPA)
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, por ter me concedido esta oportunidade.
Aos meus pais, Benedito Afonso e Renildes Virgolino, que nunca pouparam esforços para que eu pudesse ter condições de seguir meus estudos, sempre me incentivando e aconselhando afim de mostrar o melhor caminho para que eu pudesse crescer. Ao meu irmão Pablo Virgolino, e minha cunhada Viviane Nere, que mesmo em meio as suas próprias dificuldades tiveram forças para me incentivar e apoiar, além de terem me presenteado com um sobrinho, Pablo Kal-El, ao qual também agradeço pelas alegrias que me proporcionou. Ao meu namorado, André Felipe, por estar sempre ao meu lado, mesmo quando distante fisicamente, obrigada por se esforçar para me ajudar a concluir esta etapa, pelo companheirismo, por ter sido meu porto seguro nos momentos em que senti saudades de casa. Vocês são a melhor família que alguém poderia ter, amo vocês!
Às minhas amigas, Edenede Feitosa e Midian Brandão, por toda a amizade que construímos, e que mesmo que estivéssemos distantes nestes dois anos, não a deixamos enfraquecer. Sou muito grata por te vocês em minha vida, por terem tornado meus dias mais divertidos durante o período em que estive longe, Obrigada!
À minha orientadora Karina Dias, por ter aceito me orientar sem ao menos termos sido apresentadas, e que mesmo estando longe me ajudou e incentivou a prosseguir na dissertação, sendo sempre tão atenciosa e divertida. Ao meu coorientador Paulo Ilha, que me acompanhou no trabalho de campo, me proporcionando novos conhecimentos, obrigada por ser tão prestativo, e sempre se dispondo a ajudar quando precisei. Ao meu quase orientador, Luciano Montag (Miúdo), por ter considerado minha carta de aceite, para que eu pudesse ingressar no mestrado, dando início a este trabalho ao qual sou feliz por ter realizado. Agradeço a vocês pelas suas contribuições que me ajudaram grandemente nestes dois anos.
Agradeço aos meus amigos “Los Forasteros”, principalmente à Flávia Alessandra (Flavi), Mayra Caroliny (Mainha) e Ricardo Ribeiro (Richard), por todos os momentos que passamos juntos, muito obrigada por terem sido como uma família para mim.
Aos companheiros do Laboratório de Ecologia e Conservação, especialmente aos do Museu de Zoologia, que sempre se dispuseram a me ajudar de bom grado, me auxiliando a resolver os problemas que apareciam. Principalmente à Ana Luiza, que me aturou no trabalho de campo, me guiando e ensinando nos novos caminhos que percorri. À Naiara Raiol (Naizinha), que me ajudou com os usos de terra, parte fundamental deste trabalho. Ao Calebe Maia (Lelebis), por ter me aturado todos dias, e por tê-los tornado tão divertidos. Muito obrigada por todas as contribuições de vocês nesta jornada!
À banca que aceitou avaliar e contribuir neste trabalho: Profª. Drª. Barbara Dunck, Drª. Cecília Leal, Profº. Dr. Helder Espírito Santo, Dr. Leandro Brasil, Profº. Dr. Raphael Ligeiro.
À equipe do IPAM, que ajudaram em todo o trabalho de campo. Ao grupo Amaggi, por permitirem a realização deste projeto em sua propriedade.
Ao CNPq pelo financiamento do projeto, e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão da bolsa.
À Universidade Federal do Pará (UFPA), ao Programa de Pós-graduação em Ecologia e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), por toda base e apoio.
INDICE RESUMO ... 10 ABSTRACT ... 11 INTRODUÇÃO ... 12 MATERIAL E MÉTODOS ... 14 Área de estudo... 14 Amostragem...16 Hábitat ... 16 Ictiofauna ... 17 Características funcionais... 17 Análise de dados...17
Desenvolvimento do Índice de Integridade Física (IIF) ... 17
Cobertura Florestal... 19 Diversidade taxonômica ... 20 Diversidade Funcional ... 21 RESULTADOS ... 22 DISCUSSÃO ... 31 CONCLUSÃO ... 34 AGRADECIMENTOS ... 35 REFERÊNCIAS ... 35 MATERIAL SUPLEMENTAR ... 43
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Localização dos nove riachos amostrados no período de estiagem, no ano de 2017 na fazenda Tanguro-MT. ua – Unidade Amostral, Outros – Usos da terra não identificados...15
Figura 2 – Esquema de amostragem empregado para coleta de peixes e aplicação do protocolo ambiental em riachos na Amazônia. As letras (A-K) indicam as transecções, marcadas a cada 15 m, onde o esforço amostral para coleta da ictiofauna foi de seis horas, dividas entre as transecções (36 min) para um coletor. ... 16
Figura 3 – Box-and-whiskers plots das cinco métricas que compõem o Índice de Integridade Física. ... 23
Figura 4 – Análise de Componentes Principais realizada com as porcentagens de usos do solo em buffers de 30 m ripários na rede de drenagem de nove riachos localizados na fazenda Tanguro, no município de Querência-MT. ... 26
Figura 5 – Porcentagens das classes de uso da terra identificadas em buffers de 30 m ripários na rede de drenagem de nove riachos localizados na fazenda Tanguro no município de Querência- MT. ... 27
Figura 7 – Relação entre a cobertura florestal e o índice de riqueza funcional observado em riachos localizados na fazenda Tanguro, no município de Querência-MT. A cobertura Florestal é representada pelo Eixo I, extraído da PCA realizada com os usos de solo do buffer na escala de 30 m. IIF – Índice de Integridade Física. ... 29
Figura 8 – Distribuição dos grupos funcionais em relação ao nível de integridade de riachos da Amazônia, no Estado do mato Grosso- Brasil. ... 30
Figura 9 – Distribuição dos grupos funcionais em relação à perda de cobertura florestal em riachos da Amazônia, no Estado do mato Grosso- Brasil. ... 31
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Valores das métricas selecionadas para o cálculo da pontuação do Índice de Integridade Física de riachos amostrados na Amazônia no Estado do Mato Grosso. ... 22
Tabela 2 – Lista taxonômica classificada de acordo com seus grupos tróficos funcionais e história de vida, nos nove riachos amostrados no ano de 2017 na fazenda Tanguro no município de Querência-MT ... 24
Tabela 3 – Usos do solo identificados em buffers ripários nas microbacias de nove riachos na fazenda Tanguro, município de Querência-MT, e suas correlações com o Eixo I da PCA. ... 27
EFEITO DA PERDA DE COBERTURA
FLORESTAL SOBRE A DIVERSIDADE DE
PEIXES DE RIACHOS EM UMA ZONA DE
TRANSIÇÃO CERRADO-AMAZÔNIA
Esta dissertação foi elaborada e formatada conforme as normas da publicação científica Ecology of Freshwater Fish, as quais se encontram no material suplementar (Material suplementar 6).
10 EFEITO DA PERDA DE COBERTURA FLORESTAL SOBRE A DIVERSIDADE DE 1
PEIXES DE RIACHOS EM UMA ZONA DE TRANSIÇÃO CERRADO-AMAZÔNIA 2
Pâmela V. Freitas1,2,5, Luciano F. A. Montag², Paulo Ricardo I. Jiquiriçá3; Karina D. Silva4
3 4
1Programa de Pós-graduação em Ecologia - Universidade federal do Pará/EMBRAPA
5
2 Laboratório de Ecologia e Conservação, Instituto de Ciências Biológicas, Rua Augusto
6
Corrêa, 7
3 Pesquisador de Pós-doutorado do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Canarana,
8
Mato Grosso, Brasil 9
4Programa de Pós-graduação em Biodiversidade e Conservação - Universidade Federal do Pará,
10 Altamira, Brasil. 11 5E-mail: pamelavirgolino@gmail.com 12 13 14 RESUMO 15
A expansão da fronteira agrícola Amazônica causa diminuição da cobertura florestal, afetando 16
a integridade ambiental de riachos, bem como a riqueza de suas comunidades associadas. 17
Objetivamos avaliar os efeitos da perda de cobertura florestal sobre a integridade física de 18
riachos, e sobre a diversidade taxonômica e funcional das assembleias de peixes em uma zona 19
de transição Cerrado-Amazônia, hipotetizamos que, quanto menores forem os níveis de 20
cobertura florestal, menores serão os niveis de integridade física dos riachos e menores serão 21
os valores de diversidade taxonômica e funcional das assembleias de peixes. Não detectamos 22
efeito da perda de cobertura florestal sobre a integridade física dos riachos, e nem sobre a 23
diversidade taxonômica, no entanto, verificamos um efeito negativo sobre a riqueza funcional. 24
A integridade física dos riachos não foi relacionada à diversidade taxonômica e funcional das 25
assembleias de peixes. A conversão de florestas em áreas agrícolas, na zona ripária, afeta 26
negativamente a riqueza funcional das assembleias de peixes, funcionando como um filtro 27
ambiental, levando ao desaparecimento de espécies que que apresentam diferentes traços 28
funcionais. Diante disto, o estabelecimento de estratégias de restauração e conservação das 29
áreas afetadas pelo desmatamento deve ser prioritário em toda a rede de drenagem dos riachos, 30
na escala onde se encontra a zona ripária, afim de minimizar os impactos sobre as espécies 31
presentes. Para que possamos entender quais fatores melhor estruturam as assembleias de 32
peixes em riachos, faz-se necessário a elaboração de pesquisas, que deem bases para a 33
formulação de estratégias para preservação destes organismos. 34
35
Palavras-chave: habitat físico, usos da terra, ictiofauna, expansão agrícola, mudanças 36 ambientais. 37 38 39 40 41 42
11 EFEITO DA PERDA DE COBERTURA FLORESTAL SOBRE A DIVERSIDADE 43
TAXONÔMICA E FUNCIONAL DE PEIXES DE RIACHOS EM UMA ZONA DE 44 TRANSIÇÃO CERRADO-AMAZÔNIA 45 46 ABSTRACT 47
Currently, the expansion of the agricultural frontier in the Amazon represents a profound 48
change in the world’s vegetation cover. This expansion causes decrease of forest cover, 49
affecting the environmental integrity of streams, as well as the richness of associated 50
communities. We aimed to evaluate the effects of loss of forest cover on the physical integrity 51
of streams, and on the taxonomic and functional diversity of fish assemblages in a Cerrado-52
Amazon transitional zone. We sampled nine streams in the Alto Xingu river basin. The streams 53
possess microbasins covered by different percentages of transitional Cerrado-Amazon forest 54
and croplands. We did not detect the effect of loss of forest cover on the physical integrity of 55
streams, and neither on fish taxonomic diversity. However, we found a negative effect on the 56
functional diversity. The physical integrity of streams was not associated with taxonomic and 57
functional diversity of fish assemblages. The conversion of forest areas to croplands, on the 58
riparian zone, affects negatively the functional richness of fish assemblages, acting as an 59
environmental filter, leading to the disappearance of species that could have performed 60
important ecosystem functions. Furthermore, the establishment of restoring and conservation 61
strategies of areas affected by deforestation must be a priority on all streams drainage systems, 62
especially on the riparian zone scale, to minimize impacts on species. To understand which 63
factors can better structure fish assemblages in streams, it is necessary to do research, that can 64
give basis to formulate strategies for the preservation of those organisms. 65
66
Keywords: physical habitat, land-use, ichthyofauna, agricultural expansion, environmental 67 change. 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79
12 INTRODUÇÃO
80
A expansão da fronteira agrícola Amazônica representa a mais profunda mudança na 81
cobertura florestal que existe no mundo atualmente (Brando et al., 2013; Nepstad et al., 2014; 82
Maia et al., 2015). As alterações ocasionadas pela conversão de florestas em áreas agrícolas são 83
caracterizadas por inúmeras mudanças no ambiente, incluindo a perda de integridade estrutural 84
de habitats naturais e diminuição de cobertura florestal (Cunha et al., 2015; Ilha et al., 2019). 85
Todos esses processos refletem na perda de qualidade ambiental, principalmente em 86
ecossistemas que apresentam uma grande variedade de características bióticas e abióticas 87
(Molina et al., 2017). 88
Sabe-se que não apenas as comunidades terrestres vem sofrendo os efeitos 89
ocasionados pelo avanço da agricultura, mas também, os ambientes aquáticos (Macedo et al., 90
2018), pois apresentam forte dependência com o ambiente terrestre (Pusey & Arthington, 91
2003). As comunidades aquáticas dependem de recursos alóctones fornecidos pela vegetação 92
ripária (Cunha et al., 2015; Teresa & Casatti, 2017), tanto pelo fornecimento de recursos 93
alimentares, quanto pelo fornecimento de abrigo, quando troncos e folhas são estocados no 94
leito de riachos (Sweeney et al., 2004; Schneider & Winemiller, 2008) podendo ser utilizados 95
pelas espécies (Schneider & Winemiller, 2008; Vigiak et al., 2016). 96
A retirada da cobertura florestal, sobretudo nas zonas ripárias, facilita os processos de 97
erosão e transporte de sedimentos, nutrientes e poluentes para dentro dos sistemas hídricos 98
(Nessimian et al., 2008). Logo, a perda desta vegetação causa alterações não apenas no fluxo 99
de matéria orgânica, mas também na morfologia do canal, nas características do substrato e nas 100
características físico-químicas da água, reduzindo assim a integridade dos riachos e, 101
consequentemente, a qualidade e distribuição dos habitats para a biota aquática (Wang et al., 102
2000; Allan, 2004; Leal et al. 2016). 103
Diante da expansão da atividade agrícola no entorno dos pequenos corpos d’água, 104
muitos estudos tem buscado entender como os processos que estruturam as comunidades se 105
comportam diante desta atividade em diferentes escalas da paisagem (Allan, 2004; Siqueira & 106
Henry-Silva, 2011;Teresa & Casatti, 2012). Estes estudos tem investigado as respostas 107
biológicas das espécies frente à supressão vegetal, usando ferramentas que vão além de 108
quantificar espécies e organismos, como a utilização da diversidade taxonômica. Dessa forma, 109
a abordagem funcional vem ganhando importância, por referir-se aos atributos funcionais que 110
estão relacionados à capacidade das espécies de explorarem os recursos ambientais, podendo 111
ser utilizada para ajudar a compreender como as comunidades locais estão estruturadas 112
13 (MacArthur & Levins, 1967; Petchey et al., 2007; Leitão et al., 2018) e como respondem ao 113
processo de perda de cobertura florestal. 114
Logo, esta medida de diversidade torna-se um elo entre a diversidade de espécies e os 115
fenômenos ecológicos (Cadotte, et al., 2011), podendo ser medida através de índices que 116
abrangem as suas diversas facetas, como os índices propostos por Villeger et al. (2008): Riqueza 117
funcional, que representa o volume ocupado pela comunidade no espaço funcional formado 118
pelos atributos que a comunidade apresenta, permitindo assim quantificar a amplitude de 119
variação de características funcionais em cada comunidade; a divergência funcional, que analisa 120
o quanto os táxons se diferenciam dentro das categorias de cada atributo; e a equitabilidade 121
funcional, que estima a regularidade com que as abundâncias das espécies estão distribuídas no 122
espaço funcional, permitindo a utilização eficiente de todos os recursos de que dispõe. 123
Muitos grupos taxonômicos vem sendo utilizados em estudos que utilizam a 124
diversidade funcional como resposta as modificações ambientais, inclusive em ecossistemas 125
aquáticos (Teresa & Casatti, 2017; Luiza-Andrade et al., 2017). Estes estudos demonstram que 126
a complementariedade no uso dos recursos naturais é um fator chave para se entender a conexão 127
entre a diversidade de espécies e o funcionamento ecossistêmico (Petchey and Gaston, 2002). 128
A ictiofauna vem sendo utilizada como bioindicador da qualidade de ecossistemas de 129
água doce, devido a sensibilidade de algumas espécies, pois, dependendo do tipo, dimensão, 130
tempo de impacto e do tipo de sistema, a composição taxonômica e funcional das comunidades 131
pode responder de diferentes formas (Casatti et al., 2012; Prudente et al., 2017; Leitão et al., 132
2018). As espécies de peixes também se distribuem em diversos níveis tróficos, evidenciando 133
uma vasta amplitude de recursos requidos para o seu sucesso em diferentes ambientes (Brejão 134
et al., 2013). Como por exemplo no estudo de Casatti et al. (2012), no qual foram verificadas 135
mudanças tanto na composição taxonômica, quanto funcional das assembleias de peixes frente 136
a um gradiente de degradação ambiental, favorecendo a predominância de espécies tolerantes 137
e oportunistas, em detrimento da diminuição de espécies mais sensíveis e especializadas. 138
Diante deste contexto, o presente trabalho tem como objetivo avaliar as respostas 139
taxonômica e funcional de peixes de riachos sob supressão florestal na zona ripária, buscando 140
responder a seguinte questão: Qual o efeito da perda de cobertura florestal na integridade física 141
de riachos, e como a cobertura florestal e a integridade influênciam na diversidade taxonômica 142
e funcional das assembleias de peixes? Identificando quais espécies estão mais relacionadas 143
com os níveis de integridade. Testamos a hipótese de que quanto menor for a quantidade de 144
cobertura florestal, menores serão os níveis de integridade dos riachos, e menores serão os 145
14 valores de riqueza de espécies, abundância, divergência e riqueza funcional, e maiores serão os 146
valores de equitabilidade funcional das assembleias de peixes. E também haverão espécies mais 147
tolerantes relacionadas à ambientes com menores níveis de integridade. 148
Uma vez que a cobertura florestal desempenha um importante papel na manutenção da 149
diversidade de espécies, através do provimento de recursos alimentares, abrigo, diferentes 150
microclimas e de processos ecológicos, o que ajuda a manter a integridade estrutural dos 151
habitats. E a sua remoção pode interferir de maneira negativa nas características taxonômicas e 152
funcionais das assembleias, pois ambientes menos florestados tendem a apresentar maior 153
homogeneidade ambiental, que atua como um filtro, selecionando espécies generalistas, com 154
determinadas características funcionais relacionadas a estas condições, e eliminando outras 155
especialistas (Vieira et al., 2015; Zeni et al., 2017). 156 157 MATERIAL E MÉTODOS 158 Área de estudo 159
Foram amostrados nove riachos (seis de primeira e três de segunda ordem) (Figura 1) 160
localizados na fazenda Tanguro (entre as longitudes 52°23'30"W e 52°18'50"W, e latitudes 161
13°9'12"S e 12°41'40"S), no município de Querência, no Estado do Mato Grosso (Brasil), no 162
mês de agosto de 2017. A fazenda está situada na zona de transição entre os biomas Cerrado e 163
Amazônia, na região da bacia do alto Rio Xingu, fazendo parte da bacia do rio Amazonas. 164
A Fazenda tem aproximadamente 82 mil hectares, dos quais 38 mil ha (46%) são áreas 165
de produção agrícola, principalmente soja, milho e seringa, e 44 mil ha (54%) são áreas de 166
florestas ou florestas em regeneração (Oliveira et al., 2010). Segundo a classificação climática 167
de Köppen & Geiger de 1927 (Peel et al., 2007) o clima da região se enquadra no tipo climático 168
Aw, ou seja, é um clima tropical com inverno seco e precipitação anual média de 1.900 mm. A 169
temperatura média anual é de 27oC e existe pronunciada sazonalidade, o período chuvoso inicia-170
se em outubro e se prolonga até abril, e de maio até setembro as chuvas são escassas (Hayhoe 171
et al., 2011). 172
15 173
Figura 1 – Localização dos nove riachos amostrados no período de estiagem, no ano de 2017 174
na fazenda Tanguro-MT. ua – Unidade Amostral, Outros – Usos da terra não identificados. 175
16 Amostragem
177
Hábitat 178
A coleta foi realizada no período de seca, em agosto de 2017. A seleção deste período 179
se deu devido as características dos riachos, no qual são mais propícias à realização dos 180
procedimentos de amostragem e mensuração das características do ambiente físico (Frissell et 181
al., 1986; Jaramillo-Villa & Caramaschi, 2008). Em cada riacho, foi delimitado um trecho de 182
150 m, divididos em 11 transecções transversais e 10 seções longitudinais, nomeadas de “A” 183
(mais a jusante) a “K” (mais a montante) (Figura 2). 184
185
Figura 2 – Esquema de amostragem empregado para coleta de peixes e aplicação do protocolo 186
ambiental em riachos na Amazônia. As letras (A-K) indicam as transecções, marcadas a cada 187
15 m, onde o esforço amostral para coleta da ictiofauna foi de seis horas, dividas entre as 188
transecções (36 min) para um coletor. 189
190
A caracterização ambiental seguiu o protocolo de avaliação do habitat (Peck et al., 191
2006). Este protocolo avaliou, no trecho de 150 m, diversos componentes da estrutura física do 192
habitat dos riachos, e a partir dos dados obtidos pelo protocolo, foram geradas 238 métricas 193
baseadas em cálculos de Kaufmann et al. (1999), incluindo 24 métricas de morfologia do canal, 194
30 de substrato, 5 de hidráulica e substrato, 16 de unidade do canal (tipos de fluxo), 4 de 195
declividade, uma de sinuosidade, 33 de cobertura da vegetação ripária, 60 de pedaços de 196
resíduos lenhosos, 32 de abrigo para peixes e 29 de impacto humano. Também foram 197
mensuradas características físico-químicas da água como temperatura, pH, condutividade e 198
oxigênio dissolvido (OD), medidas através de uma sonda multiparâmetro YSI, em três secções 199
longitudinais (A, F e K). 200
17 Ictiofauna
202
Em cada riacho estabeleceu-se um esforço amostral de seis horas por trecho de 150 m, 203
sendo este tempo subdivido entre as secções (36 minutos) (Figura 2), e entre 3 coletores, 204
totalizando 12 minutos de coleta por seguimento. Os peixes foram amostrados com redes de 205
mão e puçás de 55 cm e 40 cm de diâmetro, respectivamente, ambos com malha metálica de 1 206
mm. Os dois métodos eram utilizados simultaneamente, sendo sempre três puçás e duas 207
peneiras em cada coleta. Os peixes coletados foram fixados em solução de formalina 10%, e 208
após 48h transferidos para álcool 70%. A identificação dos indivíduos foi realizada com o 209
auxílio de especialistas, e chaves de identificação (Géry, 1977; Kullander, 1986; Oliveira, 210
2008). A coleta e o transporte do material biológico foi autorizada pelo Sistema de Autorização 211
e Informação em Biodiversidade (SiSBIO), sob o número de Licença permanente para coleta 212
de material zoológico 8878-1. O material biológico está protocolado sob a Comissão de Ética 213
de Uso Animal – CEUA nº 8293020418 (ID 000954), bem como de acordo com as normas 214
editadas pelo Conselho Nacional de Controle da Experimentação Animal (CONCEA). 215
216
Características funcionais 217
Os peixes coletados foram classificados em 11 grupos tróficos conforme o estudo de 218
Brejão et al. (2013), no qual os grupos foram formados de acordo com as estratégias alimentares 219
apresentadas pelas espécies combinadas com sua distribuição espacial no riacho, como 220
demonstrado no Material suplementar 1. Também os classificamos em grupos de história de 221
vida, sendo classificados em estrategistas de equilíbrio que apresentam alta sobrevivência 222
juvenil, cuidado parental e ovos grandes, e estrategistas oportunistas, que se caracterizam pelo 223
tamanho adulto pequeno, tempo de geração curto, alto esforço reprodutivo e estações de 224
reprodução estendidas (Zeug & Winemiller, 2007). As estratégias alimentares e de reprodução 225
dos indivíduos nos permitem entender os fatores que possibilitam a presença das espécies em 226
determinado local, favorecendo não apenas a sua sobrevivência, mas também a sua 227
perpetuação. Os dados para as espécies foram adquiridos em literatura, na ausência de 228
informação para uma espécie os dados para o gênero ou família foram utilizados. 229
230
Análise de dados 231
Desenvolvimento do Índice de Integridade Física (IIF) 232
A integridade física dos riachos foi mensurada por meio do índice aplicado em cada 233
ponto amostrado, sendo que este varia de um (ambientes menos íntegros) a cinco (ambientes 234
18 mais íntegros). Para tanto, estabeleceu-se três locais de referência, localizados em áreas de 235
floresta. Para o cálculo do índice, foram utilizadas métricas pré-selecionadas do protocolo de 236
avaliação do habitat físico. Nesta pré-seleção, as variáveis ambientais que apresentaram mais 237
de 80% dos dados com valores iguais à zero foram removidas. 238
Posteriormente, foram realizadas análises exploratórias por meio de gráficos do tipo 239
Box-and-whiskers plot, afim de avaliar o grau de sobreposição entre os quartis das distribuições 240
das métricas (Barbour et al., 1996), com o intuito de verificar quais métricas são sensíveis em 241
diferenciar os graus de integridade dos riachos. As métricas consideradas sensíveis foram 242
aquelas com nenhuma sobreposição dos quartis ou com apenas pequena sobreposição dos 243
quartis sem sobreposição das medianas (Material suplementar 2). Para confirmação da análise 244
gráfica, realizou-se um Teste t-Student (p < 0,05), com os pressupostos de normalidade e 245
homocedasticidade, para verificar se as distribuições foram estatisticamente diferentes entre 246
ambos os tratamentos teste e referência (Zar, 2010). As métricas que não apresentaram 247
distribuição estatisticamente significativa foram excluídas. 248
As métricas consideradas sensíveis foram submetidas à correlação de Spearman entre 249
pares de métricas (rS ≥ 0,70 e p < 0,05), ideal para avaliar variáveis tanto continuas como 250
discretas. Assim, quando duas métricas se mostraram correlacionadas, foi selecionada apenas 251
aquela com maior relevância relacionada às características do habitat, para determinar a 252
estrutura de comunidades aquáticas (Baptista et al., 2007). 253
Os critérios para pontuação do índice foram baseados nos escores superior e inferior de 254
cada Box-and-Whisker plot, de acordo com a metodologia de Barbour et al. (1996). Para a 255
realização deste procedimento, é necessário ter em vista que as métricas podem responder de 256
maneira positiva ou negativa ao gradiente de impacto. Dessa forma, métricas que decrescem 257
com a intensificação do impacto obtiveram pontuação positiva, com o percentil 25 como divisor 258
da categoria de maior pontuação, chamado de “limite superior”. Para métricas que aumentam 259
com a intensificação do impacto, de pontuação negativa, utilizou-se o percentil 75 como divisor 260
da categoria de maior pontuação (Material suplementar 3). 261
O escore superior representa 75% ou mais da condição encontrada nas referências e o 262
escore inferior corresponde aos valores que não entram na distribuição dessas áreas. Ao 263
primeiro caso é dada a nota cinco; ao segundo caso, nota um; condições intermediárias, ou seja, 264
valores correspondentes a 25% da condição encontrada nas referências, recebem nota três. O 265
índice foi expresso numericamente a partir do cálculo da média das pontuações para cada 266
riacho. 267
19 Cobertura Florestal
268
A caracterização dos usos e coberturas de terra (UCT), em cada ponto amostrado, foi 269
realizada utilizando diferentes softwares de geoprocessamento: ArcGis 10.1 (Esri, 2014), PCI 270
Geomatica V10.1 (Hill, 2007) e Ecognition 9 (Definiens, 2009). Através do ArcGis 10.1, 271
realizou-se a delimitação das microbacias hidrográficas, suas respectivas redes de drenagem e 272
da zona de buffer. Nós avaliamos os usos de terra em uma zona de buffer de 30 m ripários na 273
rede de drenagem da bacia de cada riacho, constituída conforme o indicado no Código Florestal 274
Brasileiro (Lei Federal n. 12.651/12) para Áreas de Proteção Permanente (APP) em sistemas 275
fluviais com até 10 m de largura (Brasil, 2012), representando a mata ripária. 276
A rede de drenagem foi extraída a partir de dados de Modelos Digitais de Elevação do 277
Terreno – MDE’s SRTM (Shuttle Radar Topograph Mission) com resolução espacial de 30 m 278
(USGS, 2018). Para extrair a drenagem do MDE, utilizou-se a ferramenta ArcHydro do 279
software ArcGis 10.1. Posteriormente, a rede de drenagem foi refinada e revisada com imagens 280
de satélite do mesmo período da realização das amostragens e de imagens provenientes do 281
software Google Earth-Maps de 2017 (Google Erath, 2018). 282
Variáveis da paisagem foram identificadas por meio do Processamento Digital de 283
Imagens (PDI) de um conjunto de imagens do satélite Landsat 8 (USGS, 2018). Estas foram 284
utilizadas para o PDI nos programas PCI Geomatica e Ecognition, com o algoritmo ATCOR e 285
com orientação supervisionada orientada ao objeto, respectivamente. As imagens desse satélite 286
recobrem uma área de 185 km × 180 km de extensão, com resolução espacial de 30 m e 287
resolução espectral com oito faixas (pancromático: banda 8; multiespectral: bandas 1 - 7, e 9; 288
Termal: bandas 10 - 11) (Roy et al., 2014). 289
O ano das imagens selecionadas foi definido de maneira a coincidir com o ano de 290
amostragem da ictiofauna e caracterização das variáveis do hábitat. Essas foram adquiridas em 291
sistema de coordenadas geográfica projetada no DATUM geodésico SIRGAS UTM Zone 21. 292
As imagens foram submetidas a correção atmosférica, processo que atenua os efeitos da 293
atmosfera sobre a resposta espectral dos alvos nas cenas, e converte os valores dos pixels de 294
número digital para reflectância. Esse processamento foi realizado no software PCI Geomatics 295
2015, utilizando o módulo ATCOR Ground Reflectance. Posteriormente, realizamos o cálculo 296
do índice Kappa de acordo com Landis & Koch (1977) e Piroli (2010), que reflete a qualidade 297
da classificação supervisionada realizada, sendo que este varia de 0 (baixa qualidade) à 1 298
(excelente qualidade). 299
20 As classes de UCT identificadas foram: (a) floresta, compreendendo áreas ocupadas por 300
floresta ombrófila densa em diferentes estágios de desenvolvimento; (b) capoeira, com 301
vegetação resultante de processos naturais de sucessão após supressão total ou parcial de 302
vegetação primária por ações antrópicas ou causas naturais; (c) agricultura, áreas com cultivo 303
mecanizado ou familiar, presença de herbáceas, além de uma característica homogeneização 304
vista em imagens de satélite; (d) outros, usos de terra não identificados. 305
As dimensões de cada variável da paisagem foram quantificadas em km² e, 306
posteriormente, convertidas em porcentagem (%) proporcionais à área total dos buffers 307
construídos. Tendo em vista a autocorrelação apresentada pelos usos de terra, realizamos uma 308
Análise de Componentes Principais (PCA), onde os dados de porcentagem de casa uso de terra 309
foram transformados em uma matriz de distância Euclidiana e, por meio do critério Brocken 310
Stick, selecionamos o eixo de maior explicação para representar a cobertura florestal (Legendre 311
& Legendre, 2012). A PCA foi realizada com a função princomp no pacote Vegan (Oksanen et 312
al., 2017), no software R (R Development Core Team, 2013). 313
Testamos a hipótese de que a redução da cobertura florestal reduz o nível de integridade 314
dos riachos através de regressões lineares (Zar, 2010), para a realização dos testes foram 315
analisados os pressupostos de homogeneidade e normalidade dos resíduos. Como variáveis 316
preditoras, representando a cobertura florestal, utilizamos os eixos das PCA selecionados pelo 317
critério de Broken-Stick, e como variável resposta, utilizamos os valores do IIF para cada riacho. 318
319
Diversidade taxonômica 320
Para testar a hipótese de que quanto menores for a quantidade de cobertura florestal, e 321
menor for a integridade física, menor será a riqueza e abundância das espécies de peixes, 322
utilizamos regressões lineares, onde os pressupostos de normalidade e homogeneidade foram 323
cumpridos (Zar, 2010). Para tanto, utilizamos como variáveis preditoras os valores obtidos a 324
partir do IIF e os eixos da PCA selecionados pelo critério de Broken-Stick, representando a 325
cobertura florestal. E como variáveis resposta, utilizamos a riqueza e abundância das espécies. 326
Para verificar como a composição das espécies de peixes está distribuída no gradiente 327
de integridade física, fizemos uma Análise de Coordenadas Principais (PCoA), baseada em uma 328
matriz de distância de Bray-Curtis. A PCoA foi realizada utilizando-se o pacote Vegan 329
(Oksanen et al., 2017), no software R (R Development Core Team, 2013). 330
21 Diversidade Funcional
331
A partir de uma matriz formada pelas características funcionais de história de vida e 332
grupo trófico, juntamente com a matriz de abundância das espécies, calculamos três índices 333
descritores de diversidade funcional baseados em Villéger et al. (2008). Estes índices 334
descrevem a distribuição de espécies e suas abundâncias dentro do espaço funcional definido 335
pelas características funcionais utilizadas, sendo que cada um abrange uma faceta da 336
diversidade funcional, o que os torna complementares (Mason et al., 2005), sendo eles: i) 337
Riqueza Funcional (Functional Richness - FRic), onde a diminuição dos valores de FRic após 338
uma perturbação indica que esta atua como filtro ambiental, selecionando espécies com 339
características funcionais mais similares, ou seja, que ocupam uma porção mais restrita do 340
volume funcional (Pakeman, 2011; Mouillot et al., 2013); ii) Equitabilidade Funcional 341
(Functional Evenness -FEve), com este índice, podemos inferir se as espécies estão mais 342
agrupadas ou mais regularmente dispersas no espaço funcional. Sobre influência de um filtro 343
ambiental espécies coexistentes tendem a ser mais semelhantes funcionalmente, evidenciando 344
um maior agrupamento das espécies e consequente heterogeneidade no preenchimento do 345
espaço funcional, o que resulta em menores valores de FEve (Mouillot et al., 2013); e a iii) 346
Divergência funcional (Functional Divergence - FDiv), alta FDiv pode indicar um alto grau de 347
diferenciação de nicho para as espécies e com isso baixa competição por recursos. Este índice 348
varia de zero, que é quando as espécies altamente abundantes estão muito perto do centroide da 349
assembleia do volume ocupado, à um, quando espécies altamente abundantes estão muito 350
distantes do centroide da assembleia. Todos os índices foram calculados utilizando o pacote FD 351
no programa R (Laliberté & Legendre 2010; R Development Core Team, 2011; Laliberté et al., 352
2014). 353
Realizamos regressões lineares (Zar, 2010), obedecendo os pressupostos de 354
homogeneidade e normalidade dos resíduos, para cada índice descritor de diversidade 355
funcional. Testando a hipótese de que quanto menores forem os valores do IIF e da porcentagem 356
de cobertura florestal, menores serão os valores de riqueza e divergência funcional das 357
assembleias de peixes, e maiores serão os valores de equitabilidade funcional. Utilizamos como 358
variáveis preditoras os valores obtidos a partir do IIF e os eixos das PCA selecionados pelo 359
critério de Broken-Stick. 360
Adicionalmente, foi elaborado um gráfico de ordenação direta, com os valores de 361
integridade física dos riachos representando o eixo x, e a abundância bruta dos grupos tróficos 362
representando o eixo y, para observarmos como os grupos tróficos estão distribuídos ao longo 363
22 do gradiente de integridade física. O mesmo procedimento foi realizado empregando-se o eixo 364
I da PCA na zona de 30 m no eixo x, e a abundância dos grupos tróficos representando o eixo 365
y, para verificarmos a organização dos grupos tróficos em relação a perda de cobertura florestal. 366 367 RESULTADOS 368 Hábitat 369
A partir do protocolo de avaliação do hábitat, foram mensuradas 238 métricas, das quais 370
foram selecionadas apenas cinco para a elaboração do índice de integridade física dos riachos, 371
sendo elas: Média da profundidade do talvegue; razão largura e profundidade da seção; volume 372
de madeira do leito/m² - classe de tamanho 2 (engloba pedaços de madeira de diversos 373
tamanhos, exceto os menores que 0,3m de diâmetro); proporção de abrigo (número de registros 374
nas 11 medições) - estruturas artificiais e índice de proximidade de cultura (Tabela 1). 375
376
Tabela 1 – Valores das métricas selecionadas para o cálculo da pontuação do Índice de 377
Integridade Física de riachos amostrados na Amazônia no Estado do Mato Grosso. 378
Localização
Unidade Amostral Latitude Longitude IIF MPT RLPS VML2 PAEA IPC
ua1 -12,836 -52,333 5 45 4,416 2,705 0,182 0,334 ua2 -12,881 -52,361 5 42,7 7,043 7,387 0,364 0,334 ua3 -13,099 -52,366 5 56,86 4,57 2,779 0,091 0,212 ua4 -12,993 -52,342 1,8 25,706 7,276 3,4 0,273 0 ua5 -12,978 -52,395 2,2 43,823 2,664 0 0 0,667 ua6 -12,873 -52,411 1,8 51,113 3,646 0 0,182 0,667 ua7 -12,811 -52,360 2,2 75,273 3,417 6,281 0,091 0,667 ua8 -12,760 -52,349 2,6 41,066 5,023 6,048 0,364 0 ua9 -12,913 -52,435 1,8 61,113 5,802 3,765 0,091 0,667 IIF- Índice de Integridade Física; MPT- Média da Profundidade do Talvegue (cm); RLPS- 379
Razão Largura & Profundidade da Seção; VML2- Volume de Madeira no Leito / m² - Classe 380
de Tamanho 2; PAEA- Proporção de Abrigo (Número de Registros nas 11 Medições) - 381
Estruturas Artificiais; IPC - Índice de Proximidade Cultura 382
383 384 385
23 386 387 388 389 390 391 392 393 394 395 396 397 398 399 400 401 402 403 404 405 406 407 408 409 410 411 412 413 414
Figura 3 – Box-and-whiskers plots das cinco métricas que compõem o Índice de Integridade 415
Física. 416
24 Ictiofauna
418
Quanto à ictiofauna, foram coletados 2.943 exemplares, divididos em 29 espécies, 27 419
gêneros, 17 famílias e 6 ordens (Tabela 2), sendo os Characiformes a ordem mais representativa 420
em termos de abundância, com 55,6% dos indivíduos. As espécies mais abundantes foram 421
Moenkhausia phaeonota (26,8%), seguida por Hemigrammus sp. (24,19%) e Melanurivulus 422
megaroni (15,39%). Os grupos tróficos funcionais mais representativos em termos de 423
abundância foram coletores de deriva diurnos do canal (29,1%), coletores de deriva diurnos de 424
remanso (24,35%) e coletores de superfície diurnos (22,64%). 425
426
Tabela 2 – Lista taxonômica classificada de acordo com seus grupos tróficos funcionais e 427
história de vida, nos nove riachos amostrados no ano de 2017 na fazenda Tanguro no município 428
de Querência-MT 429
Táxon/Autoridade N Total Grupo
Trófico
História de vida Characiformes
Anostomidae
Leporinus britskii (Feitosa, 2011) sp1 2 RD EO
Characidae
Hyphessobrycon sp. sp2 1 CDDR EO
Hemigrammus sp. sp3 1 CDDR EO
Moenkhausia oligolepis (Günther, 1864) sp4 11 CDDC EO
Moenkhausia phaeonota (Fink, 1979) sp5 789 CDDC EO
Hemigrammus sp. sp6 712 CDDR EO
Crenuchidae
Characidium zebra (Eigenmann, 1909) sp7 61 PEE EO
Melanocharacidium sp. sp8 63 CDDC EO
Lebisianidae
Copella arnoldi (Regan, 1912) sp9 159 CSD EO
Cyprinodontiformes Rivulidae
Melanurivulus megaroni (Costa, 2010) sp10 453 CSD EO
Poecilidae
25 Gymnotiformes
Gymnotidae
Gymnotus carapo Linnaeus, 1758 sp12 79 CIN EE
Gymnotus coropine Crampton & Albert, 2003 sp13 3 CIN EE Hypopomidae
Hypopomus brevirostris (Steindachner, 1868) sp14 47 CIN EE Rhamphichthyidae
Gymnorhamphichthys rondoni (Miranda Ribeiro, 1920) sp15 32 CIN EE
Hypopygus lepturus Hoedeman, 1962 sp16 74 CIN EE
Sternopygidae
Eigenmannia trilineata (Lopes & Castello, 1966) sp17 54 CIN EE Sternopygus macrurus (Blonch & Schneider, 1801) sp18 4 CIN EE Cichliformes
Cichlidae
Aequidens tetramerus (Heckel, 1840) sp19 178 CN EE
Crenicichla inpa (Ploeg, 1991) sp20 7 CN EE
Siluriformes Auchenipteridae
Tatia aff. aulopygia sp21 8 PFCN EE
Callichthydae
Megalechis sp. sp22 2 CSD EE
Cetopsidae
Helogenes marmoratus Gunther, 1863 sp23 52 CDCN EE
Heptapteridae
Brachyglanis sp. sp24 29 PFCN EE
Cetopsorhamdia sp. sp25 3 PFCN EE
Rhamdia quelen (Quoy & Gaimard, 1824) sp26 1 PFCN EE
Rhamdella sp. sp27 15 PFCN EE
Loricariidae
Curculionichthys sp. sp28 50 RPD EE
Synbranchiformes Synbranchidae
26 Sp - Espécie; RD - Roedor; CDDR- Coletores de deriva diurnos de remanso; CDDC- Coletores 430
de deriva diurnos do canal; PEE- Predadores de espreita e emboscada; CSD- Coletores de 431
superfície diurnos; CIN- Coletores de invertebrados noturnos; CN- Coletores navegadores; 432
PFCN- Predadores de fundo crepúsculo noturnos; CSD- Coletores de substrato; RPD- 433
Raspadores; CDCN- Coletores de deriva crepúsculo noturnos; EO- Espécies oportunistas; EE- 434 Espécies de equilíbrio. 435 436 Cobertura Florestal 437
A classificação supervisionada dos usos de terra apresentou boa qualidade, segundo os 438
cálculos do índice Kappa, sendo que os usos de floresta, capoeira e agricultura apresentaram os 439
valores de 0,30, 0,60 e 1,0 respectivamente. Com relação aos usos de terra, apenas o primeiro 440
eixo da PCA foi selecionado, e resumiu 84% da variação dos dados. A variável floresta 441
contribuiu positivamente para a formação do eixo, já capoeira e agricultura contribuíram 442
negativamente (Figura 4). 443
444
Figura 4 – Análise de Componentes Principais realizada com as porcentagens de usos do solo 445
em buffers de 30 m ripários na rede de drenagem de nove riachos localizados na fazenda 446
Tanguro, no município de Querência-MT. 447
27 Tabela 3 – Usos do solo identificados em buffers ripários nas microbacias de nove riachos na 448
fazenda Tanguro, município de Querência-MT, e suas correlações com o Eixo I da PCA. 449 Variável Loadings Eixo I Eixo II Floresta 0,9158 0,231 Capoeira -0,9102 -0,268 Agricultura -0,838 0,544 Autovalor 2,3705 0,422 % de explicação 84% 0,89% Broken-Stick 1,8 0,8 450
Figura 5 – Porcentagens das classes de uso da terra identificadas em buffers de 30 m ripários 451
na rede de drenagem de nove riachos localizados na fazenda Tanguro no município de 452 Querência- MT. 453 454 Diversiade Taxonômica 455
A hipótese de que a cobertura florestal afeta negativamente a integridade físicas de 456
riachos (r²= 0,198, p= 0,229), a abundância (r²= 0,175, p= 0,262) e a riqueza (r²= 0,041, 457
p=0,602) de espécies de peixes de riachos não foram corroboradas.Também não corroboramos 458
a hipótese de que os níveis de integridade física dos riachos afeta a riqueza (r²= 0,003; p= 0,891) 459
e abundância (r²= 0,149, p= 0,304) das assembleias de peixes. 460
28 A PCOA explicou em seus dois primeiros eixos 65% da variação dos dados, sendo que 461
as espécies que apresentaram maiores escores foram Leporinus britskii (sp1), 462
Melanocharacidium sp. (sp8), Cetopsorhamdia sp. (sp25), Rhamdella sp. (sp27) (0,452, 0,429, 463
0,452, e 0,452 respectivamente), sendo que estas estão mais associadas a ambientes com baixo 464
nível de integridade (Figura 6). 465
466
467
Figura 6 – Composição das espécies em relação ao nível de integridade (IIF) dos riachos, 468
ordenada por meio da Análise de Coordenadas Principais. 469
470
Diversidade Funcional 471
Verificamos um efeito da redução de cobertura florestal sobre a riqueza funcional (r²= 472
0,479, p=0,03) (Figura 7), mas não encontramos efeito na equitabilidade (r²= 0,111, p= 0,379) 473
e divergência funcional (r²= 0,211, p= 0,214). Este resultado corrobora parcialmente a hipótese 474
de que quanto menor for a cobertura florestal, menores serão os valores de riqueza e divergência 475
funcional, e que maiores serão os valores de equitabilidade funcional das assembleias de peixes. 476
29 Nossa hipótese de que quanto menor for o nível de integridade dos riachos, menores 477
serão os valores de a riqueza funcional (r²= 0,037, p=0,618) e divergência funcional (r²= 0,238, 478
p= 0,183), e maiores serão os valores de equitabilidade funcional (r²= 0,262, p= 0,676) das 479
assembleias de peixes não foi corroborada. 480
Figura 7 – Relação entre a cobertura florestal e o índice de riqueza funcional observado em 481
riachos localizados na fazenda Tanguro, no município de Querência-MT. A cobertura Florestal 482
é representada pelo Eixo I, extraído da PCA realizada com os usos de solo do buffer na escala 483
de 30 m. IIF – Índice de Integridade Física. 484
485
O gráfico de ordenação direta, baseado na distribuição dos grupos funcionais em 486
resposta ao gradiente de integridade física dos riachos demonstrou que não existe um padrão de 487
distribuição ao longo do gradiente (Figura 8). Entretanto, podemos observar uma maior 488
afinidade do grupo raspadores por ambientes menos íntegros, e também uma distribuição mais 489
homogênea dos grupos de espécies oportunistas, coletores navegadores, coletores de deriva 490
diurnos do canal, espécies de equilíbrio e oportunistas. 491
492 493 494 495
30 496
497
Figura 8 – Distribuição dos grupos funcionais em relação ao nível de integridade de riachos da 498
Amazônia, no Estado do mato Grosso- Brasil. 499
500
Grupos como predadores de espreita e emboscada, coletores de superficie diurnos, 501
coletores navegadores e espécies oportunistas estão mais associados à ambinetes com menores 502
valores de cobertura florestal, e grupos de coletores de deriva crepúsculo noturnos estão mais 503
associados a ambientes com maior cobertura florestal (Figura 9). 504 505 506 507 508 509 510 511
31 512
Figura 9 – Distribuição dos grupos funcionais em relação à perda de cobertura florestal em 513
riachos da Amazônia, no Estado do mato Grosso- Brasil. 514
515
DISCUSSÃO 516
Nossos resultados demonstram que o desmatamento afeta negativamente a riqueza 517
funcional das assembleias de peixes de riacho, entretanto outros trabalhos realizados em riachos 518
amazônicos encontraram efeitos sobre outras estruturas funcionais das assembleias (Leal et al., 519
2017; Brejão et al.,2018). Nós verificamos uma redução da riqueza funcional em áreas com 520
menores níveis de cobertura florestal, evidenciando que estas áreas abrigam maior número de 521
espécies funcionalmente semelhantes de acordo com os grupos funcionais estudados. Isto 522
promove o desaparecimento de espécies com funções complementares, como observado no 523
trabalho de Casatti et al. (2015), onde foram encontrados altos níveis de redundância funcional 524
em assembleias de peixes de riachos em áreas desmatadas devido a implementação de 525
atividades agrícolas. Dessa forma, o volume funcional utilizado pelas espécies é reduzido, 526
indicando que as espécies que aproveitam determinados recursos estão ausentes, fazendo com 527
32 que os nichos disponíveis não sejam completamente aproveitados, desregulando os processos 528
ecossistêmicos (Mason et al., 2005; Leduc et al., 2015). 529
Mesmo tendo sido encontrada relação entre a cobertura florestal e a riqueza funcional 530
das assembleias, ambas não foram relacionadas ao nível de integridade física dos riachos. Isso 531
pode ter se dado devido ao gradiente de perturbação não ter sido tão forte a ponto de modificar 532
significativamente as métricas utilizadas na elaboração do IIF. Tendo em vista que outros 533
trabalhos demonstram que a vegetação ripária influencia diretamente as características dos 534
corpos d’água, refletindo direta ou indiretamente nas características da ictiofauna (Macedo et 535
al., 2013; Molina et al., 2017; Cunha et al., 2018; Ilha et al., 2018; Leitão et al., 2018). 536
Verificamos também que a conversão de florestas em áreas agrícolas não afetou a 537
riqueza taxonômica, a abundância, a divergência e a equitabilidade funcional das assembleias 538
de peixes, embora no trabalho de Ilha et al. (2019), para a mesma região, tenha-se encontrado 539
modificações na abundância das espécies devido ao avanço do desmatamento, com algumas 540
espécies apresentando maior abundância em áreas impactadas. Também não encontramos 541
relação entre a integridade física dos riachos e a riqueza taxonômica, abundância, riqueza, 542
divergência e equitabilidade funcional das assembleis de peixes. Sendo que a ausência de efeito 543
das alterações ambientais em FEve e FDive pode ter se dado devido a sua forte relação com a 544
abundância das espécies (Villéger et al., 2008), que também não foi relacionada as alterações 545
citadas. 546
A ausência de efeitos sobre nossas variáveis respostas também pode ter se dado pela 547
falta de um gradiente claro de degradação. Podemos perceber que a maioria das unidades 548
amostradas apresentam maior porcentagens de floresta e capoeira, sendo agricultura pouco 549
representada. E associado a isto temos a heterogeneidade natural do sistema amazônico, o que 550
torna difícil distinguir as características naturais das ocasionadas pela alteração ambiental. 551
A composição de espécies nos riachos analisados foi similar a outros trabalhos da região 552
neotropical, onde os Characiformes demonstraram ser os mais abundantes (Reis et al., 2003; 553
Prudente et al., 2017). Encontramos espécies mais associadas a ambientes com menores níveis 554
de integridade, pertencentes a famílias tolerantes a condições de baixa heterogeneidade (Zuanon 555
et al., 2006), sendo Leporinus britskii, Melanocharacidium sp., Cetopsorhamdia sp., Rhamdella 556
sp. A perda de pedaços grandes de madeira no leito dos riachos pode ter possibilitado a 557
diminuição da heterogeneidade nesses locais, pois a contribuição de material lenhoso exerce 558
funções importantes para a estrutura de habitats aquáticos, como a retenção de estruturas como 559
folhas e galhos, e a sua remoção influencia positivamente o acumulo se sedimentos finos 560
33 (Baillie et al., 2008; King et al., 2013), tornando o habitat mais propício para as espécies citadas. 561
Entretanto, por apresentar a abundância de apenas dois indivíduos, não podemos atribuir com 562
clareza esta afirmação para a espécie L. britskii. 563
A distribuição da abundância do grupo mais representativo (coletores de deriva diurnos 564
do canal) foi relativamente homogênea ao longo dos gradientes, demonstrando pequena 565
variação nos níveis de cobertura florestal. Esta distribuição pode ter se dado pelo fato de o grupo 566
ser composto em grande maioria por espécies da família Characidae, que ocupam diferentes 567
habitats e apresentam estratégias alimentares variadas (Santos & Ferreira, 1999). O grupo dos 568
coletores de invertebrados noturnos variou pouco ao longo do gradiente, possivelmente por este 569
ser composto por espécies da ordem Gymnotiformes, que apresenta uma alta diversidade 570
funcional morfológica, sugerindo alta plasticidade trófica (Albert & Crampton, 2006). Devido 571
as diferentes táticas alimentares, estes indivíduos podem buscar alimentos tanto em cavidades 572
no leito dos riachos como na coluna d’água, amortecendo a competição devido a divisão de 573
recursos entre as espécies, como por exemplo a espécie Gymnorhamphichthys rondoni, que 574
habita leitos arenosos e a espécie Gymnotus coropinae, associada a ambientes mais 575
heterogêneos, com banco de folhas e vegetação marginal (Albert & Crampton, 2006; Soares et 576
al., 2017). 577
O grupo dos raspadores, representado pela família Loricariidae, assim como em outros 578
estudos, foi relacionado à ambientes que passaram por alterações ambientais, como é observado 579
no trabalho de Bojsen & Barriga (2002). Neste, podemos observar um aumento de espécies 580
desta família em áreas que sofreram redução de cobertura florestal que, devido a maior 581
incidência de luz, ocasiona maior disponibilidade de perifiton, que é utilizado como fonte de 582
alimento. Entretanto, não podemos afirmar com clareza que o nosso resultado tenha sido 583
provocado por disponibilidade de alimento, uma vez que não possuímos evidências desta 584
relação. 585
Os predadores de espreita e emboscada, aqui representados por indivíduos da espécie 586
Characidium zebra, alimentam-se de larvas de insetos aquáticos (Cetra et al., 2011) que 587
apresentam relação positiva com a redução da mata ciliar (Ferreira-Peruquetti & Marco Jr, 588
2002; Juen et al., 2014). A presença desse grupo trófico em ambientes com baixa quantidade 589
de cobertura florestal pode estar ligada a disponibilidade dessas presas. Coletores de superfície 590
diurno também mostraram maior abundância em ambientes com menor cobertura florestal, 591
sendo que este grupo foi mais representado por indivíduos da família Rivulidae, a qual possui 592
hábito alimentar oportunista, e é comumente encontrada habitando águas rasas em riachos 593
34 desmatados (Volcan et al., 2011; Ilha, 2015; Ilha et al., 2019). Os coletores navegadores 594
mostraram nítido aumento da abundância conforme a porcentagem de cobertura florestal 595
diminuiu. Neste trabalho, este grupo foi representado pela família Cichlidae que, por possuir 596
espécies tolerantes e generalistas, tem sido associada a ambientes que sofreram degradação 597
ambiental, apresentando maior riqueza de espécies em ambientes desflorestados (Bojsen & 598
Barriga, 2002; Burress, 2015; Cunha et al., 2018). 599
Os coletores de deriva crepúsculo noturnos exibiram preferência por riachos mais 600
florestados, devido a sua composição ter sido predominantemente de Helogenes marmoratus, 601
que tem nesses ambientes locais para abrigo entre as raízes e pedaços de troncos advindos da 602
vegetação ripária além dos bancos de folha durante onde se escondem durante o dia (Zuanon et 603
al., 2015). Os predadores de fundo crepúsculo noturnos apresentaram maior número de 604
indivíduos em ambientes de baixa integridade, destacando-se que os indivíduos mais 605
representativos pertencem à família Heptapteridae, que tem sido registrada habitando uma 606
variada gama de substratos, como banco de folhas, areia e águas subterrâneas (Zuanon et al., 607
2015), demonstrando sua capacidade de habitar diferentes ambientes. Os grupos tróficos que 608
demonstraram maior relação com ambientes alterados foram os quais apresentam espécies que 609
possuem capacidade de explorar diferentes ambientes, ou mesmo que tem preferência por locais 610
que apresentam algum tipo de alteração que favoreça a disponibilidade de recursos alimentares. 611
Contudo, através de nosso trabalho, e de outros já citados, são comprovados os efeitos 612
do desmatamento na zona ripária, evidenciando a importância do cumprimento do Código 613
Florestal Brasileiro, que prevê a criação de Áreas de Preservação Permanente (APP) nas faixas 614
marginais de qualquer curso d’água natural, além de estabelecer estratégias de recomposição 615
da vegetação no caso de supressão dentro de APP (Brasil, 2012). Infelizmente, a restauração de 616
áreas degradadas requer muitos recursos, e acaba se tornando onerosa, dificultando assim a sua 617
implementação, devido a este fator, estudos que comprovem a eficácia da restauração de áreas 618
degradadas ainda são escassos, mas se fazem necessários (Castello et al., 2013). 619
620
CONCLUSÃO 621
A vegetação ciliar presta serviços ambientais imprescindíveis ao ecossistema, dentre 622
estes, provê recursos necessários a manutenção da biodiversidade e de características físicas 623
dos riachos, beneficiando espécies que necessitam de recursos mais específicos para obterem 624
sucesso. Portanto, a preservação das áreas de floresta, e a elaboração de planos de recomposição 625
das áreas afetadas são alternativas previstas, e que devem ser contempladas. Entretanto, para 626
35 que possamos entender quais fatores melhor estruturam as assembleias de peixes em riachos, 627
faz-se necessário a elaboração de pesquisas a curto e longo prazo, que deem bases para a 628
formulação de estratégias para preservação das espécies. Uma vez que os resultados 629
encontrados indicam que as espécies estão sujeitas a fatores que alteram sua organização 630
funcional devido ao desmatamento. Este fator pode vir a comprometer ainda mais a integridade 631
dos riachos, como a ausência de espécies mais especializadas em ambientes mais alterados, 632
interferindo nas funções que exercem dentro do ecossistema. E em um sistema tão complexo e 633
diverso como a Amazônia, essas perdas podem gerar consequências significativas. 634
635
AGRADECIMENTOS 636
Agradecemos ao Instituto de Pesquisas da Amazônia (IPAM), por todo o apoio logístico 637
durante o período de coleta em campo. Ao grupo Amaggi, por terem possibilitado a realização 638
desta pesquisa em sua propriedade. Nós agradecemos também ao Conselho Nacional de 639
Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, a Coordenação de Aperfeiçoamento de 640
Pessoal de Nível Superior – Capes, as Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa – FAPs e o 641
British Council – BC - Fundo Newton pelo financiamento do projeto, pela concessão da bolsa 642
de mestrado de Pesquisa Ecológica de Longa Duração – PELD Nº 15/2016 643
(88887.137921/2017-00). E também ao Laboratório de Ecologia e Conservação da 644
Universidade Federal do Pará por todo o auxílio na realização desta pesquisa. 645
646
REFERÊNCIAS 647
648
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