• Nenhum resultado encontrado

Beira rio beira vida de Assis Brasil: no discurso regionalista (des)articulado na fala da prostituta o (des)velamento da violência social da existência marginalizada

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Beira rio beira vida de Assis Brasil: no discurso regionalista (des)articulado na fala da prostituta o (des)velamento da violência social da existência marginalizada"

Copied!
145
0
0

Texto

(1)

U N I V E R S I D A D E F E D E R A L DE S A N T A C A T A R I N A . C E N T R O DE C O M U N I C A Ç Ã O E E X P R E S S Ã O C u r s o de P ó s - G r a d u a ç ã o em L e tras — L i t e r a t u r a B r a s i l e i r a B E I R A RI O B E I R A V I D A D E A S S I S BRASIL: n o d i s c u r s o r e g i o n a l i s t a (des)articulado n a fala da p r o s t i t u t a o (des)velamento da v i o l ê n c i a s o cial da e x i s t ê n c i a m a r g i n a l i z a d a M a r i a Solange A l m e i d a de Deus L e o p o l d i n o D i s s e r t a ç ã o a p r e s e n t a d a p a r a a o b t e n ç ã o do Grau de M e s t r e em L e t r á s — L i t e r a t u r a B r a s i l e i r a Dr. Ra u l A n t e l o O r i e n t a d o r

Florianópolis, abril de 1985.

(2)

do t í t u l o de

M E S T R E EM LETR A S - L i t e r a t u r a B r a s i l e i r a e a p r o v a d a em sua forma final p e l o P r o g r a m a de P ó s - G r a d u a ç ã o .

Dr. R a ú l A n t e l o - Orieat.ado^-r Dr. Raúl Ante-Zo C o o r d e n a d o r do C u r s o A p r e s e n t a d a p e r a n t e a b a n c a e x a m i n a d o r a c o m p o s t a dos professores: Raúl A n t e l o L Í g i a C h i a p p i n i M o r a e s L e i t e Ri t a de C á s s i a B a r b o s a

(3)

à M o n i c a V a l é r i a

(4)

ã U n i v e r s i d a d e F e d e r a l do Piauí, p or t e r-me p r o p i c i a d o co n d ições pa r a a r e a l i z a ç ã o do mestrado;

.'às colegas D o r i n h a e T e r e s i n h a — C h e f e s do D e p a r t a m e n - d o de Letras — pe l o apoio e compreensão, e n q u a n t o eu " f a z i a te se" ;

ã Patrícia, pe l o estímulo;

ao p r o f essor Raúl Antelo, p e l a o r i e n t a ç ã o séria e d e c i ­ siva, pa r a a concepção deste trabalho;

aos prof e s s o r e s Zahidê, Edda, C e l e s t i n o e M a r i a Helena, p e l a s discussões, em sala de aula, que me p r o p o r c i o n a r a m novas pe r s p e c t i v a s de estu d o da literatura;

aos colegas do M e s t r a d o que, p e l o c o n v í v i o humano, m u i ­ to me fizeram crescer;

a Azarias, Elza, G e r u s a e Zêlia, que c u i d a r a m com d e d i ­ cação, de MÔnica, V a l é r i a e Denise, p o s s i b i l i t a n d o - m e a s s i m i n i ­ ciar o curso.

M e u carinho especial:

à A n a Maria, pe l a c o n v i v ê n c i a amiga, p e l a c o l a b o r a ç ã o c r í t i c a e pelas sugestões a p r e s e n t a d a s aos originais;

ao Raúl, pe l a "espera silenciosa" do t r a b a l h o c o n c l u í -do;

(5)

RESUMO

C e n t r a d o em B e i r a Rio B e i r a V i d a de A ssis Brasil, o p r e s e n t e t r a b a l h o situa-se no campo d a c r í t i c a - l i t e r á r i a d e m a r c a ­ da pe l a p r o b l e m á t i c a da leitura de um romance c o n t e m p o r â n e o r e g i o nalista. N e s s a direção, a analise p r o j e t a d a é toda ela i n f o r m a d a p e l a d i s c u s s ã o a v a l i a t i v a atual do r e g i o n a l i s m o e n q u a n t o v e r t e n t e literária de criação ar t í s t i c a capaz de r e p r e s e n t a r a r e a l i d a d e c o n t e m p o r â n e a em d e t e r minadas m a n i f e s t a ç õ e s s õ c i o - c u l t u r a i s .

Até onde foi pos s í v e l demonstrar, a c o n c lusão e v i d e n c i a da é de que Beira Rio Beira V i d a se constitui, através do t r a t a m e n t o p o é t i c o dado â p r ostituição, ob r a regionalista, no s e n t i d o em que o r e g i o n a l i s m o marca e s p a ç o no s i s t e m a da l i t e r a t u r a brasi. leira, na atualidade, como t e n d ê n c i a literária. Com efeito, a fa la da prostituta, que (des)a r t i c u l a o romance de A ssis Brasil, ao d e f i n i r - l h e espa ç o poético, e m p r e s t a v i d a i m a g i n á r i a â prosti. tuta, e n q u a n t o h a b i tante m a r g i n a l i z a d o de q u a l q u e r p rovíncia, re v e l a n d o no p a c t o l i ngüístico um e s t a d o do d e bate social.

C o m o p r o c e d i m e n t o m e t o d o l ó g i c o , a análise c o n t i d a no p r e s e n t e tra b a l h o se util i z a da a b o r d a g e m d i r e t a da p r ó p r i a n a r r a tiva, e x p l o r a n d o - l h e suas v i r t u a l i d a d e s e recursos literários, e s t a n d o r e f l e t i d a tal p o s t u r a tanto n o o r d e n a m e n t o q u a n t o n a es; t r u t u r a ç ã o dos capítulos que f o r m a m o texto no seu conjunto.

(6)

SUMMARY

C e n t e r e d in.Assis B r asil's B e i r a Rio B e i r a V i d a , the p r e s e n t w o r k is sit u a t e d in the f i e l d of l iterary c r i t i c i s m marked by the p r o b l e m a t i c of rea d i n g a c o n t e m p o r a r y r e g i o n a l i s t romance. In this sense, the w h o l e p r o j e c t e d ana l y s i s is inf o r m e d by the actual e v a l u a t i o n of r e g i o n a l i s m as w e l l as the literary c u r r e n t of a r t i s t i c c r e a t i v i t y capable of r e p r e s e n t i n g contemporary r e a l i t y in d e t e r m i n e d s o c i o - c u l t u r a l m a n i f e s t a t i o n s .

As far as it is p o s s i b l e to demonstrate, the e v i d e n t c o n c l u s i o n is that B e i r a R i o B e i r a V i d a is c o n s t i t u t e d as a r e gional w o r k thr o u g h the p o e t i c t r e a t m e n t a c c o r d e d to prostitution, in the sense that r e g i o n a l i s m as a l i t e r a r y tend e c y has a definite p l a c e in the actual s y stem o f . B r a z i l i a n literatura. Thus, the v oice of the p r o s t i t u t e w h i c h (dis)articulates the romance of A s s i s Brasil, and w h i c h gives p o etic space to the subject, allots i m a g i n a r y life to the figure of the pros t i t u t e , the m a r g i n a l i n h a b i t a n t of the any province, r e v e a l i n g trough linguist pattern the state of a social debate.

As a m e t h o d o l o g i c a l p rocedure, the a n alysis c o n t a i n e d in the p r e s e n t w o r k makes d i r e c t use of- the n a r r a t i v e itself, ex a m i n i n g its v i r t u a l i t y and its l i t e r a r y resources, and reflecting the o rder a nd the s t r ucture of the c hapters w h i c h form the text of this romance.

(7)

SUMÁRIO

Introdução... ... .

1

Cap.

:

I - 0 Contexto do Texto... ... ... v

8

1. üm espaço no contemporâneo...

8

2. Um espaço temático

.

^

.

15

3. Um espaço na crítica... . ...

24

4. Um espaço na obra do Escritor... .

25

Notas e referências bibliográficas ao cap. I...

30

Cap.

II - O Texto

1. Processo de composição... .

35

2. Unidade temática: pobreza - violência... .

48

3. A beira do rio... ... ...

59

4. A beira da vida... ... .

79

Notas e referências bibliográficas ao cap. II... 84

Cap. III - O Contexto Regionalista... ... ....

92

1. Um espaço no sistema literário brasileiro ...

92

2. Um espaço na crítica... .

98

3. O lugar de Beira Rio Beira Vida, no espaço

re

gionalista... ... .

112

Notas e referências bibliográficas ao cap. II... 118

Síntese biobibliográfica de Assis Brasil por ele mesmo... 127

(8)

resse para tomá-la como objeto de análise com vistas à elabora -

ção de minha dissertação de mestrado pela recorrência nela de te

mas que buscam captar a tensão existente nas situações de

con

fronto do indivíduo com a sociedade e do indivíduo consigo mesmo.

Cabendo ainda fazer-se alusão, neste quadro dos motivos determi­

nantes dessa escolha, ao fato de que, embora em essência a temá­

tica na obra de Assis Brasil gire em torno de tais confrontos,ca

da romance seu se restringe a abordá-los mais aprofundadamente em

um determinado aspecto, trabalhando o aspecto, assim selecionado,

com recursos poéticos específicos. Esse último detalhe pareceu-

me tão decisivo que nessa peculiaridade de narrativa ou de abor­

dagem encontrei, se não as razões, argumento suficiente, para se­

parar da obra marcada, para fins de análise, apenas um de

seus

romances.

De outra perspectiva, justifico a preferência pela obra

do escritor piauiense dentro de uma linha que procura

estudar

mais atentamente as produções literárias localizadas em regiões

distanciadas do eixo mais desenvolvido do país. Esquecidas, essas

produções podem ser desvalorizadas porque representativas de re

giões periféricas. Portanto, considero necessária a atenção

da

(9)

lhes n e g a r esse valor, mas c om critérios de j u l g a m e n t o e q u i v a l e n tes p a r a todas as obras esc r i t a s no Brasil.

C o m o linha de c o n s e q ü ê n c i a da p o s i ç ã o anterior, d e s t a ço ainda co m o m o t i v o da escolha, o fato de se criar, através de estudos mais atentos das obras l o c alizadas e m r e g i õ e s s u b d e s e n volvidas, uma s i s t e m a t i z a ç ã o c r í t i c o - l i t e r ã r i a q u e irá substituir, p o u c o a pou c o , a s "leituras impressio n i s t a s " d e ssas obras, a i n d a

existe n t e s na "província".

Q u e r e n d o situar ma i s p r e c i s a m e n t e o t e x t o q ue acabei por escolher, parti de uma c l a s s i f i c a ç ã o i n t e r n a da o b r a de A s s i s B r a s i l toma d a pelo cri t é r i o dos temas que desenvolve. D e s s e â n ­ gulo considerei que sua obra apon t a e m duas d i r e ç õ e s ou t o m a duas diretrizes: na primeira, e s t ã o as obras q u e f o c a l i z a m os p r o b l e m a s que afli g e m o h o m e m c o n t e m p o r â n e o , h a b i t a n t e do g r a n d e centro e fruto de uma s o c iedade desumanizada; n a segunda, as que e n f o c a m os problemas que a f e t a m o ser humano, e n q u a n t o h a b i t a n t e da p r o v í n c i a e do me i o rural. P a r t i c u l a r i z a n d o a s e g u n d a d i r e ­ triz, figura a T e t r a l o g i a P i a u i e n s e , c o m p o s t a p e l o s r o m a n c e s : Bei ra Rio B e i r a V i d a , A F i l h a do M e i o Q u i l o , 0 S a l t o do C a v a l o C o b r i d o r e P a c a m ã o . N e s t e s e gmento ou s u b c o n j u n t o temático, o ho m e m ul t r a j a d o e m a r g i n a l i z a d o do p r o c e s s o s o c i a l é o t e m a de B e i r a R io Beira V i d a e de O Salto do C a v a l o C o b r i d o r ; a F i l h a do M e i o Q u i l o e Paca m ã o t êm por t e m a a c l a s s e média, i n t o x i c a d a de si mesma, i n c a p a c i t a d a de ver al é m de seus v a l o r e s mesquinhos.

E m função de me u s objetivos, s em n e c e s s i d a d e de tomar, seja o conjunto da obra, seja o s u b c o n j u n t o dos q u a t r o r o m a n c e s que c o m p õ e m a segunda diretriz, e s c o l h i p a r a a n á l i s e B e i r a Rio B e i r a V i d a , p or ent e n d e r ser e s t a das obras de A s s i s Brasil,

(10)

aque l a onde se c o n f i g u r a c om m a i o r a puro e s t é t i c o a c o m p l e x i d a d e da v i d a p r o v i n c i a n a em seus d e s n í v e i s sociais e c o n s e q ü e n t e es_

t r a n g u l a m e n t o do c r e s c i m e n t o i n d i v i d u a l do homem.

T e n d o e s c o l h i d o B e i r a Rio B e i r a V i d a co m o o b j e t o de análise, deparei-me, de imediato, c om a p r o b l e m á t i c a da l e i t u r a de um roma n c e c o n t e m p o r â n e o r e gionalista, c i r c u n s t â n c i a q ue c e r ­ tamente carece de justificativa, levan d o - s e em c o n t a o e s t á g i o a tual da c r í t i c a literária.

A p r o b l e m á t i c a de leit u r a a que me r e f i r o decorre, s o ­ bretudo, de duas coloc a ç õ e s básicas, dent r e outras: a p r i m e i r a , l i gada ã n a tureza m e s m a da l e i t u r a c r í t i c o - l i t e r á r i a ; a segunda, r e l a c i o n a d a ao romance re g i o n a l i s t a , h a v i d o comò t e n d ê n c i a de e x p r e s s ã o literária. A essas c o l o c a ç õ e s básicas, t i v e de ass sociar dois outros pontos: o primeiro, q u a n d o se d e s t a c a q ue a leit u r a do t exto literário i m p l i c a sempre juízo crítico ou de valor, p o d e n d o este ser menos o u ma i s f u ndamentado, d e p e n d e n d o do conhe cime n t o q ue o leitor p o s s u a da obra; o segundo, q u a n d o se c o n s t a ta q ue a n a r r a t i v a c o n t e m p o r â n e a disp õ e de p o u c o s d i s c u r s o s p a r a leios q ue p o s s a m ajudar o leitor a e m i t i r u m j u i z o v a l o r a t i v o o ma i s justo p o s s í v e l sobre ela.

P o r linha de c o n s e q ü ê n c i a o u de c o e r ê n c i a com a primei^ ra, a s e g u n d a co l o c a ç ã o l e m b ra-me o fato de q u e o r o m a n c e r e g i o ­ n a l i s t a v e m s u s c i t a n d o p o s i ç õ e s di v e r s a s é d i v e r g e n t e s da críti ca l i t e r á r i a que ora r e s s a l t a o ra m i n i m i z a o r e g i o n a l i s m o como forma v á l i d a de e x p r e s s a r - s e a c o n t e m p o r a n e i d a d e e a e s p a c i a l i z a ção do h o m e m e do mundo. N e s s e contexto, sabe-se, p o r exemplo,que p a r a alguns críticos o r e g i o n a l i s m o é c o n s i d e r a d o c o r r e n t e in capaz de e x p r e s s a r a r e a l i d a d e contemporânea.

(11)

N o â m bito d essa p r o b l e m á t i c a — p e l o menos, tal co m o a p e r c e b o — m e n o s que razões p a r a me afas.tar do t e x t o e s c o l h i d o en c ontrei m o t i v o s j u s t i f i c a d o r e s da p r e t e n d i d a l e i t u r a c r í t i c o - l i t e rária de B e i r a Rio Beira V i d a . Daí p o r q u e em termos gerais, ju s t i f i c o m i n h a p r o p o s t a como forma, a um só tempo, t a n t o de ob jetivar impre s s õ e s de leitura c r í t i c a que p o s s a m a j u d a r os leito res a p e n e t r a r na obra literária, q u a n t o de m o s t r a r o regionalis_ m o como fonte v i v i f i c a d o r a da c r i a ç ã o l i t e r á r i a no Brasil, país de d i m e n s ã o c o n t i n e n t a l e de a c e n t u a d a d i v e r s i d a d e de culturas.

É s a b i d o que a literatura, através de seu d i s c u r s o e s ­ pecífico, t e m e x p r e s s a d o e c o n t i n u a a e x p r i m i r as d i v e r s a s for mas de rel a ç õ e s sociais e/ou i n d i v i d u a i s p o s s í v e i s ao homem, pojs sibilitando-lhe, desse modo, um c o n h e c i m e n t o p e c u l i a r de sua e x i s t ê n c i a no e s paço e no tempo determinados. Ora, são algu m a s dessas e x p e r i ê n c i a s v i v e n c i a d a s p e l o h o m e m c o n t emporâneo, i n seri do e m um c o n t e x t o d a t a d o e situado, q ue se e n c o n t r a m r e p r e s e n t a ­ das na ob r a f i c cional de Assis Brasil. C o m ba s e ness a s e v i d ê n ­ cias, pretendo, a p a r t i r da a n á l i s e da ob r a de A s s i s Brasil, e s t a b e l e c e r r elações entre a r e f e r e n c i a l i d a d e e o u n i v e r ­ so criado, a c r e d i t a n d o que o rom a n c e de A s s i s B r asil q ue sepa rei p a r a anál i s e é p a r a t a n t o adequado. Ins e r i d o no c o n t e x t o da n a r r a t i v a regional, o romance B e i r a R io B e i r a V i d a , e m b o r a t r a ­ tando do tema da p r o s t i t u i ç ã o — v e r t e n t e já b a s t a n t e e x p l o r a d a na l i t e r a t u r a o c i d e n t a l — representa, na d é c a d a de 60, f o r m a o r i ginal de a d a p t a ç ã o às mais rec e n t e s t e n d ê n c i a s do r o m a n c e n a atualidade, o r i g i n a l i d a d e es s a configurada, sobretudo, n a v i s ã o no v a que nele se e m p r e s t a ao tema da p r o s t i t u i ç ã o e nos r e c u r s o s

formais que aí se u t i l i z a m p a r a r e p r e s e n t a r es s a realidade.

(12)

trata o provinciano, c e n t r a l i z a n d o - o nas p e r s o n a g e n s femininas. A t r a v é s dessa c e n t r a l i z a ç ã o o q ue talvez se p r o c u r e m o s t r a r vai e m duas direções: de u m lado, r e v e l a r as r e l a ç õ e s de d o m í n i o e de d e p e n d ê n c i a q ue se e s t a b e l e c e m nos con t a t o s i n t e r - h u m a n o s , p er f ilando a t o t a l i d a d e social; de o u t r a parte, e v i d e n c i a r os n í v e i s diversos de car ê n c i a que se i n t e r c r u z a m -e d e t e r m i n a m a formação- individual, tanto q u a n t o c o n f i g u r a m p o s t u r a s ante a vida.

Foi a p a r t i r dessa p r i m e i r a p e r c e p ç ã o de B e i r a Rio B ei ra V i d a que defini como h o r i z o n t e de r e f e r ê n c i a três a s p e c t o s ou q u e s t i o n a m e n t o s a seguir a p o n tados como h i p ó t e s e s a s e r e m c o n f e ­ ridas p e l a análise: (a) a m a r g i n a l i z a ç ã o soci a l como r e s u l t a n t e de n o rmas sociais rígidas; (b) a v i o l ê n c i a social como f o r m a ou m e c a n i s m o de m a n u t e n ç ã o do e s t a b e l e c i d o p e l a norma; (c) o r e g i o ­ nali s m o como forma l i t e r á r i a válida, na c o n t e m p o r a n e i d a d e .

C o m b a s e nos r esultados a l c a n ç a d o s m e d i a n t e a c o n f e r ê n cia das h i p ó t e s e s sugeridas, procurei, e m ú l t i m a instânica, dois objetivos: a) d e t e c t a r a e x i s t ê n c i a da v i o l ê n c i a na s o c i e d a d e bra sileira — p a r ticularmente, na s o c i e d a d e p r o v i n c i a n a de P a r n a í b a e suas c o n s e q üências na for m a ç ã o do indivíduo; b) c o m p r o v a r a v a lidade do romance r e g i o n a l i s t a c o n t e m p o r â n e o como forma l i t e r á ria capaz de dar à r e g i ã o e aos co n t o r n o s h u m a n o s u ma d i m e n s ã o universal.

Para a l c a n ç a r os o b j e t i v o s delineados, s em r e c o r r e r a um suporte teórico def i n i d o previamente e como tal considerado ins - trumental de r e f e r ê n c i a o u m e t o d o l ó g i c o , a b o r d e i B e i r a Rio B e i r a V i d a , b u s c a n d o na p r ó p r i a n a t u r e z a de seu t e x t o e n a r r a t i v a os p r o c e d i m e n t o s de leitura e de p e s q u i s a n e c e s s á r i o s à a n á l i s e p re

(13)

tendida. C o m essa p o s t u r a tentei e v i t a r o p e r i g o das a d a p t a ç õ e s do texto a modelos de anál i s e prefixados. ...

A f a s t a d o o r e c u r s o do supo r t e t e ó r i c o — t o m a d o a m o d o de m é t o d o p r e e s t a b e l e c i d o de l e i t u r a e de a n á l i s e . — , nem por isso deixei de c onsiderar a c o n t r i b u i ç ã o r e c e b i d a dos textos t e ó r i c o s dos quais me aproximei subsidiariamente, s e r v i n d o - m e deles como de fun d a m e n t a ç ã o remota, seja e m r e l a ç ã o ao n x v e l temático, se-, ja em relação ao n l v e l formal da obra.

Para expor os r e s u l t a d o s da análise realizada, al é m de s s a i n t r o d u ç ã o , onde ju s t i f i c o a e s c o l h a do t e x t o estudado, in cluídos nessa j u s t i f i c a t i v a os o b j e t i v o s da a n á l i s e a p a r t i r das h i p ó t e s e s p a r a isso levantadas, três c a p í tulos se seguirão»

N o cap. I, s ituo o romance B e i r a R io B e i r a V i d a nos espaços qu e o c o n t e x t u a m e p o r isso m e s m o dão s u p o r t e à sua anã lise. Daí os q u a t r o níveis tratados r e p r e s e n t a t i v o s de dois p i a nos: o primeiro, de indi c a d o r e s mais gerais; o segundo, de indi. cadores mais particulares. E ntre os i n d i c a d o r e s do p r i m e i r o p i a no e s t ã o os níveis que c i r c u n s c r e v e m o lugar e o t e m p o .da o b r a analisada, tanto n o s i s t e m a h i s t ó r i c o - e v o l u t i v o da l i t e r a t u r a brasileira, q u anto no h o r i z o n t e te m á t i c o a b e r t o p e l o t e m a - p r o s t i tuição na l iteratura n a c i o n a l e estrangeira. E n t r e os i n d i c a d o res do segundo plano, dois níve i s se s u c e d e m e se a p r e s e n t a m de finidos r e s p e c t i v a m e n t e como o e s p a ç o "da crítica" e "da o b r a do e s c r i t o r " .

N o cap. II, a p r e s e n t o a análise textual, c e n t r a l i z a n do-a, tanto na unidade t e m á t i c a da obra q u a n t o e m seus p r o c e s s o s de composição. Desse modo, o cami n h o p e r c o r r i d o p e l a análise,

(14)

,

0 CONTEXTO DO TEXTO

1. U m E s p a ç o no C o n t e m p o r â n e o

A d i m e n s ã o social do homem, m a t e r i a l i z a d a nos q u e s t i o n amentos a c e r c a do p r o c e s s o histó r i c o , das a d a p t a ç õ e s e das ina daptações ao meio, da v i o l ê n c i a e m suas div e r s a s m a n i f e s t a ç õ e s , dos valores éticos que p r e s i d e m as r e lações i n t e r - h u m a n a s , tem sido uma das v e r tentes t e m á ticas da l i t e r a t u r a n a c i o n a l c o n t e m p o rânea. A i n c o r p o r a ç ã o dessa e x p e r i ê n c i a â t e s s i t u r a do t e x t o ro raanesco se, de u m lado, v e m c o n t r i b u i n d o p a r a t o r n a r o l i t e r á r i o um d i s c u r s o r e v e l a d o r de s i n g u l a r i d a d e s do h o m e m e da s o c i e d a d e como conjunto, em d e t e r m i n a d a e t a p a da historia, serve, de o u t r a parte, p a r a m a n i f e s t a r o e n v o l v i m e n t o dos e s c r i t o r e s ^ c o m s eu tempo e com a realidade, r e s s a l t a n d o a p o s i ç ã o e n g a j a d a dos inte lectuais no p r o c e s s o social.

N e s t e horizonte, a i n c o r p o r a ç ã o da m a t é r i a social â c om p o s i ç ã o do texto na r r a t i v o a m plia a a t u a ç ã o da l i t e r a t u r a no m e i o do q u a l emergiu, uma vez que e s t a retorna, e n q u a n t o o b r a concluída, p a r a esse m e s m o meio, i n f l u e n c i a n d o na f o r m a ç ã o do ho

2

mera e p e n e t r a n d o cri t i c a m e n t e na r e a l i d a d e p o r e l a representada . A r e p r e s e n t a ç ã o do s o cial nas obras c o n t e m p o r â n e a s en contra-se c o n s u b s t a n c i a d a tanto nas n a r r a t i v a s de c u n h o u r b a n o q u a n t o nas de cunho regionalista, cabendo, porém, d e s t a c a r nes

(15)

tas conformações as v a r i ações de e n f o q u e q ue d ã o e s p e c i f i c i d a d e âs duas feições literárias citadas.

N e s s e ponto, abro um p a r ê n t e s e p a r a s i t u a r o a l c a n c e que atribuo ao termo contemporâneo, em si mesmo, c a t e g o r i a con cei t u a l de difícil delimitação, d e v i d o à m u l t i p l i c i d a d e e â c om p l e x i d a d e dos fatores p o r ela englobados, o q ue c o n c o r r e f r e q ü e n temente p a r a dim i n u i r a o b j e t i v i d a d e de seu emprego.. O fato ... .ê _ que, como d e c o r r ê n c i a d e s s a polival ê n c i a , a c o n t e m p o r a n e i d a d e , u t i l i z a d a como critério de c l a s s i f i c a ç ã o das o b r a s literária, ge ra certa d i f i c u l d a d e de c o m p r e e n s ã o p e l a dose de a r b i t r a r i e d a d e sempre i m p l í c i t a n esta forma de seleção, q u a n d o n ã o se toma o cuid a d o de p r e c i s a r c om m a i o r r igor o s e n t i d o em q ue o t e r m o con t e m p o r â n e o e seus d e r i vados p a s s a a ser empregado, q u a n d o dele se faz uso como cri t é r i o classificatõrio.

D i a n t e d esse q u a d r o de dificul d a d e s , j u s t i f i c a d o o pa rêntese, p asso a de l i m i t a r o con c e i t o e o c a m p o de a p l i c a ç ã o da c a t e g o r i a c o n t e m p o r â n e o no â m b i t o deste trabalho, o que p r e t e n d o fazer na c o n v e r g ê n c i a de duas linhas - c o n c eituais: a i d e o l ó g i c a , e a estética. A p r i m e i r a linha — a i d e o l ó g i c a — é d e t e r m i n a d a p or estas duas d ireções assumidas p e l o texto literário: de um la do, a c o r r e s p o n d ê n c i a que p o d e ser e s t a b e l e c i d a e n t r e o t e m p o da H i s t ó r i a — - d a tado e situado — e sua e x p r e s s ã o na m a t é r i a narrativa, seja essa e x p r e s s ã o m a n i f e s t a d a e x p l í c i t a ou implic^L tamente; de outro lado, o c o m p r o m e t i m e n t o do d i s c u r s o l i t e r á r i o com o pro c e s s o social que e n v o l v e o h o m e m no l a b i r i n t o de u m siss te m a que o torna d e s i n d i v i d u a l i z a d o e d e s l o c a d o de sua p r ó p r i a con d i ç ã o de homem.

S e guindo esta linha de a b o r d a g e m q u e e n f o c a a d i m e n s ã o .9

(16)

h u m a n a e social do homem, F r a n k l i n de O l i v e i r a d e f i n e c o n t e m p o r á n e o como compr o m i s s o c o m a r e a l i d a d e e c om o h o m e m do aqui e ago ra; co m o d e s v e n d a m e n t o das causas- q u e c o n t r i b u e m p a r a a sua de

3

g r a d a ç a o social e h u m a n a . E F a b i o Lucas p e r f i l a o f i c c i o n i s t a social como sendo

"... a q uele capaz de r e p r e s e n t a r nos seus , tipos e h e r ó i s a p e r d i d a u n i d a d e do ho-- mem, isto ê, fixar a q u e l e ser a q u e m rou, b a r a m horizontes, mas q u e a s p i r a a ser ín tegro nu m a s o c i e d a d e que o mutila. A o dejs v e n d a r m e c a n i s m o s ocultos, a p e r s o n a g e m tanto pode e s t a r e n c o n t r a n d o a g ê n e s e de sua m u t i l a ç ã o e d e n u n c i a n d o - a , q u a n t o se a g r e g a n d o a todos em igual s i t u a ç ã o pa r a a s u p e r a ç ã o do s i s t e m a q ue os c o i s i f i c a e e s m a g a " 4. T a l p r e o c u p a ç ã o já se e n c o n t r a v a r e f l e t i d a na o b r a de e s c r i t o r e s q ue litera r i a m e n t e m a n i f e s t a r a m p r e o c u p a ç ã o c o m a fun ção de a arte expressar o h o m e m e a é p o c a q ue repre s e n t a . Em 1829, E d g a r A l l a n Poe alude â n e c e s s i d a d e de o p o e t a a s s u m i r o papel de critico da realidade; E a u delaire, r e f l e t i n d o s o b r e o c o n c e i t o de m o d e r n i d a d e r e p o r t a - s e à n e c e s s i d a d e de a p o e s i a ade q u a r - s e ao destino de sua época. P or sua vez M a l l a r m ê , e m "Un coup de Dés" m a n i f e s t a com s e n s i b i l i d a d e o e s p i r i t o c r í t i c o de um a r t i s t a e n v o l v i d o com os des t i n o s do p o e t a e d a poesia.

A s s o c i a d a à linha t e m á t i c a (projeto i d e o l ó g i c o como o c o n c e b e u L a f e t ã ) , a linha estética, noutro plano, d i s c u t e no va c o n c e p ç ã o da obra de arte literária, n ão m a i s v i s t a c o m o re p r e s e n t a ç ã o d i r e t a da realidade, mas, ao contrário, passando a ser en t e n d i d a como n a tureza d i v e r s a e a u t ô n o m a r e l a t i v a m e n t e à reali. dade que representa. C o n s e q ü e n t e m e n t e , q u e s t i o n a as m u d a n ç a s ope

(17)

radas na linguagem, as quais r o m p e n d o c o m o trad i c i o n a l , i n s t a u r am novas formas sintáticas, no v o t o r n e i o da frase, a p r o v e i t a m e n to dive r s o da c o t i d i a n i d a d e e n q u a n t o r e c u s a â, i d e a l i z a ç ã o do real, al é m de p r i v i l e g i a r e m a t r a n s m u t a ç ã o do t e m p o o b j e t i v o no

subjetivo^.

Delim i t a d o s os p a r â m e t r o s da c a t e g o r i a co n t e m p o r â n e o , considero, neste t r a b a l h o , ,o . r o m a n c e do N o r d e s t e p a d r ã o p r i n c l p i a d o r do c o n t e m p o r â n e o nas obras literá r i a s b r a s i l e i r a s , Isso- se j u s t ifica não sõ p o r q u e nos u n i v e r s o s c r i a d o s há toda u ma cons tata ç ã o e c o n t e s t a ç ã o de pr o b l e m a s sociais e x i s t e n t e s em socie dades concretas ou s u p o s t a m e n t e concretas, fixadas no e s p a ç o b ra sileiro nordestino, mas t a m b é m p o r q u e nos rom a n c e s f o r m a d o r e s do conjunto — romance do N o r d e s t e — se e x p r i m e uma r e a l i d a d e e co nômica, social, p o l í t i c a e cultural, e s t r u t u r a d a após 19 30 e da qual somos h e r d e i r o s e contemporâneos.

O romance do N o r d e s t e i n c o r p o r a o r g a n i c a m e n t e à sua compos i ç ã o o m o m e n t o h i s t ó r i c o i n i c i a d o com a R e v o l u ç ã o de 30. A e x p r e s s ã o desse m o m e n t o n a s - o b r a s - l i t e r ã r i a s do p e r í o d o , - a o m e s ­ m o tempo em que r e v e l a m a i o r c o m p r o m i s s o dos i n t e l e c t u a i s com a v i d a nac i o n a l — fato r e c l a m a d o p or M a r i o de A n d r a d e n a p o s t u

-6 ~

ra da geração de 22 — , v e i c u l a u m a v i s ã o d a r e a l i d a d e b r a s i l e i ­ ra regional, apontan d o - l h e c r i t i c a m e n t e o c a r á t e r de subdesenvol. v i m e n t o e a subc o n d i ç ã o de vi d a do h o m e m sertanejo.

Escritores como G r a c i l i a n o Ramos, J o s é Lins do Re g o , Raquel de Queiroz e J orge A m a d o c o n f i g u r a m e m suas obras es s a p e r c e p ç ã o do real e buscam, através de novas e s t r u t u r a s a r t í s t i ­ cas — e x i g ê n c i a da nova re a l i d a d e r e p r e s e n t a d a — redefinir suas idéias e fazer cor r e s p o n d e r os eventos p o l í t i c o s e as m u d a n ç a s

(18)

sociais o c o rridas a p a r t i r de 30, a seus p r o j e t o s liter á r i o s . A literatura p r o d u z i d a na é p o c a d.ei.xa de ser aus e n t e isto é, p e r d e o c e n tramento e m si m e s m a e funda, a n t e c i p a e de -f l a g r a no v a concepção t e m á t i c a e n o v a v i s ã o de Brasil.

A v a l i a n d o a p r o d u ç ã o li t e r á r i a do pe r í o d o , A n t ô n i o Cân di d o conclui que o romance da é p o c a d e s m i s t i f i c a o t r a t a m e n t o da do ao h o m e m rüíral e p r e n u n c i a a c o n s c i ê n c i a de s u b d e s e n v o l v i m e n ­ to do pais, antecipando-se, d e s t a forma, aos e c o n o m i s t a s e poljÇ

8

ticos .

O romance, nas d é c a d a s de 50/60, p r o s s e g u e , na pers p e c t i v a da linhagem t e m á t i c a i n i c i a d a em 30, o u seja, o aspe c t o social con t i n u a a i n q u i e t a r a c o n s c i ê n c i a da i n t e l e c t u a l i d a d e e a r e i v i n d i c a r p o s i ç ã o no t r a b a l h o artístico. No entanto, a v e i c u lação do social en q u a n t o t r a b a l h o e s t é t i c o d e s c e n t r a - s e das re giões e centra-se em u n i v e r s o mais abrangente, o n d e rural e urba no f o rmam a t otalidade p r o b l e m a t i z a d a no t exto literário. E n q u a n

r

to no romance de 30 h o u v e a h e g e m o n i a da p r o b l e m á t i c a regional, neste, simult â n e o a tal q u e s t i o n a m e n t o , há a p r e o c u p a ç ã o c om o urbano, p r i n c i p a l m e n t e com os grandes centros, q ue p a s s a m a eri_ gir- s e em assunto m e r e c e d o r de i n c l u s ã o nos p r o j e t o s estéticos. F e n ô m e n o q ue de certa forma t em e x p l i c a ç ã o na u r b a n i z a ç ã o inten sa, f a v o r e c i d a pelo p r o c e s s o i n d u s t r i a l que a c e n t u a as d i s c r e p â n cias sociais e torna clara a d e s a g r e g a ç ã o de u m a o r d e m de v a l o res estabelecidos.

Há, portanto, no período, u m a e l a s t i c i d a d e no enfo q u e do social, na m e d i d a e m que os textos literá r i o s se v o l t a m p a r a cobrir o u r b a n o e o rural, den u n c i a n d o , i n d e p e n d e n t e de e s p a ç o , a re a l c ondição de vida do homem, i n d i v i d u a l m e n t e ou a g r e g a d o a

(19)

g r u p o s .

De o u t r a perspectiva, p a r a l e l a ou s i m u l t â n e a â v e r t e n te de ex p r e s s ã o social, d e s t a c a - s e a lin h a g e m l i t e r á r i a que prl v i l e g i a o t r a b a l h o de c o m p o s i ç ã o do t e x t o e n q u a n t o r e a l i d a d e au t o - r e f lexiva. Os e scritores que a e la se f i l i a m v o l t a m - s e p a r a a e x p e r i m e n t a ç ã o de a t u a l i z a ç ã o das v i r t u a l i d a d e s da língua, que d eixa de ser inst r u m e n t o de r e p r e s e n t a ç ã o .da...realidade o b j e t i v a e passa, ela mesma, a ser p o r t a d o r a de r e a l i d a d e própria. In s erindo-se nessa linha de q u e s t i o n a m e n t o , o r o m a n c e p a s s a a i n tegrar à sua feitura a r e f l e x ã o s obre o p r ó p r i o ato de cr i a ção, seja como forma de expressão, seja como f o r m a de composição,

9 t o r n a n d o - s e um texto q u e s t i o n a d o r de si m e s m o . A p o s t u r a da época é, portanto, de r e a f i r m a ç ã o do c o m ­ p r o m i s s o com a m a t é r i a social, c o m b i n a d a ao a p r o f u n d a m e n t o e â s e d i m e n t a ç ã o do q u e s t i o n a m e n t o do fazer literário. Ê ainda A n t ô n i o C â n d i d o quem, o b j e t i v a n d o m o s t r a r a po sição da liter a t u r a b r a s i l e i r a no q u a d r o mais a m p l o da l i t e r a t u ­ ra latino-americana, co n s i d e r a que as déca d a s de 30 a 60 a m p l i a m e c o n s o l i d a m o romance, d ando à l i t e r a t u r a uma v i s ã o d i f e r e n t e

^ . . 1 0

da sua funçao e n a tureza t r a d i cionais

N e s s e contexto n a r r a t i v o c o n t e m p o r â n e o p e r f i l a d o , e n ­ q u a dra-se o romance B e i r a Rio B e i r a V i d a de A s s i s Brasil, p u b l i ­ cado “em 1965. De cunho regionalista, o t exto t e m a t i z a a prostjL tuição, a b o r d a n d o os aspectos sociais que a e s t i m u l a m emostrando, no de s a j u s t e social, a d e g r a d a ç ã o a q u e ~ s e - c o n d i c i o n a m os seres

criados e nvolvidos com esse mundo.

A prostituição, como fe n ô m e n o c o n s i d e r a d o g l o b a l m e n t e , é, sem dúvida, origi n á r i a de causas sociais, e m b o r a não se p o s s a

(20)

e s q u e c e r os fatores indi v i d u a i s e a e x i s t ê n c i a de códigos, de re gulame n t o s e de leis que c o n t r i b u e m p a r a a sua per m a n ê n c i a . A l é m disso, tem-se que considerar, também, que essas causas e esses fatores não p o d e m ser a n a l i s a d o s isoladamente, u ma vez que na c o n c r e t i z a ç ã o do fenómeno eles se conjugam, se c o mplementam, se p o t e n c i a l i z a m ou se enfraquecem, a s s u m i n d o e m ca d a caso p e c u l i a ridades p r ó p r i a s ^ .

0 romance B e i r a Rio B e i r a V i d a p a r t i c u l a r i z a aspectos d a p r o s t i t u i ç ã o e ao faz ê - l o r e c u p e r a a t o t a l i d a d e social, na me dida e m que den u n c i a a e s t r u t u r a ç ã o de uma s o c i e d a d e fechada, onde os "ricos" são b e n e f i c i á r i o s de um s i s t e m a o r g a n i z a d o pa r a lhes servir; e aos "pobres", cabe apenas a d i s t r i b u i ç ã o eqü i t a t i v a da miséria, a posse do nada.

N e s s e sentido, e de acordo com os c r i t é r i o s ad o t a d o s , o grau de con t e m p o r a n e i d a d e do roma n c e B e i r a Rio B e i r a V i d a se dá t a n t o pe l a e x p r e s s ã o da p r o b l e m á t i c a social ressaltada, a q u a l r e v e l a a coi s i f i c a ç ã o da m u l h e r p o s t a na m a r g i n a l i d a d e e t o r n a d a o b j e t o - de uso e de--prazer dos.-homens q u a n t o ..se. .dá pe l o c o m p r o m i s s o do autor com a r e g i ã o r e p r e s e n t a d a , n a m e d i d a em que denuncia, através do estético, o e s t a d o de s u b d e s e n v o l v i m e n ­ to dessa região e a inexistência, na s o c i e d a d e refletida, de v a ­ lores éticos que p r o p o r c i o n e m o d e s e n v o l v i m e n t o de v i r t u a l i d a d e s h u m a n a s capazes de a s s e g u r a r e m a s u p r e s s ã o de fatores c o n d i c i o - nantes da vi o l ê n c i a e x i s t e n t e nas e s t r u t u r a s s o c i a l e cul t u r a l ; como se dá, ainda, p e l a r e e l a b o r a ç ã o l i t e r á r i a do e s p a ç o r e g i o - nal, p e l o a p r o v e i t a m e n t o dos aspectos c o t i d i a n o s como n e g a ç ã o à a p a r ê n c i a do real e pe l a universalidade que empresta às personagens.

(21)

15

2. Um E s p a ç o T e m á t i c o

E n q u a n t o tema, a p r o s t i t u i ç ã o n ã o e m e r g i u com as s ocie dades modernas, pois t em sua p r ó p r i a h i s t ó r i a na h i s t ó r i a d o ho mem. Co m o tal, i um p r o b l e m a que in q u i e t a e q ue i n q u i e t a r á as con s c i ê n c i a s ativas n um p e r c u r s o longo, sem previsibilidade de fim.

Te n t a t i v a s de e x p l i c a ç ã o p a r a o f e n ô m e n o são várias, no e n t a n t o n e m sempre capazes de a b á r c a r a sua t o t alidade. A p a r tir d e s s a idéia e da cert e z a de que os poetas são capazes de compreen­ der a vi d a em suas diversas realizações, Otto Maria Carpeaux traça o p e r c u r s o da p e r s o n a g e m p r o s t i t u t a na arte ocidental, r e s s a l t a n d o o â n gulo da c o m preensão d o p r o b l e m a e n ão o da e x p l i c a ç ã o , e m v i r t u d e da impossibilidade, s e g u n d o o ensaísta, de a t r i b u i r - s e causas p a r a tal c o m p o r t a m e n t o 1 2 .

Assim, as pros t i t u t a s d e s f i l a m na p a s s a r e l a d a arte ora como vítimas da p r o m i s c u i d a d e e da p o b r e z a (Los H ijos de San chez de O scar L e w i s ) ; o ra como m i s t o de p r e g u i ç a e de b o m co r a - ção, cercadas pe l o senso e c o n ô m i c o de M a d a m e e seu marido, de inqui l i n o s débeis mentais, de b r u t a l h õ e s bêbados, de e s t u d a n t e s tímidos, de um ro m â n t i c o que quer salvar a q u e m n ão q u e r ser sal va, de p o l i ciais que acei t a m d i n h e i r o (0 F o s s o de K u p r i n ) ; o ra

como v í t i m a s do egoísmo humano, o b r igadas a s a c r i f i c a r e m o amor p a r a n ã o p r e j u d i c a r o ser a mado (Dama d a s ' C a m é l i a s de D u m a s Fi-

* '

lho) .

De Gogol a Zola temos a v i s ã o d e m o n í a c a da m u l h e r "todas as m ulheres são b r u x a s " — e a p r o s t i t u t a a p a r e c e como u m ser de m áscaras que esc o n d e a face da d e c o m p o s i ç ã o ; a v i s ã o a p o c a l í p t i c a de misoginia. E m B r e c h t de H o m e m ê h o m e m t e m - s e a v i s ã o da m u l h e r como m e r c a d o r i a e do h o m e m como m e r c a d o r i a .

(22)

Per-dur a n d o a situação, p e r d u r a r á a p r ostituição.

N a liter a t u r a b r a s i l e i r a a p r i m e i r a p e r s o n a g e m p r o s t i ­ tuta a m a r c a r espa ç o ê L u c í o l a de J o s é de Alencar. L u c í o l a ê a m u l h e r que perde a inocência p a r a s a l v a r a saúde do pai, e a p ar tir daí u m demô n i o g u a r d a a al m a de vim anjo, atra v é s do desenvol. v i m e n t o de u ma per s o n a l i d a d e de c i r c u n s t â n c i a qu e a ã j u d a a sub jugar os a m a n t e s . O anjo r e c u p e r a a p u r e z a q u a n d o d e s c o b r e o amor, mas a m u l h e r — m i s t o de m a l d i t o e d i v i n o — é t r a g a d a p or d o e n ç a c o n t r a í d a no d e s e m p e n h o da p r o f i s s ã o (L u c í o l a , J o s é de A l e n c a r ) . T a m b é m a p r o s t i t u t a a r r e p e n d i d a e de alma p u r a é tema em D o m i n g o s Olímpio. T e r e s i n h a ê a m u l h e r q ue a b a n d o n a a família pa r a fugir com o aman t e e apôs a m o r t e deste, i m p o s ­ s i b i l i t a d a pelos prec o n c e i t o s m o r a i s da é t i c a s e r t a n e j a de vol. tar pa r a casa, resvala como objeto, de m ã o e m m ã o até p r o s t i ­ tuir-se. (L u z l a - H o m e m , Do m i n g o s O l í m p i o ) . São c o m p a n h e i r a s de L u c í o l a e Teresinha, no i n f o r t ú n i o e na s e n s i b i l i d a d e incorruptí^ vel, m e s m o conhe c e n d o as agruras da m i s é r i a e da degr a d a ç ã o , as pe r s o n a g e n s p r o s t i t u t a s de J o r g e Amado: G a b r i e l a e T e r e s a Bati:s ta, p a r a ficar com apenas dois exemplos, n ã o são c o n t a m i n a d a s n em física n e m m o r a l m e n t e p e l o m u n d o da p r o s t i t u i ç ã o . Gabriela, inocente, cândida e cheia de ternura, c o n q u i s t a o amor de t odos os h o mens de Ilhéus e com sua p r e s e n ç a m u l a t a e s e n s u a l lhes p e r turbâ a t r a n q u i l i d a d e familiar. De lavadeira, c o z i n h e i r a e am a n te p a s s a p a r a a sala e pa r a a cama do sírio Nacib, t o r n a n d o - s e "mulher d i r e i t a e de respeito" (Gabriela, C r a v o e C a n e l a ); T e r e sa, virtuosa, torna v i r t u o s o o c o r o n e l a q u e m se liga. Personalò. dade inteiriça, filha de Iansã, politizada, c o m a dose de s e n s u a lidade a ela reservada, ê a mada e m e r e c e o r e s p e i t o de todos q ue

(23)

a c o n h e c e m (T e r e s a B a t i s t a c a n s a d a de g u e r r a )

C o n t e m p o r â n e a s de L u c í o l a são M a r i a ("Cachoeira de Pau lo A f o n s o " , C a s t r o Alves) e Sabi n a ("Sabina", M a c h a d o de Assis), N o entanto, no u n i v e r s o p o é t i c o dos dois p o e t a s as p e r s o n a g e n s v i v e m a p r o s t i t u i ç ã o condicionada p e l a o r d e m e s c r a v o c r a t a , onde o corpo da e s c r a v a é d e s g a s t a d o no e i t o e no leito. C o n t r a r i a m e n te a Lucíola, M a r i a se -decide p e l o s u i c í d i o e S a b i n a p e l o c a t i ­ veiro, just i f i c a d o p e l o ins t i n t o materno.

I n v e r t e n d o o m o d e l o de dominação, A l u í s i o A z e v e d o em O C o r t i ç o , ao lado de outros espaços cedidos ao e l e m e n t o f e m i n i ­ no, cria o espa ç o da m u l h e r - " s u j e i t o " , q ue p a s s a a e x e r c e r o po der sobre o m a c h o através do sexo-luxüria. L e o n i e e Pombinha, pe r sonagens do romance, p e r d e m o ar a n g e l i c a l e a s s u m e m a i m a g e m da serpente, el e m e n t o m a r c a d o pelos i n s t i n t o e a m e a ç a sexual. N a v e r s ã o de Leonie, os h o mens e x i s t e m p a r a s e r v i r como e s c r a v o s à m u l h e r rainha, "senhoras n u m império".

N o entanto, sõ a p a r t i r do i n ício do S é c u l o XX, m a i s p r e c i s a m e n t e dos anos 30., ê q ue a pro.stita ou o m a r g i n a l de . m o d o g e r a l a s s u m e m p a p e l mais d e f i n i d o nas artes b r a s i l e i r a s . T a l v e z o fato se dê p e l a forte t e n d ê n c i a de e x p r e s s ã o s o c i a l a s s u m i d a p elas linguagens artísticas da época. A exemplo, a p i n t u r a de Di Cavalcanti, que nos anos 20 a d o t a u ma t e m á t i c a n a c i o n a l i s t a , na qual a m u l h e r é p e r s o n a g e m central, mas n ão a m u l h e r como fi_ gura r e p r e s e n t a t i v a do be l o ideal e s im a m u l h e r - m u l a t a , m e t ã f o ra da s e n s u a l i d a d e p r i m i t i v a e u n i f i c a d o r a de u m c o n j u n t o d i v e r ­ s i f i c a d o de fatores, dos quais, entre outros, destacam-se as di f e rentes raças e culturas. T a m b é m é e x p r e s s ã o d e s s e m o m e n t o a ob r a de Portinari, fortem e n t e i n p r e g n a d a de m o t i v o s b r a s i l e i r o s , p r i n c i p a l m e n t e em torno da figura do t r a b a l h a d o r r u r a l e das figu

17

(24)

14

ras po p u l a r e s .

É interessante p e r c e b e r q ue n a m ú s i c a p o p u l a r só a pa r tir de 70 a p r o s t i t u t a assume lugar mais s i g n i f i c a t i v o nos uni

versos poéticos. To m o como e x e m p l o a o b r a de C h i c o Buarque. No m u n d o criado p or esse p o e t a / c o m p o s i t o r a m u l h e r é f i g u r a de des taque e se enc o n t r a r e p r e s e n t a d a n u m a m e t á f o r a t e m p o r a l q ue tra ça seu p e r c u r s o evolutivo de t í m i d a e s p e c t a d o r a da v i d a ("A b an da",. "J a n u ã r i a " , "Carolina", etc) a f i gura a g r e s s i v a c o n t r a es sa p r ó p r i a vida, que a torna m e r o o b j e t o de us o e de t r o c a ("Vi ver do amor", "Mambordel", "Folhetim"). O r e t a r d a m e n t o r e f e r i d o

talvez se explique pe l a forte t e n d ê n c i a conservadora/moralista da so ciedade brasileira. Por o u t r o ângulo, a p r e s e n ç a m a r c a n t e da mu lher no un i v e r s o poé t i c o de C h i c o B u a r q u e c o i n c i d e c om o surgi m ento do m o v i m e n t o f e m inista i n i c i a d o nas s o c i e d a d e o c i d e n t a i s que re s u l t o u e v e m r e s u l t a n d o no d e s e n c l a u s u r a m e n t o da m u l h e r e na sua va l o r a ç ã o co m o pessoa. A o que me parece, essa voz feminina e n contra eco na p o e s i a buarqueana; i n c l u i s i v e na tomada de consciência que a m u l h e r t em de seu p r ó p r i o c o r p o e na criação (reorientação) de n ovos c i r c u i t o s de c i r c u l a ç ã o do amor que ela encaminha (o "nós duas" d e " C a l a b a r " e de "Geni").

N a linguagem literária, t o d o o r o m a n c e de 30 ê m a r c a d o pela v e i c u l a ç ã o de temas sociais. Aí, a m i s é r i a c o m o u m todo c om p õ sito de fatores assume e s p a ç o central, e a p r o s t i t u t a n ão se destaca como p e r s o n a g e m mais r e p r e s e n t a t i v a , p o i s o q ue i n t e r e s ­ sa â liter a t u r a do p e r í o d o ê d e n u n c i a r as g r a n d e s d i f e r e n ç a s cio-eco n ô m i c a s existentes no Brasil. N o entanto, p o d e f i g u r a r co mo texto r e p r e s e n t a t i v o da m i s é r i a e n e l a s i t u a d a a p r o s t i t u t a como figura central, símb o l o do sujo e do d e p r i m e n t e , o p o e m a

(25)

"Balada do Mangue" de V i n í c i u s de Moraes. Aqui, a p r o s t i t u t a assu m e a forma da serpente insinuadora, mas nu m a s i t u a ç ã o de d e g r a d a ç ã o f í s i c a e moral, capaz de sed u z i r a p enas aqueles q ue a: ela se i g u a l a m em condição. T a m b é m r e p r e s e n t a t i v o do p e r í o d o e t a m b é m sit u a d o no m e s m o e s p a ç o é o p o e m a "Mangue" de M a n u e l Ban deira; mas o cenário, c o n t r a r i a m e n t e ao de V i n í c i u s , ê local de festa, onde se e n c o n t r a m e se c o n f u n d e m os t e mpos do Recife, do p o e t a e do B r a s i l de o n t e m e de hoje; e o " e s p a ç o - m u l h e r " une os aspectos sagr a d o e profano, r e c u p e r a n d o a idéia da s a n t a (metãfo ra da e s t r e l a e da rosa) e da p u t a ("és m u l h e r e na d a mais") n u m a m e s m a personagem.

A c o n v e r g ê n c i a do s a g r a d o e do p r o f a n o se faz t a m b é m em outros poemas de Bandeira: "Balada de Santa M a r i a E g i p c í a c a " e "Natal". E m "Balada de S anta M a r i a Egipc í a c a " , a santa e n t r e g a ao "barqueiro a santidade de sua nudez" e t o r n a - s e c om ele u ma re a l i d a d e comp l e m e n t a r e indissolúvel. C o n d e n s a ç ã o de o p o s t o s d ram a t i z a d o s em uma só b i o g r a f i a ê tema de "Natal": M a d a l e n a é u ma figura o p osta e c o m p l e m e n t a r ã i m a g e m da Virgem. C o m o p r o s ­ titu t a a r r e p e n d i d a ela ê santa. A o s c i l a ç ã o d i l e m ã t i c a p u t a / s a n ­ ta é um esqu e m a de forte r e f e r e n c i a l i d a d e p a r a G u i m a r ã e s Rosa. Em Gran d e Sertão: V e r e d a s , p o r exemplo, R i o b a l d o d e b a t e - s e c om

a dualidade: um de seus amores é Ninhorã, am o r n a s c i d o de u m abraço, que foi t r a n s f o r m a n d o - s e de p r a z e r s e n s í v e l em s e n t i m e n -

*

to de paixão; sentido por Otacília, o u t r o amor. C o n v i v e m s e c r e ­ ta e es t r a n h a m e n t e conf u n d i d o s o d e s e j o e o s e n t i m e n t o m a i s p u r o e sagrado da m u l h e r ideal. Essas duas imagens d a m u l h e r i n t e r p e n e tram-se e ha r m o n i z a m - s e como imagens ant a g ô n i c a s , m as a l c a n ç a m o equilíbrio, r e s u l t a d o de uma u n i ã o d i a l é t i c a em q u e uma s u p e r a

(26)

a o u t r a sem exclui-la, até a t i n g i r a plenitude.

N o sentido de c o n t r a p o s i ç ã o de s e n t i m e n t o s e / o u de es paços, M a r i o de A n d r a d e c o l o c a na p e r s o n a g e m Fräulein (Elza), i ns­ t r u t o r a de sexo do filho de u m b u r g u ê s paulista, as d i f e r e n ç a s e x i s t e n t e s entre as culturas a l e m ã e b r a s i l e i r a e acentua, n e s sas diferenças, o c o n v e n c i o n a l i s m o da família b r a s i l e i r a , a cujo e s p í r i t o se opõe o c o n c e i t o g e r m â n i c o de família. Fräulein acalen ta o ideal romântico do amor, ma s r e c o n h e c e " o r d e i r a m e n t e " a in t r a n s i t i v i d a d e do verbo amar p a r a ela e r e c o n h e c e p a r a o a l u n o o t r â n s i t o social livre: p o d e ele d e s c e r e f i x a r - s e t e m p o r a r i a m e n t e na i n s tituição de aluguel. A ela, no entanto, ê v e d a d a e £

1 5 sa p o s s i b i l i d a d e (Amar, v e r b o I n t r a n s i t i v o ) .

E m Beira Rio Beira V i d a as p e r s o n a g e n s p r o s t i t u t a s são c a r a c t e r i z a d a s de ângulos variados, m o s t r a n d o e m c a d a traço e na t o t a l i d a d e deles as i d i o s s i n c r a s i a s e a m u l t i p l i c i d a d e de aspectos que convergem p a r a a f o r m a ç ã o do f e n ô m e n o da p r o s t i t u i ­ ção. I n i c i almente elas são atreladas a u m a c a d e i a p r o f i s s i o n a l que se repete, atê certo momento, de m ã e p a r a filha, co m o uma h e r a n ç a de bens e de sangue legada de g e r a ç ã o a geração.

"Fiz tudo isso, Mundoca. Fiz, sim. M i n h a mã e n u n c a me perdoou. A v i n g a n ç a foi ver a m i n h a v i d a r e p e t i n d o a sua, to d a noite, . todo d ia atê o fim. E la teve culpa, mas,

não sei porque, n u n c a se j u l g o u c u l p a d a Q u e m sabe o que s o f r e u da p r ó p r i a m ã e ? ^

. . . - _ . . . .

"Eu cumpria a sina, M undoca"

E s s a cadeia ê rompida, sem que a e s t r u t u r a s o cial seja revertida. Pe l o contrário, h a u m a c o n t i nuidade do p r o c e s s o de de

(27)

m a r c a ç ã o social mais a m p l a m e n t e m o s t r a d o no romance.

O u t r o aspecto r e s s a l t a d o é o da luta p e l a s ò b r e v i v ê n - cia, que c o n d i c i o n a as p e r s o n a g e n s a u ma existência limitada, sem, um canal que vi a b i l i z e a l t e r n a t i v a s de vida.

C o m forte d e m a r c a ç ã o social p r o v e n i e n t e da desigual, dade e c o n ô m i c a acentuada, a so c i e d a d e do roma n c e B e i r a Rio B e i r a V i d a d e m a r c a também as posições do h o m e m e da m u l h e r t a n t o no âm b i t o dos papé i s desempenhados no c o n t e x t o social q u a n t o na d i v i ­

são do trabalho, reproduzindo, assim, um m o d e l o de o r g a n i z a ç ã o social.

à m u l h e r da "classe alta" cabe o p a p e l de e s p o s a dentro da c o n s t i t u i ç ã o da família legalizada, o que lhe atri b u i o de ver de p a r t i c i p a ç ã o na o r g a n i z a ç ã o de r e u n i õ e s e festas e de p ar

18

t i c i pação em tarefas de instituições f i l a n t r ó p i c a s . S e m p o d e r econômico, depende do casamento pa r a seu s u s t e n t o pessoal. A m u lher da "classe baixa" — no caso a p r o stituta, p o r ser a c e n t r a lização do texto — não faz p arte da f a m í l i a legalizada, c om pa peis definidos. N e c e s s i t a n d o manter-se, nu m a s o c i e d a d e o n d e o m e r c a d o de trabalho é fechado â p a r t i c i p a ç ã o feminina, e n c o n t r a na p r o s t i t u i ç ã o uma "forma viável" de subsistência. Sem opção, re pete i ndefinidamente sua a u t o - d e g r a d a ç ã o e d e g r a d a d a v i v e no m u n do e não o mundo:

"Decidiu p r o c u r a r um emprego, mas â sua m a neira, a ú n i c a m a n e i r a que t inha em sua frente — er a um gosto e s q u i s i t o de v i n ­ gança, t i n h a que se v i n g a r do mundo, o u mais p a r t i c u l a r m e n t e deles, dos d e s g r a ç a ­ dos. E s t r a n h o q ue fosse uma v i n g a n ç a na p r ó p r i a c a r n e ■, na p r ó p r i a a l m a " 19.

(28)

~ A l i a d o ao a s p e c t o da luta p e l a s o b r e v i v ê n c i a , agravada pe l a ca r ê n c i a de alternativas, há também o aspecto da acomodação, o não criar situações que d e s e s t a b i l i z e m a estrutura que a aprissiona. No entanto, as personagens da n a r r a t i v a a l i m e n t a m o s onho de mudança:

Luíza, através do casamento; Cremilda, através da a q u i s i ç ã o de bens materiais. Essas saldas se c o n f o r m a m d e n t r o das e x p e c t a t i - vas sociais, uma vez que o ca s a m e n t o de L u í z a r e p r e s e n t a a p e r s ­ p e c t i v a ideal de a c e i t a ç ã o social p a r a o i n d i v í d u o de sexo femi-- nino, e a concentração m a t e r i a l da o r d e m do ter, de C r e m i l d a , o b e dece ao padr ã o econômico que t em como el e m e n t o p r o p o r c i o n a d o r do re s p e i t o individual a p osse m a t e r i a l de bens.

Como os sonhos são distintos um do outro, ê e v i d e n t e

que as personagens têm c aracterísticas e c o m p o r t a m e n t o s d i s t i n ­ tos. L u í z a é o que se pode chamar de pu t a s a n t a a q u e l a carente de amor e para quem o casamento pode r e c o n s t i t u i r a i n o c ê n c i a per dida; ê aquela que não perde a pureza, a ingenuidade, a alma i n ­ fantil, a honestidade, n um u n i v e r s o i n c o n c i l i á v e l com esses va l o r e s .

"*_• Mun(3oca, tive u ma v i d a honesta, você não acredita? N ã o fui u m a m u l h e r r u i m co m o m i n h a mãe; ela fazia a v i d a que eu fa

zia, mas a j u n t a v a a m a l d a d e " 2 0 .

T e m a p o s t u r a da passividade, e s pera a saída p r o n t a e agu a r d a as sim a v o l t a do primeiro h o m e m por q u e m nutre o s e n t i d o do amor.

Cr emilda é a santa p u t a no sen t i d o e m que d e s e n v o l v e o ajus t a m e n t o da p e rsonalidade à p r o f i s s ã o d e sempenhada. Ela, com a c o n s c i ê n c i a de ser, explorado, é t a m b é m exploradora. S a b e n d o ser u m o b jeto de prazer do homem, torn a - o tamb é m objeto; s a b e n d o ser

(29)

u ma a mais n a v i d a dos h o m e n s , sem identidade, s em nome, roub a - lhes t a m b é m a identidade, e x p o n d o - o s em u ma g a l e r i a de ret r a t o s em sua salá de visitas e er g u e n d o p a r a , eles,,:--^"os desgraçados",, ,

isto é, os sem nome, sem identidade, u m copo de cachaça, s í m b o l o de sua d e c a d ê n c i a física e moral, como f orma de b r i n d a r a e l a e a eles.

"A "dona Cremilda" quis ser r i c a — " á’ tua avó d e s ordeira" — quis j u ntar um rio de dinheiro. (...) Mas q u e r i a ser r i c a as sim mesmo. Pa r a se m o s t r a r b a r o nesa, p a r a ficar cheia de vaidade. S o b e r b a " 2 1 .

23

"Ela sempre soube qu e m e ra m e u pai, e fica va com a q uela h i s t ó r i a de fila de r e t r a t o na parede, "adivinha, Luíza, a d i v i n h a quem é ele?" G a r g a l h a v a e levantava um brinde, já com u m b om copo de cach a ç a n a mão: "aos desgraçados", d i z i a ela. "Aos desgraçados ", -e as caras b a r b a d a s -e s -em b a r b a s na pare de c o p i a v a m seus m o v i m e n t o s "22.

É uma p e r s o n a g e m ativa, n ão e s p e r a que as situações aconteçam, e la as faz acontecerem. E n t r a no m u n d o dos negócios, adq u i r e p o sição e m seu meio, rouba e e n g a n a a quan t o s apareçam, p a r a atin gir seu o b j e t i v o de lucro.

N o entanto, tanto uma p e r s o n a g e m q u a n t o a o u t r a c o n t i ­ nu a m presas a u ma exist ê n c i a precária, sem saída. 0 sonho reve - la-se na re a l i d a d e r o m a n e s c a como i n v i a b i l i d a d e de concretização, como frust r a ç ã o de um ideal v i s l u m b r a d o ^ .

L e v a n d o em c o n s i d e r a ç ã o o conjunto, da ob r a do escritor, a p e r s o n a g e m p r o s t i t u t a n ão se c o n s t i t u i n um caso isolado do r o m a n ce B e i r a Rio B e i r a V i d a . E la r e a p a r e c e no r o m a n c e Os C r o c o d i l o s . Ali, Assis B r a s i l a coloca n o v a m e n t e c o n f i n a d a n u m e s p a ç o físico,

Referências

Documentos relacionados

A realização desta dissertação tem como principal objectivo o melhoramento de um sistema protótipo já existente utilizando para isso tecnologia de reconhecimento

Este estudo tem o intuito de apresentar resultados de um inquérito epidemiológico sobre o traumatismo dento- alveolar em crianças e adolescentes de uma Organização Não

Estudos sobre privação de sono sugerem que neurônios da área pré-óptica lateral e do núcleo pré-óptico lateral se- jam também responsáveis pelos mecanismos que regulam o

Como parte de uma composição musi- cal integral, o recorte pode ser feito de modo a ser reconheci- do como parte da composição (por exemplo, quando a trilha apresenta um intérprete

Crisóstomo (2001) apresenta elementos que devem ser considerados em relação a esta decisão. Ao adquirir soluções externas, usualmente, a equipe da empresa ainda tem um árduo

O objetivo deste estudo é comparar a variação, após RV, do nível de incapacidade percebido, através do DHI com a variação das medidas objetivas de

Statistical analysis had the initial intention to set up an ordinary least squares multiple regression model based on neighborhood data, with the prevalence rate