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C o n s i d e r a n d o que a c r í t i c a l i t erária já se fez voz s o ­ bre a o b r a B e i r a Rio B e i r a V i d a , aqui t e n t o s i s t e m a t i z a r um q u a d r o sumário das mais s i g n i f i c a t i v a s m a n i f e s t a ç õ e s c r íticas re lativas à sua p u b l i c a ç ã o e à sua ins e r ç ã o no p a n o r a m a l i t e r á r i o brasileiro.

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Faus t o C unha , em r e s e n h a critica sobre o . romance, a p o n t a - l h e a p e c u l i a r i d a d e de e n t r o s a m e n t o entre os n í veis t e m á ­ tico e formal que c o n v e r g e m p a r a a o b j e t i v a ç ã o de u m u n i v e r s o poé tico que resgata, por m e i o de "pequenos r e t â n g u l o s " , a t o t a l i d a ­ de de u m a comunidade e s t r u t u r a d a em classes, on d e a i n t e r d i ç ã o so ciai d e t e r m i n a u m sist e m a de dominação. Semantizando e q u e s t i o n a n do es s a r e a lidade em sua complexidade, r e f l e t i d a n a ■: c o m p o s i ç ã o do texto, B e i r a Rio B e i r a V i d a , s e g u n d o o crítico, assume p o s i — ção de d estaque no q u a d r o atual da l i t e r a t u r a s o c i a l no Brasil.

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F abio Lucas , p e r f i l a n d o o carater s o c i a l da l i t e r a t u ra brasileira, com base no p r i n c í p i o de a p r e e n s ã o do real so-

ciai em sua totalidade, e n ã o apenas na a p r e e n s ã o de f r a g m e n t o s p a rciais de s v i n c u l a d o s de sua e s t r u t u r a f u n d a mental, c l a s s i f i c a B e i r a Rio B e i r a V i d a d e ntro dos limites do t e x t o c o n f i g u r a d o r da p a t o l o g i a social, no caso um d e s v i r t u a m e n t o da c o n c e p ç ã o g l o b a l zadora da sociedade que o autor p r o c u r a representar.

R e t o m a n d o a d i s c u s s ã o de J o ã o A l e x a n d r e B a r b o s a sobre 26

o rom a n c e b r a s i l e i r o moderno, B e n e d i t o Nunes. .. q u e s t i o n a a linha,,, f i c cional inaug u r a d a pe l o M o v i m e n t o de 22, i n t e r r o m p i d a com o- a p a r e c i m e n t o do romance do No r d e s t e , e i n t e r r o g a - s e sobre a cria

ção r o m a n e s c a de hoje, em f u n ç ã o de suas m a t r i z e s modernas.

Ê na fase pós-roseana, onde a r e g i ã o como m e i o ou ambi^ ente situa c i o n a l da obra, por e l a reelaborada, r e e s c r i t a n u m n o ­ vo código poético, que B e n e d i t o N u n e s situa o r o m a n c e B e i r a Rio Be i r a V i d a como u ma das obras v i n c u l a d a s ã t r a d i ç ã o m o d e r n a b r a sileira.

A n a l i s a n d o as a b o r d a g e n s críticas sobre o r o m a n c e B e i ­ ra Rio B e i r a V i d a , o bserva-se por u m lado, que os asp e c t o s temá-_ ticos e formais ressaltados c o n f e r e m â obra o q ue chamo de com - p r o m e t i m e n t o com o h o m e m e com a r e a l i d a d e localizados; p or o u ­ tro, insere-se no contexto da l i t e r a t u r a b r a s i l e i r a m a i s v o l t a d o p a r a uma n o v a concepção de texto, u m a no v a f o r m a do f azer l i t e r ã rio.

Ha, no entanto, a v i s ã o d i s c o r d a n t e do e n s a í s t a F á b i o Lucas, que, estudando apenas os aspectos te m á t i c o s da obra, o rom a n c e como um texto c o n f i g u r a d o r da p a t o l o g i a social.

4. Um E s p a ç o na Obra do E s c r i t o r

mas não co m o essa realidade é codificada e definida pela comunidade. Se as s i m o fizesse, d i l u i r - s e - i a nas p r á t i c a s sociais cotidianas. A r e a lidade do romance é, na verdade, u m efei t o l i t e r á r i o que se.

a limenta do r e f erente concreto, sem se c o n f u n d i r c o m ele.

A s s i m sendo, o texto obe d e c e â d u p l a de t e r m i n a ç ã o . De um lado, a c o r r e s p o n d ê n c i a com a série social; de outro, a inser ção na série literária do .próprio e s c r i t o r . __

T o m a d a a obra em sua t o t a l i d a d e e c o n s i d e r a d a a sua divisão em ciclos, o que a s s e g u r a o c r i t é r i o int e r n o de classifi^ cação, p o d e - s e d i v i d i - l a em dois núcl e o s temáticos: o p r i m e i r o é o n ú c l e o regional, onde são t e m a t i z a d o s a p r o v í n c i a e o m e i o r u ­ ral em seus estados de s u b d e s e n v o l v i m e n t o e p r e c a r i e d a d e de v i ­ da; o segundo ê o n ú c l e o existencial, onde são t e m a t i z a d a s situa ções que c o n d e n a m o h o m e m a Uma e x i s t ê n c i a p a s s i v a e absurda. A o p r i m e i r o n ú c l e o estão r e l a c i o n a d o s ôs romances do C i c l o da Te tr a l o g i a P i a u i e n s e : B e i r a Rio B e i r a V i d a (196 5), A filha do M e i o Qu i l o (1966), 0 Salto do C a v a l o C o b r i d o r (1968) e P a c a m ã o (1969); ao segundo, os romances do C iclo do Terror: Os Que B e b e m Como' os Cães (1975) , O A p r e n d i z a d o da M o r t e (1976) , Deus, o Sol, Shakespearo

(1977) e Os Croco d i l o s (1980).

A T e t r a l o g i a é o p a i n e l a n g u s t i a n t e de u m a r e g i ã o su focada pe l o anac r o n i s m o de um s i s t e m a que "e s q u e c e u de c r e s c e r " , de m o d i f i c a r - s e p a r a que o h o m e m p u d e s s e se e n v o l v e r c o n s c i e n t e ­ m e n t e num p r o c e s s o h i s t ó r i c o mais amplo e, assim, envolvido, aju dar na t r a n s f o r m a ç ã o do m u n d o e de si m e s m o . . A, T e t r a l o g i a nasceu,,, seg u n d o o p r ó p r i o Assis Brasil, de uma n e c e s s i d a d e u r g e n t e de v o l t a r às suas origens telúricas e teve co m o m a t é r i a - p r i m a p a r a o l e v a n t a m e n t o de um m u n d o ficcional a e x p e r i ê n c i a de vida, p r i n

ci p a l m e n t e sua infância, e s i g n i f i c a u ma d e n ú n c i a e uma volta pa ,. ~ 27

ra o homem, p a r a a sua c o n d i ç ã o .

Assim, em 0 Salto do C á v a l o C o b r i d o r , tal como em B e i ­ ra Rio B eira V i d a , Assis B r a s i l c e n t r a l i z a o foco n a r r a t i v o na m a r g i n a l i z a ç ã o humana, p r o v e n i e n t e de u m s i s t e m a s o c i a l e s t r a t i ­

ficado, onde exis t e m segmentos "destinados" a s e r v i r e m aoutro(s). 0 Salto do Cavalo Cobridor tem coao. p e r s o n a g e m - c e n t r a l Inação, f i g u ­ ra r e p r e s e n t a t i v a do s e r t a n e j o p o s t o a serv i ç o do patrão, r e p r e ­ sen t a d o no romance por dr. Gervásio. O p a c t o q ue se e s t a b e l e c e e ntre esses dois segmentos e v i d e n c i a u m s i s t e m a de trocas em que o p r i m e i r o se sente r e c o m p e n s a d o p e l o simples fato de a d q u i r i r a c o n f i a n ç a — ser o h o m e m de c o n f i a n ç a — do segundo, s e m se a p erce be r q ue com a pos t u r a f avorece a p e r m a n ê n c i a de um q u a d r o de do m i n a ç ã o e de e x p l o r a ç ã o do h o m e m sobre o homem. C o m p o n d o o todo, não falta â n a r r a t i v a a figu r a d r a m á t i c a da m u l h e r nordestina: sofrida, submissa e d e s t i t u í d a de tòdos os direitos a ela reservados. C o m o n ã o faltam também as figuras do c o n t a d o r de estórias e do ven d é d o r a m b u lante — aqui c o n d e n s a d o s em u ma única p e r s o n a g e m — que vai m a n t e n d o a tradição oral dos fatos e i n t e r c a m b i a n d o o sert ã o c om os demais centros, através da v e n d a de o b j e t o s p r o d u z i d o s "pelas cidades". É esse o ú n i c o c o n t a t o que o s e r t ã o / s e r t a n e j o r e p r e s e n t a d o s no romance m a n t ê m c om outros mundos.

Em A Filha do M e i o Q u i l o e P a c a m ã o , a c l a s s e m é d i a ur b a n a se m o s t r a v i n c u l a d a a u m a o r d e m m o r a l qu e i m p o s s i b i l i t a a e x i s t ê n c i a de vidas dignas. A F i l h a do Meio. Q u i l o , t e m a t i z a a vin.. g a n ç a da cidade de P a r n a í b a — c i dade que a d q u i r e no r o m a n c e o e s t a t u t o de p e r s o n a g e m ~ c o n t r a a c r i a t u r a q ue t e n t a r o m p e r os p r e c o n c e i t o s e tabus ali existentes. Co m o r e s p o s t a a es s a v i n g a n ça, d. Cota, ou Cotinha, ou "a filha do m e i o q u ilo" a r t i c u l a u ma

co n tra-vingança, s u b s t a n t i v a d a no s i l ê n c i o e na i n d i f e r e n ç a , ar m a da qual se util i z a pa r a se c o l o c a r f r o n t a l m e n t e c o n t r a r i a . a todos e p a r a p r e s e r v a r sua i d e n t i d a d e diferen c i a d a . A p e r s o n a g e m atinge seu o b j e t i v o mas term i n a presa, p r i s ã o es s a q ue s i m b o l i z a a i n v i a b i l i d a d e de q u a l q u e r r e s i s t ê n c i a mais libertadora.

P a c a m ã o a família c l a s s e m é d i a u r b a n a é o s í m b o l o de p r e s e r v a ç ã o dos p r e c o n c e i t o s e tabus m a n t i d o s p e l a s o c i e d a d e mais abrangente. As figuras m a t e r n a e p a t e r n a c o n s e r v a m todos os v a l o r e s veiculados■. e e x i g e m dos filhos a m a n u t e n ç ã o da o r d e m so ciai vigente. Hera n ç a de sangue e de bens n ão p o d e m ser m i s t u r a ­ dos e/ o u di v i d i d o s com outros s e g m e n t o s sociais. F o r t a l e c e - s e o p o d e r e c o n ô m i c o - s o c i a l , e n f r a q u e c e - s e o p o d e r i n d ividual, e o que se a p r e s e n t a como saída p a r a D a r c y e Nazinha, p e r s o n a g e n s re p r e s e n t a t i v a s de uma gera ç ã o m e n o s c o m p r o m e t i d a c o m a n ò r m a é a d e g r a d a ç ã o f í s i c o-moral p r o v e n i e n t e da b e b i d a e o suicídio, r e s pectivamente.

T o m a d o o s u b c o n j u n t o da Tetralogia, p e r c e b e - s e q u e tan to o e s p a ç o u r b a n o da p r o v í n c i a q u a n t o o e s p a ç o r u r a l a r t i c u l a m um s i s t e m a de valores que c o i s i f i c a m o indivíduo, torn a n d o - o , a m a i o r i a das vezes, meros obje t o s de troca ou de uso.

O C i c l o do Terror, s e g u n d o s u b c o n j u n t o r e f e r i d o ’ da obra f i c c i o n a l de Assis Brasil, p r o b l e m a t i z a a e x i s t ê n c i a h u m a na, l i mitada p o r situações abs u r d a s como a m o r t e (O a p r e n d i z a d o da m o r t e ) , a r o tina (Deus, o sol, S h a k e s p e a r e ) , o d e s t i n o s u p o s ­ tamente i n j u s t o (Os C r o c o d i l o s ) e a p e r d a da l i b e r d a d e (Os q ue b e b e m c o m o os c ã e s )...

T o d a s as p e r s o n a g e n s dos r o mances c i t a d o s se e n c o n ­ tram de a l g u m a forma presas, l i m i tadas por u ma c i r c u n s t â n c i a . 01. ga de O a p r e n d i z a d o da m o r t e ê a c o m e t i d a p or m o l é s t i a grave, a

qual a r e t i r a do c onvívio co m os outros. V o l u n t a r i a m e n t e , a p e r ­ s o n a g e m se c o l o c a na linha de q u e m q u e r a p r e n d e r a morrer, que n ão a p r e n d e u a viver. E na a p r e n d i z a g e m a p e r s o n a g e m d e i x a pa r a o leitor a t r a j e t ó r i a da e x p e r i ê n c i a de u ma v i d a q u e n ão se fez vida. Em Deus, o sol, S h a k e s p e a r e , Hugo, p e r s o n a g e m p r i n c i pal, se e n c o n t r a alienado, p r è s o a u m a e x i s t ê n c i a r o t i n e i r a ab surda, e como ele se m o s t r a t a m b é m o p r ó p r i o mundo. A i d e n t i f i c a ção h o m e m / m u n d o surge assim como u m a m a l g a m a de v a z i o s e todas as t e n t a t i v a s de saída levam a u m ú n i c o ponto: ao nada. As diver sas formas de r e p r e s e n t a ç ã o d e s s e caos (há no r o m a n c e v á r i a s lin guagens a e x p r e s s a r e m a m e s m a realidade) a p o n t a m p a r a a m e s m a si_ tuação, e o q ue emerge de p o s i t i v o é a f e i t u r a de u m livro per seguida p e l o n a r r a d o r — a c r i a ç ã o artística cano fonte de des a l i e - nação do indivíduo.

O p o n d o e combi n a n d o d i v e r s a s ^ o z e s , A s s i s B r a s i l com põè o u n i v e r s o ro m a n e s c o de Os C r o c o d i l o s , n a r r a t i v a que temati- za o d e s t i n o s u p o s t a m e n t e a b s u r d o a qu e está c o n d e n a d o o ser hu mano. Um gari, u ma prostituta, u m eícecutivo, um c o m e r c i a n t e e um c o r r e t o r de seguros, figuras r e p r e s e n t a t i v a s de d i v e r s o s seçf m ent o s sociais, se e n c o n t r a m c o n f i n a d a s n u m ú n i c o e s p a ç o e na m e s m a s i t u a ç ã o que as d e i x a m a todos c o n d e n a d o s ao m e s m o fim. A t r a v é s do r e c u r s o da polifonia, as d i v e r s a s p e r s o n a g e n s r e v e l a m suas existências e, contrapondo-as, o leitor se c o l o c a c o m o o or g a n i z a d o r de u m q u a d r o onde t r a n s p a r e c e a i n u t i l i d a d e de todas aquelas vidas. N i v e l a n d o a todas p e l o d a d o da m e s m a c i r c u n s t â n - cia, o e s c r i t o r mais do que e x p r e s s a r as d i f e r e n ç a s i n d i v i d u a i s e x p r e s s a a c o n d i ç ã o mais generalizada da e x i s t ê n c i a acomodada.

C o m b i n a n d o H i s t ó r i a e Ficção, A s s i s B r a s i l e s t r u t u r a o romance Os que b e b e m como os c ã e s . Jeremias, p r o f e s s q r de litera

tura, é p r e s o por d e f e n d e r idéias p o l í t i c a s c o n t r á r i a s ao s i s t e m a dominante. 0 Sistema se a p r e s e n t a n a n a r r a t i v a c o m o um a e n t i d a d e ab s t r a t a mas que m a n t ê m e gera, . através d e - e x e c u t o r e s de or dens, condições limitadoras, da e x p r e s s ã o livre de idéias do in divíduo. Q u alquer t e n t a t i v a de r e a ç ã o a es s a O r d e m e f i c i e n t e ê p u n i d a com severidade. A t r a j e t ó r i a d r a m á t i c a de J e r e m i a s se faz, assim, pe l a o b e d i ê n c i a ao poder, c o n s e g u i d a a t r a v é s de me canismos r e p ressores da tor t u r a físi c a e p s i c o l ó g i c a , e a p o s t e ­ rior reaç ã o a esse p o d e r estabelecido. No entanto, a d e s i g u a l d a ­ de de forças m o s t r a â p e r s o n a g e m sua f r a g i l i d a d e e l e va-a a de_i xar como forma de r e a ç ã o mais v e e m e n t e a i n s c r i ç ã o n o m u r a l do p r e s í d i o da força de sua morte,

Como conjunto, p o d e - s e destacar, na o b r a de A s s i s Bra sil, u m fio que i n t e r l i g a todo&: os r o mances aqui referidos: a e x i s t ê n c i a de "espaços" l i mitadores da c o n d i ç ã o h u m a n a e, mais forte que isso, a d e n u n c i a da p a s s i v i d a d e do ser h u m a n o d i a n t e de circunstâncias, algumas vezes, criadas p or ele mesmo.

N otas e Refe r ê n c i a s B i b l i o g r á f i c a s ao Cap. I

1. Uso a ex p r e s s ã o escritor(es) no sent i d o a t r i b u í d o a esse ter

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