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TRANSPORTE ATIVO NO TRAJETO ESCOLAR: UMA REVISÃO INTEGRATIVA.

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C ontato: Livia Alessandra Carvalho T eles - liviale23@hotmail.com

Transporte ativo no trajeto escolar: uma revisão

integrativa

Active transport at the school path: an integrative review

Livia A.C. Teles1 Julia A.D. Nogueira1 Fernando J.A. de Oliveira1 Joslea S. Rodrigues1 1 Faculdade de Educação Física da Universidade de Brasília Re ce bido: 06/06/2019 Ace ito: 22/04/2020

RESUMO: o transporte ativo pode ser uma oportunidade para desenvolver comportamentos mais

saudáveis na vida das crianças e jovens. O presente estudo busca identificar barreiras e facilitadores desse comportamento, bem como suas interfaces com a saúde dos escolares por meio de revisão de lit e r atur a . T rata-se de uma revisão integrativa de literatura realizada nas bases eletrônicas BVS, Scielo e p e r ió dic o Capes, utilizando os descritores mobilidade, transporte, deslocamento, ativo, sust e ntá v el, e studa n te s, escolares e trajeto escolar em português, inglês e espanhol. Foram incluídos estudos realizados nas Américas e publicados nos últimos cinco anos. Os 16 artigos selecionados foram desenvolvidos no Brasil, Canadá, México e Estados Unidos, sendo que a maioria deriva de pesquisas mais amplas. Os r e sult ado s indicam que a prevalência de transporte ativo no trajeto escolar variou entre 10% nos Esta dos U n ido s e 76% no Brasil. Alguns facilitadores desse comportamento foram: pais que ut iliz a m tr a nspo rte a tiv o; expectativa dos pais; percepção dos pais sobre boa estrutura e segurança; crianças mais velhas, sem veículos, de grandes cidades, com menor satisfação familiar, com maior número de dias fisicamente ativos; ser homem; presença de adulto e clima. Algumas barreiras foram: distâncias; maior idade, nível de escolaridade da mãe e classe econômica; maior tempo de trabalho dos pais; posse de veículo; zona urbana; bullying; muita coisa para carregar, ausência de árvore, criminalidade; presença de animais v a dios e t e r etnia latina. A interface do transporte ativo no trajeto escolar com a saúde foi reporta da c o mo n ív el de atividade física, obesidade/sobrepeso (saúde individual) e barreiras e facilitadores a esse tipo de deslocamento (saúde ambiental). Considerando que atitudes cultivadas na infância têm grandes chances de permanecer na vida adulta, o transporte ativo no trajeto escolar pode ser uma est ra té gia n a c r ia ç ão de hábitos saudáveis e sustentáveis que contribuam para melhor qualidade de vida, desde que se conside r e m seus determinantes e condicionantes.

Palavras-chave: Caminhada. Escola. Saúde.

TELES LAC, NOGUEIRA JAD, DE OLIVEIRA FJA, RODRIGUES JS. Transporte ativo no trajeto escolar: uma revisão integrativa. R. bras. Ci. e Mov 2020;28(2):65-75.

ABSTRACT: the active transport can be an opportunity to develop healthier beh a v iors in t h e liv e s o f

children and young people. The present study seeks to identify barriers and facilitators of this behavior, a s well as their interfaces with the students' health through a literature review. It is an integrative lite r atur e review carried out on the electronic databases BVS, Scielo and Capes p eriodical, using the descripto rs o f mobility, transport, displacement, active, sustainable, students, school and schoo l p ath in Po rtugue se , English and Spanish. Studies carried out in the Americas and published in the last five years were included. T he 16 selected papers were developed in Brazil, Canada, Mexico and the United St a te s, wit h most of them deriving from broader researches. The results obtained reve a l t he p re va le nc e o f a c tive transport in school path varied between 10% in the United States and 76% in Brazil. Some facilita tor s o f this behavior were: parents or adults who use active transport; parental expectation; parents' perception o f good structure and safety; older children, without vehicles, large cities, with less family satisfaction, wit h more days of physical activities; be a man; adult presence and climate. Some barrie rs we r e : dist a n c es; older age, mother’s education level and economic class; longer working time for parents; vehicle ownership; urban area; bullying; a lot to carry, few trees, crime; presence of stray a nim als a n d h a v ing Latin ethnicity. The interface between active transport in the school path and health was rep o r te d a s t he level of physical activity, obesity/overweight (individual health) and barriers and facilitators to this type of displacement (environmental health). Considering that attitudes cultivated in childhood are very like ly to remain in adulthood, active transportation on the school path can be a strategy in c r e a ting h e a lthy a n d sustainable habits that contribute t o a better quality of life, as long as its determinants and condit ions a r e considered.

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Introdução

Transformações sociais contemporâneas têm desencadeado mudanças no estilo de vida individual e coletivo. Cada vez mais as facilidades da tecnologia associadas ao cotidian o acelerado resultam em hábitos de vida não saudáveis, tais como o consumo de alimentos ultra processados e a redução da atividade física. Os determinantes e os impactos desses comportamentos são tantos que devem ser tratados como uma questão coletiva de s aúde. Por exemplo, o aumento da prevalência das doenças crônicas não-transmissíveis tem gerado elevados custos humanos e econômicos à saúde pública1.

O aumento do sedentarismo em diversos grupos populacionais tem sido um dos grandes desafios para a saúde contemporânea. Estima-se que, globalmente, os custos financeiros da inatividade física sejam em torno de US$ 54 bilhões em assistência médica direta, dos quais 57% são assimilados pelo setor público, e outros US$ 14 bilhões são atribuídos à perda de produt ividade2.

Ainda mais preocupante é o avanço do sedentarismo entre as novas gerações. Uma pesquisa transnacional ‘Health Behaviour in School-aged Children’ realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em países da Europa e América do Norte em 2013-2014 aponta que somente 25% dos jovens de 11 anos e 16% dos de 15 anos atingiam os níveis atuais de recomendação de atividade física3. No Brasil, dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2015 apontam que 60,8%, dos escolares são considerados insuficientemente ativos (praticam entre 1 e 299 minutos por semana) e 4,8% são totalmente inativos, avaliando três domínios: deslocamento no trajeto escolar, aulas de educação física na escola e outras atividades físicas extraescolares4.

Sabendo que pess oas insuficientemente ativas aumentam o risco de morte em 20% a 30% quando comparadas às pessoas suficientemente ativas, a OMS desenvolveu um plano de ação global sobre atividade física para promover a saúde com a finalidade de reduzir em 15% os níveis de inatividade física até 2030, no qual destaca-se uma iniciativa importante: inserir a atividade física no cotidiano que as pessoas vivem, trabalham e estudam2. Considerando que os comportamentos adquiridos durante a infância e adolescência em geral perduram até a idade adulta, o estímulo à prática de atividade física durante a juventude deve ser uma prioridade em saúde pública. Para tal, são necessárias ações que incentivem atitudes cotidianas mais saudáveis1-4.

Uma possibilidade interessante para a promoção da saúde individual, coletiva e ambiental é a prática do transporte ativo (TA). Em termos conceituais, não há na literatura uma definição precisa sobre TA, mas este pode ser entendido como sinônimo de deslocamento ativo, mobilidade ativa, viagem ativa, ou ainda atividade física no deslocamento. É essencialmente compreendida como a caminhada e o uso de bicicleta para se locomover5. No nível do indivíduo, caminhar e pedalar para se deslocar pode aumentar o gasto energético total e a capacidade cardiorrespiratória, além de reduzir o estresse. Na esfera coletiva pode ampliar o convívio social e reduzir a violência. Em termos ambientais é notória sua contribuição para a redução da poluição sonora e do ar5.

No entanto, é importante compreender que a saúde huma na e os comportamentos a ela atrelados, mais que escolhas individuais, são determinados por condições socioeconômicas, políticas, culturais e ambientais da sociedade6. Dessa forma, para promover a saúde e modificar os padrões de comportamento insalubres, como o sedentarismo, é necessária a capacitação da comunidade para maior

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participação nesse processo. É necessário construir políticas públicas saudáveis, criar ambientes favoráveis, reforçar a ação comunitária, desenvolver habilidades pessoais e reorientar os serviços de saúde7. Nessa perspectiva, a escola é um espaço privilegiado para avançar rumo à promoção da saúde3. Além de sua capilaridade social capaz de impactar a vida de grandes grupos populacionais, suas estruturas de formação deveriam estar alinhadas às cinco áreas de ação estratégicas em promoção da saúde de modo a formar cidadãos empoderados, participativos e saudáveis3,7.

Diversos estudos apontam a relevância que o TA pode ter na saúde e na vida dos escolares, bem como na qualidade de vida das pessoas8-26. No entanto, poucos estudos abordam essa temática no Brasil. Considerando o potencial promotor da saúde e do desenvolvimento sustentável que o TA possui no mundo contemporâneo5; que o TA no trajeto escolar é uma realidade para muitos estudantes no Brasil9,23,24; e a necessidade de compilar informações agregadas dos estudos sobre esse tema nas Américas, o presente trabalho realiza uma revisão de literatura sobre TA no trajeto escolar buscando identificar barreiras e facilitadores desse comportamento bem como suas interfaces com a saúde dos escolares.

Método

Esse estudo é uma revisão integrativa de literatura sobre o TA no trajeto escolar nas regiões das Américas (América do Norte, Central e do Sul). O método de revisão integrativa permite a comb inação de estudos com diferentes abordagens metodológicas mantendo o rigor das revisões sistemáticas, e favorece a avaliação crítica e a síntese das evidências disponíveis do tema investigado27. A busca por publicações foi realizada nas bases de dados do Scientific Electronic Library Online (Scielo), Periódicos Capes e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), que incluem o Sistema Online de Busca e Análise de Literatura Médica (Medline) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LiLACS). Os d escritores utilizados foram mobilidade OR transporte OR deslocamento AND ativo OR sustentável AND estudantes OR escolares OR trajeto escolar, em português, inglês e espanhol. O período da busca contemplou os últimos cinco anos (entre janeiro de 2014 e dezembro de 2018).

Inicialmente foram identificados 2981 estudos. Foram encontrados 55 estudos especificamente sobre TA no trajeto escolar e ao aplicar os critérios de inclusão (publicado na região das Américas e que apresentava alguma interface com o tema da saúde, seja a partir de benefícios à mesma ou de seus determinantes), selecionamos 16 estudos. Excluímos revisões de literatura e estudos que abordavam o tema do TA sob a perspectiva das engenharias ou do urbanismo, sem apresentar relações com a saúde (Figura 1).

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Figura 1. Detalhamento do processo de busca e seleção dos artigos sobre Transporte

Para facilitar a visualização e análise das características dos estudos, as informações pertinentes a essa revisão foram tabuladas em ordem de data de publicação, iniciando pelos mais recentes e agrupados por país da publicação, em ordem alfabética. As principais características (localidade, ano, objetivo, amostra, fatores analisados, metodologia e resultados) dos 16 artig os foram tabuladas e analisadas criticamente buscando destacar as interfaces do TA com a saúde em escolares.

Resultados

Em termos temporais, dos 16 artigos selecionados, seis foram publicados em 2014; quatro em 2015; quatro em 2016, nenhum em 2017 e dois em 2018. Em termos de localidade, 13 foram publicados em inglês, sendo 13 produzidos na América do Norte (nove nos EUA, três no Canadá e um no México). Os outros três estudos foram realizados no Brasil (América do Sul) e publicados em português. Não foi localizado nenhum estudo em espanhol. Cabe destacar que 10 dos artigos selecionados derivaram de estudos maiores já realizados 9-15, 17-19.

Quanto aos aspectos metodológicos, os 16 estudos foram de abordagem quantitativa, sendo a maioria (n=14) transversal. As amostras variaram entre 59 e 61.301 participantes (crianças e jovens escolares). Sete estudos contam também com a participação dos pais dos estudantes para concederem informações 10,14,15,17,20-22. Quatro pesquisas utilizaram entrevistas 11,14,15,22 e cinco aplicaram questionários 10,11,20,23,24. A figura 2 apresenta as características gerais dos estudos como local e ano de publicação, amostra, metodologia e fatores analisados.

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Figura 2: Características gerais das publicações sobre transporte ativ o no trajeto escolar:

Ref #, número da referência bibliográfica; a, é estudo secundário, portanto não utilizou instrumentos para as análises, reportando apenas dados de estudo primário.

Ao analisar os resultados das produções científicas selecion adas (Figura 3) temos que nove dos 16 estudos apresentam a prevalência de TA no caminho da/para escola, sendo que esta variou entre 10,0% (nos EUA)11 e 75,7% (no Brasil)23. Ao analisar alguma interface do TA no trajeto escolar com a saúde percebe -se que os estudos a relacionam com nível de atividade física, obesidade/sobrepeso (saúde individual) e barreiras e facilitadores a esse tipo de deslocamento (saúde ambiental).

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Figura 3: objetivos e principais resultados dos estudos selecionados sobre transpo rte ativo no trajeto escolar.

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Onze estudos indicam barreiras e facilitadores do transporte ativo escolar. A barreira mais citada para o deslocamento ativo para/da escola foi a distância10,12,15,16. Também são dificultadores considerados: maior tempo de viagem, maior idade, maior nível de escolaridade da mãe, posse de veículo, melhor status econômico, zona ou região urbana15, bem como o bullying13. Outros estudos exibem como obstáculo para o TA: a presença de animais vadios/perigosos19 e ter etnia latina22.

Um estudo10 mostra ainda que a percepção dos pais sobre o trajeto escolar influencia mais no modo de deslocamento dos estudantes do que a percepção das próprias crianças. Os pais usarem transporte ativo estimula os estudantes a também praticarem esse modal no trajeto escolar17. Algumas barreiras relacionadas com a percepção dos pais são: crianças devem ficar dentro do campo de visão dos pais ou da casa, e mais horas de trabalho dos pais17.

Por outro lado, são características que incentivam o TA no caminho escolar: crianças mais velhas17, sem irmãos e sem veículos10; escolas e crianças de grandes cidades, com menor satisfação familiar ou que tem maior número de dias fisicamente ativos12; ser da área rural e escolaridade da mãe a partir de oito anos18. Em adição, outro estudo22 mostra que ser homem, presença de um adulto, expectativa dos desfechos dos pais e a temperatura podem colaborar para o TA escolar. Podem ainda auxiliar na participação do TA no trajeto escolar: relato dos pais sobre mais calçadas conservadas, cruzamentos seguros, segurança na quantidade e velocidade do tráfego e presença de guarda no cruzamento19.

Além disso, o TA esteve associado positivamente com os níveis de ativ idade física20,21 e negativamente associado com a chance de sobrepeso/obesidade14, 15,18,23. Cada minuto a mais de transporte ativo, diminui em 1% a chance de sobrepeso/obesidade15, bem como TA maior que meia milha (804 metros) reduz em 65% a chance de est ar acima do peso/obeso14 e TA no jardim de infância foi associado a menor IMC na 5ª série18. A distância do trajeto escolar ativo por volta de 2 km foi associada a melhores níveis de atividade física relacionada ao TA (aumento de 9% a 15% nos dias da semana)20.

Discussão

Diante dos resultados apresentados, constata-se que, nas Américas, os EUA lideram as produções de estudos com a temática TA no trajeto escolar (n=9). Em adição à facilidade em publicar na língua inglesa, é possível que o acompanhamento longitudinal sobre o TA no trajeto escolar nos EUA25 - indicando que de 1969 a 2009 a porcentagem de crianças que caminharam ou usaram a bicicleta até a escola reduziu de 47,7% para 12,7% - tenha sensibilizado a respeito da relevância desse tema. Mesmo assim, merece destaque a pouca representatividade científica dos países da América Latina, como Brasil (n=3) e México (n=1). Tal realidade é preocupante, uma vez que a mobilidade sustentável é um dos temas emergentes e estratégicos do século XXI para promover a qualidade de vida planetária, pois é necessário repensar como planejar os deslocamentos cotidianos com inteligência, agilidade, poucos gastos, conservando o meio ambiente e promovendo saúde e bem-estar26.

Ao analisar os estudos selecionados, nota-se que faltam pesquisas longitudinais, bem como estudos qualitativ o s , que poderiam complementar os dados existentes, ampliando o entendimento do tema e qualificando o referencial teórico. Em adição, é importante reportar a dificuldade de realizar uma comparação d ireta dos estudos, uma vez que as metodologias e as variáveis apresentadas foram distintas, incluindo a ausência de algumas informações essenciais para o melhor entendimento do contexto ou da população estudada (como características sociodemográficas). Em época de diálogos constantes sobre qualidade de vida e saúde individual, além da saúde coletiva e planetária, torna -se imprescindível o desenvolvimento de estudos que busque m entender os determinantes e condicionantes desses processos6.

Não obstante, a partir dos resultados apresentados propomos algumas reflexões que podem contribuir para melhor compreender a realidade do TA escolar, as principais barreiras e facilitadores na adoção desse comportamento e

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72 suas associações com a saúde. Começando pela frequên cia desse comportamento, fica evidente que nos EUA a minoria dos alunos pratica TA para/da escola11,12,14,19, enquanto o México15, o Brasil9,23,24 e o Canadá13 apresentam maior frequência de TA nas viagens escolares.

Pela pequena quantidade de estudos (em especial no México e Canadá) que apresentam a frequência desse comportamento, e da população e amostra serem muito diferentes entre eles, não é possível definir um padrão de TA entre países mais desenvolvidos ou menos desenvolvidos economicamente. É bem v erdade que melhores condições estruturais nas cidades , como ciclovias e calçadas, além da integração com o transporte público , podem favorecer o TA30. Mas também influenciam esse comportamento a cultura do país30, o ‘status’ econômico15 e a posse de veículos motorizados pelas famílias10,15.

As condições estruturais da cidade e do trânsito (como calçadas conservadas e cruzamentos seguros) aparecem nos relatos dos pais como aspectos que facilitam o uso do TA19. Outros aspectos como a distância a ser percorrida ou estar em zona rural ou urbana também apresentam relação com essa questão estrutural das cidades e do trânsito. Por outro lado, aspectos como nível de escolaridade da mãe e a posse de veículos motorizados que, de certa forma apresentam relação com a classe econômica das famílias, também afetam a prática do TA15. Um estudo destaca que, no Brasil, a população de baixa renda é a que mais utiliza o TA31. Nesse caso, observa-se uma tendência inversa de melhores condições econômicas com o uso do TA.

Nesse contexto, embora o TA tenha estado relacionado com melhores níveis de atividade física e menores prevalências de excesso de peso, que são aspectos importantes para a saúde, é pertinente refletir que, para muitos, essa prática pode não ser uma escolha, e sim uma necessidade. Se acrescermos a isso condições urbanas desfavoráveis à prática do TA (como violência interpessoal e/ou no trânsito, presença de animais vadios ou perigosos, dentre outros)19 chegamos à conclusão que o TA não necessariamente é um elemento promotor de saúde. Na perspectiva da promoção da saúde, a mobilidade ativa como atividade física deve ser direito e as pessoas devem participar ativamente dessas escolhas32.

Percebe-se que as facilidades e barreiras ao TA escolar são, muitas vezes, influ enciadas por fatores que fogem do controle do sujeito e se relacionam aos determinantes sociais de saúde (DSS), tais como condições econômicas, culturais e ambientais, todas afetadas por questões de política pública6. Tal constatação aporta um grau de complexidade ampliado à análise do tema do TA associado aos DSS que, na maioria dos estudos, não esteve presente, ao menos de forma explícita.

Embora seja pertinente pensarmos no TA como um comportamento desejável em termos de saúde individual, coletiva e urbana, tomar conhecimento das barreiras e dificultadores desse comportamento, bem como de seus determinantes, é essencial para propor intervenções que possam contribuir para o aumento do TA de modo a efetivamente promover a saúde, levando-se em conta questões como equidade e justiça social, empoderamento e participação ativa, e sustentabilidade ambiental e das iniciativas7,33.

É bem verdade que o sedentarismo, a obesidade e outras doenças crônicas não transmissíveis vem aumentando drasticamente em nossas sociedades e afetando inclusive crianças e jovens em idade escolar4, 28, 32. Sabe-se também que a obesidade infantil prevê a obesidade adulta28, e que hábitos desenvolvidos nessa fase da vida em geral perduram por toda a vida3. Não obstante, tais evidências não devem se sobrepor às questões estruturais que determinam ou condicionam os comportamentos sociais.

Nessa perspectiva, é interessante pensar em uma mudança cultural que favoreça a formação de crianças, jovens e adultos mais saudáveis. Para a consecução desse desafio, acreditamos ser necessário um processo educativo emancip a d o r e crítico, onde as escolas cumpram sua missão de formar cidadãos autônomos e reflexivos que reconheçam que o atual modelo de planejamento urbano é ineficiente por não conseguir viabilizar a mobilidade, buscando pensar alternativas a

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esses desafios. É emergente repensar novos modelos de deslocamentos e inserir o ser humano no centro do planejamento urbano, incluindo a bicicleta e a caminhada como elementos de integração e inclusão d a população no espaço público, resultando em melhor qualidade de vida urbana26.

Um aspecto positivo de alguns estudos foi a participação dos pais nas pesquisas, bem como a identificação de que o envolvimento da família no incentivo ao TA é fundamental, po is influenciam as opções nos deslocamentos casa-escola dos estudantes (e nos de toda a família) bem como também afetam suas escolhas no futuro17. Em acréscimo, se os trajetos são feitos de forma compartilhada, isso aumenta a segurança do TA.

Discutir o TA no trajeto escolar pode ser uma ferramenta valiosa na promoção da saúde individual, coletiva e planetária. Para tal, é importante que as associações entre TA e saúde não sejam realizadas de forma reducionista e simplista, mas que considerem aspectos estruturais e culturais desses processos. Nesse pensar, é fundamental ampliar a produção de estudos sobre o tema, em especial explorando os contextos em que a mobilidade ativa é praticada. Outra ação necessária é que tal discussão (e/ou pesquisa) envolva toda a comunidade escolar de forma a possibilitar a ampliação do TA como uma opção culturalmente desejável e viável.

Enquanto tais articulações não se concretizam, algumas ações mais pontuais que convirjam com as necessidades das crianças no TA para/da escola podem ser implementadas a partir do próprio ambiente escolar e familiar, tais como a realização de oficinas sobre mobilidade segura e a criação de grupos de caminhada/pedalada para otimizar o convívio social e diminuir os riscos do TA. De toda forma, essas ações devem aproveitar para conscientizar os governantes da necessidade de políticas públicas mais efetivas sobre a mobilidade, incluindo aspectos estruturais de distribuição geográfica adequada entre escolas, integração do transporte ativo com o transport e público, e realização e conservação de ciclovias, calçadas e faixas de pedestres, principalmente nas rotas escolares.

Considerações finais

Embora o tema do TA seja extremamente atual e relevante, existem poucos estudos sobre essa temática a partir da perspectiva de sua relação com a saúde. Em países em desenvolvimento, como o Brasil e México, a frequência do TA é elevada entre escolares e são muitas as barreiras que eles enfrentam nesses percursos diários. Apesar da possibilidade do TA no trajeto escolar melhorar os níveis de atividade física e diminuir as chances de sobrepeso e obesidade infanto -juvenil, é importante considerar outros aspectos de saúde, como a segurança física dos praticantes e as condições em que tal atividade é realizada, antes de apontar que esse comportamento é promotor da saúde. Não obstante reconhecemos, a partir da síntese dos estudos, que o TA no trajeto escolar é um tema com enorme potencial para mobilizar a comunidade escolar em prol de uma cultura e de atitudes mais saudáveis e sustentáveis.

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Referências

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