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Ruy Braga Política e precariado no Brasil Semináro da USP (Vídeo)

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Ruy Braga | Política e

precariado no Brasil –

Semináro da USP (Vídeo)

Exposição do professor do departamento de Sociologia da USP, Ruy Braga, sobre seu livro “A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista”

Não deixe de conferir:

Protestar no gerúndio

Ruy Braga

E l e i t o s p a r a o Diretório Central dos Estudantes (DCE) d a U n i v e r s i d a d e Estadual de Campinas ( U n i c a m p ) , V í t o r Negrete, Alexandre Padilha e Ruy Braga militaram juntos na campanha encabeçada pelo movimento estudantil para a derrubada do ex-presidente Fernando Collor de Mello.

Mais de vinte anos depois, os estudantes voltaram às ruas. Os incluídos pelas duas décadas de maior acesso a renda, educação e saúde, como mostram os números recentes do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), agora esbarram nas limitações de

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um modelo de desenvolvimento que já não comporta o avanço da inclusão.

Negrete morreu ao tentar escalar o Monte Everest e Padilha virou ministro da Saúde incumbido de encabeçar as respostas governamentais ao principal problema indicado pelos manifestantes. Desde então, Ruy Braga, hoje professor de sociologia na Universidade de São Paulo (USP), tem se dedicado a mostrar que o governo do PT leva seu aplicado colega de passeatas a enxugar gelo.

Braga é autor do mais instigante artigo de Cidades rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil? (Boitempo, 2013), primeira coletânea sobre as manifestações que chega às livrarias na próxima semana.

Braga dedicou os últimos anos a entrevistar operadores de telemarketing, categoria que é a porta de entrada no mercado de trabalho para 1,5 milhão de jovens com baixa qualificação. Setor que cresceu com a expansão de varejo e serviços, é a ponta em que arrebenta a insatisfação dos consumidores com a conta de celular duplicada ou a TV a cabo que sai do ar na final do campeonato.

Como muitas agências reguladoras são loteadas por ex-dirigentes de empresas que deveriam fiscalizar, sobra para os operadores de telemarketing caprichar no gerúndio para aplacar a ira de quem compra e não recebe. Pela missão, ganham pisos salariais. Simbolizam a geração de empregos da era petista em que 94% do novos postos têm remuneração de até 1,5 salário mínimo.

Entre os operadores do gerúndio, Braga encontrou muitas filhas de empregadas domésticas que, a despeito de salários mais baixos que o de suas mães, submetem-se a pressão despótica por metas e alta taxa de rotatividade na tentativa de pagar faculdade e romper com a sina familiar.

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páginas de jornal, as pesquisas indicam que seu perfil não se distingue muito daqueles operadores de telemarketing. Enquete citada por Braga (Plus Marketing) mostrou que nas mega passeatas de 20 de junho do Rio e de Belo Horizonte 70% dos manifestantes estavam empregados, 34% recebiam até um e 30% ganhavam entre dois e três salários mínimos. A idade média era de 28 anos.

As manifestações não são, portanto, frutos da rebeldia estudantil ou da fúria de marginalizados. São revoltas de quem está empregado, mas não vê como seu trabalho pode vir a lhe garantir futuro.

Em livro anterior (A política do precariado), Braga colocou um espelho na frente do espetáculo do emprego e viu uma imagem borrada: a inserção de países periféricos como o Brasil no mercado mundial se dá com a ampliação limitada de benefícios trabalhistas e acaba gerando inquietação.

O que hoje explode nos centros urbanos já estava escrito desde o final do governo Luiz Inácio Lula da Silva nos canteiros de obra do PAC, de Jirau a Suape. O faro do ex-presidente apressou o crédito consignado e a valorização do salário mínimo, mas foram avanços insuficientes para deter a insatisfação.

Braga coloca números na inquietação. A despeito da queixa unânime do mercado de que o gargalo da economia está na baixa produtividade, o número de acidentes trabalhistas praticamente dobrou nos últimos dez anos. Cresceram ainda as doenças musculares e aquelas de fundo psicossomático.

O estresse não se limita ao mundo do trabalho, alimenta-se das condições de vida em cidades com 6% da população (12 milhões) vivendo em favelas, submetidas a até seis horas diárias de translado e sujeitas à franja de violência da periferia.

Daí porque o colega de passeatas de Braga enfrente tantas dificuldades em emplacar seus médicos a mais. É um trabalhador

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que, a despeito de ser mais qualificado e remunerado, somaria a precariedade de vida nos grotões e periferias à ausência de esparadrapos para remendar o caos. Se quem está lá vem gritando para sair, não vai ser fácil encontrar quem queira entrar, mesmo que de jaleco.

Os números do IDH mostraram que se algo faz sentido naquela ideia estapafúrdia de uma nova constituinte é o de chamar atenção para avanços garantidos pela Constituição de 1988, como a vinculação de gastos em educação e saúde, que, agora, bateram no teto.

Para ampliar o pé direito desse saguão onde se acumulam as demandas sociais, a presidente Dilma Rousseff esbarra na reversão da política de redução de juros, com a qual esperava ter folga fiscal. Ainda que as pastas sociais tenham sido as mais preservadas pelos cortes, não têm orçamento para fazer frente à ambição das ruas por educação e saúde de mais qualidade. A aprovação do projeto que lhes destina uma parte dos royalties do pré-sal vai dar uma folga, mas é coisa para duas décadas.

No curto prazo, o que Braga enxerga é a encruzilhada de uma política econômica que não favorece a expansão de gastos sociais ou a oferta de futuro para a rebeldia das ruas. Além de precarizados, os empregos começam a escassear. O tempo de permanência do trabalhador no emprego caiu de 18 para 16 meses. A recontratação sempre se dá por salário menor. Em 2012 o saldo entre admitidos e desligados de seus postos de trabalho foi metade daquele registrado em 2007, pico da era Lula.

Braga se define como um fã de carteirinha de seu antigo colega de movimento estudantil, mas conclui que Padilha não pode fazer milagre. Diz que as ruas, tomadas pelos blequebloques, só darão alento à direita se a esquerda permanecer imobilizada.

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anos, Braga milita no PSTU. Não é preciso acreditar nas chances eleitorais do 16 contra burguês para se concluir que o PT está ameaçado de perder o bonde da história pela esquerda. As concessões feitas à Fifa e ao Coi só escancararam aquelas que ao longo da era lulista deixaram o PT refém de interesses que defendem a liberdade de mercado mas não vivem sem um Estado a protegê-los.

(Artigo originalmente publicado dia 2 de Agosto no jornal Valor Econômico)

A Disputa pelo Tempo – Em

busca da jornada de 30 horas

semanais

Gibran Jordão

Da mesma forma que o camponês, o mercador está submetido, na sua actividade profissional, em p r i m e i r o l u g a r a o t e m p o meteorológico, ao ciclo das estações, à imprevisibilidade d a s i n t e m p é r i e s e d o s cataclismos naturais. Neste aspecto, e durante muito tempo, ele só necessitou de submissão à ordem da natureza e de Deus e só teve como meio de acção, a oração e as práticas supersticiosas. Mas quando se organiza uma rede comercial, o tempo torna-se objeto de medida. (LE

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GOFF, 1979, p. 51).

Tempo é dinheiro!

(ditado popular brasileiro de domínio público)

“Vem me trazer calor, fervor, fervura.

Me vestir do terno da ternura

Sexo também é bom negócio. O melhor da vida é isso e ócio.

Isso e ócio…”

(Zeca Baleiro)

Na Idade Média, estava convencionado que a administração do tempo era tarefa da igreja católica. Não era permitido ao homem apoderar-se do tempo com o propósito de obter lucro. Mas à medida que as relações econômicas foram se transformando com o desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo, isso foi se chocando cada vez mais com a dominação do tempo realizada pela igreja.

Segundo Le Goff, com as profundas alterações no sistema econômico que estavam em processo, a partir do século XIV, o tempo da igreja foi sendo substituído, “pelo tempo mais exatamente medido, utilizável para as tarefas profanas, laicas, o tempo dos relógios.” (LE GOFF, 1979, p.53).

Mas foram as revoluções que desagregaram de vez todo o sistema feudal que definiram com quem ficaria o controle político e consequentemente com a administração do tempo. Na França, por exemplo, as suas fundações mais antigas e mais profundas eram obras da Igreja, estabelecidas durante mil e trezentos anos. A Revolução Francesa é considerada como o acontecimento que deu início à Idade Contemporânea, abolindo a servidão e os

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direitos feudais e proclamando os princípios universais de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” (Liberté, Egalité, Fraternité).

O tempo passa a ganhar no imaginário social uma natureza mais científica e se estabelece como uma grandeza física. Assim, com o desenvolvimento da economia de mercado, com o avanço tecnológico, com a internacionalização do mundo dos negócios, o controle do tempo não só passa totalmente para as mãos da burguesia, como também a mesma passa a aprimorar a sua racionalização com o objetivo central de acumular.

O tempo de trabalho passou a significar a fração de tempo que é gasta pelo trabalhador no processo produtivo. Pensadores como Marx nos ensinam que o tempo total de trabalho ganhou uma divisão clássica, onde temos o tempo de trabalho necessário e tempo de trabalho excedente. O primeiro é aquela fração de tempo de trabalho que é necessária para custear a manutenção do próprio trabalhador. Já o tempo de trabalho excedente existe quando o trabalhador não detém mais os meios de produção e a outra fração do seu tempo total de trabalho é dedicada ao detentor desses meios. No capitalismo o trabalho necessário e trabalho excedente se confundem e se encontram atrelados na jornada de trabalho. Os burgueses donos dos meios de produção aprenderam rapidamente que quanto menos pagarem pelo tempo de trabalho necessário (salários) e quanto maior for o tempo de trabalho excedente, mais competitivo será e mais lucro acumulará (mais valia).

Podemos dizer que na composição da jornada de trabalho existe um tempo de trabalho no qual se é produzido um valor excedente, que excede o salário diário do trabalhador. É no tempo de trabalho excedente que ocorre a valorização do capital. Esse trabalho excedente se transformou em cobiça para quem compra a força de trabalho. Por isso existe o interesse do capitalista no aumento da jornada de trabalho, bem como no controle rigoroso e científico do tempo.

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[…] apareceu a necessidade de uma rigorosa medição do tempo, porque na indústria têxtil convém que a maioria dos operários jornaleiros – o proletariado têxtil – vá e venha para o trabalho, a horas fixas. Primórdios da organização do trabalho, prenúncio longínquo do taylorismo […] Este tempo que começa a racionalizar-se laiciza-se igualmente. (LEGOFF, 1979, p. 52)

As mudanças verificadas nas técnicas de manufaturas demandavam uma maior sincronização do trabalho e maior exatidão na observação das horas. A partir de 1700 se consolidava o capitalismo industrial disciplinado, submetendo o trabalhador à vigilância, por meio da folha de ponto, de informantes e de multas. Tudo para evitar o desperdício de tempo, e assim aperda de lucros. Dentro das indústrias inglesas, alguns patrões tornaram-se os “senhores do tempo” no processo produtivo, não permitindo que os operários tivessem conhecimento sobre as horas. (Braga, O tempo de trabalho no capitalismo)

No período da 1a Revolução Industrial utilizava-se massivamente o recurso do prolongamento da jornada de trabalho. A duração de um dia de trabalho variava em média de 15 horas a 17 horas. Como proprietário da força de trabalho, o capitalista procura nesse momento ampliar o trabalho a um tempo máximo. Homens, mulheres e crianças trabalhavam exaustivamente dia e noite, em lugares úmidos ou condicionados à alta temperatura, com portas e janelas fechadas. A insalubridade dos espaços de trabalho e o excesso de trabalho foram responsáveis por consumir gerações de operários. (Braga, O tempo de trabalho no capitalismo)

O Capital levou séculos, antes de surgir a indústria moderna, para prolongar a jornada de trabalho até seu limite máximo normal e, ultrapassando-o, até o limite do dia natural de 12 horas. A partir do nascimento da indústria moderna, no último terço do século XVIII, essa tendência transformou-se num

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processo que se desencadeou desmesurado e violento como uma avalanche. Todas as fronteiras estabelecidas pela moral e pela natureza, pela idade ou pelo sexo, pelo dia e pela noite foram destruídas. (MARX, 2003, p. 320)

Inevitavelmente explodem os conflitos na relação capital-trabalho sobre o controle do tempo e uma negociação tensa acerca da jornada de trabalho se estabeleceu em todo o mundo. Na história das relações entre trabalho e capital, ao longo dos últimos séculos, observa-se que os conflitos em torno do tempo de trabalho foram longos e violentos. Para se ter uma ideia da importância da luta dos trabalhadores e da resistência patronal, há duas datas lembradas até hoje em todo o mundo, resultantes da disputa em torno do tempo de trabalho: o 1o de maio (comemorado a partir da greve dos trabalhadores de Chicago, em 1886) e o 08 de março (dia internacional da mulher)( DIEESE, 2010).

Em meados do séc. XVIII (revolução industrial), os trabalhadores eram completamente desprovidos de qualquer legislação trabalhista que os protegesse. Foi neste contexto que a organização dos trabalhadores começou a se estruturar tendo como uma de suas reivindicações a redução do tempo de trabalho, já que a quantidade de horas diárias e dos dias trabalhados por semana estendia-se quase até o limite da capacidade humana. Um dos marcos dessa luta deu origem ao dia do trabalhador, o 1o de maio. Em 1886, 180 mil trabalhadores foram às ruas dos EUA exigir a redução da jornada de 16 para 8 horas. A manifestação enfrentou forte repressão policial, que resultou na morte de seis trabalhadores, oito presos e a condenação de cinco deles posteriormente à forca. A sangrenta repressão não foi suficiente, a titânica força das mobilizaçõe sescreveu e registrou para sempre uma conquista histórica. A jornada de trabalho de 8 horas foi conquistada, sendo instituída pelo congresso dos EUA em 1890.

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trabalho se desenvolveu e ganhou força. Nesse mesmo período a revolução operária na Rússia em 1917 foi um acontecimento que se tornou uma força de pressão que incidiu em toda Europa, a burguesia europeia ameaçada aparentemente aceitou dar alguma concessão. Até que em 1919, a Convenção da OIT limitou a jornada diária de trabalho no setor industrial em 8 horas e a semanal em 48 horas. Essa convenção foi assinada por 52 países.

No Brasil, a luta pela redução da jornada de trabalho foi uma bandeira que os trabalhadores sempre levantaram. Greves e grandes mobilizações ocorreram nas duas primeiras décadas do século XX. A redução da jornada de trabalho para 8 horas, o descanso semanal e a remuneração da hora extra em 50% eram algumas das reivindicações. Algumas categorias de trabalhadores conquistaram a redução da jornada de trabalho para 10 ou 8 horas diárias. Em 1917 o estado da Bahia foi o primeiro a aprovar a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias. Mas foi somente em 1930, no governo de Getulio Vargas que a relação capital-trabalho ganhou uma legislação. A primeira e maior intervenção do Estado Brasileiro nas relações trabalhistas e no mundo sindical do país. Em 1932, o decreto no 21365 regulamentou o horário diurno nas fábricas, determinando a jornada em 8 horas diárias ou 48 semanais. Em 1934, a Constituição limitou a jornada a 8 horas diárias ou 48 semanais, mantendo a possibilidade de estendê-la através de horas extraordinárias, deixando ao livre arbítrio dos empresários a sua determinação. Em 1943, a CLT limitou a hora extra em duas horas diárias e definiu seu adicional em 20%, bem como criou a lei de férias.

No final dos anos 70, a reivindicação pela redução da jornada de trabalho volta à cena, em meio à pressão dos trabalhadores pelo fim do regime militar. Na primeira metade da década de 80 algumas categorias profissionais conquistaram jornadas entre 40 e 44 horas, fortalecendo a pressão dos trabalhadores para que fosse garantida sua limitação em 44 horas semanais na

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constituição federal de 1988. Meio século depois, a jornada legal foi reduzida de 48 para 44 horas semanais. Foi preciso cinquenta anos de luta para obrigar a burguesia brasileira conceder 04 horas para o trabalhador “fazer o que quiser” na jornada legal.

A jornada intensiva

A organização dos trabalhadores e suas lutas durante todo o século XX conseguiram promover uma inflexão na correlação de forças estabelecida na disputa pelo tempo. Importantes reivindicações passaram a fazer parte concreta do arcabouço jurídico mundial e vários países passaram a ter uma legislação própria que regulamentava a redução legal da jornada de trabalho. Um alerta: ainda que a burguesia tenha feito tais “concessões” aos trabalhadores, essas conquistas possuem uma existência efêmera e frágil. A fiscalização do Estado nem sempre alcançava efetivamente todas as localidades do mundo do trabalho. Assim, muitos empresários que já tinham resistência em cumprir tal legislação se encontravam em uma situação confortável para desrespeitar as normas. Além disso, em determinados momentos históricos tais direitos simplesmente desapareciam. Na segunda Guerra Mundial (1939-1945), muitos países, inclusive o Brasil, suspenderam as legislações que limitavam a jornada de trabalho.

Contudo, a principal iniciativa organizada mundialmente por parte da patronal se deu a partir do desenvolvimento da tecnocracia administrativa científica que soube conduzir a substituição do uso extensivo da mão de obra para o uso intensivo. Taylor, principal teórico desse processo defende padrões de acumulação pautados no controle rígido do tempo e dos movimentos dos operários dentro do processo produtivo, buscando aumentar a eficiência. Essa racionalização dos movimentos dentro da linha de montagem ampliou a produtividade do trabalho, sem aumentar a jornada. Como num “feitiço”, o capitalista prolonga a jornada normal de trabalho, pois

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consegue por meio da racionalização e intensificação do processo de trabalho, transformar um dia de trabalho em dois… Dirigidos, assim, por um corpo burocrático-administrativo, a vida do operário dentro do seu ambiente de trabalho se torna fragmentada, com um ritmo alucinante e completamente limitada à condição de executor de tarefas especializadas que necessitam de pouco preparo intelectual. Esse método de administração científica ficou conhecido como Taylorismo e pretendia definir princípios científicos para a administração das empresas. Em resumo: a gerência planeja e o operário apenas executa as ordens e tarefas sem discussão, com tempo e monitoramento rígidos na linha de produção.

Na década de 1970, a crise estrutural do capitalismo exigia um novo padrão de acumulação mais sofisticado que o taylorismo. Os japoneses então desenvolvem um método de produção que está baseado na incorporação do trabalho morto substituindo o trabalho vivo. Homens por Máquinas! As empresas passaram a produzir mais com menos funcionários. Os estoques passaram a acompanhar as oscilações do mercado evitando desperdícios e gastos desnecessários… Programas que tinham o objetivo em garantir a qualidade total na produção começaram a se desenvolver. Muitas empresas, em todo mundo, passaram a transferir parte da sua linha de produção para outras empresas terceirizadas subcontratando a mão de obra. Entramos na fase do Toyotismo japonês, que foi massificado em todo ocidente, onde novas formas de exploração e dominação do trabalho foram instauradas. Isso marca a redução do emprego regular em favor do crescente uso do trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado. O capital ganha fôlego para mais um ciclo de acumulação, impondo regimes e contratos de trabalho mais flexíveis aos trabalhadores. Apesar do significativo avanço tecnológico (que poderia possibilitar, em escala mundial, uma real redução da jornada ou do tempo de trabalho), a flexibilização dos contratos de trabalho aumentaram as possibilidades dos empresários em reduzir ou aumentar o

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horário de trabalho, ou subdividir a jornada e estabelecer a lógica do banco de horas. Em contrapartida, o trabalhador para se adaptar deve ser mais flexível, correspondendo dessa forma, às necessidades da empresa. Então, em um mesmo ambiente de trabalho temos o pólo de trabalhadores do quadro da empresa e o pólo de trabalhadores em regime de tempo parcial, temporários e de empresas subcontratadas. O trabalhador subcontratado e/ou temporário é recrutado em situações extraordinárias, seja para substituir trabalhadores que estejam afastados por qualquer motivo, seja para atender alguma demanda mais exigente que pede complementação de mão de obra. Assim a empresa pode se antecipar as variações do mercado se tornando muito mais competitiva, com uma capacidade de aproveitar mais oportunidades de acumulação, se aproveitando das dimensões extensivas e intensivas da jornada de trabalho. Essa lógica, que nasceu dentro da indústria automobilística, passou a ser o padrão de produção das mais diversas categorias de trabalhadores como bancos, escolas, comércio, transporte e órgãos públicos.

O Decreto no 4.836, de 9 de setembro de 2003

“Mas é preciso também não ter ilusões: uma luta dessa envergadura não se dá pela pura negociação com o Parlamento da conservação e muito menos através de barganhas de cúpula, cedendo aqui para conseguir algo ali. A luta pela redução da jornada (ou do tempo) de trabalho depende decisivamente da organização dos trabalhadores nas fábricas, nos campos, nas empresas, nos bairros, nos assentamentos, em suma, no espaço produtivo do trabalho e no espaço do território dos que querem trabalho e se encontram sem-trabalho. Exigindo uma reivindicação vital para a humanidade neste início do século XXI, que o capital sempre relutou ao máximo em ceder” . (Antunes, 2008)

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“Art. 3o Quando os serviços exigirem atividades contínuas de regime de turnos ou escalas, em período igual ou superior a doze horas ininterruptas, em função de atendimento ao público ou trabalho no período noturno, é facultado ao dirigente máximo do órgão ou da entidade autorizar os servidores a cumprir jornada de trabalho de seis horas diárias e carga horária de trinta horas semanais, devendo-se, neste caso, dispensar o intervalo para refeições.

§ 1o Entende-se por período noturno aquele que ultrapassar às vinte e uma horas.

§ 2o Os dirigentes máximos dos órgãos ou entidades que autorizarem a flexibilização da jornada de trabalho a que se refere o caput deste artigo deverão determinar a afixação, nas suas dependências, em local visível e de grande c i r c u l a ç ã o d e u s u á r i o s d o s s e r v i ç o s , d e q u a d r o , permanentemente atualizado, com a escala nominal dos servidores que trabalharem neste regime, constando dias e horários dos seus expedientes.”

Esse decreto é hoje o elemento legal (de extrema limitação) a que o movimento dos técnicos administrativos das IFES se agarra para reivindicar a redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais sem redução de salários.

Antes de tudo, queremos tratar das limitações do próprio decreto. O decreto é um avanço pontual, fruto da luta de décadas do funcionalismo pela redução da jornada de trabalho, mas traz consigo imensas contradições. Em primeiro lugar o decreto divide os servidores na medida em que a redução da jornada de trabalho não é estendida a todos. O que gera conflitos e dificuldades de unificar a reivindicação da implementação do decreto entre os próprios trabalhadores. Principalmente em locais de trabalho onde se encontram pessoal do quadro, terceirizados e bolsistas executando o mesmo trabalho com salários diferenciados. Em segundo lugar há uma

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resistência enorme por parte dos gestores de terceiro, segundo e primeiro escalão em dar tal concessão. De um lado porque pensam e agem em última instância como patrões e por outro lado porque o governo não cria um ambiente “sadio” para a implementação do decreto. Reduzir a jornada de trabalho para 30 horas semanais exige muitas vezes contratar mais servidores (gerando mais empregos via concurso público) e a lógica governamental não está conectada com a possibilidade de aumentar o quadro de pessoal pelo Regime Jurídico Único.

Parece-nos correto que o movimento exija à implementação do decreto, que cobre dos reitores as comissões paritárias para a avaliação dos departamentos onde os trabalhadores possam ganhar o benefício. Mas é preciso avançar na ampliação desse direito para todos. Não só por conta de assegurar o principio da igualdade de direito entre todos os servidores, mas por outro motivo que tem haver com as transformações no mundo do trabalho que “borraram” as fronteiras da vida dentro do trabalho e da vida fora do trabalho. O trabalho não está enquadrado e admitido somente dentro das quatro paredes do escritório ou departamento… As tarefas que tem hora e data para serem executadas muitas vezes entram na vida íntima e doméstica das famílias. Assim, a jornada de trabalho se estende ainda que não seja calculada oficialmente. É o famoso “levar trabalho pra casa”.

Nas IFES essa situação se agrava principalmente num momento onde está em curso o processo de expansão das universidades. Os servidores técnico-administrativos formam hoje um pilar fundamental que dá sustentação ao crescimento das IFES, mas ao mesmo tempo cresce numa razão diretamente proporcional a desvalorização do servidor. Muitas obras são inauguradas onde reitores e homens públicos do governo federal são homenageados e aplaudidos com seus nomes nas belíssimas placas e na propaganda oficial. Perdoe-nos a expressão, mas está restando aos servidores o papel de “bucha de canhão” da expansão das universidades (REUNI).

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A ANDIFES é contra a redução da jornada de trabalho

“Mas a burguesia não está só nesta sua luta pela manutenção e reprodução do capitalismo, dos seus privilégios. Ela, por ser uma minoria, necessita de indivíduos que contribuam para a reprodução do capitalismo. Nem que para se manter como classe dominante ela ceda parte de seus privilégios, da mais-valia extorquida. É quando entra em cena a classe que lhe auxilia (a burocracia) e orienta na manutenção, organização e transformação contínua dos espaços de trabalho. Porém, a burguesia não é uma classe fechada em si, cujos membros são estáticos e inalterados. Ela acompanha o mesmo processo existente do modo de produção a que deu origem, ou seja, transforma constantemente as relações de produção para continuar existindo enquanto classe dominante. É nesse sentido que podemos acompanhar as transformações que vem ocorrendo no capitalismo moderno, em relação às classes que dominam. A burguesia não é a única classe dominante, ela conta com seus auxiliares (a burocracia) que, em relação proletariado, faz o mesmo jogo daquela.” (Marques, Capitalismo e a Teoria dos Gestores).

Cerca de 60 representantes das IFES participaram de uma reunião ordinária da ANDIFES no dia 26 de outubro de 2011, e aprovaram uma resolução que desaconselha à implementação da jornada de trabalho de 30 horas semanais nas universidades. Segundo João Martins, presidente da ANDIFES: “O Conselho Pleno resolveu desaconselhar a implementação do regime de 30 horas porque hoje a Andifes luta no Congresso para aprovar mais cargos”, afirmou presidente o da associação, João Luiz Martins, para quem haveria contradição em diminuir a jornada quando se pleiteia novas vagas para técnicos e professores por meio do Projeto de Lei 2134. (UNB Agência, 2011)

O argumento dos reitores é reacionário, para eles o objetivo principal de reivindicar mais vagas para contratar pessoal tem haver em garantir o funcionamento e o processo de expansão das

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universidades sem levar em consideração as reivindicações, as condições de trabalho e muito menos os salários dos servidores.

O processo de expansão das IFES está intimamente ligado ao relativo crescimento econômico no qual o país tem vivido nos últimos anos. O REUNI é um projeto arquitetado pelo MEC como uma resposta as demandas do mercado nos marcos de uma economia que se desenvolve com certo grau de “aquecimento”. Na visão governamental a universidade precisa formar mais homens e mulheres para atenderem as demandas do mercado seja como for. Não importa se isso se dará com o aumento da terceirização, com parcerias público privadas (PPP ́s), com o aumento da carga de trabalho de professores e servidores… É preciso garantir o REUNI e responder as necessidades do capital com o menor custo possível, já que não está no horizonte do governo a bandeira histórica dos 10% do PIB para educação reivindicada pelo movimento dos docentes, técnicos e estudantes. O compromisso das forças políticas que atualmente dirigem o país com os interesses dos grandes grupos econômicos é o principal motivo no qual os recursos do orçamento não são direcionados para garantir as demandas sociais.

A ANDIFES é uma entidade que organiza politicamente os gestores máximos das IFES (que compõe a burocracia auxiliar do governo), é um pilar de sustentação das políticas educacionais d e s e n v o l v i d a s p e l o M E C . O m o v i m e n t o d o s t é c n i c o s administrativos precisa se jogar ao diálogo, debate, polêmica e ao confronto quando for necessário em unidade com professores e estudantes contra todas as posições políticas reacionárias dos reitores que fortalecem os ataques do governo aos direitos dos trabalhadores da educação. Nos conflitos macro ou micro políticos que envolvem as universidades os reitores em geral capitulam a pressão política imposta pelo governo. Qualquer movimentação por fora dessa lógica política é produto de uma correlação de forças diferenciada imposta pela força do movimento dos trabalhadores e/ou estudantil.

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O ponto eletrônico nas IFES

“Infelizmente, confirmaram-se os piores temores quanto à possibilidade de manipulação dos controles de ponto eletrônico por parte de empregadores em fraude aos direitos dos seus empregados. Em inúmeros processos judiciais, por todo o país, verificou-se que as empresas utilizavam as facilidades propiciadas pelos sistemas atuais para fraudar o direito dos trabalhadores a horas extras… Também foram realizadas inspeções judiciais, com idêntico resultado. O mesmo foi constatado pelos Auditores fiscais do Ministério do Trabalho. A inspeção do trabalho do M.T.E. foi inundada por denúncias de fraudes nos sistemas de ponto eletrônico, em especial os grandes magazines do comércio varejista e redes de supermercados… Mais: algumas empresas de software utilizam essa possibilidade de fraudar os registros como uma “vantagem comercial” dos softwares que produzem, chegando a anunciar, despudoradamente, que através da compra de seu programa, o empregador deixará de se preocupar com as horas extras de seus empregados.” (Santos e Vargas, Os sistemas de ponto eletrônico a partir da Portaria no 1.510/09)

Nem redução da jornada, nem aumento dos salários… Para o g o v e r n o e g e s t o r e s o q u e o s s e r v i d o r e s t é c n i c o s administrativos precisam é do relógio de ponto eletrônico, com a sofisticação do registro das digitais de cada trabalhador. Um método “moderno” de controle do tempo de trabalho e implementação da lógica já existente no setor privado de extrair racionalmente a mais valia dos trabalhadores.

O centro dos problemas existenciais das universidades públicas com certeza não está ligado à falta de cumprimento das horas de trabalho por parte dos servidores. Em décadas de produção científica as IFES se transformaram em um pólo de acumulação de conhecimento e isso só foi possível pela dedicação e disciplina que os servidores possuem com as tarefas de maior ou menor complexidade que lhes foram designadas.

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Olhemos para o exemplo das fábricas e bancos que possuem o controle rígido do tempo a partir de mecanismos tecnológicos sofisticados, onde a pressão em extrair e sistematizar o máximo de energia dos seus empregados em curto espaço de tempo tem produzido resultados positivos para os empregadores. Para os trabalhadores os resultados são profundamente negativos, onde a submissão à pressão dos relógios de ponto eletrônico tem provocado perturbações profundas no sistema nervoso desses trabalhadores. Stress, depressão, baixa auto-estima, dependência química e uma série de doenças mentais e nervosas tem sido uma constante entre os trabalhadores submetidos a regras e horários insensíveis.E mais, se levarmos em consideração que o ambiente de trabalho nas universidades é distinto do ambiente fabril, os argumentos de Elaine Tavares Jornalista da Universidade Federal de Santa Catarina parecem sensatez lógica, segundo Elaine:

“Os trabalhadores da universidade têm um fazer muito específico, completamente diferente de uma fábrica. Eles não estão submetidos a processos de produção que exijam contagem de tempo limitante. Estes trabalhadores mexem com o trabalho imaterial. Fazem pesquisa, atuam na extensão, auxiliam nas atividades do ensino. É toda uma dinâmica bastante diferente de uma produção mecânica e, mesmo essa, como já vimos, com as novas tecnologias, tampouco precisariam deste controle proposto pelo estado.” ( Tavares, O relógio de ponto Eletrônico e a Universidade).

As universidades são espaços que estão dentro da estrutura do regime político vigente. São instituições que surgiram e se desenvolveram pelas necessidades de acumulação da burguesia. . Mas mesmo assim podemos considerar que são zonas de maior margem de manobra para a expressão do contraditório e do livre pensar. Quando o relógio de ponto eletrônico passar a fazer parte do cotidiano normal das IFES, estará concretizado um importante salto na transformação das universidades em espaços cada vez mais submetidos à logica racional e desumanizada do

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mercado. A margem de manobra será menor!

Considerações finais

Podemos dizer sem medo de errar ou cometer exageros que a vinte ou trinta anos atrás (ainda no séc. XX) nas repartições públicas, nos departamentos acadêmicos, entre os laboratórios, nas salas de aula e por todos os espaços das universidades o ritmo e a produção de trabalho (diretamente ou indiretamente cientifico-acadêmico) de um técnico administrativo eram infinitamente menores do que hoje. E o número de funcionários do quadro técnico administrativo (em todas as classes de nossa tabela) era proporcionalmente maior.

No início da segunda década do séc. XXI, o ritmo e a produção do trabalho de um téc. administrativo se elevaram brutalmente devido ao “feitiço” proporcionado pelos novos recursos tecnológicos que transformaram o resultado de um dia de trabalho do ano de 2012 a ser o mesmo resultado de dois, três ou mais dias de trabalho do ano de 1982. Computadores e impressoras substituíram máquinas de escrever e mimeógrafos… Só essa constatação empírica segura de ser comprovada cientificamente seria um argumento louvadamente lógico para um reitor conceder 30 horas para todos que se enquadram no decreto 4836 ou para o governo ampliar a jornada de trabalho de 30 horas para todos os trabalhadores do funcionalismo público superando as limitações do próprio decreto.

Podemos ainda pensar que as derrotas que o funcionalismo acumulou com as reformas aplicadas sobre a previdência, aumentaram os anos de trabalho de boa parte dos trabalhadores, aumentando a idade para se aposentar. Ora! A cada ano que se aumenta de trabalho na vida de uma pessoa, aumenta a totalidade de horas de trabalho de uma vida inteira. A luta pela jornada de trabalho de 30 horas semanais faz parte da resistência dos trabalhadores contra a pressão das ambições do capital em apoderar-se da maior quantidade de tempo disponível

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da vida de um trabalhador.

Por fim, é preciso lutar e é possível vencer conquistando uma jornada de trabalho com carga horária menor do que existe hoje. Mas é necessário compreender que essas conquistas sob o capitalismo são temporárias e instáveis. Em todas as sociedades as classes que detinham o poder de uma forma ou de outra procuraram manter o controle do tempo como uma forma de fortalecer a manutenção do próprio poder conquistado. A possibilidade de mais tempo livre para a ampla maioria da humanidade poder exercer suas potencialidades intelectuais e artísticas… Produzir ou não bens materiais lúdicos ou concretos para si mesmo… Para o amor e sexo… Cuidar do corpo e saúde… Para criar os filhos e cuidar dos pais… Para exercer a plenitude da vida humana! Essa possibilidade só será constante em um intervalo prolongado de gerações se o controle do poder político sofrer uma mudança radical. Tempo não é só dinheiro… Tempo é poder!

Gibran Jordão – É Historiador e Coordenador Geral da FASUBRA.

Referências:

LE GOFF, Jacques. Para um novo conceito de Idade Média: tempo, trabalho e cultura no ocidente.- Trad.: Maria Helena de Costa Dias- Lisboa: Editorial Estampa,1979.

Marx, Karl. O capital: crítica da economia política. Vol. 1. Livro Primeiro: O processo de produção do capital. Tombo I .Trad.: Reginaldo Sant’Anna- Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 2003; Cap. VIII.

Redução da Jornada de Trabalho: Uma Luta do Passado, Presente e Futuro Nota técnica do DIEESE, no 87, abril de 2010.

Antunes, Ricardo. A luta pela redução da jornada de t r a b a l h o , 2 0 0 8 .

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id=17&task=view&id=2213

Marques,Edmilson. Capitalismo e a teoria dos gestores, 2009. http://pt.scribd.com/doc/24047802/Capitalismo-e-a-Teoria-Dos-G estores-Edmilson-Marques

Santos e Vargas. Os sistemas de ponto eletrônico a partir da P o r t a r i a n o 1 . 5 1 0 / 0 9 , 2 0 0 9 . http://www.direitopositivo.com.br/modules.php?name=Artigos&fil e=display&jid=335

Tavares, Elaine. O relógio de ponto Eletrônico e a Universidade. http://www.sintufsc.ufsc.br/wordpress/?p=4181

Trabalho

e

alienação:

conferência de por Ruy Braga

(Vídeo)

III Seminário István Mészáros

Mesa: Trabalho e alienação (composta por: Jesus Ranieri, Ruy Braga, Giovanni Alves e Ricardo Antunes)

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O enigma da “nova classe

média”

Ruy Braga No primeiro semestre de 2012, a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE) aprovou a nova definição de “classe média” que orientará a criação das políticas p ú b l i c a s d o g o v e r n o federal para os próximos anos. Em suma, trata-se da simples determinação de algumas faixas de renda que localizam os novos grupos recém saídos do pauperismo em relação àqueles indivíduos extremamente pobres e em relação à chamada “classe alta”. Ao fim e ao cabo, para o governo federal, fariam parte da classe média brasileira todos aqueles que recebem uma renda mensal p e r c a p i t a e n t r e R $ 2 9 1 e R $ 1 . 0 1 9 , 0 0 , o u s e j a , aproximadamente, 54% da População Economicamente Ativa (PEA) do país. (Não deixa de ser curioso que um governo liderado pelo Partido dos Trabalhadores tenha apagado conceitualmente a classe “trabalhadora” de seus assuntos estratégicos. Mas este não é o problema aqui…)

Sobre a teoria das classes, diria que, se nada mais soubessem, ainda assim os sociólogos saberiam que um debate minimamente sério a este respeito não pode se limitar a uma única variável, ainda que seja a “renda”. Exatamente porque as classes sociais são relações sociais multidimensionais e construídas historicamente, qualquer determinação unilateral deste fenômeno fatalmente criará mais desentendimentos do que

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esclarecimentos. Neste caso específico, argumentarão os mais c r e n t e s , o i n t e r e s s e d o g o v e r n o n ã o é i n v e s t i g a r cientificamente a realidade brasileira, mas apenas racionalizar suas políticas públicas. Trata-se de qualificar e atender carências específicas daquela faixa da população em termos de qualificação e educação financeira. Ok. Neste caso, vejamos então a relação entre as classes pobre, média e alta. O Dieese calcula que o salário mínimo necessário para o trabalhador suprir despesas elementares de uma família de 4 pessoas deveria ser de R$ 2.349,26. Agora, imaginemos que um hipotético casal auferindo renda mensal per capita de R$ 642,00 (ou seja, o limite inferior da classe média “alta”, conforme a definição da SAE) resolva ter um filho. O governo entende que este casal, ao sair da maternidade, simplesmente passou para a classe média “baixa”. Para o Dieese, no entanto, eles acabaram de decair para o pauperismo. O curioso é que um fenômeno semelhante acontece com a tal “classe alta” – segundo a definição do governo. Se um casal da classe alta resolve ter um filho, bem, digamos que ele estará a uma distância de apenas 1 sandwiche de mortadela e dois refrigerantes a mais por dia da linha da pobreza… Bem, digamos que, atualmente, isto é o mais perto que o petismo consegue chegar da expropriação da burguesia. Ou seja, desconfio que, em breve, a “classe alta” também vai precisar dos programas de educação financeira que o governo anda planejando para a nova classe média…

Ironias à parte, a verdade é que o processo de desconcentração de renda entre os que vivem dos rendimentos do trabalho experimentado nos últimos nove anos preparou em certa medida o terreno para que noções ideologizadas sobre as classes sociais prosperassem no país. Ou seja, a despeito de seu raquitismo teórico, a definição de “nova classe média” da SAE encaixa-se perfeitamente bem em um debate cujo eixo gravita em torno do aprofundamento da financeirização do consumo popular. Ou seja, o que a secretaria realmente pretende é ensinar à população

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como poupar dinheiro para aproveitar as novas oportunidades criadas pelo recente barateamento do crédito. Para tanto, é importante reforçar a ideologia de que o Brasil transformou-se em um “país de classe média”.

Nadando contra a corrente deste debate, o novo livro do economista e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Marcio Pochmann [Nova classe média? – leia o texto de orelha do livro, escrito pelo economista José Dari Krein, aqui no Blog da Boitempo], trouxe à luz um notável conjunto de dados e argumentos para desmistificar em definitivo esta noção. Recuando quarenta anos na história do Brasil a fim de identificar década após década o eixo da dinâmica econômica nacional em termos de repartição e composição da renda, o autor investigou o processo de mobilidade social existente na base da pirâmide social brasileira nos anos 2000. Assim, Pochmann demonstrou que o atual ciclo de crescimento econômico foi marcado por três fatores principais: 1) avanços efetivos na formalização do trabalho assalariado; 2) concentração do emprego em ocupações que pagam até 1,5 salário minimo; e 3) deslocamento da dinâmica da geração de postos de trabalho da indústria (décadas de 1970 e 1980) para a setor de serviços (anos 1990 e 2000).

Tendo em vista a combinação destes movimentos, percebemos que o modelo de desenvolvimento brasileiro neste século absorveu o excedente populacional produzido na década anterior, mas às custas de baixa remuneração (94% das vagas abertas em 2000 tinham remuneração de até 1,5 salário mínimo) e do aumento da taxa global de rotatividade do trabalho (36,9%). Ou seja, às custas da reprodução de um regime de acumulação que insiste em precarizar o trabalho subalterno. Além disso, este modelo foi capaz de integrar grandes contingentes de mulheres e de não brancos, mas quase sempre em ocupações alienadas que não requerem qualificações especiais. Sinteticamente, acompanhando a dinâmica das ocupações na base da pirâmide social do país

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somos obrigados a refletir sobre os alcances e os limites do atual modelo de desenvolvimento pós-fordista.

Uma reflexão que nos obriga a encarar o atual ciclo de crescimento econômico do ponto de vista do alargamento da superpopulação relativa (precariado brasileiro, proletariado precarizado…). Por um lado, é possível perceber claramente os avanços em relação à decada anterior: a política de valorização do salário mínimo permitiu que um enorme contingente de trabalhadores, especialmente concentrado nas regiões mais carentes, conquistassem um padrão de consumo relativamente inédito na história nacional. Com a formalização do emprego, estes trabalhadores ascenderam a um patamar menos inseguro socialmente, o que tende a elevar a satisfação individual. E a percepção destes em relação ao futuro tornou-se mais positiva.

Por outro lado, a promessa da superação da pobreza e do subdesenvolvimento esbarra na incapacidade do modelo em gerar postos de trabalho mais qualificados, superar a barreira do salário mínimo e bloquear a rotatividade do trabalho. Afinal, como poderia ser diferente se o atual regime de acumulação concentrou-se entorno das atividades de mineração, de petróleo, dos agronegócios e da indústria da construção civil? Precisamos lembrar que o atual modelo reproduz a trilha aberta pela hegemonia tucana de trocar a indústria de transformação por setores que utilizam largamente trabalho não qualificado? Ou seja, trata-se de um movimento que tende a reforçar a insatisfação coletiva.

Estudando a atual dinâmica do trabalho doméstico para famílias, do trabalho nas atividades autônomas e primárias, além do trabalho terceirizado, Pochmann esmiuçou o avesso do atual regime de acumulação. Ao fazê-lo, ele demonstrou que a hegemonia lulista apoia-se em um consistente alargamento da base salarial da pirâmide ocupacional brasileira. Ao mesmo tempo, Pochmann adverte-nos a respeito dos riscos inerentes a um modelo de desenvolvimento que apresenta sérias dificuldades

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em promover um ciclo de ascensão social consistente com mais e melhores salários. Do choque entre a satisfação individual e os germes dainsatisfação coletiva avolumam-se tensões no atual regime hegemônico.

Sem mencionar outras importantes greves nacionais ocorridas em 2011, como a dos bancários e a dos trabalhadores dos correios, por exemplo, o impulso grevista de 2011 permanece ativo este ano: em Belo Monte, cerca de 7 mil trabalhadores espalhados por todas as frentes de trabalho da usina hidrelétrica cruzaram os braços por 12 dias; no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), localizado em Itaboraí (RJ), pelo menos 15 mil trabalhadores entraram em greve no dia 9 de abril, permanecendo 31 dias parados; ainda no início do ano, foram registrados 10 dias de greve em Jirau e na plataforma da Petrobras em São Roquedo Paraguaçu (BA); além de novas paralizações em Suape, greves em várias obras dos estádios da Copa do Mundo de futebol etc… Tudo somado, talvez Francisco Weffort tivesse mesmo razão quando, quase cinco décadas atrás, afirmou que, no Brasil, “a vitória individual traz em germe a frustração social”.

(Publicado originalmente no blog da Boitempo.)

Desassossego na cozinha

Ruy Braga

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S e c o n f i a r m o s n o a t u a l estado de desassossego dos bairros nobres da cidade, concluiremos que a luta de classes chegou às cozinhas. Patroas descobrem aflitas q u e a s e m p r e g a d a s n ã o aceitam mais receber um salário-mínimo. Além dos direitos garantidos, como férias de 20 dias úteis e v a l e - t r a n s p o r t e , e l a s passaram a demandar o seguro-desemprego. Faltam braços e afloram comportamentos inusitados: suprema audácia, as domésticas requerem o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e recusam-se a dormir no trabalho. Remanescente arquitetônico dos tempos da casa-grande, o cubículo dos fundos dos apartamentos paulistanos está lentamente mudando de serventia e vira depósito.

Eis a lamúria. No entanto, se deixarmos de lado as enraizadas disposições culturais da classe média alta, o momento atual do trabalho doméstico adquire tonalidades menos agudas. Em primeiro lugar, não é verdade que o aquecimento do mercado de trabalho brasileiro enfraqueceu a oferta de serviços domésticos. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, entre 1999 e 2009 o número de trabalhadores domésticos saltou de 5,5 milhões para 7,2 milhões. Aquietai-vos, patroas, pois o emprego doméstico segue firme como a principal ocupação nacional, acompanhado de longe pelo trabalho no telemarketing (1,4 milhões).

Na realidade, o baixo nível de desemprego, em torno de 5% da população economicamente ativa – índice mascarado pela grande participação do emprego formal precarizado -, elevou as expectativas dos trabalhadores subalternos. De fato, as empregadas estão mais exigentes. Mas, afinal, o que isso

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significa? Apenas que não aceitam trabalhar por menos de um salário-mínimo e meio, esperando alcançar direitos sociais já desfrutados pelos demais trabalhadores. Por que isso causaria assombro?

A razão é simples: no Brasil, o emprego doméstico é uma das mais antigas formas de trabalho assalariado, remontando ao período da escravidão. Assim, não é coincidência que, ainda hoje, mais de 60% da força de trabalho doméstica seja formada por negros. Além disso, cerca de 93% dos mais de 7 milhões de trabalhadores domésticos são mulheres. Elas são as genuínas herdeiras das escravas da casa-grande. Invisíveis à fiscalização do poder público, mesmo na principal metrópole brasileira, em 2009 apenas 38% das empregadas tinham carteira de trabalho. Em todo o País, a formalização do trabalho doméstico mal alcança os 30%.

Contribuem para esses números vexatórios a baixa escolarização e as enormes dificuldades autoassociativas inerentes ao processo de trabalho doméstico. Sem mencionar as tradicionais formas passivas de resistência “molecular”, como atrasos e faltas frequentes, ficaria surpreso se as empregadas não aproveitassem a atual correlação de forças existente no mercado de trabalho para exigir, além do pleno début na cidadania salarial, salários e condições de trabalho menos degradantes. Ao fazê-lo, elas apenas percorrem a trajetória histórica da classe trabalhadora: do campo para as cidades, a t r a í d a p o r d i r e i t o s s o c i a i s , s e r v i ç o s p ú b l i c o s e oportunidades de profissionalização.

E m m i n h a p e s q u i s a d e c a m p o s o b r e o s o p e r a d o r e s d e telemarketing, publicada recentemente no livro Política do Precariado: Do Populismo à Hegemonia Lulista (Boitempo), tive a oportunidade de entrevistar inúmeras filhas de empregadas que identificavam no contraponto ao trabalho doméstico – destituído de prestígio, desqualificado, sub-remunerado e incapaz de proporcionar um horizonte profissional – a principal razão de ter buscado o call center em vez de seguir

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os passos das mães – mesmo quando a diferença salarial era favorável ao emprego doméstico. No telemarketing, essas jovens perceberam a oportunidade de 1) alcançar direitos sociais e 2) terminar a faculdade particular noturna que o serviço doméstico, devido à incerteza dos horários, é incapaz de prover.

Mesmo que o ciclo do emprego no call center frequentemente frustre a esperança de progresso ocupacional – afinal, a rotatividade é muito alta e os salários, muito baixos -, ainda assim o telemarketing segue atraindo a fração mais jovem e escolarizada do grupo de domésticas. Como nesse setor a jornada de trabalho é de seis horas diárias e não há informalidade, a teleoperadora vive a oportunidade de alcançar direitos e terminar uma faculdade noturna.

Tomando pelo avesso a lamúria da classe média alta, é possível dizer que a preocupação das patroas prefigura um autêntico progresso social sumariado pela Proposta de Emenda à Constituição 478/10. Em trâmite no Senado, essa proposta iguala os direitos das empregadas aos dos demais trabalhadores com registro em carteira, assegurando jornada de trabalho de 44 horas semanais, FGTS, seguro-desemprego, horas extras e adicional noturno. Caso aprovada, seria um passo importante para a consolidação da precária cidadania salarial brasileira. E a luta de classes na cozinha teria cumprido parte de seu papel histórico.

(Artigo publicado em O Estado de S. Paulo, 20 jan. 2012.)

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Folha

de

S.

Paulo:

Trabalhadores precisam de

mais direitos e desemprego

deve subir, diz sociólogo

Por Eleonora de Lucena

Na discussão sobre mudanças na CLT, “os trabalhadores precisam de mais direitos, não de menos”.

A avaliação é do sociólogo Ruy Braga, 40. Para ele, o trabalho precário tem absorvido o impacto da forte desaceleração da economia no mercado de trabalho. Mas a manutenção da anemia do crescimento deve provocar desemprego no próximo ano.

Professor da USP, ele está lançando “A Política do Precariado”, que trata do “proletariado precarizado”, de sindicalismo, greves e história.

Nesta entrevista, ele afirma que, apesar da ascensão social de setores mais pobres, “o precariado está inquieto”, mas ainda “não identificou alternativas à hegemonia lulista”. Braga fala aqui das greves em hidrelétricas e obras do PAC, mudanças na CLT e migrações. A íntegra:

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Folha – Com o atual ritmo de crescimento da economia brasileira o Sr.. prevê mudança no mercado de trabalho? Aumento do desemprego e queda nos salários?

Ruy Braga – É provável. Muitos se perguntam por que após uma forte desaceleração econômica no biênio as demissões ainda não começaram? Além das medidas do governo, como a desoneração da folha salarial em alguns setores, o mercado de trabalho brasileiro é muito flexível.

Apesar do assalariamento formal ter aumentado na última década, o emprego precário, isto é, as ocupações onde se encontram os trabalhadores marginalmente ligados à População Economicamente Ativa (PEA), ainda é muito numeroso, absorvendo o impacto da atual desaceleração sobre o emprego.

No entanto, se essa tendência persistir, muito provavelmente teremos demissões no próximo ano e a taxa de desemprego de 5,3% deve aumentar.

Como o Sr.. define o que chama de precariado hoje no Brasil? É o proletariado precarizado. Trata-se de trabalhadores que, pelo fato de não possuírem qualificações especiais, entram e saem muito rapidamente do mercado de trabalho.

Além disso, devemos acrescentar jovens trabalhadores à procura do primeiro emprego, indivíduos que estão na informalidade e desejam alcançar o emprego formal, além de trabalhadores subremunerados e inseridos em condições degradantes de trabalho. Uma população que cresceu muito desde a década de 1990.

Não nos esqueçamos que, mesmo com o recente avanço da formalização do emprego, as taxas de rotatividade, de flexibilização, de terceirização e o número de acidentes de trabalho no país subiram na última década. O “precariado” é formado pelo setor da classe trabalhadora pressionado pelo aumento da exploração econômica e pela ameaça da exclusão

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social.

O Sr.. avalia que a gestão Lula despolitizou os trabalhadores e amansou sindicatos. Por quê? Qual sua visão do movimento sindical no Brasil atualmente?

Sim. Não há dúvida de que a gestão Lula fundiu o movimento sindical brasileiro com o aparelho de Estado. Além de garantir posições estratégicas nos fundos de pensão das empresas estatais, o governo preencheu milhares de cargos superiores de direção e assessoramento com sindicalistas.

Posições de grande prestígio em empresas estatais também foram ocupadas por líderes sindicais. E não nos esqueçamos que a reforma sindical de Lula oficializou as centrais brasileiras, aumentando o imposto sindical. Isso pacificou o sindicalismo. Ocorre que as direções não são as bases, e o atual modelo de desenvolvimento, como disse, apoia-se em condições cada dia mais precárias de trabalho, promovendo muita inquietação entre os trabalhadores. Isso sem falar nos baixos salários e no crescente endividamento das famílias trabalhadoras.

Tudo somado, é possível perceber uma certa reorganização do m o v i m e n t o , c o m a c r i a ç ã o d e c e n t r a i s s i n d i c a i s antigovernistas, como a CSP-Conlutas, por exemplo.

Quais os efeitos da chamada ascensão social de camadas mais pobres nos últimos anos no movimento sindical? Emprego e entrada no mercado consumidor contribuíram para arrefecer o movimento sindical e reivindicativo? O precariado está satisfeito com o modelo de desenvolvimento e está quieto, votando no PT?

É verdade que o número de greves nos anos 2000 refluiu para um nível historicamente baixo. No entanto, a partir de 2008, a atividade grevista voltou a subir, alcançando, em 2011, o mesmo patamar do final dos anos 1990. Se essa tendência vai se manter ou não é difícil dizer.

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Eu apostaria que a atividade grevista deve aumentar, pois a relação do precariado com o atual modelo é ambígua. Por um lado, há uma certa satisfação com o consumo, em especial, de bens duráveis. No entanto os salários continuam baixos, as condições de trabalho muito duras e o endividamento segue aumentando.

Meu argumento é de que o precariado está inquieto, isto é, percebe que o atual modelo trouxe certo progresso, mas conclui que este progresso é transitório.

Até o momento, o precariado não identificou alternativas à hegemonia lulista. Mas está à procura. Veja o fenômeno Celso Russomanno, por exemplo.

Como explica os movimentos grevistas que ocorrem em hidrelétricas e obras do PAC? Qual sua avaliação das posições que sindicatos, empregadores e governos têm tomados nessas situações?

Estes são movimentos motivados pelas condições de trabalho. Basta olharmos as demandas dos operários: adicional de periculosidade, direito de voltar para as regiões de origem a cada três meses, fim dos maus-tratos, melhoria de segurança, da estrutura sanitária e da alimentação nos alojamentos, etc. Ao invés de representar os trabalhadores, o movimento sindical lulista optou por pacificar os canteiros. Caso contrário, como explicar o silêncio da CUT após a empreiteira Camargo Corrêa demitir no ano passado 4 mil trabalhadores em Jirau, poucas horas depois de um acordo ter sido celebrado entre a empresa e a Central?

É evidente que existem interesses comuns entre as empreiteiras e o movimento sindical. Quem são os principais investidores institucionais das obras do PAC? Os fundos de pensão controlados por sindicalistas governistas.

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como o prenúncio de uma insatisfação mais profunda entre trabalhadores?

Sim. Desde 2008, a retomada da atividade grevista parece consistente e aponta para uma insatisfação mais profunda. Entre 2010 e 2011 houve um aumento de 24% no número de greves. Algumas delas, como a dos bancários e a dos correios, por exemplo, foram inusualmente longas. Qual o significado disso? Em minha opinião, os trabalhadores começaram a perceber que o atual modelo de desenvolvimento encontra sérias dificuldades para entregar aquilo que promete, isto é, progresso material. Observando a história o Sr.. afirma que houve habilidade do precariado brasileiro em transitar muito rápido da aparente acomodação reivindicativa à mobilização por direitos sociais. O Sr.. vislumbra alguma mudança nesse sentido atualmente?

Essa é a história da formação da classe operária fordista brasileira. Os trabalhadores migraram para as grandes cidades atraídos por qualificações industriais e direitos sociais. Encontraram condições de vida degradantes, mobilizando-se por seus direitos em diferentes ciclos grevistas. A aparente satisfação com o nacional-desenvolvimentismo foi sucedida pelos ciclos de 1953-1957 e de 1960-1964. A aparente satisfação com o “milagre econômico” foi sucedida pelo ciclo de 1978-1980.

A situação atual é diferente, pois aquela burocracia sindical oriunda desse último ciclo pilota o atual modelo de desenvolvimento. Se não é capaz de suprimir, isso tende a retardar o ritmo de mobilização.

O Sr.. faz um relato da história do movimento sindical e fala das condições despóticas nas fábricas brasileiras no século 20. O que mudou nas condições de trabalho?

Muito pouco. Apesar da existência de leis que protegem os trabalhadores, o país tem um déficit crônico de fiscais do trabalho. Quando acontece, a fiscalização limita-se a firmar

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Termos de Ajustamento de Conduta trabalhista que são ignorados pelos empresários.

Além disso, não há cláusula contra a demissão imotivada. Ou seja, a rotatividade predomina, favorecendo a usura precoce do trabalhador. Se o trabalhador adoece, acidenta-se ou se sua produtividade cai, é demitido e um outro contratado. Assim, o número de acidentes de trabalho saltou de um patamar de 400 mil, no início da década passada, para quase 800 mil hoje em dia.

Isso aponta para a reprodução de condições despóticas de trabalho, ainda que em um contexto diferente, marcado pela feminização do trabalho e pelo deslocamento dos empregos para os serviços.

O Sr.. afirma que na empresa brasileira o trabalho se transformou no principal instrumento do ajuste anticíclico e anti-inflacionário da rentabilidade dos ativos. Por quê? Como poderia ser diferente?

Sim. Com inovações em processos, produtos… O problema é que o fluxo de capital das empresas para os proprietários de ativos financeiros enfraquece os ganhos de produtividade. Assim, o trabalho transformou-se no principal instrumento de ajuste anticíclico.

Daí a busca por flexibilidade. Não é acidental que a economia brasileira não perceba ganhos reais de produtividade há mais de uma década. A financeirização das empresas contribuiu para degradar o trabalho e enfraquecer a inovação tecnológica.

O Sr.. afirma que as atuais condições de trabalho reforçam o individualismo, a competição entre trabalhadores, desmanchando as redes de solidariedade fordista e a militância sindical. Esse quadro está em mudança ou se aprofunda? O que representa para o sindicalismo?

O colapso da solidariedade fordista é uma realidade mundial. Mesmo nos países da Europa ocidental onde o compromisso

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social-democrata chegou mais longe em termos de proteção trabalhista as atuais formas contratuais privilegiam a flexibilidade e a individualização.

A mercantilização do trabalho apoiada em sistemas de informação que controlam o desempenho individual do trabalhador avança rapidamente. No entanto, isto não é uma fatalidade. Trata-se de uma correlação de forças muito desfavorável para a classe trabalhadora desde os anos 1980. Reverter esse quadro é a principal tarefa de um sindicalismo que privilegie a ação direta balizada pelo internacionalismo proletário.

A crise europeia revelou o aparecimento de embriões desse “novo sindicalismo” na Grécia e na Espanha.

Na sua visão, a ascensão social de quadros do sindicalismo para a burocracia estatal provocou mudanças nas lutas sindicais. Esse quadro permanece? Qual o impacto do mensalão nesse ponto? Algo está em mudança?

A transformação das camadas superiores do sindicalismo em gestores do capital financeiro e a fusão dos sindicatos com o aparelho de Estado praticamente sepultaram as chances do sindicalismo lulista voltar a defender os interesses da classe trabalhadora. Basta olharmos para a proposta do Acordo Coletivo Especial (ACE) apresentada recentemente pela burocracia sindical para chegarmos a essa conclusão. Não me parece que o julgamento do Mensalão vá modificar isso. Apenas a revivificação das lutas sociais na base associada ao surgimento de novas lideranças poderá transformar esse quadro. O Sr.. constata que a legislação trabalhista foi fruto de conquista. Como avalia a atual pressão empresarial para mudanças na CLT? Mudar a CLT seria um retrocesso do ponto de vista dos trabalhadores?

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advogados por empresários e sindicalistas governistas. Para a esmagadora maioria dos trabalhadores que não está representada por sindicatos fortes, a predominância do negociado sobre o legislado significa perda de direitos.

Aqueles que clamam pela reforma da CLT pensam apenas em flexibilizar o trabalho. Na realidade, a força de trabalho brasileira é muito barata e nosso mercado de trabalho excessivamente flexível. É necessário reformar a CLT para garantir mais liberdade sindical e mais direitos aos trabalhadores. Necessitamos de uma cláusula contra a demissão imotivada. Os trabalhadores precisam de mais direitos, não de menos.

Qual o impacto das migrações internas e dos imigrantes de outros países no mercado de trabalho e no movimento sindical? Historicamente, o movimento operário iniciou-se no final do século 19 com as imigrações italiana e espanhola. A crise da sociedade imperial e o advento da República oligárquica estimularam políticas imigratórias, revolucionando o mercado de trabalho.

Os trabalhadores imigrantes e seus descendentes tornaram-se protagonistas políticos na primeira metade do século 20. A Greve Geral de julho de 1917, de flagrante inspiração anarquista, foi a certidão de nascimento do movimento operário no país.

Por sua vez, ao longo da industrialização fordista das décadas de 1950 e 1960, os migrantes nordestinos e mineiros assumiram progressivamente o controle dos sindicatos, deslocando os trabalhadores italianos e espanhóis para um plano secundário. Ou seja, o militantismo está muito associado aos fluxos migratórios.

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Chico de Oliveira, Andre

Singer e Ricardo Musse

debatem livro de Ruy Braga

(Vídeo)

Versão integral do debate de lançamento de “A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista”, de Ruy Braga, com participação especial de Francisco de Oliveira. O evento, realizado no dia 29/11/12 pela Boitempo, o CENEDIC e a FFLCH-USP, reuniu Ricardo Musse, André Singer e Ruy Braga. 0:00:49 Francisco de Oliveira – Apresentação

0:07:48 André Singer – Primeira intervenção 0:33:35 Ricardo Musse – Primeira intervenção 1:07:14 Ruy Braga – Exposição central

1:58:00 Francisco de Oliveira abre o debate

2:00:00 André Singer e Ruy Braga discutem mais a fundo 2:26:35 Ricardo Musse encerra o debate

A política do precariado e a

mercantilização do trabalho:

entrevista com Ruy Braga

Por: Márcia Junges e Graziela Wolfart

“No capitalismo, como o trabalhador é despojado de meios de produção, necessitando vender sua força de trabalho para poder viver, a insegurança o acompanha desde o início de sua

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