ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS E LEGITIMIDADE: AÇÕES ESTRATÉGICAS DA KLABIN S/A E O DESENVOLVIMENTO DO DISTRITO INDUSTRIAL DE
TELÊMACO BORBA/PR
Autoria: Renata Fragoso, Edson Ronaldo Guarido Filho Resumo
Este artigo analisa a orientação para a legitimidade subjacente aos discursos estratégicos da Klabin S/A vinculados a ações de mobilização de aliados (boundary work) e de comunicação de suas atividades (practice work), durante o desenvolvimento do distrito industrial do município de Telêmaco Borba/PR entre 1993 e 2011. Sob o foco do institucionalismo organizacional, e por meio de delineamento descritivo-qualitativo, foi possível constatar justificativas de base sociopolítica e cultural-cognitiva associadas às ações estratégicas da empresa. Tais resultados remetem a considerações acerca do papel do discurso na construção da legitimidade e do condicionamento social das ações estratégicas.
2 INTRODUÇÃO
Nos últimos 20 anos, os estudos organizacionais passaram a dar mais atenção ao processo de institucionalização sob o enfoque da agência, salientando o papel que o interesse exerce na criação, manutenção e ruptura de instituições (DiMaggio, 1988). Diante disso, desenvolveram-se estudos voltados ao empreendedorismo institucional na tentativa de desenvolver, segundo propôs DiMaggio (1988), uma teoria de ação adequada ao institucionalismo organizacional, contrapondo o foco em mecanismos isomórficos definidos por DiMaggio e Powell (1983). Nesta concepção, uma organização legítima é aquela que está adequada aos padrões aceitos pela sociedade. Diante desta tendência, a teoria institucional passou a ser considerada especialista em estudos com estas características.
O pressuposto do presente artigo, no entanto, foca na ação intencional e orientada para o processo de criação, manutenção e mudança do contexto institucional, chamado posteriormente por Lawrence e Suddaby (2006) de institutional work, por meio das ações de boundary work e practice work (Zietsma & Lawrence, 2010). Aliado à ação orientada, buscou-se articular o componente discursivo das ações, considerado por alguns autores o componente que a fundamenta (Berger & Luckmann, 1998[1967]; Fairclough, 1992; Hardy, Palmer & Phillips, 2000; Hardy, 2001; Phillips, Lawrence & Hardy, 2004; Phillips & Malhotra, 2008; Schmidt, 2008; Zietsma & Lawrence, 2010). Isto porque o componente discursivo representa a ação mais simples de interação, persuasão e convencimento (Phillips et al., 2004), fator necessário para as ações do empreendedor institucional voltadas à conquista de suporte e apoio de outros atores e à instituição de suas práticas aos novos atores.
Esta concepção de linguagem sugere que é necessário analisar o discurso para o “entendimento de sociedades, instituições sociais, identidade, e até culturas” (Alvesson & Karreman, 2000, p. 137). Assim, o discurso pode ser considerado a base do processo de construção social. O reconhecimento do papel construtivista da linguagem, que influenciou trabalhos como o de Berger e Luckmann (1998 [1967]), é resultado do processo da guinada da lingüística (linguistic turn), associada à multiplicação de pesquisas interpretativistas, na medida em que questões sobre ‘como as coisas funcionam’ saíram do foco de interesse e foram substituídas para questões do tipo ‘o que as coisas significam’ (Phillips & Hardy, 2002). Assim, o entendimento da realidade social somente ocorre mediante referência aos discursos que lhes dão significado. Sob essa ótica, sem discurso não há realidade social, sem o entendimento do discurso não podemos entender nossa realidade, nossas experiências nem nós mesmos (Phillips & Hardy 2002). Entretanto, a inserção da complexidade da linguagem nos debates acadêmicos possui um ponto fraco quando tende a passar a ideia de que a linguagem é um espelho da realidade (Fairclough, 1992; Phillips & Hardy, 1997; Alvesson & Karreman, 2000; Hardy et al., 2000; Hardy, 2001), conduzindo o pesquisador à falácia epistemológica, na qual a epistemologia e ontologia se confundem (Fairclough, 2005).
Diante disto, o objetivo do artigo é compreender como a Klabin S/A utilizou os discursos estratégicos de coordenação e de comunicação presentes nas ações de boundary work e de practice work para legitimar suas ações estratégicas ao longo do desenvolvimento do distrito industrial de Telêmaco Borba/PR, no período 1993-2011.
Seguindo este propósito, o artigo foi estruturado em 8 seções, incluindo esta introdução. A seção 2 trata da abordagem discursiva, apresentando a epistemologia construtivista do discurso por meio das noções de sujeito, objeto e conceito e a imersão do discurso em estruturas sociais mais amplas. A seção 3 foi dedicada à apresentação do institutional work e seus componentes, ações de boundary work e practice work, de forma a vinculá-los a uma noção de discurso. A articulação dos elementos discursivos com o institutional work possibilitou desenvolver um modelo teórico que permite analisar e compreender o discurso utilizado pela Klabin S/A para persuadir e convencer outros atores a apoiar e sustentar as
práticas organizacionais adotadas, com o objetivo de tornar tais práticas legítimas, denominado de discurso como recurso estratégico, conforme foi apresentado na seção 4. A seção 5 refere-se à metodologia utilizada para a condução e realização da pesquisa e à apresentação da situação em estudo. A apresentação dos dados e sua articulação com a teoria foi tratada na seção 6. Por fim, as seções 6 e 7 referem-se a discussão dos achados e a conclusão, onde foram resgatados os objetivos, os principais achados e a articulação com a teoria e apresentadas as implicações teóricas do artigo, respectivamente.
DISCURSO E INSTITUIÇÕES
A literatura apresenta muitas definições para discurso devido ao caráter multidisciplinar em sua origem (Oswick, Keenoy & Grant, 2000; Godoi, 2006), sendo entendido, em termos gerais, como práticas de fala e escrita (Fairclough, 1992; Phillips & Hardy, 1997; Oswick et al., 2000), que proporcionam significados aos objetos (Hardy, 2001). Entretanto, no presente artigo, o discurso é entendido como um conjunto inter-relacionado de textos que proporcionam significado a um objeto por meio da produção, disseminação e consumo destes textos (Phillips & Hardy, 1997; Hardy et al., 2000; Hardy, 2001; Phillips & Hardy, 2002). Os textos representam a unidade e a materialização do discurso e assumem diversas formas incluindo textos escritos e falados e qualquer outro elemento semiótico, como figuras, símbolos, artefatos, linguagem corporal e assim por diante (Fairclough, 1992; Hardy, 2001; Phillips & Hardy, 2002; Fairclough, 2005). Contudo, textos não ocorrem no vácuo; não possuem significado quando analisados individualmente; é somente por meio da interação com outros textos, com os discursos nos quais se baseiam e na natureza de sua produção, disseminação e consumo que serão dotados de significado (Phillips & Hardy, 2002).
Assim, considera-se que o discurso vai além do simples transporte de dados da realidade objetivada, devendo ser entendido como algo ativo, processual, que é utilizado para persuadir, engajar, disciplinar, criticar e expressar os sentimentos, (Alvesson & Karreman 2000), que se preocupa com o entendimento da criação da realidade por meio de movimentos discursivos ao longo da história (Fairclough, 1992; Phillips & Hardy, 1997; Hardy et al., 2000; Hardy, 2001). Desta forma, o discurso é baseado em uma epistemologia construtivista (Hardy, 2001; Phillips & Hardy 2002).
A epistemologia construtivista do discurso contribui para a construção de relações sociais entre as pessoas e de sistemas de conhecimentos e crenças constituindo novas instituições por meio da construção de conceitos, objetos e sujeitos. Conceitos são construções originários de discursos constituídos por textos produzidos, disseminados e interpretados por um conjunto de atores em uma situação social, podendo ser modificados ao longo do tempo e de sociedade para sociedade (Phillips & Hardy, 1997; Hardy et al., 2000; Oswick et al., 2000). Objeto é constituído pelo discurso quando os conceitos são utilizados para conferir significado às relações sociais ou objetos físicos, proporcionando, assim, significado ao mundo material (Hardy et al., 2000). Devido à forte relação entre estes dois elementos, uma mudança no conceito mudará fundamentalmente a maneira em que o objeto é socialmente compreendido (Phillips & Hardy, 1997). Por fim, os sujeitos são aqueles capazes de interpretar os textos e fazer as conexões necessárias para desenvolver uma leitura e um discurso coerente. Entretanto, o sujeito precisa ser reconhecido como possuidor de voz (warranting voice) para manifestar-se em determinado discurso (Phillips & Hardy, 1997; Hardy et al., 2000).
Desta forma, a constituição de instituições, quanto a origem e motivação, recai nas interpretações divergentes feitas pelos produtores de textos e pelos intérpretes. Estas divergências implicam dilemas. A inovação, a criatividade e a adaptação de convenções já existentes à nova situação, de acordo com Fairclough (1992), são os meios mais utilizados na
4 tentativa de resolver tais dilemas, contribuindo, assim, para a mudança discursiva. Desta forma, as contradições, dilemas e entendimentos subjetivos são possíveis devido às contradições e lutas estruturais em níveis institucional e societário, como, por exemplo, as relações de gênero. Assim, o evento discursivo pode contribuir tanto para a preservação e reprodução das relações e das hegemonias tradicionais de gênero (ligação com as convenções problematizadas) quanto para a transformação destas relações por meio da luta hegemônica (resolução dos dilemas por meio da inovação). Pode-se afirmar que “há a possibilidade de os processos sociocognitivos serem inovadores e contribuírem para a mudança discursiva dependendo da natureza da prática social” (Fairclough, 1992, p. 97).
INSTITUTIONAL WORK: AÇÕES DE BOUNDARY WORK E PRACTICE WORK
Institutional work refere-se à “ação intencional de indivíduos e organizações focados na criação, manutenção e ruptura de instituições” (Lawrence & Suddaby, 2006, p. 215). A criação de instituições é trabalhada na noção do empreendedor institucional (institutional entrepreneur), os quais são atores individuais ou coletivos que possuem recursos para provocar mudanças que contribuem para a criação de novas instituições (DiMaggio, 1988; Battilana, Leca Boxenbaum, 2009). A manutenção de instituições, por sua vez, constitui nos esforços do agente em suportar, reparar e recriar mecanismos sociais que sustentam as instituições existentes (Lawrence, Suddaby & Leca, 2009). Por fim, a ruptura de instituições, categoria menos explorada na literatura, é fortemente associada à discussão desencadeada por Oliver (1992) sobre a desinstitucionalização. No presente artigo, tais ações possuem fundamentação no componente discursivo das ações. Uma vez que o discurso é uma das formas mais simples e primitivas de persuasão e convencimento (Phillips et al., 2004), os atores podem utilizar estratégias discursivas para obter suporte e apoio para seus projetos institucionais. Este enfoque do institucional work foi tratado por meio da abordagem do boundary work e do practice work proposta por Zietsma e Lawrence (2010) ou, de acordo com Schmidt (2008), da estratégia discursiva coordenativa e estratégia discursiva comunicativa. De acordo com os autores, as estratégias discursivas coordenativas ou boundary work consistem nas ações organizacionais que envolvem a criação, elaboração e coordenação dos meios para conquistar suporte e apoio de outros atores, enquanto que as estratégias discursivas comunicativas ou practice work consistem nas ações voltadas à apresentação, deliberação e legitimação de práticas organizacionais, fazendo com que as demais organizações adotem as mesmas práticas.
De acordo com Zietsma e Lawrence (2010), práticas são formas reconhecidas de atividade que guiam o comportamento de acordo com a situação em questão; já fronteiras representam o delineamento de um grupo que adotam práticas específicas. Práticas e fronteiras, mesmo sendo distintas, são interdependentes e se relacionam recursivamente, “com as fronteiras delimitando conjuntos de práticas legitimadas, e as práticas dando suporte às fronteiras particulares de um grupo” (Zietsma & Lawrence, 2010, p. 193).
Desta forma, as práticas podem motivar tanto o practice work quanto o boundary work. O practice work é motivado quando o empreendedor institucional tem a intenção de atingir diretamente uma prática, seja para criá-la, mantê-la ou rompê-la. Entretanto, a ação sobre uma prática pode ser limitada pela fronteira; por exemplo, a organização poderá encontrar dificuldades para agir sobre esta prática devido ao seu alto grau de institucionalização no campo institucional. Neste caso, a organização procurará reconfigurar suas fronteiras (boundary work) criando condições para influenciar as práticas. Do mesmo modo, as fronteiras podem motivar tanto o boundary work quanto o practice work. O boundary work é motivado quando o empreendedor institucional tem interesse de reconfigurar seu campo de influência. Porém, esta intenção pode ser impedida pelas práticas existentes. Diante disso, a
organização motivará o practice work para atingir tais práticas, as quais sustentam a referida fronteira, de modo a de-legitimá-la, possibilitando, assim, uma nova motivação do boundary work a fim de atender a intenção inicial (Zietsma & Lawrence, 2010).
Esta relação recursiva pode resultar em mudança de fronteiras e práticas, cujo processo pode ser observado nos quatro ciclos propostos por Zietsma e Lawrence (2010): (1) estabilidade institucional; refere-se ao equilíbrio entre boundary work e practice work conquistado ao longo do tempo, ou seja, há um equilíbrio recursivo entre práticas e fronteiras; (2) conflito institucional; surge do conflito de interesses quando atores externos ao campo institucional ou com interesses divergentes dos atores pertencentes ao referido campo, se esforçam para quebrar as fronteiras e para de-letigimar as práticas vigentes ao passo que os atores pertencentes ao referido distrito se esforçam para defender suas fronteiras e para manter suas práticas legitimadas (3) inovação institucional; refere-se à motivação do boundary work pelo empreendedor institucional para criar um campo experimental para testar novas práticas; e (4) reestabilidade institucional refere-se à conexão e à promoção das novas práticas criadas e testadas pela organização dominante no campo experimental do ciclo anterior aos atores já participantes do campo institucional e àqueles ‘aspirantes’ para a inclusão no grupo existente resultando na formação de um novo grupo, com o objetivo de promover e difundir as novas práticas. Com as práticas legitimadas, as fronteiras do novo campo institucional se reestabilizam, promovendo novamente o equilíbrio entre o boundary work e o practice work. DISCURSO COMO RECURSO ESTRATÉGICO E ORIENTAÇÃO À
LEGITIMIDADE
O boundary work e o practice work, constituintes dos processos de criação, manutenção e dissociação de instituições, podem ser associados a elementos discursivos (Phillips et al., 2004) e utilizados estrategicamente pela organização em benefício de seus interesses.
Desta forma, Hardy et al. (2000) elaboraram um modelo de discurso visto como recurso estratégico, composto por três circuitos diferentes, para análise do esforço do institutional work. O circuito da atividade compreende as atividades discursivas utilizadas pela organização visando o controle dos significados para favorecer suas intenções. Tais atividades envolvem a criação e disseminação de textos, os quais incluem o uso de metáforas, de narrativas e da retórica para que possam associar conceitos particulares com certas relações a fim de criar objetos. O circuito da performatividade é caracterizado pelo engajamento de outros atores quando há efeitos políticos por meio da imersão de conceitos evocados pela organização nas demonstrações discursivas em um amplo contexto discursivo de modo que entrem em ressonância com os interesses de outros atores, caso contrário, deixarão de transmitir o sentido inicialmente pretendido. Por fim, o circuito da conectividade, oriundo da interseção dos dois circuitos anteriores, é caracterizado pelos discursos organizacionais elevados ao nível macro-discursivo como conceitos com a finalidade de criar objetos específicos aos olhos de outros atores.
Diante disto, as ações discursivas voltadas ao processo de institucionalização sugerem a criação de textos e a compreensão e compartilhamento destes textos com os demais atores do campo institucional (Phillips, et al., 2004; Phillips & Malhotra, 2008). Assim, as ações discursivas do empreendedor institucional afetam a esfera macro-discursiva por meio da produção de textos, ou “texturing” (Fairclough, 2005, p. 926), alguns dos quais deixam traços significativos que se tornam imersos em novos discursos ou em discursos existentes (Phillips et al., 2004; Phillips & Malhotra, 2008). Por sua vez, discursos agem como um background e oferecem a constituição social por meio de mecanismos auto-reguladores que legalizam as instituições e pautam as ações do ator, que levam a produção de mais textos, permitindo ou restringindo suas ações (Phillips et al., 2004; Phillips & Malhotra, 2008).
6 O processo de “texturing” pode ser motivado pela organização para que as estratégias discursivas justifiquem a criação, manutenção ou ruptura de suas práticas organizacionais e para mobilizar os recursos necessários à execução do projeto de institucionalização. Este esforço despendido no processo de criação, elaboração e justificação de práticas organizacionais pode ser associado às estratégias discursivas coordenativas e comunicativas apresentadas por Schmidt (2008) e ao boundary work e ao practice work apresentado por Zietsma e Lawrence (2010), discutidos na seção anterior.
O discurso tratado como recurso estratégico e imerso em estruturas sociais mais amplas, ainda, sugere a orientação à legitimidade organizacional. Assim, o esforço orientação das estratégias discursivas supõe um processo de validação sociopolítica e cognitiva. De acordo com Suchman (1995) e Colyvas e Powell (2006), a validação sociopolítica recai na sociotropia e na instrumentalidade, conferindo à organização e às suas ações discursivas o reconhecimento de serem moralmente corretas, além de conferir a responsabilidade moral, honestidade, confiança e sabedoria; enquanto que a validação cognitiva, por sua vez, recai na aceitação de que a organização é necessária ao desenvolvimento da comunidade e inevitável devido à percepção construída com base em elementos culturais taken-for-granted.
Com base no tratado neste referencial teórico, apresenta-se, na seção seguinte, a proposta metodológica que orientará a investigação empírica do problema de pesquisa, considerando a operacionalização das categorias analíticas relevantes, o delineamento da pesquisa e os procedimentos de coleta e tratamento de dados.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O delineamento do presente artigo é descritivo, com abordagem qualitativa, por enfatizar a interpretação e a dar atenção ao contexto (Bryman, 1989), e possui perspectiva temporal seccional-retrospectiva, por buscar analisar como as estratégias discursivas da Klabin foram utilizadas para o convencimento e conquista de suporte e apoio dos atores do distrito industrial de Telêmaco Borba. Para tanto, definiu-se como período de tempo a ser analisado de 1993, ano que a Klabin iniciou sua participação no projeto de desenvolvimento do distrito industrial, até dezembro de 2011, quando se finalizou a coleta de dados.
O desenvolvimento da pesquisa contemplou duas etapas de pesquisa. Uma primeira etapa, de natureza mais exploratória, envolveu a identificação das ações estratégicas da Klabin ao longo do período em estudo. Duas ações estratégicas foram consideradas relevantes para o desenvolvimento do presente artigo e serão apresentadas mais adiante: fomento florestal e fomento do distrito industrial do município de Telêmaco Borba,no Paraná.
A segunda etapa de pesquisa contemplou o levantamento e análise dos dados referentes à essas ações estratégicas tomando como base as categorias analíticas associadas ao objetivo da pesquisa, qual sejam: as práticas de institutional work, seu componente discursivo coordenativo e comunicativo e, por fim, a orientação para a legitimidade associada ao discurso estratégico da Klabin.
Para tanto, a estratégia de coleta de dados abrangeu entrevistas semiestruturadas e análise documental. Foram realizadas nove entrevistas com representantes da área florestal, como diretor, gerente comercial, gerente de sustentabilidade e ex-engenheiro da Klabin, da Secretaria Municipal do Trabalho e da Indústria Convencional (SMTIC) e empresários locais. As fontes documentais foram predominantemente compostas por documentos organizacionais, fornecidos pela organização: cartilhas, CD’s, DVD’s, jornais de circulação interna da Klabin S/A e projetos apresentados e desenvolvidos pela empresa. Também foram considerados documentos de mídia, como dados conjunturais e econômicos, livros, artigos jornalísticos, relatórios técnicos, e outros de caráter bibliográfico (teses e dissertações) que apresentassem dados acerca da história imbricada da Klabin e do município, das políticas
organizacionais ligadas às ações estratégicas selecionadas para o estudo, as repercussões dessas ações para o público em geral. Tais fontes foram catalogadas, por meio de tabulação de informações referentes à natureza da fonte, autoria, idade do material, temáticas centrais e vinculação com eventos e atores relevantes. Para as entrevista, em especial, foram também elaboradas notas para registro das observações realizadas no momento da entrevista, bem como as ponderações de pesquisa ligadas ao conteúdo obtido.
No total, a análise dos dados considerou 16 horas e 30 minutos de entrevistas gravadas e 167 documentos, os quais foram submetidos à análise do discurso, a partir de uma análise prévia do conteúdo manifesto e latente conforme sugerido por Zilber (2007).
A “análise de conteúdo manifesta” deu atenção à categorização dos dados de acordo com as dimensões propostas, num primeiro momento, e depois à recategorizá-los em categorias mais abstratas. A categorização foi realizada com o auxilio do software NVivo9, por meio do quel foram cadastrados os documentos coletados para posterior marcação de trechos durante a leitura, chamadas de nodes, de forma a associá-los com as categorias analíticas propostas. Finalizado o processo de (re)categorização, as passagens contidas em cada uma das cinco categorias maiores foram analisadas de forma a identificar as ações estratégicas da Klabin ao longo do desenvolvimento do referido distrito, bem como sua orientação à legitimidade. Após a triangulação dos dados e a realização de toda esta parte descritiva, os dados foram confrontados com a teoria que fundamenta esta dissertação, condizendo com a “análise de conteúdo latente” de Zilber (2007). Nesse momento, os dados foram interpretados a fim de se realizar a passagem do significado denotativo para o conotativo, ou seja, com foco na percepção de mensagens implícitas e explícitas que os textos podem passar, conforme sugerido por Dellagnelo e Silva (2005). Para tanto, foram necessárias inferências que possibilitassem extrapolar a análise para além da descrição, favorecendo a interpretação associadas aos componentes discursivos ligados às ações estratégicas da Klabin. Assim, as estratégias discursivas da Klabin orientadas à legitimidade de suas ações estratégicas foram narradas a partir da perspectiva do discurso como recurso estratégico buscando analisar as estratégias discursivas utilizadas pela Klabin para a conquista de suporte e apoio de outros atores, o que possibilitou vincular essa interpretação às ações de institutional work, especificamente de practice e boundary work.
Situação em estudo
A situação em estudo abarca o período de desenvolvimento do distrito industrial do município de Telêmaco Borba, entre 1993-2011, contexto em que as ações objeto do estudo foram desempenhadas pela Klabin. O município de Telêmaco Borba, localizado no Estado do Paraná, originou-se das obras para a construção e instalação da fábrica de papel da Klabin na região. A partir daí, o desenvolvimento municipal esteve intimamente ligado ao desenvolvimento da Klabin na região. Na tentativa de reduzir a dependência desenvolvimentista do município com relação à indústria papeleira, a Klabin desenvolveu programas, como o Fomento Florestal, e participou de projetos municipais, como o fomento do distrito industrial de Telêmaco Borba. Ambas as ações foram contempladas pelo presente artigo.
Fomento Florestal. Programa iniciado pela Klabin no final dos anos 80 e início dos anos 90 juntamente o setor de fomento da empresa com o objetivo de ampliar a área de florestas disponíveis para atender os interesses organizacionais por meio da utilização de áreas ociosas e marginais das propriedades rurais localizadas no município de Telêmaco Borba e nos municípios de seu entorno para a plantação de pinus e eucalipto com a finalidade
8 de uso múltiplo, mas, em especial para fornecimento de insumo para a Klabin. O programa é apresentado como forma de auxiliar os agricultores interessados a terem acesso às mudas, assistência técnica, recursos para o plantio e auferir resultados de áreas pouco lucrativas. Também são apresentados como benefícios diretos o aumento do lucro dos produtores e da renda do município, a geração de empregos diretos, indiretos e temporários, uma vez que os fomentados precisarão contratar pessoas para auxiliar na operação das máquinas na colheita e no plantio. O fomento florestal, contudo, é bem caracterizado como uma ação estratégica na medida que está fortemente relacionado à gestão dos estoques de madeira para produção de celulose, ampliando a área plantada de modo a assegurar a demanda crescente que viria ocorrer nos anos seguintes.
Fomento do Distrito Industrial de Telêmaco Borba. O distrito industrial de Telêmaco Borba é um projeto da prefeitura do município existente desde 1989 quando da aprovação, em lei, do Programa de Desenvolvimento do Fomento Industrial (Prodefi) que regulamentou o distrito industrial sob o objetivo de promover o desenvolvimento econômico municipal por meio da instalação de indústrias em terrenos ofertados pela prefeitura municipal. Porém, diante de esforços malsucedidos pela prefeitura municipal, o projeto não progrediu, caindo no esquecimento até 1993. Neste ano, o plano foi retomado por meio da nova administração municipal que convidou a Klabin para atuar como um dos pilares de sustentação do projeto, uma vez que a indústria papeleira era proprietária de mais de 90% das terras do município e detinha mais de 95% das florestas existentes na região. O fomento do distrito industrial foi, a partir daí, tomado como ação estratégica da Klabin na medida que se vinculou, por um lado, à disponibilização de terras para a delimitação da área do distrito industrial, com venda subsidiada de toras de madeira para as indústrias da cadeia produtiva instaladas no distrito e a criação das condições necessárias para a qualificação de mão de obra e para o escoamento da produção. Por outro lado, enquanto ação estratégica, o fomento serviu como válvula de pressão para a modernização do parque industrial que promoveu a realocação de mão de ora da Klabin para as indústrias locais em razão de demissões ocorridas em meados dos anos 90. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
No presente artigo, o institutional work é compreendido pelas estratégias discursivas nas dimensões coordenativas e comunicativas contidas nas ações de boundary work e practice work, respectivamente. A título de recapitulação da teoria, boundary work refere-se a ações orientadas à reconfiguração das fronteiras, enquanto practice work, a ações orientadas para a implementação e deliberação das práticas organizacionais, de acordo com Schmidt (2008) e Zietsma e Lawrence (2010).
Sob este quadro de referência, as ações estratégicas da Klabin de fomento florestal e de fomento do distrito industrial de Telêmaco Borba, ao longo do desenvolvimento do distrito industrial, apresentaram tanto ações de boundary work quanto ações de practice work, cujos discursos estratégicos foram voltados à coordenação de ideias e à comunicação e deliberação de práticas, respectivamente. Tais discursos foram utilizados estrategicamente pela Klabin para conquistar suporte e apoio de outros atores para legitimar suas práticas organizacionais, conforme demonstra a Figura 1.
Ação Estratégica
Fomento Florestal Fomento do Distrito Industrial de Telêmaco Borba
Identificação
das Ações Boundary Work
1. Atração dos agricultores para o programa.
1. Atração dos empresários;
2. Inclusão dos fomentados ao distrito;
3. ADMATI.
Practice Work 1. Técnicas de manejo florestal. 1. Implantação do SENAI-CETMAM.
Discurso Estratégico
Coordenativo
1. Aumentar a área florestal da Klabin;
2. Geração de riquezas para o produtor.
1. Relação ganha-ganha;
2. Reduzir dependência do distrito em relação à Klabin; potencial para se desenvolver sozinho;
3. Evitar o inchaço populacional e a pressão sobre a Klabin.
Comunicativo
1. Preservação do meio ambiente; 2. Exigência do mercado.
1. Disseminação de princípios praticados pela Klabin; profissionalização e valorização da mão-de-obra.
Orientação à Legitimidade
Adquirir 1. Persuasão; 2. Práticas popularizadas e padronizadas.
1. Persuasão;
2. Advertise da imagem; 3. Construção de reputação.
Manter 1. Monitoramento de múltiplos interesses. 1. Monitoramento de múltiplos interesses; 2. the right organization for the job.
Figura 1. Ações de Boundary Work e de Practice Work, Discurso Estratégico e Orientação à Legitimidade
Fonte: elaborado a partir de dados da pesquisa.
Analisando a Figura 1, a atração dos agricultores para o programa de Fomento Florestal e a atração de empresários para o distrito industrial configuram-se como ações de boundary work por se tratar da reconfiguração das fronteiras do contexto institucional da Klabin. Entretanto, a estratégia discursiva utilizada pela indústria papeleira difere de acordo com a ação e com seus interesses.
No início do programa do Fomento Florestal e do projeto do desenvolvimento do distrito industrial, os referidos agricultores, chamados de fomentados, e os empresários precisaram ser convencidos de que os programas trariam resultados e retorno significativos. Neste momento, a Klabin teve que desenvolver estratégias discursivas coordenativas de modo a conquistar suporte e apoio dos fomentados e dos empresários em potencial. O objetivo da Klabin com os fomentados é aumentar a área de suas florestas, porém para convencê-los a participar do programa, a indústria papeleira utilizou o discurso de que a plantação de pinus e eucalipto possibilitaria a geração de renda nas áreas ociosas de suas propriedades. É importante considerar que estes fomentados em potencial, localizados na região de Telêmaco Borba e nos municípios de seu entorno, praticavam atividades de agricultura e pecuária. Além disso, a partir do momento em que ingressassem no programa de fomento florestal, a Klabin proporcionaria todo o suporte que precisariam para a realização do plantio das florestas, desde a escolha das mudas até o ensinamento das técnicas do manejo florestal praticados pela indústria papeleira. O discurso utilizado para o convencimento dos empresários, por sua vez, precisava ser mais incisivo, uma vez que no início do desenvolvimento do distrito industrial o Brasil enfrentava a crise do início dos anos 90, o que poderia ser um forte indício de recusa do ingresso no distrito industrial. Percebendo este impasse, a Klabin utilizou o discurso de que auxiliaria na instalação da indústria, garantiria a concessão de terra para a instalação da indústria, a venda subsidiada de toras de madeira e o cumprimento, por parte da Prefeitura de Telêmaco Borba, dos benefícios municipais previstos na Lei do PRODEFI (Programa de Desenvolvimento do Fomento Industrial), lei que regulamenta o distrito, aos empresários que se instalassem no distrito. Mesmo com todos estes benefícios, houve empresários se recusaram a migrar para o distrito por vários motivos, desde o comprometimento das finanças da indústria por causa da crise até a não utilização da matéria-prima que estava sendo ofertada. A partir do momento que agricultores e empresários aceitassem participar dos
10 respectivos programas, o discurso estratégico da Klabin passou a ser comunicativo, ou seja, o discurso era voltado à apresentação, deliberação e legitimidade de práticas organizacionais.
No programa de Fomento Florestal, a principal ação de practice work observada foi a utilização das técnicas de manejo florestal. A Klabin apresentou as técnicas de manejo aos fomentados e discursou sobre o porquê da necessidade de se adotar tais práticas; o discurso comunicativo utilizado pela Klabin foi voltado à importância da preservação do meio ambiente e os benefícios comerciais e financeiros que esta preocupação pode possibilitar, enfatizando na exigência do mercado por produtos e processos produtivos que contribuem para a não degradação do meio ambiente. No fomento do distrito industrial, por sua vez, a implantação do SENAI-CETMAM possibilitou, além da especialização e padronização da mão-de-obra utilizada no distrito industrial, a disseminação dos princípios utilizados pela Klabin, uma vez que foi a indústria papeleira que proporcionou a instalação do SENAI-CETMAM em Telêmaco Borba e que selecionou os módulos a serem ministrados nos cursos. O desenvolvimento e notoriedade de ambos os programas provocou alteração nos discursos coordenativos da Klabin. Muitos agricultores e empresários foram atraídos pelo sucesso dos programas, não demandando da Klabin esforços para convencimento de potenciais adeptos aos programas como no início. Estes novos entrantes, entretanto, necessitavam adotar as práticas organizacionais utilizadas nos respectivos campos institucionais, fazendo com que a Klabin utilizasse novamente as estratégias discursivas comunicativas para apresentar, deliberar e legitimar as práticas organizacionais já utilizadas pelos demais atores.
As estratégias discursivas coordenativas e comunicativas adotadas pela Klabin ao longo do desenvolvimento do distrito industrial de Telêmaco Borba possuem orientação à legitimidade organizacional. No início do programa de Fomento Florestal e do projeto de desenvolvimento do distrito industrial, subjacentes às estratégias discursivas coordenativas da Klabin encontrava-se a persuasão, definida por Suchman (1995) como uma estratégia de legitimação. O ingresso dos agricultores no programa permitiu a Klabin monitorar os múltiplos interesses, uma vez que os agricultores estavam interessados na renda que a plantação de florestas proporcionaria, enquanto à Klabin interessava o aumento da área florestal para atender os interesses econômicos. Entretanto, com o passar do tempo, o programa de fomento florestal se tornou popular, possibilitando a Klabin conquistar potenciais agricultores sem a necessidade de demandar tantos recursos quanto na fase inicial do projeto. Além disso, todos os agricultores participantes deste programa seguem as mesmas técnicas de manejo florestal que a Klabin utiliza em suas florestas, proporcionando a padronização das práticas utilizadas por todos os envolvidos que plantam as florestas de pinus e eucalipto, respaldadas por meio da conformidade com a legislação ambiental e estadual vigente.
Com relação à ação estratégica de fomento do distrito industrial de Telêmaco Borba, cujo trabalho da Klabin, com a parceria da Prefeitura Municipal de Telêmaco Borba, resultou na promoção do município de Telêmaco Borba e do distrito industrial, passando a imagem de um distrito organizado, competente, competitivo e que fabrica produtos de alta qualidade, contribuindo, assim, para a construção de uma reputação do distrito industrial, passando a ser conhecido como “cluster da madeira”. Ainda, a responsabilidade da Klabin perante o fomento do distrito industrial possibilitou o monitoramento de múltiplos interesses, uma vez que os empresários precisam da madeira fornecida pela Klabin, a Klabin precisa escoar a produção excedente e a Prefeitura precisa da arrecadação de impostos proporcionados pelo distrito; além disso, há a percepção de que a Klabin era a única empresa com capacidade de promover o desenvolvimento do distrito industrial, configurando-se no que é chamado na literatura de “the right organization for the job”.
De acordo com a classificação de Suchman (1995), as estratégias de aquisição de legitimidade, persuasão, advertise de imagem e construção de reputação, e de manutenção de legitimidade, monitoramento de múltiplos interesses e “the right organizations for the job” possuem orientação à legitimidade sociopolítica, enquanto que as estratégias de aquisição de legitimidade definidas por Suchman (1995) de padronização de práticas e popularização de práticas, por sua vez, possuem orientação à legitimidade cultural-cognitiva.
IMPLICAÇÕES ANALÍTICAS
Com base nos dados obtidos no decorrer da pesquisa, foi possível constatar que diferentes bases de legitimidade orientaram os discursos da Klabin durante o período estudado. As ações estratégicas objetos do estudo não apenas representam programas planejados instrumentalmente, mas se mostraram ações de cunho político a fim de enquadrar as ações da empresa num entendimento que não rompa ou ameace com sua legitimidade, o que ocorreu não apenas por um discurso orientado para o significado das ações, mas também para o envolvimento de outros atores em torno dessas ações. Tais aspectos possibilitaram evidenciar categorias analíticas expostas na fundamentação teórica, como discursos estratégicos presentes nas ações de boundary work e de practice work e sua orientação à legitimidade organizacional. Contudo tais achados remetem a implicações analíticas que merecem atenção destacada: a construção discursiva da legitimidade e o condicionamento social das ações estratégicas.
Legitimidade como um produto do discurso
A atenção normalmente dada ao componente contextual da legitimidade refere-se à “aceitação generalizada ou ao pressuposto de que as ações de uma entidade são desejadas, adequadas ou apropriadas dentro de um sistema socialmente construído de normas, valores, crenças e definições” (Suchmanm 1995, p. 215). Contudo essa aceitação, como foi possível evidenciar na pesquisa, pode sofrer influência ativa de atores por meio de suas ações discursivas contribuindo para a construção do contexto institucional que serve de base para a aceitação, influenciando, assim, a legitimidade organizacional. Isso se dá por meio do enquadramento (framing) dos entendimentos (ideias, significados, conteúdos) correspondentes às práticas organizacionais e ações estratégicas, que ganham sentido modelado pela organização, e por meio da mobilização de aliados, no sentido de expandir as fronteiras de apoio às suas práticas.
A atuação da Klabin, possivelmente diante do alto grau de interdependência exercido com o município, promove a reflexão em torno das ações de atores organizacionais orientadas para a manipulação do ambiente institucional. Apesar do tom pejorativo do termo manipulação, o que é possível inferir dos resultados remete à agência orientada para a construção de conceitos com a finalidade de atribuição de significado objeto e práticas de forma a terem ressonância com os interesses dos demais atores; ou seja, pode criar e promover novas explicações para a realidade social por meio da coordenação e comunicação de estratégias discursivamente orientadas. Assim, é possível que elementos discursivos vinculados às ações estratégicas possam gerar implicações para a recuperação da legitimidade organizacional, re-significando situações de crise, recaindo em ações estratégicas para rompimento das práticas organizacionais de-legitimadas ou não legítimas, antes de adotar e implementar novas práticas.
Sob o olhar do empreendedorismo institucional, ou do ator social interessado em promover certas condições institucionais, é possível ainda destacar que essas construções discursivas podem se valer de valores e crenças de seu contexto social, se munir de estratégias discursivas para proteger seus interesses e conformar alianças e entendimentos que assegurem
12 a legitimidade, seja definindo os parâmetros sociais para o que se admite como aceito, apropriado ou adequado, seja organizando socialmente o contexto, a fim de conquistar apoio social e político, por meio da cooptação e atuação de atores subsidiários (conforme já mencionara DiMaggio, 1988).
Tais implicações decorrentes de reflexões acerca dos achados da pesquisa incentivam o pensar acerca da legitimidade não apenas a partir do seu sentido contextual, como tradicionalmente apontado pela literatura. Mas, ao contrário, a partir de um olhar interessado na sua construção influenciada pelo discurso de atores interessados, cuja posição social ou de sujeito (como sugerido pela literatura acerca de discursos organizacionais). Assim, reconhecer o discurso como estratégico é relevante para a pesquisa institucional, pois admite que entendimentos compartilhados sejam condicionados por ações intencionais de natureza discursiva, especialmente em situações como a exposta neste artigo.
Condicionamento social da ação estratégica
As ações estratégicas da Klabin estudadas no presente artigo atendem as necessidades econômicas da referida organização quando diz respeito ao aumento da área de plantio de florestas, a fim de gerar maior volume de toras destinada a fabricação de papel e à redução da dependência desenvolvimentista do município com relação à Klabin. Entretanto, as ações estratégicas da Klabin, apesar de representarem ações intencionais com sentido dedicado aos interesses da organização, não são meramente produtos desta orientação instrumental.
Os achados da pesquisa possibilitam inferir que tais ações são também influenciadas por aspectos ligados ao contexto social, ou seja, as ações estratégicas levam em consideração elementos socioculturais nas quais são imersas e que podem servir de base para os julgamentos realizados por determinada audiência. Ou seja, apesar de haver um interesse econômico, subjacente a essas ações estão entendimentos, ou expectativas de julgamento quanto ao que é, ou pode ser, considerado apropriado, adequado e desejável. Diante disso, carregam consigo a percepção de que é significativo e necessário para a manutenção da estabilidade do ambiente, mesmo numa situação de disparidade econômica como é o caso estudado.
Posto isto, tais resultados apresentam-se em convergência com o exposto por Guarido Filho, Seifert e Kirschbaum (2011, p. 4), no sentido de reconhecer que a ação estratégica nãoapenas é baseada em significados como também “é, essencialmente, um ato de atribuição de significados”. Ainda que a Klabin aparentemente pouco dependa do município economicamente, questões sociais podem afetar sua legitimidade e, portanto, estão subjacentes ao discurso vinculado a suas ações estratégicas.
CONCLUSÃO
O presente artigo procurou compreender como a Klabin S/A utilizou os discursos estratégicos de coordenação e de comunicação presentes nas ações de boundary work e de practice work para legitimar suas ações estratégicas. Diante disto, os dados foram analisados de acordo com as estratégias discursivas presentes nas ações de boundary work e practice work e de acordo com a orientação destas estratégias à legitimidade.
As estratégias discursivas coordenativas utilizadas pela Klabin voltavam-se aos esforços para a conquista de suporte e apoio de outros atores com a finalidade de reconfigurar as fronteiras de seu campo institucional. À medida que agricultores e empresários fossem identificados como potenciais novos entrantes os quais atendiam seus interesses particulares, a Klabin utilizava seu discurso para convencê-los a participar dos seus programas. Em seu discurso, a Klabin procurava salientar todos os benefícios que os agricultores e empresários teriam caso ingressassem em seus programas. A partir daí, o discurso da Klabin voltava-se à
comunicação das práticas organizacionais, de modo a apresentá-las, deliberá-las e legitimá-las perante os demais atores. Assim, a Klabin ensinava as técnicas de manejo florestal salientando a exigência dos mercados para os produtos e processos produtivos que se preocupam com a preservação do meio ambiente. Do mesmo modo, a mão-de-obra ofertada para os empresários do distrito industrial eram qualificadas pelo SENAI-CETMAM, cujos cursos eram preparados pela Klabin e transmitiam os princípios adotados pela indústria papeleira.
Subjacente às estratégias discursivas coordenativas e comunicativas das ações de boundary work e de practice work encontra-se a orientação à legitimidade organizacional, ora tendendo à legitimidade sociopolítica, ora tendendo à legitimidade cultural-cognitiva.
As estratégias discursivas da Klabin, ainda, remetem ao institutional work e ao discurso, no sentido em que a Klabin, como empreendedor institucional e possuidor de voz, cria conceitos para dar significado aos objetos de acordo com seus interesses organizacionais. Sob esta ótica, os conceitos socialmente aceitos possibilitam a construção de sistemas de conhecimento e crenças que constituem as novas instituições.
No decorrer da análise dos dados e da construção do artigo, foi possível perceber possibilidades para a realização de outros estudos e pesquisas, deduzidas da fase empírica e dos resultados. A primeira é a permeabilidade do discurso, ou seja, a relação entre o discurso e contexto social no sentido de se observar a inclusão de elementos do macro-discurso nas estratégias discursivas organizacionais, uma vez que as ações organizacionais estão imersas em estruturas culturais mais amplas; relação da organização, inserida em diferentes contextos (nacional e internacional) com sua comunidade local; estratégias emergentes, que se refere ao surgimento de estratégias organizacionais de acordo com o momento contextual em que a organização está inserida; e a continuidade no embate interdiscursivo, no sentido de utilizar a articulação do institutional work com elementos discursivos e o discurso como recurso estratégico em outros estudos.
REFERÊNCIAS
Alvesson, M. & Karreman, D. (2000). Taking the linguistic turn in organizational research: challenges, responses, consequences. The Journal of Applied Behavioral Science, 36(2), 136-157.
Battilana, J.; Leca, B. & Boxenbaum, E. (2009). How actors change institutions: towards a theory of institutional entrepreneurship. The Academy of Management Annuals 3(1), 65-107. Berger, P. L. & Luckmann, T. (1998). A Construção Social da Realidade, 16ª ed. Petrópolis: Vozes.
Bryman, A. (1989). Qualitative Research. In: Bryman, A. Research methods and organization studies. New York: Routledge, 112-141.
Colyvas, J. A. & Powell, W. W. (2006). Roads to institutionalization: the remaking of boundaries between public and private science. In: STAW, B. M. (ed). Research in Organizational Behavior: An Annual Series of Analytical Essays and Critical Reviews, 27, 305-353.
Dellagnelo, E. H. L. & Silva, R. C. (2005). In: Vieira, M. M. F. & Zouain, D. M. (Orgs) Pesquisa qualitativa em administração: teoria e prática. Rio de Janeiro: FGV, 97-118.
DiMaggio, P. (1988). Interest and agency in institutional theory. In: Zucker, L. G. (Ed). Institutional patterns and organizations: culture and environment. Cambridge: Ballinger. DiMaggio, P. J. & Powell, W. W. (1983). The iron cage revisited: institutional isomorphism and collective rationality in organization fields. American Sociological Review, 48(2), 147-160.
14 Fairclough, N. (2005). Discourse analysis in organization studies: the case for critical realism. Organization Studies, 26(6), 915-939.
Godoi, C. K. (2006). Perspectivas de análise de discurso nos estudos organizacionais. In: Godoi, C. K.; Bandeira-de-Mello, R. & Silva, A. B. (Orgs). Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva, 375-401.
Guarido Filho, E. R., Seifert, R. E. & Kirschbaum, C. Estratégia sob o olhar sociológico: reflexões para uma agenda de pesquisa. XXV Encontro da Anpad (Enanpad). Rio de Janeiro: Anpad, 2011.
Hardy, C.; Palmer, I. & Phillips, N. (2000). Discourse as a strategic resource. Human Relation, 53(9), 1227-1248.
Hardy, C. (2001). Researching organizational discourse. International Studies of Management and Organization, 31(3), 25-47.
Lawrence, T. B. & Suddaby, R. (2006). Institutions and institutional work. In: Clegg, S. R.; Hardy, C.; Lawrence, T. B. & Nord, W. R. (Orgs.). Handbook of Organization Studies. London: Sage, 2 ed, 215-254.
Lawrence, T. B.; Suddaby, R. & Leca, B. (2009) Introduction: theorizing and studying institutional work. In: Lawrence, T. B.; Suddaby, R.; Leca, B. (Orgs). Institutional Work: Actor and agency in institutional studies of organizations. Cambridge: Cambridge University Press, 1-30.
Oliver, C. (1992) The antecedents of deinstitutionalization. Organization Studies, 13(4), 563-588.
Oswick, C.; Keenoy, T. W. & Grant, D. (2000) Discourse, organizations and organizing: concepts, objects and subjects. Human Relations, 53(9), 1115-1123.
Phillips, N. & Hardy, C. (1997) Managing multiple identities: discourse, legitimacy and resources in the UK refugee system. Organization, 4(2), 159-185.
Phillips, N. & Hardy, C. (2002). Discourse analysis: investigating process of social construction. Thousand Oaks, Sage.
Phillips, N.; Lawrence, T. B. & Hardy, C. (2004). Discourse and institutions. Academy of Management Review, 29(4), 635-652.
Phillips, N. & Malhotra, N. (2008). Taking social construction seriously: extending the discursive approach in institutional theory. In Royston Greenwood et al. (Orgs). The Sage Handbook of Organizational Institutionalism. London, Sage, 702-720.
Schmidt, V. A. (2008). Discursive institutionalism: the explanatory Power of ideas and discourse. Annual Review of Political Science, 11, 303-326.
Suchman, M. C. (1995). Managing legitimacy: strategic and institutional approaches. The Academy of Management Review, 20(3), 571-610.
Zietsma, C. & Lawrence, T. B. (2010). Institutional work in the transformation of an organizational Field: the interplay of boundary work and practice work. Administrative Science Quarterly, 55(2), 189-221.
Zilber, T. B. (2007). Stories and the discursive dynamics of institutional entrepreneurship: the case of Israeli high-tech after the bubble. Organization Studies, 28(7), 1035-1054.
