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A VIOLÊNCIA ORIGINÁRIA NA TEORIA DE JUSTIÇA COMO EQÜIDADE: UMA CRÍTICA A PARTIR DE JACQUES

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A VIOLÊNCIA ORIGINÁRIA NA TEORIA DE JUSTIÇA COMO EQÜIDADE: UMA CRÍTICA A PARTIR DE JACQUES

Julia Sichieri Moura∗

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo a análise da teoria rawlsiana a partir da filosofia de Jacques Derrida. Neste sentido, o ponto de partida do presente estudo é a concepção de justiça proposta por Jacques Derrida e seu texto Força de Lei: o fundamento mítico da autoridade. Assim, a partir do entendimento deste autor de justiça como aporia, o presente artigo pretende demonstrar a possibilidade da teoria de justiça como eqüidade de John Rawls estar embasada em um ato originário de violência.

PALAVRAS-CHAVES: JUSTIÇA COMO EQÜIDADE, VIOLÊNCIA,

LEGITIMIDADE, APORIA, DESCONSTRUÇÃO.

ABSTRACT

The paper aims at analysing John Rawls´s theory of justice as fairness based on Jacques Derrida´s understaing of justice. This study is founded on Derrida´s text Force of Law: the mystical foundation of authority. In this work, Jacques Derrida presents his conception of justice as an aporia.Such a conception of justice is what permits the understanding or Rawls´s theory of justice as a theory that is based on an orginal act of violence.

KEYWORDS: JUSTICE AS FAIRNESS, VIOLENCE, LEGITIMACY, APORIA,

DECONSTRUCTION..

INTRODUÇÃO

Sabe-se que a obra Uma Teoria de Justiça de John Rawls transformou de forma paradigmática a teoria política nas décadas de 70 e 80. Pode-se afirmar, ainda, que se estabeleceu a partir da obra deste autor o campo no qual se daria o confronto entre liberais e comunitaristas. Ambos, contudo, partiram do pensamento de Rawls e por este

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motivo diz-se que este não só definiu como também continua definindo a pauta do debate político-filosófico. Rawls não desconsiderou as críticas à sua obra, ao contrário, trata-se de um autor que dialogou com muitos de seus críticos e acabou modificando sua teoria partindo das considerações de alguns destes.

Em 1993 Rawls publica a obra O Liberalismo Político1. Buscando responder aos seus críticos, Rawls reformula a teoria de justiça como eqüidade de tal forma que muitos dos “rawlsianos” defendem o “primeiro Rawls” e consideram os novos caminhos trilhados pelo autor como equivocados2

.

A obra Uma Teoria de Justiça legitima-se na concepção rawlsiana de justiça como eqüidade. Este mesmo termo continua a acompanhar o pensamento do autor norte-americano em seus artigos e reformulações ao projeto inicial. Ou seja, o Liberalismo Político também pode ser denominado de uma concepção de justiça como eqüidade, mesmo tendo sofrido uma modificação no que tange aos seus pressupostos. Ou seja, a forma através da qual Rawls legitimou sua teoria também mudou para se adequar às transformações conceituais efetuadas.

Um dos principais objetivos do autor torna-se estabelecer uma concepção mínima de justiça, capaz de ser endossada por todos. No entanto, a possibilidade de se subscrever à concepção mínima de justiça proposta por Rawls deriva de pressupostos tais como a razoabilidade no exercício da razão teórica. É justamente tal concepção mínima que apontará para o problema em questão no presente texto, isto é: John Rawls é capaz de estabelecer uma teoria de justiça que não esteja fundada em um ato de violência primordial? Ou seja, a discussão se pautará no questionamento acerca de uma violência fundante presente nos pressupostos estabelecidos pelo autor norte-americano para a realização de sua concepção de justiça.

Jacques Derrida demonstra em diversos textos sua preocupação no que tange às questões de direito e de justiça. O filósofo argelino abordará igualmente a questão da legitimidade, especialmente a partir de seus questionamentos no texto Força de Lei: fundamento místico da autoridade, no qual ele se pergunta se é possível fazer a distinção entre uma violência legítima (coerção) e uma violência ilegítima. Neste texto Derrida busca responder como é possível a distinção entre força da lei (“força de lei”) e a violência que se julga sempre injusta.

1

Trata-se de um texto que, majoritariamente, sistematizou artigos publicados por Rawls na década de 80, através dos quais Rawls efetuou uma “auto-crítica”, modificando os problemas de sua teoria.

2

Brian Barry, por exemplo, defendeu a teoria rawlsiana e rejeitou os caminhos tomados pelo “segundo Rawls”.

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Ainda em Força de Lei, Derrida mostra que a pesquisa de caráter desconstrutivista é um questionamento sobre os fundamentos, mas não é em si fundamentalista nem anti-fundamentalista. Tal fato ratifica o método desconstrucionista na análise da teoria de Rawls uma vez que, conforme já foi estabelecido, a pesquisa que será efetuada abordará os próprios fundamentos que Rawls formula para viabilizar sua teoria.

Deste modo, a hipótese deste trabalho é a de que o “ato fundador” da teoria rawlsiana (no caso a posição original ou, posteriormente, o consenso sobreposto) não tem como característica o fato de ser justo (e neutro), sendo marcado por uma violência originária. Apropriando-se do pensamento de Derrida pode-se dizer que tal ato não é justo ou injusto, legítimo ou ilegítimo. Neste sentido, o que estaria contido na base de tal concepção de justiça é um ato de violência que a institui.

Derrida aponta para a possibilidade de desconstrução como aquilo que é inerente à justiça, esta sendo um não-caminho (uma aporia), uma experiência do impossível. Partindo, então, da concepção derridiana de justiça, percebe-se que a aspiração por uma definição estrita de justiça (tal como Rawls o faz, definido sua concepção como justiça como eqüidade) provoca uma rigidez que inviabiliza o projeto como um todo.

De certo modo, pode-se afirmar que o pensamento de John Rawls provoca um fechamento (exclusão), pois a viabilidade de sua teoria depende de sujeitos racionais e razoáveis, deixando fora dela todos os outros que não se enquadram. Neste sentido, Derrida mostra que justiça tem mais afinidade com a possibilidade de abertura, sendo assim um apelo, um desejo e uma exigência. Esta abertura é necessária porque, para Derrida, uma regra nunca será possível de garantir que uma decisão pautada nela seja justa. Assim, para o autor não se pode falar diretamente da justiça, tematizar ou objetivar a justiça, dizer “isto é justo” e, ainda menos, “eu sou justo”, sem trair imediatamente a justiça.3

Apropriando-se do entendimento de Montaigne, que estabelece que a autoridade das leis (o direito) possuem um “fundamento místico”4, Derrida mostra que as leis não são justas porque são leis, não se obedece a elas por serem justas, mas porque têm autoridade. O único fundamento delas, neste sentido, provém do fato de que nelas

3

DERRIDA (2007: 17) 4

Derrida se refere expressamente ao texto Os ensaios III (cáp. XIII) de Montaigne que afirma o seguinte: “Ora, as leis se mantêm em crédito, não porque elas são justas, mas porque são leis. É o fundamento místico da autoridade, elas não têm outro[...]. Quem a elas obedece porque são justas não lhes obedece justamente pelo que deve.” Cf. Derrida, Força de Lei: o fundamento místico da autoridade. Pág. 21.

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acreditamos. Derrida denominará tal atitude frente às leis de um ato de fé. Percebe-se, pela assimilação do pensamento de Montaigne por Derrida, que para este a fundamentação racional da autoridade é uma ficção.

Derrida afirma que faz uma interpretação “ativa”5 do texto de Montaigne e assevera que a tentativa de se justificar o direito (de se fazer a lei) consiste em um

golpe de força, numa violência performativa e portanto interpretativa que, nela mesma, não é justa nem injusta, e que nenhuma justiça, nenhum direito prévio e anteriormente fundador, nenhuma fundação pré-existente, por definição, poderia nem garantir, nem contradizer ou invalidar.6

Em outras palavras, para Derrida a origem da autoridade não pode se apoiar senão sobre si mesma. É este motivo que faz com que o direito seja tido como desconstrutível na perspectiva derridiana, isto é, devido ao fato de que se funda (é construído) sobre camadas textuais interpretáveis e transformáveis.7

Em suma, a presente pesquisa apresenta os seguintes pontos centrais do pensamento de Derrida que possibilitarão uma crítica ao projeto rawlsiano: 1) o próprio método desconstrucionista, que visa questionar os fundamentos, pois este método indica a importância de se pesquisar acerca das condições de possibilidade estabelecidas pelo autor norte-americano para que sua teoria obtenha êxito; 2) a concepção de justiça derridiana (justiça como aporia), que lança um questionamento acerca de uma concepção de justiça restritiva como a de Rawls; e 3) a apresentação de uma fundação mística da autoridade, que se contrapõe à possibilidade de uma fundamentação racional desta, apostando em um apelo à crença e mostrando a necessidade de pensar no que significa crer. Portanto, são estes os aspectos centrais do pensamento derridiano que permitem que se pense que a teoria de John Rawls funda-se em uma violência originária. 5 DERRIDA (2007:25) 6 DERRIDA (2007: 24) 7 DERRIDA (2007: 26)

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1 DESENVOLVIMENTO

O enfoque do presente artigo é o de acompanhar ao longo da teoria de justiça como eqüidade a forma através da qual Rawls propõe a legitimidade de seu projeto. O desdobramento deste caminho mostra-se de fundamental relevância na medida em que se constata que Rawls propõe (a partir de sua obra Liberalismo Político) uma concepção meramente política de justiça como forma de abordar a tarefa “prática” da filosofia política.

Convém notar que apesar das mudanças feitas em sua teoria, Rawls continuará a elaborar um princípio da razão que antecede e justifica a lei e a violência. O autor norte-americano buscou uma concepção de justiça unicamente política visando responder uma das maiores inquietações das democracias modernas, isto é: qual a condição de possibilidade para uma sociedade justa e livre em um contexto social que se caracteriza através de conflitos de doutrinas sem perspectiva de serem resolvidos?

Buscando adequar a sua teoria às críticas e à configuração plural de sociedade que se concretizou cada vez mais, Rawls formulou outros conceitos para sustentar sua tese, tais como: racionalidade e razoabilidade, a idéia de razão pública livre, consenso sobreposto, doutrinas abrangentes, entre outros.

Rawls determina que uma concepção meramente política de justiça permite que todos os cidadãos razoáveis a apóiem de forma voluntária sem comprometer ou abandonar as suas próprias crenças. A viabilidade da teoria de Rawls depende do pressuposto de que o poder político não vai se corromper para o benefício de um grupo determinado. Assim para se estabelecer uma sociedade justa e democrática dois quesitos são necessários: que o acordo inicial seja oriundo do consenso sobreposto e que todos os cidadãos razoáveis acreditem que o processo político é neutro. Neste caminho ainda, Rawls justificará a legitimidade política de sua teoria tendo como pressuposto uma “base pública de justificação” sendo que tal base pública é composta pelos que postulam doutrinas consideradas razoáveis de acordo com a definição rawlsiana. Neste momento já é possível que se vislumbre quão problemático é o conceito de legitimidade no projeto rawlsiano.

Em outras palavras: se apenas aqueles que postulam doutrinas compreensíveis razoáveis são capazes de obter algum papel político eficaz, porque deveriam os que estão excluídos da esfera do poder político considerar a concepção política de justiça

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algo além do que o uso da coação das concepções daqueles que se enquadram no que se denomina de doutrina compreensiva razoável sobre os que não se enquadram8?

Considera-se, então, que o maior problema do “segundo Rawls” consiste exatamente no fato de que sua teoria só é operacionalizável em sociedades marcadas pela forte tradição democrática e em condições de uma relativa homogeneidade cultural.

Importa enfatizar que as mudanças efetuadas por Rawls em sua teoria deslocaram o âmbito no qual as discussões acerca de seu projeto se efetuaram. Com o “primeiro Rawls” debateu-se majoritariamente se os princípios formulados por este autor eram os mais justos. Posteriormente, o enfoque se deu na esfera de se buscar saber se - partindo do pressuposto que tais princípios são os mais justos - estes princípios podem ser considerados os mais justos por todos os membros de uma sociedade plural. Tal questionamento não deixa de ser um questionamento essencialmente acerca da legitimidade do projeto rawlsiano.

Ao se enfocar a relação da legitimidade com a justiça vem à tona uma questão que coloca em cheque a própria condição de se propor uma teoria de justiça que seja, de fato, justa. Neste sentido, não é incorreto afirmar que as teorias de cunho universalizador estão em crise, pois as sociedades contemporâneas têm se caracterizado por uma complexidade cada vez maior, tornando cada vez mais distante o sonho dos que apostam apenas na racionalidade9 como caminho para se chegar a um consenso mínimo acerca das finalidades que determinada sociedade deve perquirir..

Jacques Derrida problematiza estas questões de forma completamente diversa e crítica. Isto porque, para este autor, não só o conceito de justiça tem que ser redefinido como também o próprio conceito de razão, principalmente o princípio da razão quando vinculado ao “princípio de calculabilidade”. Derrida se questiona acerca da violência que é legítima e da violência não legítima e afirmará que a legitimação aparece como ficção, que a instituição de um Estado de Direito depende de uma ficção e de um crédito concedido a esta10.

Em seu texto “Força de Lei: o fundamento místico da autoridade”, o filósofo estabelece que o direito tem em sua base a noção de força e para mostrar tal fato ele aponta para o termo enforceability. Tal termo em português pode ser definido como

8

YOUNG (179:1999) 9

Não é nossa intenção subestimar o papel da racionalidade no comportamento humano e sim apontar para o fato de que este é um dos elementos que compõe a ação humana, não sendo, na maior parte das vezes, o único elemento que determina a forma de agir e o processo decisório.

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aplicabilidade, mas a palavra na língua portuguesa não é capaz de demonstrar a força interna ao direito que o termo em inglês comporta. Assim, Derrida destaca que quando se traduz “to enforce the law” para o francês (e o mesmo ocorre com a língua portuguesa) tem-se “appliquer la loi” (aplicar-se a lei) e se perde a alusão literal que nos mostra que a lei é sempre uma força autorizada. É por este motivo que na base de todo ordenamento jurídico está contido um ato de violência que o institui.

Derrida percebe, assim, que uma concepção de justiça, quando equiparada a do direito, também se reveste desta força/violência. Para o autor torna-se necessária a separação dos conceitos de justiça e de direito porque quando se reconhece a força intrínseca ao direito (ou seja, aquela que o instituiu) é possível que se reconheça a possibilidade de desconstrução do mesmo (visto que este foi construído). Já a justiça deve ser entendida como aporia e não passível de desconstrução.

A justiça para Derrida está sempre vinculada a uma possibilidade de vir a ser. Ou seja, nunca é no presente. O filósofo recusa a identificação do justo com o de direito, pois em sua perspectiva o direito tem sempre como característica a generalidade enquanto que a justiça é marcada pela singularidade. De tal forma, a justiça, em sua tentativa de se colocar como abertura para a singularidade de todas as coisas, deve se assegurar para se diferenciar da violência que esta corre sempre o risco de cometer.

O conceito de legitimidade é problemático exatamente por aproximar a violência da justiça11. Neste caminho, dizer que o uso da violência é legítimo é afirmar que este pode ser justificado. Assim, quando se afirma a aplicabilidade de determinada lei, esta condição (de aplicabilidade ou enforceability) relaciona-se com uma forma de justiça. Surge, então o questionamento acerca da possibilidade de se conceber uma forma de justiça que não se relacione absolutamente com a lei e que seja independente desta.

Rawls afirmará que o conceito de justiça tem esta característica, pois se trata de um conceito que se fundamenta unicamente a partir da razão e apenas em um segundo momento servirá para justificar as leis e a violência implicada nestas.

Já se demonstrou que legitimidade para Rawls estará sempre vinculada ao consenso sobreposto e à razoabilidade. O que garante para Rawls que o enforcement (aplicabilidade) de uma lei em face dos que sustentam doutrinas consideradas “não-razoáveis” se configure como uma coação e não como uma violência é a sua concepção de legitimidade, pois de um lado se tem uma força justa e do outro uma força injusta.

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No entanto, Derrida afirmará que:

“...a origem da autoridade, a fundação ou o fundamento, a instauração da lei não podem, por definição, apoiar-se finalmente senão sobre elas mesmas, elas mesmas são uma violência sem fundamento12”

Tal fato, para Derrida, significa que não há de se falar em justo ou injusto no momento fundador. É por este motivo que o direito pode ser desconstruído, pois para Derrida o direito é composto por camadas textuais interpretáveis e transformáveis13 e tal desconstrução possibilita a necessária transformação do direito. Esta característica do direito, isto é, a de estar sempre passível de ser reelaborado, é vislumbrada por Derrida como uma chance política de progresso histórico. Por este motivo a desconstrução se equivalerá a própria concepção de justiça no pensamento derridiano, pois se trata de instrumento sem o qual o direito é incapaz de se reformular.

Para exemplificar este movimento, cabe destacar os estudos de Derrida acerca das penas de morte, nestes o autor afirma que o fato de a maioria dos Estados-nações, de uma forma ou de outra, estarem pondo fim à pena de morte é um processo de “desconstrução”.14

O direito será, então, não a justiça e sim um elemento do cálculo e a justiça é o incalculável, ou melhor, ela exige que se calcule o incalculável. É neste sentido que Derrida concebe a justiça como uma aporia, pois é um não-caminho. 15

É problemático, na perspectiva derridiana, que a distinção entre o direito e a justiça não seja uma verdadeira distinção (visto que não se trata de uma oposição logicamente regulável), pois o direito pretende exercer-se em nome da justiça e esta exige ser instalada num direito que deve ser posto em ação (“enforced”). Deste modo, o autor insiste em uma irredutibilidade da justiça ao direito.

Para Derrida justiça não se confunde com uma harmonia ou com uma forma de ordem. Por este motivo ele criticará a interpretação de Heidegger na medida em que esta estabelece o pensamento do justo ou da justiça (Dikê) como acordo ou ajuntamento. Para Derrida, no cerne da justiça e da experiência do justo o que existe é uma dissociação, uma disjunção infinita16. Esta concepção de justiça derridiana parece

12 DERRIDA (2007: 26) 13 DERRIDA (2007: 26) 14 Cf. ROUDINESCO E DERRIDA, (2004: 179) 15 Cf. ROUDINESCO E DERRIDA, (2004: 179) 16 Cf. ROUDINESCO E DERRIDA, (2004: 179)

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indicar um dissenso, que é constitutivo e não passível de ser excluído, no cerne do conceito de justiça.

Este modo de conceber a justiça expõe a fragilidade de um dos requisitos essenciais da teoria de Rawls, isto é, o fato de que a justiça como eqüidade tem como uma de suas condições essenciais o consenso sobreposto.

Conforme se verificou, a teoria rawlsiana depreende sua legitimidade de três conceitos essenciais: da possibilidade do consenso sobreposto, do seu conceito de razoabilidade e da neutralidade. A discussão que se busca efetuar é a de relacionar tal teoria à desconstrução. Esta abordagem justifica-se não somente para apontarmos as idiossincrasias ou a inviabilidade da teoria de John Rawls, pois tanto a filosofia quanto o direito são herdeiros diretos do pensamento rawlsiano e da concepção presente nele da possibilidade de uma concepção meramente política de justiça.

Neste sentido, Derrida nos mostra que ser herdeiro de determinado pensamento é responder por ele. Assim, as palavras deste autor exprimem bem o nosso intuito para com o texto de Rawls:

“Eis por que a idéia de herança implica não apenas reafirmação e dupla injunção, mas a cada instante, em um contexto diferente, uma filtragem, uma escolha, uma estratégia. Um herdeiro não é apenas aquele que recebe, é alguém que escolhe, e que se empenha em decidir.[....] A afirmação do herdeiro consiste naturalmente na sua interpretação, em escolher17”

Logo, apontar os problemas e as questões que a concepção de justiça de John Rawls não consegue resolver pode, conseqüentemente, indicar que a própria noção de uma concepção de justiça puramente política é equivocada. Mais que isso, tais problemas apontam para uma falha das concepções democrático-liberais em geral: que o ideal de neutralidade é utópico. Além disso, destaca-se a inviabilidade das teorias liberais se estas continuarem a ter como pré-requisito a “razoabilidade”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Razoabilidade, neutralidade e consenso são os conceitos que fundamentam a legitimidade na teoria de justiça de John Rawls. Fazer a análise destes conceitos à luz da desconstrução é um caminho de se “re-pensar” não só a concepção de justiça de Rawls

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como também o próprio projeto de direito oriundo desta. Sabe-se que Rawls privilegiou as questões de justiça em sua teoria, dando menos ênfase às questões de legitimidade18. No entanto, é o conceito de legitimidade que justifica a coerção da lei. Para buscar uma possível violência fundante na teoria de justiça de John Rawls torna-se necessário que se percorra a forma como este legitima sua teoria.

Conforme se destacou, enquanto Rawls busca um consenso, Derrida afirma que não confundirá justiça com harmonia, com proporção e com ordem. Para ele, no cerne da justiça, da experiência do justo, a marca fundamental é a de dissenso, de conflito.

Superficialmente, parece que há pouco que une a teoria de Rawls à de Derrida, no entanto, ambos são fundamentais para compreendermos o direito hoje. Rawls, por ser o principal autor de uma guinada na tradição contratualista como um todo e por ter estabelecido as bases para o liberalismo, tal como este é compreendido atualmente e Derrida por ser uma voz que aponta-nos para a necessidade constante de se questionar os fundamentos sobre os quais trabalhamos. Para Derrida, o lugar mais propício para tal “questionamento desconstrutivo” são as faculdades de direito.

Para o direito, a desconstrução traz uma perspectiva de uma justiça impossível de se realizar no presente, mas que se constitui como uma demanda ética. Além disso, a destruição da justiça (como direito) traz como possibilidade a sua reconstrução no próprio campo do direito. Ou seja, a desconstrução de uma teoria não é um movimento acabado, não incorre em um niilismo e sim promove uma abertura em um algo fechado, abertura esta que possibilita novos entendimentos teóricos e novas construções ideais.

REFERÊNCIAS

1. DERRIDA, Jacques; Força de Lei: O Fundamento místico da autoridade – São Paulo, Martins Fontes, 2007.

2.__________________.Papel Máquina.São Paulo, Estação Liberdade, 2004. 3.__________________. La faculté de juger. Paris: Minuit, 1985

5.__________________.Spectres of Marx. The state of the debt, the work of the

mourning & the new international. Routledge, New York, 1994

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6. IEVEN, Bram; Legitimacy and Violence: on the relation between Law and

Justice according to Rawls and Derrida. InEvil, Law, and the State, ed. By John Parry. Rodopi: New York / Amsterdam 2006

7. KUKATHAS, Chandras e PETTIT, Philip. Rawls, A Theory of Justice and its

critics. Stanford University Press, 1990

08.NOZICK, Robert. Anarchy, State and Utopia. New York: Basic Books, 1974 09..OLIVEIRA, Nythamar de. Rawls. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003 10.______________________Rawls, procedimentalismo e contratualismo. http://www.geocities.com/nythamar/rawls.http

11.PARIJS, Philippe van. O que é uma sociedade justa? Tradução de Cíntia Ávila Carvalho. São Paulo: Editora Ática, 1997

12.POGGE, Thomas W. Realizing Rawls. Cornell University Press, 1989 13.RAWLS, John. A Theory of Justice. Oxford University Press, 1973

14.____________ Uma Teoria de Justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita Maria

Rímolli Esteves, São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2002

15. _____________Justiça e Democracia. Tradução de Irene A. Paternot, São Paulo: Ed.Martins Fontes, 2002

16.ROUDINESCO, Elisabeth; DERRIDA, Jacques. De que amanhã...Diálogo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2004.

17. SILVEIRA. Pablo da. Teoría de la justicia y concepciones del bien: el caso de

John Rawls versus Sandel &Co. Revista Lationoamericana de Filosofia - Vol. XX,

Nº1, maio/1994

18. VITA, Álvaro de. A justiça igualitária e seus críticos. São Paulo: Ed UNESP, 2000

19.________________Uma concepção liberal-igualitária de justiça distributiva. Revista Brasileira de Ciências Sociais – Vol. 14. N° 39, 1999

20.YOUNG, Shaun P. A Utopian Falacy? Political Power in Rawls. Journal of Social Philosophy, Vol. 30 No. 1

Referências

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