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A COMPOSIÇÃO E A CONCENTRAÇÃO DA RIQUEZA NO TERMO DE VILA DO CARMO, SÉCULO XVIII

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Academic year: 2021

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A COMPOSIÇÃO E A CONCENTRAÇÃO DA RIQUEZA NO TERMO DE VILA DO CARMO, SÉCULO XVIII

Carlos Leonardo Kelmer Mathias*

Resumo: A partir da análise de todos os inventários relativos ao termo de Vila do Carmo – parte integrante da comarca de Vila Rica, capitania de Minas Gerais – presentes no Arquivo da Casa Setecentista de Mariana (366 no total), o artigo tem por objetivo o estudo da composição e da concentração da riqueza no referido termo. A fim de uma melhor compreensão acerca do tema em pauta, o trabalho, por vezes, realizará um cruzamento com os anos referentes ao século XIX.

Palavras-chave: composição da riqueza, concentração da riqueza, escravo

Abstract: From the analysis of all inventories for the term of Vila do Carmo – part of the district of Vila Rica, captainship of Minas Gerais – present in the archive of the Casa Setecentista of de Mariana (366 in total), the article examines the composition and the concentration of wealth in the term. In order to better understanding about the issue in question, the work sometimes held a cross with the years concerning the nineteenth century.

Keywords: composition of wealth, concentration of wealth, slave

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Pelo menos até cerca de 1770, o escravo constituiu-se, sem dúvida alguma, no bem mais valorizado na capitania de Minas Gerais. Por conseguinte, trata-se do melhor parâmetro para medir a riqueza de um dado sujeito. Essa conclusão já foi enunciada, e verificada, por Beatriz Ricardina Magalhães tanto para o termo de Vila Rica, como para a comarca do Rio das Mortes.1 O termo de Vila do Carmo não foge à regra. Conhecemos, em detalhe, a disseminação da posse de escravos ao longo de praticamente todo o século XVIII.2 De resto, cumpre analisar o peso da mesma frente ao perfil da riqueza inventariada. Dessa forma, creio será possível estabelecer, com relativo grau de segurança, o nível da desigualdade presente no termo de Vila do Carmo não somente entre 1713 e 1756, mas também ao longo de todo o século.

Não obstante impróprios para a aferição do valor de um dado bem, os inventários servem perfeitamente à construção de padrões e tendências. A partir do estudo da composição das riquezas inventariadas em um dado recorte cronológico, nos é facultado o aceso ao desenho dos investimentos – e de suas variações – de uma sociedade ao longo do tempo, ou seja, podemos arriscar considerações acerca da lógica de sua reiteração. Em se tratando de uma região mineradora, seria plausível supor ter sido a terra – notadamente a mineral – o bem mais valorizado ou mesmo responsável pela maior participação no valor total das fortunas. Mas não o foi. Em verdade, os bens de raiz na primeira metade do século XVIII estavam atrás dos escravos e das dívidas ativas nas porcentagens assumidas por tais bens no valor total dos montes-mores arrolados. Vejamos a tabela 1.

1 Acerca da comarca de Rio das Velhas, conferir MAGALHÃES, Beatriz Ricardina (et. al.). “Evolução da economia e da riqueza na comarca do Rio das Velhas – capitania de Minas Gerais, 1713-1763”. In: X Seminário Sobre Economia Mineira. Diamantina, 2002. Texto disponível em (www.cedepla.ufmg.br/diamantina2002/textos/D04.PDF). Para o termo de Vila Rica, MAGALHÃES, Beatriz Ricardina. La société ouropretaine selons les inventaires post-mortem, 1740-1770. Paris: Universidade de Paris, 1986 (Tese de Doutorado). Não tive acesso a este último trabalho. Sumárias considerações sobre o mesmo foram retiradas de ALMEIDA, Carla. Homens ricos, homens bons: produção e hierarquização social em Minas colonial, 1750-1822. Niterói:UFF, 2001, p. 31 (Tese de Doutorado).

2 KELMER MATHIAS, Carlos Leonardo. Circuitos mercantis e hierarquia social na formação da sociedade mineira setecentista, c. 1711 – c. 1756. Rio de Janeiro: PPGHIS, 2007, cap. 3 (Qualificação de Doutorado).

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Tabela 1 – Composição da riqueza (em real) nos inventários do termo de Vila do Carmo, 1713-1756

Tipo de bem 1713-1730 1731-1740 1741-1756 Geral

A 1:586$700 8:750$240 4:101$047 14:437$987 % 0,32 1,62 0,6 0,84 B 6:676$268 29:657$769 17:517$503 53:851$540 % 1,34 5,5 2,57 3,13 C 1:033$800 3:284$200 5:998$800 10:316$800 % 0,21 0,61 0,88 0,6 D - 2:834$399 7:421$253 10:255$652 % - 0,52 1,09 0,6 E 9:820$181 17:230$974 25:383$002 52:434$157 % 1,97 3,19 3,72 3,05 F 1:078$567 2:632$631 3:388$396 7:099$594 % 0,22 0,49 0,5 0,41 G 89:898$440 100:126$191 161:358$227 351:382$858 % 18,06 18,53 23,68 20,44 H 1:786$500 12:594$334 3:972$553 18:353$387 % 0,36 2,33 0,58 1,07 I 5:525$000 8:151$370 10:263$400 23:939$770 % 1,11 1,51 1,5 1,39 J 191:796$568 251:886$405 302:464$028 746:147$001 % 38,54 46,63 44,38 43,4 K 188:196$010 102:958$249 139:146$983 430:301$242 % 37,81 19,06 20,42 25,02 L 301$159 69$200 532$881 903$240 % 0,06 0,01 0,08 0,05 Total 497:699$193 540:175$962 681:548$073 1.719:423$228 Inventários 76 90 158 324

Fonte: ACSM, IPM, 1º e 2º ofícios.

Legenda: A – real; B – metais preciosos; C – penhor; D – comércio; E – móveis; F – ferramentas; G – raiz; H – mantimentos; I – criações; J – escravos; K – dívidas ativas; L – outros.

Entre 1713 e 1756, os escravos responderam por 43,4% de toda a riqueza inventariada no termo de Vila do Carmo, sendo que em nenhum momento sua participação foi inferior a 38,54%. Essa característica não foi exclusiva do termo em análise. Na comarca do Rio das Mortes, entre 1713 e 1763, os escravos nunca representaram menos de 38% da riqueza (1754-1763), chegando a corresponder a 87% da mesma entre 1724 e 1733. No geral, sua participação ficou por volta dos 50%.3 No termo de Vila do Carmo, o alto investimento em escravos coadunava-se com os rendimentos da lavras e com o acesso ao crédito no interior da capitania.4 Após o ápice de 1731-1740, podemos observar uma queda na porcentagem, o que em tudo se

3 MAGALHÃES, Beatriz Ricardina (et. al.). “Evolução da economia e da riqueza na comarca do Rio das Velhas”..., op. cit., p. 12.

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justifica pela diminuição da produção aurífera. Entre 1780 e 1810 no termo de Vila do Carmo, o percentual da participação dos escravos no total da riqueza foi de apenas 26,13%, voltando a crescer somente a partir da segunda década do século XIX, quando marcou 37,26% – em cuja conjuntura os cativos atingiram seus mais elevados valores.5

O arrefecimento da extração do ouro, já perceptível desde meados da década de 1740, igualmente apresentou seus efeitos na comarca do Rio das Velhas. Entre 1744 e 1753, os escravos foram responsáveis por 55% da riqueza, descrendo para 38% entre 1754 e 1763, malgrado ainda representasse o investimento majoritário.6 Na comarca de Vila Rica, percebe-se o mesmo padrão. Entre 1750 e 1779, equivaleram a 37,47%, e no período de 1780 a 1822, a 27,38%.7

O gráfico 1 demonstra que desde 1731 até 1750 o preço do cativo passou por uma conjuntura de queda, recuperando-se entre 1751 e 1756. Assim como tais variações não exerceram maior influência na estrutura de posse de escravos, não o fez em relação ao percentual da riqueza representado pelo bem. Logicamente, não estou a eximir o papel desempenhado por essas oscilações no valor do cativo em seu percentual no total da riqueza, mas tão somente pondo-o em perspectiva. Vale observar a tabela 2.

Gráfico 1 – Valor médio dos escravos adultos (15-40 anos) no termo de Vila do Carmo, 1713-1756

Fonte: ACSM, IPM, 1º e 2º ofícios.

5 ALMEIDA, Carla. Alterações nas unidades produtivas mineiras: Mariana – 1750 - 1850. Niterói: UFF, 1994, p. 180 (Dissertação de Mestrado).

6 MAGALHÃES, Beatriz Ricardina (et. al.). “Evolução da economia e da riqueza na comarca do Rio das Velhas”..., op. cit., pp. 12-14.

7 ALMEIDA, Carla. Homens ricos, homens bons..., op. cit., 72.

0 50.000 100.000 150.000 200.000 250.000 1713-1720 1721-1725 1726-1730 1731-1735 1736-1740 1741-1745 1746-1750 1751-1756 Masculino Feminino

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Tabela 2 – Participação dos escravos no total da riqueza inventariada no termo de Vila do Carmo

1713-1725 1726-1730 1731-1735 1736-1740 1741-1745 1746-1750 1751-1756 A 11:4554$168 77:242$400 114:152$000 137:734$405 106:222$733 81:833$761 114:407$534

B 39,4 37,33 41,94 51,39 45,1 43,52 44,34

Fonte: ACSM, IPM, 1º e 2º ofícios.

Legenda: A – valor total em real dos escravos no período; B – participação percentual de A no total da riqueza inventariada no período.

Até 1740, a porcentagem dos escravos na riqueza só fez crescer, tal qual a produção aurífera. Desde 1713 até 1730, o preço do cativo manteve-se relativamente estável, apresentado, a partir de então, vinte anos de queda. De 1740 até 1750, a participação dos escravos declinou, coadunado-se com os já dez anos de baixa em seu valor. Possivelmente, em finais dos anos trinta a capacidade do termo de Vila do Carmo de absorver a mão-de-obra escrava oferecida já estava no limite. Prova disto são os dados da capitação no termo. De 1735 até 1739, o número dos escravos capitados no termo manteve-se praticamente estável. A partir de 1740, o total dos cativos arrolados foi cada vez menor.8 A recuperação no percentual dos escravos na riqueza inventariada observada entre 1751 e 1756 deve, esta sim, ser atribuída a alta no preço dos cativos no mesmo período (gráfico 1).

Embora tenha ocupado a segunda posição no percentual geral da riqueza, as dívidas ativas foram, gradativamente, sendo suplantadas pelo investimento em bens de raiz. Após o primeiro momento de alvoroço decorrente dos descobrimentos, as dívidas ativas apresentaram um padrão o qual se manteve até 1756. A concessão de crédito no termo estava ligada a fatores os quais já foram discutidos em outro momento.9 Interesso-me, aqui, em discutir seu comportamento ao longo do século XVIII e início do XIX.

A forte queda no percentual das ativas entre os dois primeiros períodos em apreço deve-se, dentre outros fatores, à maior disponibilidade de moeda na sociedade. O real passou de 0,32% para 1,62% entre 1713-1730 e 1731-1740. Também os metais preciosos apresentaram uma alta, de 1,34% para 5,5%. Com esta maior circulação de numerário é possível que menos indivíduos tenham recorrido ao crédito. Para além, não podemos esquecer do maior endividamento da capitania mineira em relação à fluminense, o que pode ter acarretado na diminuição do endividamento da população

8 CARARRA, Ângelo Alves. Minas e currais: produção rural e mercado interno de Minas Gerais, 1674 – 1808. Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2007, p. 327-328.

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entre si.10 Seja como for, a partir de 1741, as dívidas ativas perdem espaço para o investimento em bens de raiz; em terra, melhor dizendo. Esse padrão manteve-se desde então, com uma ligeira alteração em fins do século XVIII.

Analisando somente os inventários nos quais constaram unidades produtivas no termo de Vila do Carmo, Carla Almeida detectou que entre 1750-1770 os bens de raiz responderam por 28,5% da riqueza, contra 19,7% das ativas. Posteriormente (1780-1810), os dados foram de 25,5% e 26,6%, respectivamente. No século XIX, 32,4% para os bens de raiz e 6,7% para as dívidas ativas.11 É plausível presumir que o arrefecimento na produção do ouro em finais do século XVIII tenha contribuído para uma maior oferta de crédito por parte dos mais ricos tendo como garantia os escravos dos devedores, ou mesmo suas terras. A forte queda das ativas entre 1820 e 1850 estava atrelada à menor liquidez da economia.

Observando a participação dos metais preciosos e do real na tabela 1, seríamos levados a crer que no momento de maior produção de ouro na capitania apenas 3,97% da riqueza era composta por tais ativos. Talvez assim o fosse. A respeito dessa matéria, apresento o caso de Luis Correa de Oliveira, falecido em 05 de novembro de 1744, cujo inventário teve vez vinte dias após a morte. O defunto era dono de uma fortuna avaliada em 12:237$863 compostos com os seguintes bens: ouro em pó, ouro lavrado, prata, real, bronze, cobre, latão, roupa, madeira, louça da Índia, armas, utensílios, quarenta e um escravos (sendo quatro em sociedade), ferramentas, trinta e duas cabras, quinze porcos, cinco cavalos, cento e quatorze alqueires de milho, uma canoa, três sítios (sendo um com engenho de pilões e outro em sociedade), uma roda de minerar e quatro dívidas ativas (sendo três da sociedade).12 O inventário não traz nada de mais, à exceção do relato da mãe Úrsula, preta forra com quem Luis Correa teve quatro filhos.

Segundo o tal relato: “achou-se enterrado nas casas da roça Acima do Castro [nome de um dos sítios de Luis Correa] que declarou a mãe Úrsula se declara no termo de abertura de depósito (...) que tudo fica soma e quantia de quatro contos duzentos e cinqüenta e quatro mil e oitocentos réis”. Em detalhe, lê-se no “Termo de abertura do dinheiro que se achou enterrado nas casas do mesmo defunto Luis Correa de Oliveira e depósito que fez na mão do capitão Manoel da Guerra Leal”:

10 Ibidem.

11 ALMEIDA, Carla. Alterações nas unidades produtivas mineiras..., op. cit., p. 180. 12 ACSM, IPM, 2º of., cód. 73, auto 1579.

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“Aos vinte quatro dias do mês de novembro de mil setecentos e quarenta e quatro neste sítio Acima do Castro, freguesia do Furquim, termo da Real Vila de Nossa Senhora do Carmo, casas donde veio morrer Luis Correa de Oliveira, donde o escrivão adiante nomeado foi vindo e sendo aí apareceu presente a preta Úrsula Correa de Oliveira, forra, ex-escrava que foi do dito defunto, e por ela foi dito que seu senhor tinha enterrado nas mesmas casas um pouco de dinheiro e com efeito pela dita preta foi mostrada a paragem que se catando achou enterrado uma panela coberta com um prato de estanho covo, e sendo aberta se achou nela seiscentos e sessenta e quatro meias de seis mil e quatrocentas reis cada uma, e assim mais cinco mil e duzentos réis em dinheiro miúdo que tudo fez a soma e quantia de quatro contos e duzentos e cinqüenta e quatro mil e oitocentos réis que se contou e somou e achou-se fazer a dita quantia e assim mais se achou quarenta e nove oitavas e três quartos de ouro em pó [59$700] que a mesma preta entregou pelo ter em seu poder, e outrossim se achou junto com o dito dinheiro várias peças de ouro lavrado que tudo pesou a quantia de duzentas e quarenta e oito oitavas [297$600] que tudo foi lançado no inventário digo que tudo pesou a quantia de duzentas e setenta e cinco oitavas e meia [330$600], como também um par de pingentes de cristal com engaste de ouro de fila grama e assim mais se achou enterrado debaixo do chão treze colheres de prata com uma delas quebrada e oito garfos de prata estes usados e aquelas de chapa que tudo pesou duzentas e doze oitavas e meia de prata, com o qual embrulho de prata se achou um papel escrito e assinado pelo dito Luis Correa de Oliveira em que declara que doze colheres de prata e três garfos de prata pertenciam aos herdeiros de seu irmão João Correa, e assim o dito dinheiro como o ouro em pó e ouro lavrado e prata lavrada que tudo o traste declara depositei em mão e poder do capitão Manoel da Guerra Leal, morador nas Lavras Velhas, freguesia de São Caetano, que tudo contou e pesou e recebeu e se obrigou dar conta de todo o sobredito todas as vezes que por este juízo lhe for pedido, sendo o tutor e testemunhas presentes Manoel Fernandes Guimarães e o alferes José Pereira de Barros, moradores na Vila do Carmo que presentearam a dita abertura e desenterro o que tudo eu Antônio Mendes da Costa, escrivão dos órfãos escrevi e assinei”.

Exemplo único dentre os 366 inventários por mim pesquisados, o caso acima talvez ilumine uma prática comum à sociedade mineira de então: a não declaração dos metais preciosos e do dinheiro pela feita do falecimento de uma dada pessoa. Caso possamos aceitar essa constatação, a quase inexistência de moeda nos inventários deixa de ser um forte indício da não circulação da mesma, ao menos na capitania de Minas Gerais. A temática da circulação igualmente pode ser abordada por outro vestígio, a saber: tempo médio gasto para se quitar as dívidas.

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No que concerne às dívidas ativas, dentre as 2.168 ocorrências, somente em 155 delas (7,15% dos casos) a data do empréstimo foi registrada. Malgrado a pouca representatividade, o resultado foi demasiadamente relevante para ser desprezado. Na década de 1730, conjuntura ascendente na produção aurífera, em média um credor tinha seu empréstimo quitado em três anos. Na década seguinte, quando a extração atingiu seu ápice, esse tempo foi reduzido para dois anos e nove meses. Nos anos cinqüenta, momento no qual a curva do ouro já declinava, o prazo passou para cinco anos e sete meses.13 A crise da produção aurífera acarretou uma reorientação na circulação de moeda no termo de Vila do Carmo, influenciando no próprio tempo de quitação das dívidas. A maior circulação de moeda na década de quarenta ocasionava um menor tempo para saldá-las.

O arrefecimento na extração do ouro foi responsável não apenas pela reorientação no perfil da riqueza inventariada, mas também por gerar uma sociedade fundada tão somente na agropecuária cujos níveis de concentração da riqueza revelaram-se mais elevados quando comparados com a sociedade mineradora da primeira metade do século XVIII.

Tabela 3 – Distribuição da riqueza (%) e dos plantéis no termo de Vila do Carmo, 1713-1756 Faixa em £ 1713-1730 1731-1740 1741-1756 A B C A B C A B C 1-500 32,47 5,4 11,7 30,1 4,13 6,4 41,42 7,19 9,53 501-2.000 31,17 15,67 26,04 43,01 27,77 30,1 39,05 30,33 38,51 Acima de 2.000 36,36 78,93 62,26 26,89 68,1 63,5 19,53 62,48 51,96 Total 100 100 100 100 100 100 100 100 100

Fonte: ACSM, IPM, 1º e 2º ofícios.

Legenda: A – % dos inventários da faixa; B – % do valor dos inventários da faixa; C – % dos escravos da faixa.

Tabela 4 – Monte-mor médio (em £) das fortunas no termo de Vila do Carmo, 1713-1756

Monte-mor médio 1713-1730 1731-1740 1741-1756

1-500 455,66 455,41 405,42

501-2.000 2.551,31 2.272,05 2.208,67 Acima de 2.000 7.566,33 7.399,57 7.804,5

Fonte: ACSM, IPM, 1º e 2º ofícios.

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Na passagem do primeiro para o segundo período, e no que concerne aos mais pobres, percebe-se uma redução de 7,3% em seu número e outra de 23,52% na riqueza detinha por eles, sendo que o percentual de seus escravos desce quase pela metade. Tendo em conta estarmos lidando, entre 1731-1741, em um contexto de aumento ininterrupto da produção aurífera, percebe-se um enriquecimento dos mais pobres. No outro lado da pirâmide, os mais ricos tiveram seu percentual reduzido em 26,05%, entre os dois períodos. A riqueza concentrada em suas mãos descreu em 13,73%. Por outro lado, os integrantes da faixa acima de £2.000 aumentaram em 2% o total dos escravos por eles controlados. Contudo, o valor médio de seus montes-mores sofreu uma redução, provavelmente atrelada à queda no preço dos cativos no mesmo período. A única faixa a apresentar um aumento percentual foi a média. Além do aumento de 37,98% em seu número, representavam 77,21% a mais da riqueza em relação ao período anterior. A posse dos escravos pela faixa sofreu um acréscimo de 15,59% (tabela 3).

Esses números apontam para uma menor concentração da riqueza no termo, com a redução tanto dos mais pobres, como dos mais ricos. A diminuição dos valores médios dos montes-mores estava, com certeza, atrelada à queda nos preços dos escravos a partir de 1731 (gráfico 1), pois já vimos que os cativos representavam, entre 1731 e 1740, 46,63% da riqueza (tabela 1). Em outras palavras, a sociedade como um todo se beneficiava da conjuntura extremamente favorável proveniente do até então sempre contínuo aumento da produção aurífera, e não somente os 20% diretamente envolvidos em atividades extrativas.14 Na medida em que o ouro perdia forças e a sociedade tornava-se cada vez mais dependente das atividades agropecuárias, os níveis de concentração da riqueza aumentavam. Esse fenômeno já pode ser percebido entre 1741 e 1756, uma vez que o ano de 1744 marcou o momento de inflexão na produção aurífera.

A tabela 3 demonstra que os mais pobres sofreram uma adição de 37,6% de 1731-1740 para 1741-1756, o que, naturalmente, gerou um aumento na riqueza por eles representada de, precisamente, 74,09%. Estamos defrontes a um contexto no qual 41,42% dos inventariados representavam 7,19% da riqueza e 9,53% dos escravos. Posteriormente, entre 1750 e 1770 – conjuntura de queda ainda maior na produção do ouro –, essa faixa representou 73% dos inventariados e 26% da riqueza.15 Na media em

14 KELMER MATHIAS, Carlos Leonardo, op. cit., cap. 3.

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que a sociedade voltava-se mais para as atividades agropecuárias e se afastava da mineração, a desigualdade social tornava-se ainda maior. Entre 1780-1810, os mais pobres representavam 84% dos inventariados e 29% da riqueza. Já no século XIX, de 1820 a 1850, os números são 85% e 37%, respectivamente.16

Observando a faixa dos mais ricos no último período em apreço, percebe-se que não obstante seu número tenha sofrido uma queda de 27,38% (porcentagem muito próxima da redução anterior de 26,05%), o percentual de riqueza da faixa caiu somente 8,26%; bem menos do que os 13,73% entre os dois primeiros períodos. Ou seja, embora a elite econômica tenha diminuído, passou a controlar, proporcionalmente, uma faixa maior da riqueza. Conforme a tabela 4, essa foi a única faixa a apresentar uma acréscimo no valor médio do seu monte-mor. Tal aumento não deve ser atribuído à ligeira alta no preço dos escravos observada na primeira metade da década de 1750, com que então todas as demais faixas igualmente teriam os valores médios de seus montes-mores elevados, uma vez que entre 1741 e 1756 a estrutura da posse de escravos não sofreu alterações consideráveis.17 Prova disto é o comportamento da coluna C da tabela 3, onde nota-se que a porcentagem dos escravos representados pela faixa dos mais ricos sofreu uma redução da ordem de 18,18%.

O decréscimo na faixa dos intermediários acompanhou o movimento geral de concentração da riqueza e empobrecimento, a excetuar os mais ricos. Após o considerável aumento da faixa dos intermediários entre os dois primeiros períodos, a mesma vivenciou uma redução de 9,21%. O aumento de 9,21% na riqueza pela faixa representada está atrelado a dois fatores, quais sejam: 1) a porcentagem dos ricos que ingressaram na faixa em função de um possível empobrecimento causado pela redução na produção aurífera e 2) o aumento de 27,94% dos escravos da faixa. Contudo, malgrado a elevação do percentual da riqueza detido pela faixa, o valor médio de seu monte-mor diminuiu (tabela 4), registrando o empobrecimento dessa camada.

Comparando o comportamento da concentração da riqueza no termo de Vila do Carmo com aquele apresentado pela comarca de Vila de Rica e de Rio das Mortes entre 1750 e 1822, a maior concentração da riqueza em uma sociedade fundamentalmente agropecuária em relação a uma mineradora torna-se ainda mais nítida.

16 Ibidem.

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Tabela 5 – Distribuição (%) da riqueza e do plantel nas comarcas de Vila Rica e do Rio das Mortes, 1750-1822

Faixa em £ Comarca de Vila Rica Comarca do Rio das Mortes

1750-1779 1780-1822 1750-1779 1780-1822 A B C A B C A B C A B C 1-500 50,7 10,1 21,9 73,9 18,6 32,6 60,8 22,5 33,3 62,3 15,7 23,0 501-2.000 40,3 44,5 61,9 20,4 30,5 37,7 33,3 47,0 55,7 27,4 36,8 40,9 Acima de 2.000 9,0 45,4 16,2 5,7 50,9 29,7 5,9 30,5 11,0 10,3 47,5 36,1 Total 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100

Fonte: ALMEIDA, Carla. Homens ricos, homens bons..., op. cit., p. 199 (adaptada).

Legenda: A – % dos inventários da faixa; B – % do valor dos inventários da faixa; C – % dos escravos da faixa.

Antes do mais, devo frisar que estou a comparar o termo de Vila do Carmo na primeira metade do século XVIII com as comarcas de Vila Rica e do Rio das Mortes na segunda metade do século XVIII e início do XIX. A despeito de possíveis desproporções próprias a esse tipo de confrontação, pois a mesma parte do nivelamento de regiões geográfica e economicamente assimétricas, creio que o problema pode ser amenizado tendo em conta que se trata de proporções, e não de números absolutos. Para além, anteriormente já apontei que a tendência de concentração no próprio termo de Vila do Carmo ao longo dos setenta primeiros anos do setecentos. Aqui, a disposição apenas será confirmada.

Passando à análise propriamente dita, a tabela 3 demonstrou que o alvorecer da segunda metade do século XVIII foi marcado por uma maior concentração no termo de Vila do Carmo, onde 19,53% dos mais ricos detinham 62,48% da riqueza. Comparando esse perfil com a comarca de Vila Rica, percebemos que entre 1750 e 1779, 9,0% dos mais ricos retinham 45,4% do total financeiro inventariado. Verifica-se uma queda de 53,92% na elite econômica e de 27,34% de sua riqueza. Ou seja, o grupo dos mais ricos tornou-se mais seleto e, proporcionalmente, concentrou uma fatia maior da riqueza, cada vez mais desvinculada da pose de escravos; mesmo por que o preço do mesmo atravessa uma conjuntura de baixa. Os mais abastados da capitania de Vila Rica voltaram seus investimentos para dívidas ativas.18 Com o declínio da produção aurífera, passaram de grandes mineradores e senhores de escravos para rentistas. Essa estratégia estava em perfeita sintonia com a conjuntura por eles atravessada. A partir da continuada desaceleração na produção do ouro, os mais ricos, os quais detinham a liquidez da economia, reforçaram sua posição como os maiores credores da comarca.

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A tabela 5 demonstra que na passagem do século XVIII para o XIX na comarca de Vila Rica a concentração revelou-se ainda mais forte. Basta reparar que, não obstante o percentual dos mais ricos tenha diminuído, a faixa passou a deter uma maior fatia da riqueza. Concomitantemente, aumentou vertiginosamente o número dos mais pobres e diminuiu o dos intermediários. Nesse momento, os mais abastados ensaiaram um retorno ao padrão de proprietários de terras e senhores de escravos. Entre 1780 e 1822, a maior parte dos seus investimentos foi em bens de raiz, figurando as dívidas ativas na segunda posição, com uma queda em sua participação no total dos montes-mores de 60,14%. Por outro lado, a aquisição de escravos aumentou 100,3%.19 Não custa lembrar que no madrugar do século XIX a comarca de Vila Rica já praticamente não contava com a extração de ouro, e voltava suas atividades para a agropecuária.

Dirigindo nossa atenção para a comarca do Rio das Mortes, a concentração da riqueza revelou-se bastante superior àquela apresentada no termo de Vila do Carmo na primeira metade do século XVIII. Entre 1750 e 1779, 5,9% dos inventariados retinham 30,5% da riqueza, sendo que 60,8% deles representavam apenas 22,5% do total arrolado nos montes-mores. Na passagem para o século seguinte, a porcentagem dos mais pobres aumentou e a riqueza por eles apresentada diminuiu, assim como a porcentagem de seus escravos. Já na faixa dos mais ricos, elevou-se tanto a porcentagem dos inventariados, quanto a fatia da riqueza por eles detida. A concentração da posse escrava aumentou 228,18% (tabela 5). Vale lembrar que a comarca do Rio das Mortes era muito mais voltada para as atividades agropecuárias no período do que a de Vila Rica.20 A maior concentração na sociedade fundamentalmente agropecuária quando comparada com a mineradora no termo de Vila do Carmo pode ser igualmente detectada a partir do valor médio das diferentes faixas de fortuna ao longo do século XVIII e início do XIX.

19 Ibidem. 20 Idem, passim.

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Tabela 6 – Monte-mor médio (em £) das diferentes faixas de fortunas no termo de Vila do Carmo e na comarca de Vila Rica, 1713-182221

Monte-mor médio 1711-1730 1731-1740 1741-1756 1750-1779 1780-1822 1-200 97,2 129,31 128,29 102,74 92,87 201-500 366,15 359,08 332,27 315,08 307,26 501-1.000 711,57 732,52 740,3 749,14 676,67 1.001-2.000 1.273,5 1.533,64 1.405 1.489,79 1.406,38 2.001-5.000 3.132,13 2.969,44 3.173,08 3.589,63 3.115,76 Acima de 5.000 7.566,33 7.399,51 7.804,5 6.918,46 11.391,46 A 92,14 89,68 94,69 84,08 139,38

Fonte: ACSM, IPM, 1º e 2º ofícios e ALMEIDA, Carla. Homens ricos, homens bons..., op. cit., p. 201. Legenda: A – índice efetivo da diferença entre o valor médio dos montes-mores da maior e da menor faixa de fortuna.

Conforme a tabela acima, percebe-se a tendência geral à maior concentração da riqueza conforme a sociedade tornava-se menos mineradora, culminando com o ápice da concentração no último período em apreço, em cuja conjuntura registrou-se o maior valor médio dos mais ricos e o menor dos mais pobres jamais visto. A tabela igualmente registra as diferentes conjunturas atravessadas pelo termo de Vila do Carmo e pela comarca de Vila Rica. Não necessariamente na mesma conjuntura as faixas de fortuna passaram por seu ápice. O momento mais favorável aos mais pobres (1-200) foi entre 1731 e 1740, assim como a faixa de 1.001-2000. O período seguinte revelou-se ótimo unicamente para a faixa de 2.001-5.000. A melhor conjuntura da segunda faixa mais pobre foi a primeira. Já os mais ricos, obtiveram seu melhor desempenho entre 1780-1822. É interessante observar que foi exatamente nessa conjuntura, o momento em que as três faixas mais pobres apresentaram seu pior desempenho. Vale lembrar, esse foi o período no qual a concentração da riqueza conheceu seu ápice; trata-se de uma sociedade fundamentalmente agropecuária, na qual a diferença entre os mais ricos e os mais pobres revelou-se absoluta.

ABREVIATURAS

ACSM – Arquivo da Casa Setecentista de Mariana IPM – Inventário Post-mortem

21 Os dois últimos períodos (1750-1779 e 1780-1822) foram retirados no trabalho de Carla Almeida, e respeitam à comarca de Vila Rica.

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BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Carla. Alterações nas unidades produtivas mineiras: Mariana – 1750 - 1850. Niterói: UFF, 1994 (Dissertação de Mestrado).

_________. Homens ricos, homens bons: produção e hierarquização social em Minas colonial, 1750-1822. Niterói:UFF, 2001 (Tese de Doutorado).

CARARRA, Ângelo Alves. Minas e currais: produção rural e mercado interno de Minas Gerais, 1674 – 1808. Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2007.

KELMER MATHIAS, Carlos Leonardo. Circuitos mercantis e hierarquia social na formação da sociedade mineira setecentista, c. 1711 – c. 1756. Rio de Janeiro: PPGHIS, 2007 (Qualificação de Doutorado).

MAGALHÃES, Beatriz Ricardina (et. al.). “Evolução da economia e da riqueza na comarca do Rio das Velhas – capitania de Minas Gerais, 1713-1763”. In: X Seminário Sobre Economia Mineira. Diamantina, 2002.

Referências

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