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SER CARDIOPATA: UMA CONDIÇÃO ESTIGMATIZANTE QUE CAUSA SOFRIMENTO PSÍQUICO

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Academic year: 2021

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SER CARDIOPATA: UMA CONDIÇÃO ESTIGMATIZANTE QUE CAUSA SOFRIMENTO PSÍQUICO Ana Letícia Soares Nunes Laboratório de Psico(pato)logia Crítica-Cultural Mestrado em Psicologia – Universidade de Fortaleza Av. Washington Soares, 1321- Edson Queiroz 60811-341 – Fortaleza, CE – Brasil. analsoares@yahoo.com.br Virginia Moreira Laboratório de Psico(pato)logia Crítica-Cultural Mestrado em Psicologia – Universidade de Fortaleza Av. Washington Soares, 1321- Edson Queiroz 60811-341 – Fortaleza, CE – Brasil. virginiamoreira@unifor.br

Virginia Moreira é psicoterapeuta e supervisora clínica no enfoque humanista-fenomenológico, Doutora em psicologia clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Pós-doutora em Antropologia Médica pela Harvard Medical School. Professora titular do Programa de Mestrado em Psicologia da Universidade de Fortaleza – UNIFOR, onde é co-coordenadora

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do Laboratório de Psico(pato)logia Crítica-Cultural. Pesquisadora da Associação Universitária de Pesquisadores em Psicopatologia Fundamental.

Ana Letícia Soares Nunes é psicóloga, psicoterapeuta com formação clínica em abordagem humanista-fenomenológica. Mestre em Psicologia pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Pós-graduada em Psicopedagogia pela Faculdade CHRISTUS. Pesquisadora do Laboratório de Psico(pato)logia Crítica-Cultural da Universidade de Fortaleza – UNIFOR.

Resumo

Esta pesquisa teve como objetivo descrever a experiência vivida do cardiopata, visando a compreender como o indivíduo portador de uma doença coronariana vivencia sua condição de “doente do coração” em relação a si mesmo e aos diversos contextos em que está inserido. Após ser diagnosticado como cardiopata, como o sujeito passa a se sentir? Sente-se diferenciado ou estigmatizado diante das pessoas? Foi realizada uma pesquisa qualitativa fenomenológica, cujos resultados, com relação ao estigma, mostraram que alguns entrevistados se sentem inferiores às outras pessoas por não poderem mais exercer a sua profissão e por sofrerem mudanças significativas no seu estilo de vida. Foi constatado que o estigma está presente na vivência do cardiopata, através de suas relações sociais, em que amigos e familiares tendem a considerá-lo como fragilizado, diminuído ou menos capaz.

Palavras – Chave: Estigma, cardiopatia, sofrimento psíquico.

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Introdução

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde – OMS (2004), as doenças cardiovasculares causam 17 milhões de mortes em todo o mundo a cada ano e é considerada uma das dez causas de morte no mundo. De acordo com estimativas da OMS, até 2010, as doenças cardiovasculares serão a principal causa de morte nos países em desenvolvimento. No Brasil, 300 mil pessoas morrem, por ano, de doenças cardiovasculares, um índice muito alto, pois estatisticamente significa 35% de todos os óbitos registrados no país. Diante deste quadro, este trabalho de pesquisa teve como objetivo compreender a experiência vivida do cardiopata, visando a compreender como o indivíduo portador de uma doença coronariana vivencia sua condição em relação a si mesmo e aos diversos contextos em que está inserido. Buscamos compreender a experiência vivida pelo cardiopata, focalizando a possibilidade de que estes pacientes vivenciem o estigma de ser cardiopata como um processo psicológico que pode ser desencadeado a partir do diagnóstico da doença, visando a identificar e compreender o estigma como parte da experiência vivida do cardiopata e conhecer as crenças culturais a respeito de ser cardiopata do ponto de vista do próprio sujeito e do ponto de vista dos outros. Estigma é entendido neste estudo como um conceito social, que acomete o sujeito portador de uma diferença dos padrões sociais por uma condição ou comportamento, onde o mesmo sente-se inferiorizado em relação aos demais. No caso dos cardiopatas, a doença é percebida como limitante para o desenvolvimento de suas atividades cotidianas? Por sua condição de “doente do coração” o sujeito sente-se inferiorizado?

A significação simbólica do coração

O coração sempre foi um símbolo fortemente presente nas diversas culturas e religiões, sendo utilizado nas orações e nos mitos. Desde a

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Antiguidade até os dias atuais, o coração é entendido como órgão central da vida, o motor da existência. Ramos (1994) aponta que na Grécia antiga, na época de Hipócrates, o coração era considerado a sede da alma e das paixões. O coração se contraía ao sentir raiva e se expandia quando a mente estava tranqüila, ou seja, era o coração quem sentia as emoções. Para os egípcios, o coração estava tão associado à alma, que era o único órgão deixado no corpo no processo de mumificação. Era também considerado fonte de vida, pois dele era enviado o sangue que nutria a criança no útero materno. Oliveira (2000) menciona que o coração era ofertado como sacrifício nas civilizações astecas, como ritual de renascimento, que assegurava energia, vitalidade e poder para o povo.

Além de ser usado para definir as condições afetivas, o coração também traduz o espírito humano: “coração mole”, “pessoa de bom coração”, “ele tem um grande coração”, “coração de criança”. Essas expressões revelam pessoas que, dentre outras características, são visivelmente generosas e extrovertidas. Para as pessoas que não expressam suas emoções e são, aparentemente, ríspidas com os outros, é muito comum as pessoas assim se referirem: “ele tem um coração de pedra”, “pessoa sem coração”, “coração endurecido”. Para se referir à união de duas pessoas apaixonadas, o coração é lembrado na expressão: “Eles uniram os seus corações”. No momento de decidirmos alguma coisa, muitas vezes amigos e parentes aconselham: “Escute a voz do coração”.

Desta forma, ao saber-se doente cardíaco, o coração é percebido pelo cardiopata como aquilo que ele possui de mais valioso. Por isto, Lamosa (1990) acredita que o atendimento ao paciente cardiopata torna-se algo peculiar devido à carga simbólica, ao mito e à mística que envolvem o órgão atingido.

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Considerando todo o simbolismo atribuído ao coração, como fonte da vida e sede das emoções, é compreensiva a sua utilização tanto quanto ou até mais que qualquer outro órgão como veículo de expressão simbólica.

O Paciente Cardíaco e a Vivência do Estigma

Do ponto de vista de padrões, o estigma representa uma divergência dos padrões aceitos pela sociedade. Assimilar esses padrões, regras e metas torna-se necessário para que o sujeito julgue torna-se suas características, comportamentos ou conduta satisfaz o que foi pré-estabelecido. É claro que estes padrões podem mudar com o tempo e com a cultura, mas eles existem, e os indivíduos cuja aparência e comportamento divergem do que é aceito, estão sujeitos a sofrer um estigma. Em nossa cultura, uma vez diagnosticado como “doente do coração” o sujeito, na maioria das vezes, estará sempre cercado de cuidados excessivos por parte de amigos e familiares. São muito comuns as expressões: “Você não pode pegar peso, é doente do coração”, “Olha o coração, você não deve se aborrecer” etc. Todas estes cuidados revelam o estigma que acomete os portadores de cardiopatias. A partir do momento em que o sujeito detecta a cardiopatia, ele torna-se inválido ou, no mínimo, limitado para a sociedade. Essa noção é agravada quando o cardiopata se sente inseguro pela iminência de um novo problema que, de fato, pode surgir a qualquer momento ou quando se sente responsável por sua condição.

Segundo Oliveira, Sharovsky e Ismael (1995, p. 189) o sujeito “tem dificuldades de assumir mudanças duradouras no estilo de vida e teme a estigmatização de se tornar um coronariopata”. Desta forma, pudemos trabalhar com a hipótese de que, dentre as diversas doenças que sofrem com o estigma, tais como a AIDS e a doença mental (Moreira, 2004) dentre outras, a doença cardíaca possivelmente se enquadraria na lista de doenças com um estigma em potencial.

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Resultados e Discussão

Os resultados mostram que, em primeira instância, a descoberta da doença cardíaca gera angústia e medo da morte. A maioria dos pacientes não sabe como enfrentar a doença, dada a sua manifestação súbita. Muitos deles não tinham apresentado anteriormente qualquer sinal ou sintoma de problema no coração. O medo da morte estaria, aparentemente, associado à significação simbólica atribuída ao coração, visto como o motor da vida; ou seja, se ele parar, a pessoa morre.

Alguns cardiopatas conseguem se readaptar ao cotidiano com facilidade, outros precisam de mais tempo; e há, ainda, os que não conseguem fazê-lo. O fato é que a constatação de ter uma doença cardíaca gera mudanças significativas no estilo de vida. O fator de mudança mais destacado neste estudo foi a necessidade de afastamento do trabalho. Quase todos os entrevistados afirmam que tiveram que abrir mão de sua profissão, porque as atividades anteriores não são mais apropriadas para a sua condição atual como, por exemplo, as de pedreiro e de empregada doméstica. Por isto, eles têm a percepção de que ser “doente do coração” é sinônimo de invalidez. A maioria dos entrevistados se sente inválido ou limitado porque não conseguem mais fazer o que fazia antes. Alguns sentem as limitações da doença porque ficam cansados com facilidade, mas há os que se sentem capazes e não podem voltar a exercer a profissão anterior.

Concluímos, pois, que, ao ser diagnosticado como “doente do coração”, o cardiopata é diferenciado por amigos e familiares. Essa condição pode envolver aspectos positivos e negativos. Observamos que a doença cardíaca traz ganhos secundários para o cardiopata porque ele passa a receber mais atenção e, algumas vezes, aproxima os membros da família. Entretanto, pode ser uma experiência negativa – de estigma - quando essa marca afasta as

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pessoas de sua convivência pelo medo da morte, por se sentir inferior, incapaz, ou mesmo inválido.

Durante a pesquisa etnográfica, pudemos observar que o cardiopata fica “marcado” pelas pessoas de sua convivência. Tivemos a oportunidade de conversar com acompanhantes (que na maioria das vezes são familiares dos pacientes) e todos eles foram muito claros em afirmar que, por ser “doente do coração”, o sujeito não pode mais fazer as mesmas coisas que fazia antes da doença, que não são mais capazes de levar a mesma vida.

O trabalho etnográfico mostrou-se de grande importância para a apreensão de aspectos que não poderiam ser revelados através das entrevistas fenomenológicas, cuja fonte de informação era apenas o próprio doente. As duas metodologias, fenomenológica e etnográfica, complementaram-se, tornando o trabalho mais rico e aprofundado em algumas questões, tais como a noção do atendimento à saúde em um hospital público e a visão de adoecimento dos seus pacientes.

Os profissionais da saúde do HM possuem visões diversas acerca do paciente cardiopata. Alguns vêem o cardiopata como estigmatizado, principalmente por familiares, porque a doença cardíaca requer cuidados que permanecerão para o resto da vida. Outros aspectos que contribuem para isto é a possibilidade de uma manifestação súbita da doença, além da iminência de morte. Entretanto, outros acreditam que o cardiopata não é estigmatizado e que ele pode dar continuidade a sua vida sem maiores restrições.

Ter contato com a experiência vivida pelo cardiopata nos confirmou que estudar o tema da doença cardíaca e seus aspectos psicológicos é fundamental por vários motivos: para o entendimento das pessoas que estão envolvidas com o cardiopata e para a sociedade como um todo, para auxiliar os profissionais da saúde que lidam diretamente com esses pacientes e para o próprio cardiopata que, muitas vezes, enfrenta dificuldades na forma de conduzir a sua vida.

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Os resultados deste estudo, com relação ao estigma, sugerem que os profissionais da área de saúde, médicos, enfermeiros, entre outros, podem e devem ser mais cuidadosos em explicitar, mais enfaticamente, que o paciente cardiopata não é inválido, inferior ou menos capaz. Deve ser dada uma atenção maior aos aspectos emocionais desta experiência de adoecer, para que esta pessoa possa ter uma vida atuante e produtiva junto à sua família e à sociedade.

Referências

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Lamosa, B.W.R. (1990) As peculiaridades da atenção psicológica dispensada em unidades hospitalares de cardiologia. In: Bellkiss W. R. Lamosa (Org.). Psicologia aplicada à cardiologia. São Paulo: Fundo Editorial Byk, 36-44.

Martins, J. & Bicudo, M. A. (1994). Pesquisa qualitativa em psicologia:

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Mello Filho, Júlio de. (1992). Psicossomática hoje. Porto Alegre: Artes Médicas.

Meltzer, L. E.; Pinneo, R. & Kitchell, J.R. (1993). Enfermagem na unidade

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Merleau-Ponty, M. (1994). Fenomenologia da percepção. (C. A. Ribeiro de Moura, Trad.). São Paulo: Martins Fontes.

Moreira, V. (2004). O método fenomenológico de Merleau-Ponty como ferramenta crítica na pesquisa em psicopatologia. Psicologia: Reflexão e

crítica, 13(3), 447-456.

Moreira, V. (2004). A experiência vivida do estigma: um estudo sobre a

doença mental e HIV/AIDS no nordeste do Brasil. Projeto de Pesquisa,

Mestrado em Psicologia, Universidade de Fortaleza, Fortaleza.

Oliveira, Y. C. (2000). Significados sobre o adoecer em doentes infartados:

uma abordagem qualitativa. Dissertação de Mestrado, Mestrado em

Psicologia, Universidade de Fortaleza, Fortaleza.

Oliveira, M. F. P; Sharovsky, L. L. & Ismael, S. M. C. (1995). Aspectos emocionais no paciente coronariano. In: M. F. P. Oliveira & S. M. C. Ismael (Orgs.), Rumos da psicologia hospitalar em cardiologia (pp. 185-198). Campinas: Papirus.

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http://www.who.int/cardiovascular_disease/resources/atlas/en/ > Acesso em: 13 jun. 2004.

Perez, G. H. (1990). Elementos para uma reflexão sobre a interação somática e psíquica na doença cardíaca. In: B. W. R. Lamosa (Org.), Psicologia

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Ramos, D. G. (1994). A psique do corpo: uma compreensão simbólica da doença. São Paulo: Summus.

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