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O desejo do analista: saber, transferência e verdade no discurso a

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO – DHE

CURSO DE PSICOLOGIA

Eduardo Henrique Gomes

O DESEJO DO ANALISTA: SABER, TRANSFÊRENCIA E VERDADE NO DISCURSO a

Ijuí – RS 2015

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EDUARDO HENRIQUE GOMES

O DESEJO DO ANALISTA: SABER, TRANSFERÊNCIA E VERDADE NO DISCURSO a

Trabalho de conclusão de curso realizado com o propósito de levantar questionamentos sobre o tema. Apresentado para o curso de psicologia da Universidade do Noroeste do estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ como requisito parcial para obter o título de psicólogo.

Professor Orientador: Daniel Ruwer

Ijuí – RS 2015

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Dedico estas palavras aqui escritas à Letícia que com paciência e carinho esteve junto de mim fazendo-me abrir os olhos para além do que eu já imaginava ver e à minha família em especial a minha mãe que com auxilio afetivo e material me ajudou neste tempo que precisei para realizar esta etapa de minha formação enquanto sujeito.

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Agradecimentos

Agradeço meus amigos Jean Alessandro Bertollo, Gonzalo P. Rohleder, Raquel Dickel, Sabrina Corrêa, Gian Agustini e Luciana Pimenta pela amizade e contribuições em diálogos ao longo de minha formação, os quais foram de extrema importância para a localização do tema o qual este trabalho visa abordar.

Ao psicanalista Ubirajara C. de Cardoso, por ter enquanto fora professor na UNIJUÍ e também em seus seminários no ano de 2014, abordado a teoria psicanalítica através de sua prática e experiência profissional, dando direções para a leitura dos textos lacanianos com maior clareza.

Ao professor Daniel Ruwer, pela camaradagem e paciência para que a realização das leituras relacionadas e da escrita do trabalho pudesse ser realizada com tranqüilidade e solidez, e é claro pelos apontamentos precisos em nossas discussões durante as orientações e pelo diálogo aberto.

À minha família pelo suporte necessário para a realização de minha jornada acadêmica durante estes anos, e pelo afeto oferecido nos momentos difíceis.

Aos demais professores do curso de psicologia que possibilitaram minha formação.

Às pessoas que comigo estiveram ao longo desta caminhada e contribuíram com suas amizades e saberes.

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"Sou eu próprio uma questão colocada ao mundo e devo fornecer minha resposta; caso contrário, estarei reduzido à resposta que o mundo me der."

(Carl Gustav Jung em sua autobiografia intitulada: “Memórias, sonhos e Reflexões”)

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RESUMO

Este trabalho trata de abordar de forma pontual e acessível à leitura acadêmica, visando uma melhor compreensão deste que é um conceito central para a prática psicanalítica, organizado por Jacques Lacan a partir de sua releitura da obra freudiana, o qual é nomeado pelo mesmo de desejo do analista. Tendo como base a pesquisa bibliográfica de parte da obra de Jacques Lacan e alguns textos da obra de Sigmund Freud, almejei interrogar a posição do analista em relação ao desejo por meio dos conceitos de transferência, sintoma e discurso. Buscando abordar a posição ocupada pelo analista através do discurso do analista proposto por Lacan em O Seminário, livro 17, O avesso da psicanálise, situada pelo objeto a enquanto agente deste discurso, procuro fazer uma articulação entre a posição ocupada pelo agente enquanto agalma suporte do Sujeito suposto Saber e da transferência enquanto fenômeno clínico do emergir inconsciente, com a condição para o aparecimento da função do objeto a enquanto dejeto, resto da significação do sujeito, a qual marca um desvelamento e ressignificação do saber inconsciente por meio da queda do Sujeito suposto Saber ao final da análise, e a aparição do sujeito enquanto castrado pelo reconhecimento deste mesmo objeto causa de seu desejo, que é motivado por meio da falta que o a irredutível implica, sendo esta reconhecida através do processo de análise. Implicando este saber inconsciente como sendo o saber que ocupa a posição de verdade no discurso do analista, este trabalho busca referenciá-lo com o saber que diz respeito ao que se constitui como sendo o da ética da psicanálise.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...7

1. DA FALTA EMERGE TAMBÉM O DISCURSO...9

1.1. O discurso do mestre...15

1.2. O discurso da histeria...16

1.3. O discurso universitário...17

1.4. O discurso do analista...18

2. DE UMA ÉTICA ADVERTIDA PELO DESEJO...21

2.1 A transferência e o desejo: o a enquanto função essencial na prática psicanalítica...21

2.2 A ética da psicanálise...30

CONSIDERAÇÕES FINAIS...35

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1 – Jacques Lacan (1901-1981), psiquiatra e psicanalista francês, fundador da corrente lacaniana de psicanálise. 2 – Sigmund Schlomo Freud (1856-1939), médico neurologista e criador da psicanálise.

INTRODUÇÃO

Articular formas de situar o desejo e sua implicação na prática em psicanálise foram metas de Jacques Lacan1 em seu ensino, principalmente através de vários dos seus

Seminários, onde buscou articular a relação em que o sujeito busca realizar algo de uma

satisfação, desde sempre almejada, e a esta estar submetido a partir do momento em que ela lhe é referência como satisfação primária, para então realizar suas ligações e seus arranjos afetivos ao longo de sua vida.

Para o mesmo, a concepção trazida desde Sigmund Freud2 a respeito da função do desejo na vida anímica do sujeito situava o real da estrutura psíquica e apontava a direção pela qual o tratamento deveria proceder, dando então noções que se ligariam a futuras concepções elaboradas por Lacan sobre o desejo e sua dinâmica em análise, trazendo novos elementos para a teoria psicanalítica.

Através da importância já marcada sobre o conceito de desejo desde Freud, Jacques Lacan buscou articular a partir da leitura que realizou sobre a obra freudiana, novos elementos teóricos que auxiliassem na localização destes mesmos conceitos enquanto suportes indispensáveis para o analista na prática em consultório. Isto acabou culminando, em última instancia, em uma nova concepção do próprio inconsciente, que não anulou os pressupostos freudianos, mas trouxe uma nova forma de compreensão a respeito dos fenômenos inconscientes enquanto operadores da experiência psíquica humana.

Lacan ao postular sua célebre frase: “O inconsciente é estruturado como uma

linguagem” (LACAN, 2008 [1964], p.27) direciona-nos para uma compreensão a respeito das

manifestações subjetivas e sintomáticas já apontadas por Freud (atos falhos, chistes, esquecimentos, lapsos, etc.), que ocorrem em todos nós vez por outra, abordando-as de forma a apontar que estas estariam ligadas a movimentos que teriam suas bases formais assim como os movimentos da própria linguagem.

Com isto ele buscou trazer o sentido de presença para a mais banal das manifestações, situando nelas o sujeito, assim como este se situa enquanto efeito de um enunciado através da linguagem, marcando nesta presença o desejo.

Pontuando que o surgimento deste sujeito de desejo referencia-se ao surgimento do sujeito no campo lingüístico, a concepção que marca o aparecimento do mesmo no campo psíquico e na estrutura subjetiva para Lacan é a de que a relação que nós enquanto seres de

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3 – Cabe marcar que este será um conceito central neste trabalho, sendo que mais adiante onde suas concepções

serão abordadas, caberá a realização de uma pontuação mais precisa.

4 – Também será amplamente abordado neste trabalho, não necessitando de maiores pontuações aqui.

5 – Lacan cria este neologismo para tratar de introduzir a questão do grande Outro como “(...) o lugar onde o

significante se coloca, e sem o qual nada nos indica que haja em parte alguma uma dimensão de verdade, uma

diz-mansão, a residência do dito, desse dito cujo saber põe o Outro como lugar.” (LACAN, 1985, p.130).

Situamos neste trabalho esta proposição já neste momento para antecipar esta dimensão da linguagem, a qual o sujeito se reporta e que será tratada posteriormente de forma mais precisa.

6 – Marcado no titulo desta monográfica como Discurso a (visto a posição de agente neste discurso ser ocupada

pelo objeto a), terá pontuações bem marcadas no decorrer do trabalho.

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linguagem possuímos, e que através dela é arranjada e demarcada, situa-nos em relação a dois pressupostos: o desejo e o Outro.

Da observação e constatação desta relação, Lacan trouxe novos paradigmas teóricos, além de dar uma nova roupagem ao que Freud já buscava elaborar com o conceito de

transferência3. Dentre alguns deles, o conceito de discurso4 foi decisivo para a articulação do que posteriormente pode ser formalizado como o que operaria em uma situação analítica do lado da pessoa do analista, ou seja, a posição do analista, esta que a partir do ensino de Lacan começou a realmente ser abordada em um sentido de formalizar suas dimensões.

Para centralizar a dimensão (Diz-mansão5) do que se observa através do processo analítico sobre o aparecimento do sujeito inconsciente (sujeito de desejo) por meio das brechas que a linguagem pode produzir, onde então pode ser marcado algo do desejo, Lacan formulou um conceito operador desta cisão, o qual deu o nome de desejo do analista.

Como conceito central a ser abordado pelo estudo deste trabalho, articulei-o através de sua posição efetiva dentro do âmbito dos discursos, sendo que utilizarei do discurso do

analista6 como pano de fundo para pontuar a função a qual opera o desejo do analista, e

também da implicação ética de sua posição enquanto função central da prática psicanalítica. É importante localizar que neste trabalho busco trazer o assunto em questão de uma forma acessível, com uma linguagem mais apropriada para a compreensão de leigos no assunto, visando servir-se de material de leitura para os interessados no que a teoria psicanalítica possa propor a respeito de uma abordagem prática em consultório pautada por ela, ou pela utilização da discursividade proposta pelo discurso do analista – aspecto o qual desde já situo aqui para questionamentos posteriores –, e sua aparição nos demais espaços públicos em que se desenvolvem as relações humanas, levando a experiência psicanalítica e seu posicionamento para além da esfera fechada onde se dá esta experiência até então, ou seja, o próprio consultório analítico.

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7– Também traduzido como Pulsões em nosso idioma. Sendo a tradução de referência utilizada neste trabalho a

realizada diretamente do alemão pelo tradutor Paulo César de Souza, o qual utiliza “Os Instintos e seus destinos” para traduzir o título original “Triebe und triebschicksale”; Será mantido o Termo Instinto para designar o Trieb freudiano neste trabalho.

DA FALTA EMERGE TAMBÉM O DISCURSO

Inicialmente, discorrerei a respeito da organização discursiva do sujeito relacionando-a ao sintoma e a falta inerente ao mesmo, postulando que este fenômeno discursivo se dá por meio da busca por satisfação dos estímulos, e marcando que estas relações estão sempre em uma perspectiva referente ao Outro, onde o sujeito por meio do discurso tentará realizar o encontro com tal satisfação, marcando que esta relação é propriamente faltosa, fato que abordaremos no decorrer das proposições seguintes.

Em seu texto Os instintos e seus destinos (1912), Sigmund Freudescreve sobre como funcionam as monções que dentro de nosso psiquismo agem em buscam de satisfação, as quais ele chamou de instintos7 e expôs que estes são constituídos de uma energia que atua em busca de satisfação e exerce uma força constante a partir de estímulos oriundos do interior do corpo (FREUD, 2010, p-57). Entretanto, neste mesmo texto, ele situa uma diferenciação entre dois tipos primordiais de instintos os instintos do Eu, ou de autoconservação e os instintos

sexuais (FREUD, 2010, p-61), os quais atuam de forma diferente dentro do aparelho psíquico.

Segundo o autor:

“A meta (Ziel) de um instinto é sempre a satisfação, que pode ser alcançada apenas pela supressão do estado de estimulação na fonte do instinto. Mas embora essa meta final permaneça imutável para todo instinto, diversos caminhos podem conduzir à mesma meta final, de modo que um instinto pode ter várias metas próximas ou intermediárias, que são combinadas ou trocadas umas pelas outras. (FREUD, 2010 [1914-1916], p.58)”

Como sugere Freud, os nossos instintos não estão definidos à priori sobre onde estarão se satisfazendo, não havendo um objeto definido onde então nossa finalidade de satisfação sexual estaria se encontrando com sua meta. Ele então pontua que estes buscam a satisfação de sua excitação através de mecanismos organizados pelo nosso psiquismo que visa destiná-los de forma que encontrem vicissitudes para se expressarem, sendo que são quatro os destinos descritos pro Freud para os instintos: A reversão no contrário; A repressão; A sublimação e o voltar-se contra a própria pessoa (Freud, 2010 [1914-1916], p-64).

Não cabe a este trabalho realizar uma averiguação dos pormenores de como se dão tais manifestações e suas particularidades em cada um destes mecanismos recém descritos.

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8 - “Sinthoma é uma maneira antiga de escrever o que posteriormente foi escrito sintoma” (LACAN, 2007, p-11). 9

– Segundo Mircea Elíade em Mito e realidade (1972): “(...) A definição que a mim, pessoalmente, me parece a menos imperfeita, por ser a mais ampla, é a seguinte: o mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do "princípio". Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma "criação". (1972; p-9).

10 – O significante como conceito concebido inicialmente por Ferdinand de Saussure (1857-1913), importante

linguista e filósofo suíço, trata de expressar uma das duas partes (juntamente com o significado) que formam o signo lingüístico. Trata-se da “imagem acústica”, a forma deste, a parte que possui materialidade, a letra.

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Todavia é de importância para este estudo tratar as mesmas como aspectos que serão formadores, através desta concepção de busca por satisfação dos impulsos instintuais realizada por eles, do que se é organizado como sendo o conceito de sinthoma8.

Jacques Lacan realiza O Seminário, livro 23, O sinthoma (1975-1976) para expor de forma topográfica as elaborações sobre o conceito de sintoma e apontar vários aspectos deste que estão ligados aos mitos9 fundadores do psiquismo humano e da organização social humana na qual hoje estamos inseridos, e a que o conjunto destes, dentro de uma perspectiva lingüística ele chamou de Outro, articulando o sintoma a este no sentido de estar referido à, como se o sintoma fosse o que do psiquismo humano amarra a realidade psíquica à realidade objetiva através de um enlaçamento simbólico realizado pela função que a linguagem exerce.

O conceito de Outro (lido com o sentido de “grande outro”) lacaniano busca tratar de dizer que é neste lugar, o lugar do Outro onde se encontram os significantes10 que dizem da materialidade do que no Real anteriormente se manifestou, e que ao sujeito dá estatuto:

“O Outro é o lugar em que se situa a cadeia significante que comanda tudo que vai poder presentificar-se do sujeito, é o campo desse vivo onde o sujeito tem que aparecer. (LACAN, 2008 [1964], p.200)”

Com isto, Lacan constrói a concepção de discurso para nos mostrar de forma explicativa o fenômeno que ocorre em nossas vidas enquanto seres humanos e que pode ser abordado inicialmente de maneira simplista, porém precisa para tal estudo a partir desta proposição.

Segundo o próprio autor em seu O Seminário, livro 20, Mais, ainda (1972-1973), onde ele situa a impossibilidade de haver a relação sexual, ou seja, que o laço da relação amorosa seja realizado de maneira que a consumação do ato unifique os dois “sujeitos” em um, não no sentido biológico de gerir prole, mas no sentido de plena satisfação amorosa. Nas palavras do mesmo:

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– Inicialmente, o conceito de sujeito pode ser compreendido se for pensado a parir da outra parte constituinte do signo lingüístico idealizado por Saussure, o significado. Porém os dois não são a mesma coisa, visto que o significado visa fechar juntamente com o significante o signo lingüístico; Já o sujeito funcionaria como o sentido dado com a junção das “imagens acústicas” entre si, parecendo-se como uma representação visada pelo uso dos significantes, mas nunca contemplada por eles.

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– Como conceito importante pare este trabalho, sua definição será abordada de forma ampla no decorrer do mesmo.

13 – “(...) O objeto que foi inicialmente o ponto de ligação das primeiras satisfações da criança.” (LACAN, 1995,

p-13)

“O significante não é feito para as relações sexuais. Desde que o ser humano é falante, está ferrado, acabou-se essa coisa perfeita, harmoniosa, da copulação. (LACAN, 1992 [1969-1970], p.34)”

Isto implica que não há deveras o encontro do sujeito11 com o objeto fechando tal relação, pois o sujeito é efeito do significante, sendo ele então impossibilitado de relacionar-se sem estar referido a uma nomeação que o coloque em posição frente ao outro da relação.

“O sujeito não é outra coisa – quer ele tenha ou não consciência de que significante ele é efeito – senão o que desliza numa cadeia de significantes. Este efeito, o sujeito, é o efeito intermediário entre o que caracteriza um significante e outro significante, isto é, ser cada um, ser cada qual, um elemento. (LACAN, 1985, p.68)

Deste encontro faltoso, que não ocorre em última instância, podemos dizer que esta falta faz com que haja no sujeito o surgimento do desejo12 e a busca por satisfação do mesmo através do reencontro com este objeto perdido13 (que não é reencontrado de maneira alguma). É na tentativa de restabelecer a relação com este algo perdido que possibilitaria o sujeito gozar, que ele se põe em relação com o Outro, através da linguagem, pois não possui nada além dos significantes para tentar fazer com que seu pedido de gozo seja atendido.

É esse objeto, das Ding, enquanto o Outro absoluto do sujeito, que se trata de reencontrar. Reencontrá-lo no máximo como saudade. Não é ele que reencontramos, mas suas coordenadas de prazer; é nesse estado de ansiar por ele e de esperá-lo que será buscada, em nome do princípio do prazer, a tensão ótima abaixo da qual não há mais nem percepção nem esforço” (Lacan, 2008[1959-1960], p. 68).

Esta falta pode ser compreendida então como falta de ser, pois o sujeito só o é enquanto falante que é faltante de ser, o que implica que a tentativa de estabelecer laço com o Outro é buscar também com ele uma identificação e uma validação sobre sua condição de ser. Ou seja, é através da relação que o sujeito é situado enquanto ser pelo Outro que o reconhece através do discurso, dando a este algum estatuto.

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14 – Freud em seu texto “O Eu e o Id” situa o Eu enquanto a instância do psiquismo que possui e instaura no

sujeito a consciência, porém não é totalmente consciente, sendo que seus prolongamentos alcançam também o inconsciente da estrutura. (FREUD, 2011 [1923-1925])

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– Lacan (2008 [1964]) aborda o lugar de enunciação como sendo o próprio lugar do Outro, este que ficou primeiramente situado pelo autor como sendo o lugar assujeitador que a linguagem dá ao sujeito falante no ato em que este faz seu pronunciamento. Ou seja, é a própria desapropriação que existe no fato de que nada pode ser dito verdadeiramente sobre o que se é, pois a linguagem é aprendida através do convívio com o que dela já se está dado desde antes do falante surgir.

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Isto implica para além da alienação que a condição de sujeito define para o ser em relação ao seu próprio desejo, toda manifestação sintomática que é realizada por este, pois ao buscar meios de satisfazer a libido recalcada pelo processo de repressão, a tentativa que é feita pelo sintoma para responder ao desejo causa uma satisfação real (não simbolizada) para o sujeito, o gozo:

“(...) O que a experiência analítica nos ensina em primeiro lugar é que o homem é marcado, é perturbado por tudo aquilo a que se chama sintoma – na medida em que o sintoma é aquilo que o liga aos seus desejos. (...) E se devemos ser algo mais que simples companheiros da procura do paciente, que ao menos não percamos de vista esta medida, que o desejo do sujeito é essencialmente, como lhes ensino, o desejo do Outro (...). O desejo não pode se situar, se colocar, e ao mesmo tempo se compreender senão nesta alienação fundamental, que não está simplesmente ligada a luta do homem com o homem, mas à relação com a linguagem.” (LACAN, 1992 [1960-1961], p.262-264)

Nesta perspectiva, o que Lacan pontua é que o que fica para o sujeito, estando alienado ao desejo do Outro é a possibilidade de gozo a partir do sintoma, e que este não possui compreensão de sua meta por parte do sujeito, que ao estar em posição de não saber sobre o real de seu desejo, fica refém ao que do Outro pode se identificar, estando a mercê deste, não exerce ativamente sua disposição instintual. O mal-estar que a alienação causa no sujeito vem através da repressão que o mesmo realiza para inibir seus próprios impulsos instintuais, por motivo de angústia frente aos mesmos, que coloca o sujeito em condição de não os reconhecer devido à sua identificação com o desejo do Outro. Sendo esta angústia frente ao próprio desejo o motivo do recalcamento, o que deste processo resulta no sujeito é a sintomatização deste desejo inibido pelo Eu do sujeito que buscará a satisfação sem consentimento deste, por vias que podem também causar o sofrimento do Eu14.

O que o sujeito busca com o discurso é um reconhecimento por parte do Outro, e nesta tentativa de realizar laço com o Outro, visando alcançar a satisfação, Lacan pontua que o sujeito se utiliza dos significantes que possui para se fazer “escutar”15

. Todavia a maneira como ira se estabelecer tal laço será dada através de como o sujeito se posicionará interpelando o Outro, ou seja, a partir de qual discurso este sujeito esta se pronunciando.

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Para compreender este aspecto, Lacan propôs estruturas discursivas em seu O

Seminário: Livro 17 O avesso da psicanálise que podem ser compreendidas através de uma

observação do desenrolar do movimento que se realiza para por em ação o motivo das mesmas; Lacan idealizou inicialmente quatro estruturas discursivas: O discurso do mestre, o

discurso universitário, o discurso da histeria e o discurso do analista. Tais discursos põem

em causa determinada relação ou laço social, sendo que cada um deles é movido por um elemento que ocupa um lugar central no discurso, o lugar de agente, o qual mediante o elemento que o ocupar desencadeará um efeito na cadeia discursiva.

Estes quatro discursos se organizam em uma estrutura formada por quatro elementos e quatro lugares. Conforme cada um dos discursos é escrito, os elementos mudam de lugar seguindo um ordenamento de um quarto de volta, ocupando em cada um deles um lugar diferente. Os lugares descritos por Lacan são os de agente, Outro, produção e de verdade, os quais formam a estrutura da seguinte maneira:

_agente_ Outro_

verdade produção

Ocupando cada um destes lugares, temos os quatro elementos: os significantes S1 (Mestre)e S2 (saber), o sujeito $, e o objeto a.

O símbolo S1 representa o significante mestre, este que por sua vez, põe um ordenamento na cadeia de significantes, que se organiza a partir de sua referência. É o significante apenas, não possuindo representação a não ser a que lhe é dada através de outros significantes.

O símbolo S2 possui sua definição como a de ser o saber, definição esta que superficialmente implica que o mesmo representa o lugar de saber sobre o significante mestre, sendo que o S1 é representado enquanto mestre somente pela sua significação dada pelo conjunto do saber (ou S2) que o institui nesta posição digamos de “prestígio” na cadeia significante. Ele é o escravo que detém o saber sobre o gozar do mestre, mas nunca de si mesmo.

O aforismo famoso citado por Lacan em seu ensino: “Um significante representa um

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16 - O conceito de objeto na teoria de Jacques Lacan adquiriu diversas descrições ao longo do seu ensino, dentre

elas o lugar ocupado pelo analista (1959-1960), objeto causa de desejo (1962-1963), resto da divisão do sujeito (1964), objeto da pulsão (1964), objeto mais-de-gozar (1968-1969), e ao final de suas elaborações deste conceito, ele o situou como amarração dos registros Imaginário, Real e Simbólico. Sendo que todas elas não se anulam conceitualmente, mas se complementam forjando a importância deste conceito dentro da teoria e sua complexibilidade.

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significantes para consolidarem a representação de sujeito, e marcar neste a dimensão de sua falta:

“O significante produzindo-se no campo do Outro faz surgir o sujeito de sua

significação. Mas ele só funciona como significante reduzindo o sujeito em instância a não ser mais do que um significante, petrificando-o pelo mesmo movimento com que o chama a funcionar, a falar, como sujeito.” (LACAN, 2008 [1964], p.203)

Resultante desta equação, temos o sujeito, representado pelo símbolo $ (S barrado), o qual formaliza a relação no discurso. Enquanto relação, e esta definição requer algumas ressalvas e pontuações bem definidas. O $ (sujeito barrado) possui sua incompletude encerrada em si mesmo, nunca será pleno, pois é barrado em sua forma por sua própria definição e por ela implicado em uma perda, ou seja, sempre estará na condição de faltante, como foi dito anteriormente. O sujeito assim como a representação dada através de significantes nunca se estabelece totalmente, pelo fato de que nunca dentro da cadeia dos significantes um deles se represente estando sozinho.

“Um sujeito só pode ser produto da articulação significante. O sujeito como tal nunca domina essa articulação, de modo algum, mas é propriamente determinado por ela.” (LACAN, 2009, p.18).

Por último o Símbolo a (minúsculo), representação do objeto, mais especificamente16 do objeto causa de desejo. Sua definição enquanto “objeto a” o situa como a falta inscrita a partir do surgimento do sujeito na linguagem, ou seja, o a é a perda que se inscreveu no campo do simbólico e do imaginário para que emergisse no sujeito o desejo.

Como é articulado como uma perda, o que se situa neste lugar de a é o resto da equação significante. É a perda do que existia como o todo e que cindido pela linguagem, pelo fato desta ter inscrito onde antes nada havia, a partir do surgimento do significante, a denominação do que é chamado de sujeito. O que resta, o resto inominável é o objeto a, isso que da linguagem não participa, não enquanto discurso, e sim como gozo, que busca satisfação sem mediação do simbólico.

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Segundo Lacan (1969-1970), estes elementos sendo ordenados em cada um dos discursos ocupam os seguintes lugares:

Mestre Universitário Histeria Analista

_S1_ _S2_ _S2_ __a_ _ $ _ _S1_ _ a__ _ $ _ $ a S1 $ a S2 S2 S1

O movimento que cada um dos discursos coloca em função no laço social pode ser compreendido se for lido acontecendo em sentido horário a partir do lugar de verdade no discurso. Podemos criar uma concepção rasa de como este movimento se dá da seguinte forma: O agente é movido por uma verdade e se coloca frente a um Outro que realiza para responder a esta interrogação uma produção:

_agente_ → Outro_ ↓ ↑ verdade produção

Seguindo esta linha de raciocínio, é possível notar que conforme o elemento que estiver no lugar de agente do discurso, este mesmo estará determinando qual a função do mesmo, ou seja, o que se visa produzir estabelecendo tal posição discursiva.

1.1. O discurso do mestre:

O mestre situado discursivamente é aquele que exerce domínio com o poder, como se a sua palavra fosse lei (LACAN, 2008 [1969-1970]), e com isso justamente, este discurso possui o comando sobre o saber (S2), este que esta para o mestre como o seu escravo, recebendo a ordem de fazê-lo gozar. O outro sendo ocupado pelo saber é aquele o qual possui o saber fazer (savoir-faire) o qual o mestre demanda. Sendo o domínio deste discurso realizado através da perspectiva da ordem, o S1 é o possuidor do imperativo de gozo, que

se dá como mais-de-gozar produzido por esse discurso pelo savoir-faire do escravo, cabendo ao mestre exercer apenas a função de ordenar sobre o que deve ser feito.

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16

Porém, a verdade que movimenta o discurso do mestre é a do $, esta que está recalcada para o mesmo. O que move este discurso é a castração do mestre, a sua própria ignorância que se evidencia pela verdade barrada de sua posição, ou seja, ao final o mestre é castrado por não saber como goza. O que de fato é importante para este discurso é que o saber exerça função de produção, estando o agente desvinculado deste saber, que ocupa o lugar do Outro, não sendo então de importância para o mestre o porquê das coisas funcionarem, mas sim apenas que funcionem.

O funcionamento e o saber de como as coisas devem ser feitas pertencem ao outro que produz um mais-de-gozar que está associado ao mestre, e que é este pequeno objeto a resultado da busca de satisfazer a demanda de gozo dada pela ordem imperativa neste discurso, mas que por fim não consegue ser incorporada pelo agente, pois há uma barreira de impossibilidade no acesso ao que diz respeito ao desejo neste discurso, fazendo com que não haja o encontro deste a com o sujeito pelo fato deste estar alienado ao S1 do mestre e abaixo da barreira do recalque. Este estrutura discursiva é organizadora do laço social, e pode ser claramente observada em posicionamentos que exerçam função de comando e de governo através de um domínio do poder.

1.2. O discurso da histeria:

Para que haja o discurso histérico é preciso que haja um mestre, pois o que está em evidência neste discurso é a busca do sujeito ($) por uma resposta sobre o que está em causa (a) para o seu sintoma, e para isto ele quer que o mestre (S1) diga sobre este saber que o faz sintomatizar (S2). Dito de outra forma, o agente sendo o sujeito busca no Outro, o qual ele presume que saiba sobre o que é que esta lhe causando seu sofrimento, uma resposta sobre a causa de seus sintomas.

Contudo o que movimenta o discurso histérico é o próprio sintoma (a) que está abaixo da barra do recalque e inacessível para o sujeito. Isto implica que o gozo que o sujeito tem através do seu sintoma é inviabilizador da realização deste discurso, por que assim como o que pode ser produzido como saber pelo S1 ocupante da posição de outro, não irá caber para dizer do real do gozo que provêm do sintoma do sujeito, estando então como saber alienado

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ao outro na histeria. Justo que é a histeria que vai apontar a falha no discurso do mestre dizendo que “o mestre é castrado” (LACAN, 2008 [1969-1970]).

O laço que este discurso realiza é o de gerar domínio pela sedução. O que quer a histeria com um mestre se não que ele a deseje (LACAN, 2008 [1969-1970]). Para Lacan, o que acontece na histeria é uma demanda do sujeito que pede que o Outro o deseje, mas este não consegue se apresentar como objeto a, visto a impossibilidade disto acontecer, ele só se apresenta como $ para que o outro lhe deseje daí, o que fará com que o “mestre” sinta-se como o amo na histeria. Porém, como o S1 está na posição de Outro, este irá tentar dominar dizendo sobre o gozo do sujeito da histeria com seu saber e isso invariavelmente mostrará a falha no discurso deste e também o domínio pela sedução exercido neste discurso. Por fim, é o sujeito barrado quem manda pelo fato de que o sintoma (a) se sobrepõe ao saber produzido pelo mestre, castrando este e escancarando o gozo da insatisfação na histeria. Todavia, colocando o outro em falta a histeria consegue o que quer. Justamente que este outro a deseje, acabando então o prendendo através da sedução.

1.3. O discurso universitário:

O que implica o discurso universitário é a posição de domínio que o saber (S2) enquanto agente exerce sobre o Outro (a) que é apenas o dejeto, o resto, e que neste discurso, é visto como um mero objeto para sobre ele se realizar a produção de um sujeito que responda ao saber. Este discurso exprime a existência de um saber imperativo e universal, que pode transformar o outro, um mero dejeto em um sujeito através da alienação do mesmo a este saber.

Porém este resultado de subjetivação diz respeito à efetivação do conhecimento sendo adquirido pelo aluno, onde este ao fim de passar por sua formação através do encontro com o agente que o demanda a produzir, a saber, o S2 que comanda o discurso, a formação se dará na forma de uma formatação do discurso, e não de uma plena validação deste sujeito que é produzido. Sendo então que o sujeito produzido ficará submetido ao saber e ao que de si foi dado pelo encontro com o discurso dominante, podendo se tornar um mero repetidor, ou se revoltando frente a esta condição que lhe oprime.

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18 “Esse estudante, com suas questões subjetivas, suas dificuldades, o desejo que o leva à universidade que jamais é não só satisfeito como muitas vezes é sequer tocado, é convocado a submeter-se aos desígnios da universidade que visa fundamentalmente à parceria com o discurso do capital. O restante não serve a ela, é jogado fora, deixado de lado e deve ser sobretudo abandonado, razão de podermos dizer teoricamente que o sujeito enquanto tal é literalmente jogado fora do discurso(...)” (ALBERTI, Sonia – O discurso universitário, p.122)

Pelo fato do S1 encontrar-se neste discurso no lugar da verdade, é o que justamente impossibilitará a validação do sujeito fora da denominação dada pelo saber, pois o significante mestre apenas movimenta o discurso no sentido de produzir para o agente a posição de domínio através da posse deste saber universal e tirano que é o que interpelará o Outro enquanto resto a ter que se subjetivar, alienando-se ao saber, tornando-se por fim um sujeito alienado do seu próprio desejo, porque o S1 que diria sobre este estar ocultado pelo discurso, situado sob a barra do recalque. A meta deste discurso é a de que ele busca uma neutralidade, a neutralidade científica abstendo o sujeito de aparecer como singular através do significante mestre e recalcando este para que a validação do saber seja dada. Neste discurso o que importa é o que é dito e não quem pronuncia.

Sendo então que para o discurso universitário, o saber não é um saber que diz respeito ao sujeito, mas sim um saber que atende a vias de dominação, de burocracia, tratando-se de ser de cunho cumulativo e teórico, que por fim busca dizer sobre a práxis que acontece no real, ao que quando se depara com tal, acaba encontrando suas limitações também. Fato que se observa pela própria produção deste discurso, um sujeito barrado ($).

1.4. O discurso do analista:

No discurso do analista temos no lugar de agente o objeto a, posição esta que evidencia primeiramente o agente do discurso enquanto o resto da operação da linguagem e imperativo da falta no sujeito, isso quer dizer o que? Que o questionamento que parte do agente deste discurso não possui sujeito, é o próprio resto que está contido no discurso do Outro que a ele retorna, pois é da falta de sujeito agenciando o discurso que a partir dele a produção do discurso está diretamente ligada ao Outro, que no caso é o sujeito ($). Nesta posição de ausência de agente, a interpelação do outro ($) pelo objeto a (lugar vazio) faz com que este não produza a partir da demanda de algum outro significante (visto que não há agente

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em posição de sujeito), como é o caso do que ocorre nos discursos do mestre, universitário e histérico. Isso possibilita o surgimento de S1 que está diretamente ligado ao sujeito que ocupa o lugar do Outro neste discurso enquanto sua produção.

No lugar de verdade do discurso, temos o saber (S2), este que age no discurso do analista movendo-o. Contudo, o saber estando no lugar da verdade implica que o analista possui um saber como sua verdade, e este saber sendo como uma verdade é um saber que apenas é parcialmente sabido. Como a verdade é somente meia-verdade, este saber também possui a característica de ser apenas meio-saber. Sendo que Lacan ira dizer que este S2 é o savoir-faire, o saber fazer que o analista possui, e advindo da experiência com o Real do

inconsciente. Entretanto, este saber como sendo o motivador do discurso o é devido ao fato de que o outro ($) presume que o analista possua tal saber sobre ele, o que também pode ser visto da posição do Outro no discurso como a do “Sujeito Suposto Saber”, este sendo o objeto a encarnado pelo analista.

O que o discurso do analista põe em movimento pode ser compreendido como sendo a relação objetal que o paciente estabelece para com o Outro, ou seja, é a reedição da fantasia do paciente através da transferência que se da pelo fato do paciente ir à busca do seu desejo, através do a que figura na pessoa do analista. Operando como objeto, o agente do discurso do analista não faz uso do saber para exercer domínio sobre o outro, mas assume posição de figurar como aquele objeto que diz respeito ao que da falta do sujeito enquanto outro neste discurso está a realizar a busca com sua produção que tenta dizer sobre o que quer enquanto faltante.

Como é possível situar a partir das construções até aqui expostas partindo da posição de agente dos discursos, é possível observar que nestes existe um movimento, que partindo da posição de agente visa realizar no Outro uma produção, esta que viria a responder o que da satisfação buscada pelo agente através de determinada posição discursiva (mestre, histeria, universitário, analista) possa dar condição de estabilidade ao mesmo pelo fato de encaixar-se como produção apreensível por este.

Entretanto, o fechamento do laço não se formaliza visto que há uma impossibilidade referente à verdade de cada discurso. Encontrando-se representada sob a barra do recalque ela está em condição de reger o agente por vias que este não possui conhecimento, e também é atuante no que diz respeito à impossibilidade do gozo alcançar sua real consumação, isto pelo fato de que este elemento reprimido realiza a função de organizador do discurso enquanto

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17 – Este termo foi utilizado por Lacan, que o retirou de um conto de Jacques Cazotte (1719-1792) chamado Le diable amoureux. Sua tradução teria o sentido de um “que queres?” e busca enquanto questionamento, que o

sujeito se implique com a natureza de seu desejo.

20

verdade, pois situa a falha e a falta no mesmo marcando a dimensão do inconsciente a partir da experiência do Real que ocorre pelo fato da falha que as representações simbólicas - como dito anteriormente - carecem sempre de outro elemento, fazendo com que reste algo irrealizável, algo este que é atuante na repressão e na divisão do sujeito, a linguagem.

Como nenhuma das quatro posições discursivas dá conta de realizar o fechamento do circuito instintual que no sujeito busca maneiras de manifestar-se e consumar sua satisfação, é pontual marcar aqui que a possibilidade que há para o mesmo enquanto sujeito movido pela discursividade é a de por ter que haver-se com a falta estrutural, o mesmo acaba por deparar-se com a impossibilidade de plenitude em sua existência. Com isso adentramos em um campo onde emergem dois elementos centrais que serão abordados por este trabalho: O resto da tentativa de satisfação que não encontra qualquer representação para contar-se dentro da linguagem, sendo insígnia do gozo como objeto irrepresentável, mais precisamente o objeto a, e o desejo causado pela falta de representação simbólica para dar conta da necessidade instintual de satisfação, a qual em sua busca vem ao encontro deste a e marca pela sua impossibilidade de realizar-se a condição de desejante no sujeito, implicado este na busca por amparo em última instância da própria condição subjetiva que possui enquanto tal, visto que sua condição é a de dizer algo sobre o que o Outro interpela como sendo o seu desejo a partir da pergunta “Che vuoi?”17

– o que você quer? – nisto que o sujeito está alienado à linguagem

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18 – O discurso da histeria também é chamado de discurso do sinthoma.

19 – Neste trecho a palavra Isso toma o sentido de representar a instância do psiquismo que possui estado

inconsciente em sua totalidade, chamada em uma das nomenclaturas psicanalíticas com este nome, e também de apontar o gozo implícito neste emergir do inconsciente.

DE UMA ÉTICA ADVERTIDA PELO DESEJO

2.1. A transferência e o desejo: O a enquanto função essencial na prática psicanalítica.

Situar novamente o objeto a é pertinente para que possamos compreender o que dele se apresenta no sintoma18 enquanto discurso. A indagação que o sujeito faz ao Outro para este lhe falar sobre o saber a respeito do seu gozo (a), age como movimento de reconstituir uma integridade que não existe simbolicamente, a qual nada mais é do que um engano em achar que o objeto que fora perdido (das Ding) possa ser reencontrado enquanto aquele objeto mítico da primeira satisfação marcada no sujeito. Propriamente falando o encontro com a

Coisa não tem possibilidade alguma de ocorrer, pois esta sempre será outra coisa e não aquilo

que se alcança/encontra por via ou imaginária ou simbólica, sendo esta Coisa o que resta de real na estrutura psíquica. Entretanto, esta indagação é realizada na tentativa (falha) de dar ao saber do Outro o estatuto de que este possa dizer algo que tenha validade e que viria a sustentar o sujeito com um saber que contemplaria a falta inerente a localização na estrutura desta Coisa.

“A falta real é o que o vivo perde, de sua parte de vivo, ao se reproduzir pela via sexuada. Esta falta é real, por que ela se reporta a algo de real que é o que o vivo, por ser sujeito ao sexo, caiu sob o golpe da morte individual.” (LACAN, 2008 [1964], p.201).

A via pela qual o sintoma se dirige ao Outro é justamente o laço que sustenta o sujeito. Então, situá-lo no mesmo movimento que o sintoma realiza inconscientemente efetivando este gozo fora da linguagem através de quaisquer que sejam as formas pelas quais Isso19 possa aparecer, ao citar algumas delas: diretamente no corpo, através dos pensamentos obsessivos ou demonstrando uma inibição ou medo extremo frente a algo; são as vias pelas quais o sujeito possui para ainda afirmar-se frente ao Outro que o demanda um sacrifício imposto pela

linguagem diretamente em sua falta, cobrança esta que busca ser quitada pagando com o gozo

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20

– “É perfeitamente normal e compreensível, portanto, que o investimento libidinal de uma pessoa em parte insatisfeita, mantido esperançosamente em prontidão, também se volte para a pessoa do médico. Conforme nossa premissa, tal investimento se apegará a modelos, se ligará a um dos clichês presentes no individuo em questão ou, como podemos também dizer, ele incluirá o médico numa das “séries” que o doente formou até então. (...) As peculiaridades da transferência para o médico, em virtude das quais ela excede em gênero e medida o que se justificaria em termos sensatos e racionais, tornam-se inteligíveis pela consideração de que não só as expectativas conscientes, mas também as retidas ou inconscientes produziram essa transferência.” (FREUD, 2010 [1911-1913], p.136)

21 – Termo retirado da obra O banquete de Platão e utilizado por Lacan em seu O Seminário, Livro 8 A transferência (1960-1961) como conceito que busca apontar aquilo que do estatuto de objeto se encontra no

outro e é pelo sujeito desejado. Possui o sentido de ser um objeto precioso, uma jóia.

22 – Ou seja, uma enunciação que implique a existência de um destinatário.

22

Nesta via o que ligaria o sujeito a produzir dentro da transferência20 seria o giro que acontece no sintoma do paciente. Inicialmente ele encontra-se em uma posição sintomática desvinculada de implicação subjetiva (queixa), e em um segundo momento, quando a transferência estaria efetivamente instalada, ele transitaria para outra onde o questionamento deste faz ligação pelo sintoma efetivamente à pessoa do analista e possibilita o acesso do mesmo ao trabalho analítico, pois se transformaria em um enigma que dá ao sinthoma a roupagem de uma mensagem “cifrada” que coloca o analista, investindo-o de afeto, em posição de assumir o lugar de objeto agalma21 para o analisando.

“Aquele que empreende a escalada em direção ao amor procede por uma via de identificação e igualmente, se quiserem, de produção, sendo nisso ajudado pelo prodígio do belo. Ele chega a ter nesse belo seu próprio termo, e identifica-o à perfeição da obra do amor. Existe ali uma relação biunívoca, que tem por fim a identificação com este soberano bem que pus em causa no ano passado (...). É a natureza do amor que está em questão, e por uma posição, por uma articulação essencial mas esquecida, elidida, e sobre a qual nós, analistas, trouxemos no entanto, a cavilha que permite acusar sua problemática. É nesse ponto que se concentra o que tenho hoje a lhes dizer a propósito do agalma.” (LACAN, 1992 [1960-1961], p.140).

Contudo ainda resta apontarmos como é que o sintoma pode tornar-se uma mensagem22. O sintoma já exerce uma ação discursiva, porém não dentro da linguagem como foi dito há pouco, e é pelo fato dele querer dizer algo é que pode ser abordado pela linguagem, mas para isso é necessária esta torção realizada em análise em transformá-lo num enigma. A partir desta posição o sintoma realiza um movimento em sentido de não apenas produzir o gozo, ele também adquire a condição de fazer laço para com este objeto agalma, demandando um investimento de amor para o analista e o situando como aquele que é o Outro que possui uma resposta a esta mensagem, que nada mais é do que a resposta que conteria o saber sobre o porquê do desejo.

Restando agora pontuar qual o movimento que na transferência este objeto agalma realiza, podemos por antecipação já situar o mesmo na pessoa do analista, assim como Lacan

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o faz construindo o discurso do analista (LACAN, O Seminário, Livro 17. O avesso da

psicanálise. 1969-1970). Também podemos apontar que o fenômeno da transferência se dá

enquanto este investimento realizado e as implicações que dele se expressam no paciente, conduzindo o mesmo a transferir para o médico a sua condição de enfermidade, em um sentido de que é através da relação com esse, é que o paciente pode retomar esta para reeditá-la.

Porém, é importante registrar aqui que a transferência serve também como a fonte de resistência mais forte no decorrer da analise, simplesmente pelo fato do paciente estar transferindo sentimentos de apreço e interesse pela figura do analista, e com isso, ele acaba por frear as possibilidades de que algo que possa em sua concepção, ser impróprio mediante o crivo de um juízo moral, aparecer como conteúdo a ser trabalhado em consultório.

“Se, todavia, a transferência se transforma em resistência, somos obrigados a atentar para ela, e vemos que em duas condições diferentes e opostas sua relação com o tratamento se modificou. A transferência se torna tão forte, indica tão claramente sua procedência do âmbito da necessidade sexual, que só pode provocar uma resistência interna contra si; a segunda quando consiste de impulsos hostis, em vez de afetuosos.” (FREUD, 2014, p.587)

O fato é que, justamente o trabalho com a resistência produzida através da transferência é o que dispõe a posição e o movimento que acontece com este agalma. Sendo que em transferência ele pode tanto assumir lugar na pessoa do analista proporcionando o surgimento do Sujeito suposto Saber, onde o paciente situa o analista na condição de ser o possuidor do saber sobre o desejo, como pode também causar a resistência pelo fato do analisando sentir-se atraído sexualmente pela pessoa do analista, enamorando-se por ele ou também por adotar uma posição de confronto com este, conflitando com ele e suas intervenções.

Cabe ao analista manter-se em movimento buscando possibilitar o surgimento deste Sujeito suposto Saber que através da transferência se instaura em análise, pois é servindo-se dele enquanto posição de sustentar o objeto a para o paciente que este se mantém falando, produzindo as associações que revelarão a sua estrutura, a qual se encontra dentro da cadeia significante como um recorte, que precisa ser pontuado através do posicionamento dos S1 que correspondem ao sujeito o lugar onde ele se reconhecerá com o seu desejo.

Pelo fato do analista possuir o objeto agalma da identificação afetiva do paciente, é que o analisando realiza uma aposta no analista mais ou menos a seguinte: “Se eu falar ele

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24

saberá como me ajudar”. E é isto justamente que o engata na transferência e funda o lugar de Sujeito suposto Saber.

Esta posição referenciada a um suposto saber, está apenas sendo demandada pelo analisando, sendo que o que cabe ao analista é ocupá-la no sentido de ir para além de sustentar enquanto se propõe a servir como o objeto a causa do desejo do paciente, provendo-lhe um semblante de agalma, utilizando-se da função de abjeto, ou seja, o dejeto, o resto do objeto a, implicando o paciente na busca de reconhecer-se em seu próprio desejo.

Este pequeno abjeto que pertence ao analisando, mas nem ele mesmo sabe que é isto que o põe em condição de desejar, diz justamente da verdade de sua condição, a qual identificaremos aqui, por enquanto, como sendo a da impossibilidade de plenitude (castração), pelo fato do sujeito ser dividido pela linguagem e por isso não poder escapar da dialética que o desejo lhe impõe.

O sujeito encontra-se castrado no que diz respeito à total satisfação, ao gozo pleno. Deixando sempre sobrar da função algo que é justamente o que não é realizável no sentido de satisfação do seu desejo, assim o sujeito acaba por ficar enredado, preso ao desejo do Outro, que atua sobre este como semblante alienador, pois é o Outro quem possui dentre os significantes, os que dirão do desejo do sujeito.

“Se é só no nível do desejo do Outro que o homem pode reconhecer seu desejo, e enquanto desejo do Outro, não está ai algo que lhe deve parecer fazer obstáculo a seu desmaio, que é um ponto em que seu desejo jamais pode reconhecer-se? E o que não é nem levantado nem a ser levantado, pois a experiência analítica nos mostra que é de ver funcionar toda uma cadeia no nível do desejo do Outro que o desejo do sujeito se constitui.” (LACAN, 2008 [1964], p.229)

Por fim, o que do desejo inconsciente possui a possibilidade de manifestar-se é o que dele se sujeita aos significantes, ou seja, ao Outro. Porém a impossibilidade no campo do desejo não é sinônimo de insatisfação, pelo contrário, “é por estarmos em condição de faltante que podemos a partir daí realizar movimentos na direção da busca por satisfação” (LACAN, 2008 [1964]).

Novamente surge no horizonte do desejo a falta que o origina, constituindo um ciclo que por não fechar-se promove condição para que os instintos se desprendam de suas

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23 – Apontando que em um sentido evolutivo darwinista (Charles Darwin (1809-1889), naturalista britânico

criador da teoria da evolução, amplamente abordada em seu livro “A origem das espécies” de 1859). Os demais animais possuem ainda uma fixação no que diz respeito ao objeto instintual. Como por exemplo, uma leoa estará disponível sexualmente ao ver o macho de sua espécie, ou seja, o leão, sendo que isto fará com que haja a excitação sexual, que é desencadeada pela imagem do semblante da espécie (leões têm como objetos sexuais outros leões).

predisposições objetais anteriores23 e possam, pelo fato de estarem livres para escolher aonde encontrar a satisfação, possibilitar o surgimento do sujeito no âmbito da topologia psíquica.

Há a satisfação parcial dos instintos, pois dada a acoplagem destes a um determinado objeto e realizada a meta instintual a qual se propõe tal relação, a mesma se efetua. Porém a via pela qual o desejo move-se enquanto desejo inconsciente não encontra o seu objeto aí. “O objeto do desejo é a Coisa”, e esta não é reencontrada nunca. (LACAN, 2008 [1959-1960])

Em suas elaborações sobre o que diz respeito ao desejo na experiência em psicanálise Lacan utiliza-se do conceito de desejo do analista. Para contrastar com o desejo do Outro, localizado como sendo aquele que implica a relação transferencial, Lacan pontua o desejo do

analista como a relação do desejo com o desejo.

"E não me digam que, esse desejo, eu não o nomeio, pois é precisamente um ponto que só é articulável pela relação do desejo ao desejo. Essa relação é interna. O desejo do homem é o desejo do Outro" (LACAN, 2008 [1964], p.229).

Para tratar do que na pratica psicanalítica se efetiva como função que realiza, no decorrer da análise, a transformação da posição subjetiva do sujeito em relação com o seu desejo, o autor situa que esta posição realizará uma reorganização de desejar reconhecimento enquanto sujeito amado (érôménos), para reconhecer-se em seu desejo como objeto amante (érastès). Isto que acontecerá através do posicionamento apenas do objeto agalma do paciente em análise, ou seja. É do sintoma do paciente que se trata de abordar. Sendo que a única contraindicação em uma análise é a de que o sintoma do analista possa aparecer por meio do surgimento do seu objeto a enquanto agalma investindo-se por meio da identificação com o analisando:

“(...) basta supor que o analista, mesmo a sua revelia, coloque por um instante seu próprio objeto parcial, seu agalma, no paciente com quem está lidando. Aí, com efeito, se pode falar de uma contraindicação, mas como vêem, nada menos que localizável – ao menos enquanto a situação do desejo do analista não é explicitada.” (LACAN, 1992 [1960-1961], p.195)

Disto, o desejo do analista é o que em análise, implica a sustentação do desejo do paciente (desejo do Outro), através da sustentação da transferência por meio do objeto a

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24 – Entende-se como psicanálise em intenção o fenômeno que ocorre em um consultório analítico, ou seja, o

acontecimento de uma análise propriamente dita. Já o que é chamado de psicanálise em extensão é o que o próprio discurso psicanalítico promove de mudança no mundo, a ampliação deste para as demais esferas da experiência humana, e a própria efetivação da psicanálise como um espaço de discursividade, a ser construído ainda que pela ação do que Lacan chamou de o ato psicanalítico.

25 – Isto é, que o mesmo apenas se ponha a escutar, sem fazer juízo com as suas concepções daquilo que o

paciente relata em sessão.

26 – Tudo aquilo que serve de identificação para o Ideal do eu do sujeito e que encontra-se a disposição na cultura

acrescido de valor moral. Um exemplo contemporâneo que podemos abordar neste trabalho é o significante Saúde Mental. Não no sentido de buscar derrubá-lo deste lugar organizador do laço social enquanto um significante mestre que rege nossa sociedade hoje neste aspecto, mas apontar que este é um grande ponto a ser abordado e debatido, justamente por ai incidir enquanto significante mestre também dentro de boa parte dos consultórios terapêuticos.

26

figurante do agalma do paciente na pessoa do analista, possibilitando a formação do Sujeito suposto Saber que realizará a reviravolta no sintoma do paciente, transformando o em sintoma analítico possível de ser abordado em análise.

Esta implicação por parte do analista através do seu desejo é tratada por Lacan à exaustão em vários dos seus seminários, onde ele busca referenciar esta posição no que dela implica a função da psicanálise enquanto psicanálise em intenção e extensão24.

É a partir desta relação do desejo com o desejo que a função que age na análise sendo ela o desejo do analista, a qual Lacan localizou como sendo o desejo de saber25, argumentando que para que haja um analista, deve haver um espaço vago:

“(...) em termos de latitude e de longitude, as coordenadas que o analista deve ser capaz de atingir para, simplesmente, ocupar o lugar que é o seu, o qual se define como aquele que ele deve oferecer vago ao desejo do paciente para que se realize como desejo do Outro.” (LACAN, 1992 [1960-1961], p.109).

Entretanto, para que este lugar fique vago, para o analista cabe à tarefa de não projetar sobre o analisando o seu objeto causa de desejo, pois segundo Lacan isto seria realizar uma análise através da identificação, não tocando por fim, na função de tornar o Sujeito suposto Saber em abjeto dejeto do objeto a, o que segundo o autor pode ser entendido também como trabalhar em transferência através dos ideais do Outro [I(A)]26, não abordado de forma a fazer com que as identificações que o sujeito possui possam ser defrontadas pela própria condição de falta, ou seja, o ser-de-objeto do analisando.

“Tem-se incessantemente na boca, sem se saber o que se quer dizer, o termo

liquidação da transferência. O que é que isso pode querer dizer? A qual

contabilidade o termo liquidação se refere? Ou será que se trata não sei que operação num alambique? Tratar-se-á de – é preciso só que isso corra, e que se esvazie em

algum lugar? Se a transferência é a atualização do inconsciente, será que se quer

dizer que a transferência poderia ser para liquidar o inconsciente? Ou será que é o sujeito suposto saber, para tomar minha referência, que deveria ser liquidado como tal?” (LACAN, 2008 [1964], p.259)

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27 – O Sujeito suposto Saber enquanto função, não necessariamente investida na pessoa do analista.

Postulando sobre a liquidação da transferência em seu O Seminário, Livro 11. Os

quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Lacan coloca que a experiência que

ocorre em um consultório analítico busca levar a um reconhecimento desta falta de um Sujeito suposto Saber por parte do paciente. Onde inicialmente o paciente esmerava que encontraria a resposta para o seu problema (desejo) através do saber do analista, ele se depara durante a análise com uma verdade, a de que o que ele busca é algo que o Sujeito suposto Saber não pode lhe dar27.

Fazendo relação entre o Sujeito suposto Saber e a identificação que há na posição de sujeito amado (érômenós) enquanto o mesmo deseja algo de um reconhecimento, podemos pontuar que não é isto que funda o processo de análise em sua meta, mas se dá em seu desenrolar durante o processo.

Desta premissa, podemos trazer a seguinte situação: Que é através da desconstrução do Sujeito suposto Saber em transferência, realizada pela ação do agente enquanto objeto a que encena no discurso do analista uma posição de ausência de sujeito sustentada pelo mesmo, o que em análise funcionará no sentido de estar levando o sujeito em análise (paciente) a encontrar neste lugar, o qual ocupa o psicanalista, não um saber sobre o seu desejo, ou melhor, uma resposta à sua demanda de identificação, de amor (a própria relação enganosa que se nomeia como transferência), mas acabar encontrando-se com um resto, o resto que lhe cabe da relação que o funda enquanto sujeito (em sua subjetividade).

Este resto é o gozo que lhe aparece enquanto sintoma, irreconhecível para o sujeito que busca nesta função de Sujeito suposto Saber – a qual foi de grande utilidade para o tratamento acontecer – a resposta para sua falta. Todavia, tendo sido atravessada, ou nas palavras de Lacan: liquidada (LACAN, 2008 [1964], P.259), ela mostrará ao sujeito em análise, sua condição de ser-de-objeto, ser faltoso. Isto é a verdade de sua condição, fundando neste o reconhecimento da castração simbólica e da privação real, por meio da frustração que ocorre no mesmo ao reconhecer-se em uma posição de desamparo que lhe é inaugural, mas que para Lacan em suas elaborações sobre o desejo, postula que o desamparo é o horizonte intransponível ao psiquismo, remetendo novamente à condição de carente que possui o

sujeito, pois a este resta apenas o ser. Fato que não se confirma porque para ser, o sujeito precisaria saber o que é, ou saber dizer o que é. Sendo que este só possui os significantes do Outro para se identificar, fica em condição de desejante em busca deste algo que falta ser dito,

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28 – O sentido trazido aqui pelo termo pulsão busca abarcar o mesmo que é trazido neste trabalho com o termo instinto. Sendo que os dois aparecem enquanto traduções possíveis do trieb freudiano; uma que aparece na

tradução da obra freudiana utilizada como referência para este trabalho, a qual traduz o termo como instinto. E a outra que nas edições traduzidas da obra de Jacques Lacan, realizada pela editora Zahar, também aqui utilizada, trás a palavra pulsão, optada também por Lacan ao usar o francês pulsion para traduzir o trieb da língua alemã.

29 – Tradução realizada do termo alemão Hilflosigkeit que Freud tratou de abordar em suas elaborações a respeito

da angustia. Lacan se utiliza de tal termo para tratar da experiência ultima da relação do sujeito com sua morte. 28

ser incorporado, ser algo que abarque a própria falta do sujeito, mas que deveria vir dele mesmo.

“O esquema que lhes deixo como guia da experiência, como também da leitura, lhes indica que a transferência se exerce no sentido de reconduzir a demanda à identificação. É na medida em que o desejo do analista, que resta um x, tende para um sentido exatamente contrário à identificação, que a travessia do plano da identificação é possível, pelo intermédio da separação do sujeito na experiência. A experiência do sujeito é assim reconduzida ao plano onde se pode presentificar, da realidade do inconsciente, a pulsão28.” (LACAN, 2008 [1964], p.265).

Com isto, a posição tomada pelo analista em transferência é a de Sujeito suposto Saber, mas a função que em ultima instancia atua na experiência analítica é a do desejo do

analista, que trata de justamente reendereçar a pulsão não à demanda de identificação, mas ao

desejo, fazendo surgir na experiência o resto da relação significante, o objeto a e com ele o desejo que não se realiza, havendo com este (re)surgimento a possibilidade de dar um sentido que dê garantias reais à condição de faltante que possui o sujeito.

“Para lhes dar fórmulas-referência, direi – se a transferência é o que, da pulsão, desvia a demanda, o desejo do analista é aquilo que a traz ali de volta. E, por esta via, ele isola o a, o põe à maior distância possível do I que ele, o analista, é chamado pelo sujeito a encarnar. É dessa idealização que o analista tem que tombar para ser suporte do a separador, na medida em que seu desejo lhe permite, numa hipótese às avessas, encarnar, ele, o hipnotizado.” (LACAN, 2008 [1964], p.264).

O objeto a figura no analista não como objeto da falta real, mas como espaço vazio, ausente de sujeito, onde se expressa o sem sentido que é para o sujeito o gozo evidenciado pelo seu sintoma. Através desta divisão, ou seja, do desvelo da condição do sujeito, analista e paciente se deparam em uma nova relação, onde para o paciente nesta nova posição, há agora a possibilidade de construir a partir deste desamparo29, novas formas de se posicionar com relação ao que deste objeto indica o seu desejo.

“Qualquer regularização que trouxermos à situação daqueles que concretamente recorrem a nós em nossa sociedade, é por demais evidente que sua aspiração à felicidade implicará sempre um lugar aberto para um milagre, uma promessa, uma miragem de gênio original ou de excursão para a liberdade, caricaturemos, de possessão de todas as mulheres para um homem, do homem ideal para uma mulher. Constituir-se como garante de que o sujeito possa de qualquer

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