• Nenhum resultado encontrado

A NOÇÃO DE REPRESENTAÇÃO SOCIAL E A PESQUISA NAS CIÊNCIAS SOCIAIS

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A NOÇÃO DE REPRESENTAÇÃO SOCIAL E A PESQUISA NAS CIÊNCIAS SOCIAIS"

Copied!
7
0
0

Texto

(1)

PESQUISA NAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Maria Helena Rocha Antuniassi*

s ciências sociais, como a sociologia e a antropologia, defen-dem seu estatuto de ciência desde o século XIX, advogando a utilização de métodos científicos de investigação na apreensão de seu objeto: a relação dos homens entre si que faz a mediação da relação dos homens com a natureza.

Pensar a relação dos homens entre si, nas ciências sociais, de ma-neira a ultrapassar o pensamento do senso comum, exige uma vigilância epistemológica rigorosa, à medida que, freqüentemente, essas ciências recorrem à linguagem comum para comunicar seus resultados e, por-tanto, estão sempre diante da possibilidade de confundir opinião do senso comum e discurso cientifico; desse modo, uma das primeiras ações em direção à construção de um objeto de pesquisa nas ciências sociais é considerar o fato de que a linguagem científica deve ser precisa, rigoro-sa e específica. E, portanto, pressupõe que os conceitos utilizados devem fundamentar metodológica e epistemologicamente o processo de inves-tigação.

A noção de representação social embora já tenha uma tradição no contexto das ciências sociais, muitas vezes, ainda é utilizada de forma fluida, deixando entrever um vazio teórico na construção do objeto de pesquisa e no desenrolar do processo de investigação.

A noção de representação social nasce na Sociologia durkeimiana com a noção de representação coletiva e se desenvolve, inclusive, no

qua-A

(2)

dro teórico de outras disciplinas como a Psicologia Social na interface do individual e do coletivo. Pode-se citar Moscovici (1979) como um dos responsáveis por esse fato. Atualmente, vários são os quadros teóricos que proporcionam e que oferecem base para se pensar a noção de repre-sentação social. Não é nossa intenção, nesse momento, fazer uma refle-xão sobre diferenças e aproximações e muito menos sobre as limitações e possibilidades de apreensão da realidade desses diferentes quadros teóri-cos. O nosso objetivo é bem menos pretensioso, apenas dar a conhecer, aos colegas aqui presentes, uma sistematização de como pensar o conceito de representação social enquanto um instrumento teórico capaz de propi-ciar a construção do objeto de pesquisa dentro de uma perspectiva relacional.

Inspirados nas obras de Bourdieu partem do pressuposto de que a estrutura social, realidade objetiva que transcende os agentes sociais, en-gendra uma realidade subjetiva que é por eles incorporada no processo de vivência das experiências e práticas do cotidiano, portanto, é a noção de habitus que está na base dessa reflexão. Pensando a noção de habitus como um sistema de disposições adquiridas, duráveis e transponíveis que funcionam como princípios geradores e organizadores da prática, a noção de representação social, associada à noção de habitus, permite ultrapas-sar o caráter individual do que é transmitido pelo informante nas entre-vistas durante o processo de pesquisa, inserindo-as na estrutura dos grupos sociais a que ele pertence. Assim sendo, as estruturas sociais e as estrutu-ras internas da subjetividade são compreendidas como estados da mesma realidade, isto é, como história coletiva que se inscreve, simultânea e indissociavelmente, no indivíduo. Conseqüentemente, a relação indiví-duo e sociedade são analisadas como história materializada e objetivada nas instituições sociais e história incorporada pelo agente social como sistema de disposições para perceber, pensar e agir em determinadas dire-ções, tendo em vista sua posição no espaço social.

Desse modo, o quadro teórico proposto por Bourdieu (1983) nos permite ultrapassar a já tão discutida polemica sobre o subjetivismo e objetivismo nas pesquisas em Ciências Sociais. Nesse contexto, não se pensa separadamente estrutura, pratica e representação social elas se dão a conhecer simultaneamente num sistema de posições sociais, o campo. “Um campo é um sistema específico de relações objetivas, de

(3)

concorrên-cia, aliança, conflito, cooperação, que emerge entre posições diferencia-das, socialmente definidiferencia-das, e transcende a existência física dos agentes que as ocupam” (BRIOSCHI e TRIGO, 1989, p. 16). Como um espaço de lutas

pela apropriação de um capital específica, a noção de campo tem uma dimensão dinâmica, na medida em que a sua configuração exprime a relação de forças dos grupos em disputa no seu interior. Disputa que traz subjacente uma cumplicidade dos agentes engajados no campo, que tem por base um interesse comum fundamental, ligado à própria existência do campo.

O habitus é um conceito imprescindível para se entender a noção de representação social porque articula as idéias de “individual e social”, subjetividade e objetividade. A interpenetração das estruturas subjetivas (as representações) e objetivas (a estrutura social) se dá a conhecer ao pesquisador por meio da noção de representação social, isto é, representa-ção de um determinado grupo que compartilha experiências da posirepresenta-ção que os agentes ocupam, seja no macrocosmo seja no interior dos inúme-ros microcosmos, como o escritório, a empresa, a vizinhança, a família, a escola. Compreendendo o habitus pela interiorização dos determinismos da estrutura social que, com base na prática, se estrutura em disposições gerais, compreende-se que agentes, vivenciando as mesmas condições de vida, tendem a incorporar disposições para perceber e agir numa mesma direção, proposição que serve de base para a noção de estilo de vida, por exemplo. Nesse contexto o conceito de representação social pode ser pen-sado como a elaboração subjetiva mental que os agentes fazem de suas condições materiais de vida. Como escreveu Bourdieu (1993):

[...] pode-se dizer que a experiência da posição ocupada no macrocosmo social é determinada ou pelo menos alterada pelo efeito das interações sociais sentido diretamente no interior desses microcosmos sociais, escritórios, pequenas empre-sas, vizinhanças...

Não se teria dado uma representação justa de um mundo que como o cosmo social, tem a particularidade de produzir inúmeras representações dele mesmo, se não tivéssemos dado um lugar no espaço de pontos de vista, a essas categorias, particularmente, expostas á pequena miséria que são todas as profissões que tem por missão tratar a grande miséria ou falar sobre ela, com todas as distorções ligadas a particularidade de seus pontos de vista (p. 9-11).

(4)

No capítulo intitulado “Da Regra às Estratégias”, da obra Coisas Ditas, Bourdieu (1990) mostra como a existência do grupo se encontra ao mesmo tempo na realidade objetiva e na representação.

Eu tentei mostrar que os grupos, e particularmente as unidades de base genealógica, existiam ao mesmo tempo na realidade objetiva das regularidades e das coações instituídas, e nas representações, e também em todas as estratégias de regateio, de negociação, de blefe, destinadas a modificar a realidade modificando as represen-tações... O pertencimento a uma classe se constrói, se negocia, se regateia, se joga... o espaço social, no qual as distâncias se medem em quantidade de capital, define proximidades e afinidades, afastamentos e incompatibilidades, em suma, probabilidades de pertencer a grupos realmente unificados... A classe nunca está nas coisas; ela é também representação e vontade, mas só tem possibilidade de encarnar-se nas coisas se ela aproximar o que está objetivamente próximo e afas-tar o que está objetivamente afastado (p. 94).

No artigo “Identidade e representação: elementos para uma refle-xão crítica sobre a idéia de região”, trabalhando com as noções de identi-dade e representação, Bourdieu (1980) mostra que a pesquisa dos critérios objetivos de identidade ‘regional’ ou étnica não deve levar a esquecer que na prática social, esses critérios como a língua, o dialeto e o sotaque são os objetos de representações mentais, quer dizer de atos de percepção e de apreciação, de conhecimento e reconhecimento, onde os agentes inves-tem seus interesses e suas pressuposições.

Não se pode compreender esta forma particular de luta de classificação que é a luta pela definição de identidade regional ou étnica a não ser com a condição de ultrapassar a oposição que a ciência deve operar primeiro para romper com as prenoções da sociologia espontânea, entre a representação e a realidade, e a con-dição de incluir no real a representação do real, ou mais exatamente a luta das representações, no sentido de imagens mentais, mas também de manifestações sociais destinadas a manipular as imagens mentais (e mesmo no sentido de delega-ções encarregadas de organizar as representadelega-ções como manifestadelega-ções próprias para modificar as representações mentais) (BOURDIEU, 1980, p. 68).

No Centro de Estudos Rurais e urbanos – CERU, um estudo realizado por Brioschi e Trigo (1989) sobre prática e representação so-cial, enfocando família, representação e cotidiano, no campo das

(5)

rela-ções familiares e que foi publicado em 1989, mostra suas reflexões de manei-ra muito didática, salientando o valor heurístico da noção de representa-ção pensada a partir dos conceitos básicos da teoria de Bourdieu: habitus, campo (sistema de posições) e reprodução social. Foram utilizadas técnicas qualitativas de levantamento e análise de dados em Ciências Sociais.

Entendemos por representação a elaboração subjetiva, mental, que os indivíduos fazem das suas condições materiais de vida. Consideramos que as estruturas eco-nômicas e sociais possuem tanto uma realidade subjetiva incorporada pelos indi-víduos quanto uma realidade objetiva que transcende os agentes sociais que lhe dão visibilidade e concretude (BRIOSCHI e TRIGO, 1989, p. 14).

Tendo como objetivo conhecer as representações de família ela-boradas por mulheres pertencentes a diferentes classes sociais (mulhe-res e filhas de emp(mulhe-resários e trabalhado(mulhe-res) e duas gerações distintas (mães e filhas) no campo das relações familiares, as autoras concluí-ram que, apesar das diferenças de classes sociais e de geração, foi possí-vel visualizar:

(...) que algumas determinações do que é ser mulher são transmitidas precocemen-te e independem da posição de classe. Em outras palavras, desde a mais precocemen-tenra idade as crianças são imbuídas de códigos de comportamento socialmente deter-minados para seu sexo. São criadas para serem homens ou mulheres. É assim, que as meninas são levadas a incorporar o que socialmente se convencionou ser o comportamento feminino, a identificar-se como mulher, qualquer que seja sua classe social. Às especificidades de um habitus de classe vai somar-se essa idéia de gênero... (p. 50).

Porém, se há uma representação do casamento que é comum a todas as entrevista-das, uma retradução especifica é feita dentro de cada segmento social. Há uma atribuição de significados ao casamento, especificamente ligada a posição que ocu-pa a entrevistada na hierarquia social (p. 52).

Pode-se entender, portanto, que no campo das relações familiares,1

independente da posição de classe da família, a mulher se representa como

1 Sobre a familia como campo social ver Bourdieu , “Á propos de la famille comme categorie réalisée” (1993).

(6)

“mulher” e compartilha uma representação do feminino, predominante no contexto mais amplo da sociedade, no macrocosmo social, como diria Bourdieu. Essa representação as autoras atribuem ao aspecto sexista da educação formal e informal que predomina, ainda hoje, em nossa socie-dade, em que os agentes sociais são socializados como homens e mulheres a partir da mais tenra idade. Aqui, como blague, poderíamos dizer desde a vida intra-uterina, pois a partir da ultra-sonografia já se faz o “enxoval” rosa ou azul.

No artigo de Bourdieu (1981) “A representação política: elementos para uma teoria do campo político”, ele mostra como a noção de repre-sentação social esta imbricada na noção de campo.

Sob pena de naturalizar os mecanismos sociais que produzem e reproduzem a ruptura entre os “agentes politicamente ativos e os agentes politicamente passi-vos” e de constituir em leis eternas as regularidades históricas validas nos limites de um estado determinado da estrutura da distribuição do capital, e em particular do capital cultural, toda analise da luta política deve colocar no seu fundamento os determinantes econômicos e sociais da divisão do trabalho político (p. 20). A distribuição desigual dos instrumentos de produção de uma representação do mundo social explicitamente formulada é o que faz com que a vida política possa ser descrita na lógica da oferta e da demanda: o campo político é o lugar onde se engendram na concorrência entre os agentes que ali se engajam, os produtos po-líticos, problemas, programas, comentários, acontecimentos, entre os quais os ci-dadãos comuns, reduzidos ao status de “consumidores”, devem escolher, com as chances de um mal entendido que aumenta quanto mais eles estejam afastados do lugar de produção (p. 22).

Pode-se, portanto, entender que as representações dos agentes soci-ais exprimem uma visão de mundo que reflete sua posição num espaço social, entendido simultaneamente como campo de forças e de lutas. Es-sas lutas, visando a transformação desEs-sas relações de forças, revelam a configuração da estrutura social (do campo), num determinado momento da história do grupo social implicado na análise.

Concluindo, gostaria de voltar à proposição inicial, reafirmando que a noção de representação social como tantas outras que têm sido amplamente utilizadas nas pesquisas sócio antropológicas, adquire um caráter heurístico nas pesquisas em Ciências Sociais, na condição de estar

(7)

ancorada num quadro teórico que ultrapasse as noções de individuo e sociedade tomadas em si, para compreendê-las simultaneamente no con-texto da história materializada e objetivada nas instituições sociais e his-tória incorporada pelo agente social como sistema de disposições para perceber, pensar e agir em determinadas direções, tendo em vista sua posição no espaço social. As noções de prática e representação estão, portanto, implicadas no conjunto de experiências que produzem o habitus. Enquanto as práticas se revelam na objetivação das regularidades das ações, a representação como elaboração subjetiva mental pode ser mais bem apreendida e compreendida no âmbito da verbalização, da cultura e, sobretudo, no contexto das lutas de classificação, lutas pelo monopólio de poder, de fazer ver e de fazer crer, de fazer conhecer e reconhecer, enfim de impor a definição legitima das divisões do mundo social e conse-qüentemente de fazer e desfazer os grupos (BOURDIEU, 1980).

Referências bibliográficas

ANTUNIASSI, M.H.R. Família e trabalho em assentamentos rurais. In: Família em São

Pau-lo: vivências na diferença. São Paulo: CERU/Humanitas, 1997. p. 97-107. (Coleção Textos, série 2, n. 7).

BRIOSCHI, L.R.; TRIGO, M.H.B. Família: representação e cotidiano, reflexão sobre um

tra-balho de campo. São Paulo: CERU, 1989. (Coleção Textos, série 2, n. 1).

BOURDIEU, P. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.

______. (Coord.). La misère du monde. Paris: Seuil, 1993.

______. Da regra às estratégias. In: Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990.

______. L’identité et la représentation : eléments pour une réflexion critique sur l’idée de région. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, n. 35, p. 63-72, nov. 1980. _____. La representation politique: eléments pour une théorie du champ politique. Actes

de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, n. 36-37, p. 3-24, fév./mars, 1981.

CORCUF, P. Theorie de la pratique et sociologies de l’action: anciens problèmes et nouveaux horizons à partir de Bourdieu. Actuel Marx, Paris, n. 20, 1996.

GRISOTTI, M. Representações sociais em saúde: soma de propriedades individuais ou pro-priedades emergentes. Cadernos CERU, São Paulo, n. 15, p. 233-247, 2004.

JUNQUEIRA, L. A noção de representação social na Sociologia Contemporânea. Estudos de

Sociologia, São Paulo, 2005.

JODELET, D. La representacion, social, fenomenos, concepto y teoria em Moscovici.

Psico-logia Social II, p. 469-493, 1984.

Referências

Documentos relacionados

The present study evaluated the potential effects on nutrient intake, when non- complying food products were replaced by Choices-compliant ones, in typical Daily Menus, based on

Os interessados em adquirir quaisquer dos animais inscritos nos páreos de claiming deverão comparecer à sala da Diretoria Geral de Turfe, localizada no 4º andar da Arquibancada

Após a receção das propostas apresentadas pelos concorrentes acima indicados, o Júri decidiu não admitir a concurso as Propostas do concorrente “Oficina da Inovação, S.A” por

Contudo, pelas análises já realizadas, as deformações impostas às placas pelos gradientes térmicos devem ser consideradas no projeto deste tipo de pavimento sob pena de ocorrer

Este trabalho teve como objetivo determinar as propriedades físicas (ângulos e coeficientes de atrito estático e dinâmico com a parede, ângulo de repouso, ângulo de atrito

segunda guerra, que ficou marcada pela exigência de um posicionamento político e social diante de dois contextos: a permanência de regimes totalitários, no mundo, e o

Após a colheita, normalmente é necessário aguar- dar alguns dias, cerca de 10 a 15 dias dependendo da cultivar e das condições meteorológicas, para que a pele dos tubérculos continue

A forma encontrada para se salvar na sociedade não impede, paradoxalmente, que este corpo atue ao mesmo tempo como alter ego, sócio, rascunho, objeto que pode ser manipulado,