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ENCONTROS E DESENCONTROS: UMA ANÁLISE DAS PRINCIPAIS ESCOLAS DOS ESTUDOS DE SEGURANÇA

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Academic year: 2021

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ENCONTROS E DESENCONTROS: UMA ANÁLISE DAS PRINCIPAIS

“ESCOLAS” DOS ESTUDOS DE SEGURANÇA

Lucas Milhomens Lopes1

RESUMO

O trabalho visa revisitar três grandes 'escolas' dentro dos Estudos de Segurança nas Relações Internacionais (Critical Studies; Escola de Copenhague; International Political Sociology) a fim de encontrar seus pontos em comum, os quais fazem com que sejam agrupadas num mesmo subconjunto. Porém, para além disso e ainda mais salutar, busca-se uma elucidação e discussão das características que as separam, seus desencontros. O estudo se assenta num esforço de revisão dessas correntes. Almejando não se reduzir à exposição de cada uma das 'escolas', definições em contraste e potenciais tensões serão buscadas a fim de enriquecer o entendimento e o debate no subcampo da Segurança Internacional, a qual vem recebendo contribuições de diversas e distintas áreas do conhecimento. O trabalho também se mostra condizente a uma realidade onde a Segurança, principalmente em escala internacional, se coloca como um tema propulsor de fortes debates acadêmicos e também na esfera dos tomadores de decisão. Expandir a área, englobando variados tipos de elementos de influência, apresenta-se como um esforço válido e que impulsiona novas abordagens e um maior incentivo à pesquisa na área, a qual ainda carece de maiores contribuições provenientes de países considerados mais periféricos. Assim, o trabalho envolve uma revisitação a três grupos de contribuições bastante atuais e que conseguem expor uma faceta moderna e que busca maior expansão dos chamados Estudos de Segurança.

Palavras-chave: Segurança. Teoria. Relações Internacionais. Estudos de Segurança. ABSTRACT

The paper aims to revisit three major 'schools' within International Critical Studies (Critical Studies; Copenhagen; International Political Sociology) in order to find their commonalities, which cause them to be grouped into the same subset. But beyond that, and even more salutary, we seek an elucidation and discussion of the characteristics that separate them, their mismatches. The study is based on an effort to review these currents. Striving not to be reduced to the exposure of each of the 'schools', contrasting definitions and potential tensions will be sought in order to enrich the understanding and debate in the subfield of International Security, which has been receiving contributions from several different areas of knowledge. The work is also in keeping with a reality where Security, especially on an international scale, is a driving force behind strong academic debates and also in the sphere of decision makers. Expanding the area, encompassing varied types of elements of influence, presents itself as a valid effort and that fosters new approaches and a greater incentive to research in the area, which still lacks greater contributions from countries considered more peripheral. Thus, the work involves a

1 Mestrando em Relações Internacionais, PPGRI-UFBA e Bolsista da FAPESB (Fundação de Amparo à Pesquisa

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review of three groups of contributions that are quite current and that are able to expose a modern facet and that seek greater expansion of so-called Security Studies.

Key words: Security. Theory. International Relations. Security Studies. INTRODUÇÃO

O tema da Segurança constantemente figura como um propulsor de interesse, afinal se consolidou como um dos temas das Relações Internacionais de maior interesse e gerador de debates e que vem passando por modificações em seu escopo, englobando facetas (a serem expostas ao longo deste texto) antes não tão destacadas nas produções. A tentativa será a de repensar embates mais clássicos, como os apresentados nos estudos de guerra e paz a fim de realizar uma reconfiguração da ‘guerra/conflito’ na contemporaneidade e focar nos debates mais atuais entre as visões mais amplas e as mais restritas do próprio conceito de segurança. Nesse intuito, a dicotomia mais clássica entre os Estudos Estratégicos e os Estudos de Segurança (WAEVER, 2004) não será esmiuçada, o foco estará na apresentação de três grandes abordagens dentro do que se convencionou a chamar dos Estudos de Segurança (Critical

Security Studies, Escola de Copenhague e International Political Sociology). Tudo isso a fim

de apresentar a trilha mais atual das produções em Segurança Internacional.

O fim do século XX se apresentou como frutífero ao desenvolvimento de novos pensamentos acerca do conceito de segurança, visões mais conectadas ao civil (na tentativa de diminuir a centralidade estatal), “o ‘uso da força’ se tornando muito restrito para ser uma descrição do que o campo trata”2 (BUZAN e HANSEN, 2009, p.17). Partiu-se numa busca de

“ampliar a agenda de segurança, buscando dar status de segurança para temas e objetos-referência nos setores econômicos, ambientais e sociais, assim como possuem os político-militares, os quais definem os estudos de segurança tradicionais (conhecido, em alguns lugares, como estudos estratégicos)”3 (BUZAN, WAEVER e WILDE, 1998,

p.1).

2 Tradução do autor. Original: “(...) the ‘use of force’ answer became too narrow a description of what the field

was about (…)”.

3 Tradução do autor. Original: “(...) widen the security agenda by claiming security status for issues and referent

objects in the economic, environmental and societal sectors, as well as the military-political ones that define traditional security studies (known in some places as strategic studies)”.

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Dentro dessas buscas por tratar segurança de uma maneira mais ampla, dar-se-á destaque, no trabalho, às contribuições provenientes dos Critical Security Studies (CSS), da Escola de Copenhague e da Sociologia Política Internacional (International Political Sociology, IPS), pois são abordagens e ‘escolas’ que se apresentam com notável desenvolvimento e com elementos interessantes ao estudo e passíveis à discussão e aprofundamento a fim de gerar debates.

O problema a ser estudado envolve reunir estas teorias das Relações Internacionais que tratam da expansão dos temas de segurança (CSS, Copenhague e IPS) – saindo da base da discussão da própria ampliação do conceito de segurança, chegando a algumas das contribuições e inovações de cada ‘escola’. Além disso, há um objetivo de fomentar a discussão – já presente em outras disciplinas, como Sociologia, Geopolítica, etc. – de uma reconfiguração da segurança.

Deixa-se claro aqui que a presente pesquisa se configura como em construção, visando inicialmente apresentar uma proposta e um desenho inicial da investigação, primordialmente teórica. Sendo evidente que não haverá um esvaziamento do tema, o qual, pelo contrário, deve ser expandido e estudado a partir de diferentes prismas. A ideia aqui é a de mobilizarmos os Estudos de Segurança, a partir das três abordagens mencionadas, a fim de levantar o debate no Brasil.

Trabalhar com Segurança nas Relações Internacionais, focando em uma contribuição teórica, pode não parecer algo inovador, isso se deve à ideia que se tem do tema a partir de seus estudos mainstream, focando em guerra, conflitos e armas e aparatos de defesa. Entretanto o presente trabalho visa analisar ‘segurança’ como uma questão mais ampla e que merece ser discutida pela academia e pela população em geral, desatrelando-a de um exclusivismo estatal, da rígida dicotomia entre ameaças internas e externas, incorporando novos temas, e não só os militares e o uso da força e revendo a amarra entre segurança e ameaças, perigos e urgência (BUZAN e HANSEN, 2009).

Pensaremos a partir do desenvolvimento dos estudos em Segurança Internacional nos últimos 30-40 anos (época em que as contribuições a fim de expandir o alcance dessa área das Relações Internacionais ganharam mais força) e do nascimento de ‘escolas’ como os Critical

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Security Studies (CSS), a Escola de Copenhague e os International Political Sociology (IPS).

Essas três abordagens serão a base das reflexões no trabalho, havendo uma apresentação de ideias gerais e discussões.

O tema expõe elementos muito diversos e que carecem de mais estudos da academia que o vejam como uma verdadeira área para se fazer pesquisa e envolver teorias já consolidadas. A intenção é a de desenvolver um estudo que possa ser ampliado e que possa gerar interesse por parte dos pesquisadores de segurança nas Relações Internacionais.dos Estudos de Segurança no Brasil, apresentando o campo e tendo base nos debates propostos pelos Estudos de Segurança na forma das três ‘escolas’ em destaque, para estimular mais a ampliação da ‘segurança’ no debate acadêmico brasileiro.

Muito ainda há por ser esquematizado e desenhado a fim de dar corpo ao prosseguimento da pesquisa, mas deixa-se aqui a proposta de um trabalho que vise pensar a segurança como algo que englobe mais do que o elemento da ação policial e militar, que insira elementos que pareciam não estar no rol de atenção dos internacionalistas que fazem Estudos de Segurança no Brasil, mais focado na análise de operações e ações particulares. Assim, tende-se com este trabalho incitar um pensamento mais na construção até dos sentidos da própria segurança/insegurança dos atores (sejam eles os indivíduos ou o próprio estado), a qual está bastante relacionada com a realidade. Espera-se que, com as discussões apresentadas ao longo do trabalho, elementos sejam condensados a fim de entender um pouco da evolução desses Estudos de Segurança, fazendo com que o tema tenha sua discussão ampliada e fomentada para produzir um campo de segurança mais multifacetado e que possa contribuir com o desenvolvimento da área dos Estudos de Segurança.

1 DESENVOLVIMENTO

Os Estudos de Segurança Internacional são relativamente recentes, tendo se configurado como uma área das Relações Internacionais (RI) apenas no pós-II Guerra. Antes, o que existiam eram os estudos de guerras, os quais buscavam entender apenas as causas e como se davam os

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conflitos. Com a Guerra Fria, um novo tipo de contenda, já que não houve o combate direto entre potências; surgiram novas interpretações acerca da segurança e defesa.

Como outros conceitos importantes das RI, o de segurança não será tratado de maneira uníssona. Os realistas4 veem a segurança como um subproduto do poder, o Estado desenvolve suas capacidades de defesa a fim de garantir a sua segurança; assim, os Estados visam a maximização de seu próprio poder e a minimização das capacidades e poder dos outros atores (WALTZ, 2002; ROCHA, 2011). Já os idealistas5 pensam na segurança como um derivado da paz, a inexistência de conflitos entre as nações seria a responsável por prover a segurança de cada Estado (RUDZIT, 2005, p.299). Essas duas perspectivas bastantes opostas foram responsáveis por inspirar o surgimento de outras com posições mais intermediárias. Numa concepção já mais liberal há uma crença de que o crescimento das interdependências entre as nações nos mais variados setores e a maior aproximação cultural entre os povos irão relevar os conflitos políticos a tal medida que a existência de um mundo sem fronteiras se fará mais palpável e possível (KEOHANE e NYE, 2012; ROCHA, 2011).

Com o debate entre a segurança mais estrita (Estudos Estratégicos) e a segurança em sentido mais largo (Estudos de Segurança), houve uma multissetorização da segurança, que passou a ser vista de maneira ampla e englobando diferentes tipos de temáticas, e não só o militar (BUZAN, WAEVER e WILDE, 1998). Esses Estudos de Segurança passaram a se afastar dos mais tradicionalistas e mais focados em aspectos militares, estatais e no uso da força; porém, também se caracterizam por não pensar exclusivamente na segurança individual, como fazem os idealistas. Assim, conseguem reunir pontos importantes de teorias e abordagens mais tradicionais das Relações Internacionais a fim de alcançarem novas interpretações.

Dentro dos Estudos de Segurança, serão destacadas as contribuições e pensamentos de três ‘escolas’, são elas: os Critical Security Studies (CSS), a Escola de Copenhague e os

International Political Sociology (IPS). Os CSS se sustentarão numa ênfase maior nos

indivíduos, a segurança em um nível mais pessoal, assim o conceito de emancipação merecerá destaque e se apresenta como ponto de extrema importância nessa abordagem. O Estado também é criticado em certa medida, pois é pensado como ator propulsor de insegurança, e não,

4 Para maior entendimento dessa visão, ver trabalhos de Edward Carr, Hans Morgenthau, e Kenneth Waltz. 5 Para ampliar o estudo sobre esta visão, ver Immanuel Kant e Martin Wight.

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como nas perspectivas mais tradicionais, o garantidor da segurança e da ordem por meio do uso da força legal. Esses debates centrados mais nos indivíduos serão fundamentais para ampliar o conceito e o alcance da Segurança Internacional, pois adquire um novo conjunto de matérias e preocupações.

Já em Copenhague a segurança é definida como o que “leva a política para além das regras do jogo estabelecidas, enquadrando a questão como um tipo especial de política ou, até mesmo, como algo que estaria acima dela”6 (BUZAN, WAEVER e WILDE, 1998, p.23). Essa definição se apresenta como pertinente ao estudo por realizar uma expansão do entendimento e das questões que serão enquadradas como matérias de segurança, entretanto, ao pensar securitização nessa Escola, temos a seguinte definição:

“(...)uma versão mais extrema da politização. Na teoria, qualquer questão pública pode ser localizada no espectro que vai do não-politizado (significando que o Estado não lida com isso e que esta matéria não se torna de interesse do debate público e da decisão), passando pelo politizado (significando que a questão é parte das políticas públicas, requerendo decisão governamental e alocação de recursos ou, mais raramente, alguma outra forma de governança comum), chegando ao securitizado (significando que a questão é apresentada como uma ameaça existente, requerendo medidas emergenciais e justificando ações fora dos limites normais dos procedimentos políticos”7. (BUZAN, WAEVER e DE WILDE, 1998, pp.

23-24).

Isso nos remete a possíveis críticas ao expor uma faceta da segurança que se posicionaria como fora da política, sendo interessante nos questionarmos inclusive se securitizar algo não seria uma ação essencialmente política. Faz-se pertinente apontar para outra contribuição da Escola de Copenhague, o speech act, o qual reitera a importância da linguagem e da maneira como os sentidos são construídos a partir das inter-relações existentes nas sociedades.

6 Tradução do autor. Original: “(...) takes politics beyond the established rules of the game and frames the issue

either as a special kind of politics or as above politics.”

7 Tradução do autor. Original: “(...) a more extreme version of politicization. In theory, any public issue can be

located on the spectrum ranging from nonpoliticized (meaning the state does not deal with it and it is not in any other way made an issue of public debate and decision) through politicized (meaning the issue is part of public policy, requiring government decision and resource allocations or, more rarely, some other form of communal governance) to securitized (meaning the issue is presented as an existential threat, requiring emergency measures and justifying actions outside the normal bounds of political procedure)”.

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Os estudos em torno da IPS são essenciais ao diminuir as oposições entre ameaças internas e externas, pois reinterpretam a própria ideia de ameaças, incorporando a elas temas como imigração, terrorismo e crimes transnacionais. Essa abordagem contribui de maneira seminal para uma interpretação brasileira justamente por englobar essas novas ameaças, as quais se fazem presentes no Brasil e por essa maior interpenetração entre os níveis interno e externo.

Ainda na perspectiva de expansão dos Estudos de Segurança, novos conceitos e concepções que se fazem presentes já em outras disciplinas – Sociologia, Ciência Política, etc. – devem ser apontados como condizentes a essa subárea e que podem ser incorporadas a reflexões futuras. Em seu Cities Under Siege: The New Military Urbanism, Graham expõe a busca contemporânea pela vigilância praticada pelos Estados, a preocupação cada vez mais latente não com um Exército inimigo, mas com forças de alcance transnacional, sem uma nação em específico como culpada. Essa ideia de um urbanismo militar, em que as cidades estão sob constantes ameaças é corroborada pelo “uso generalizado da guerra como a metáfora dominante para descrever a condição perpétua e sem limites das sociedades urbanas”8 (GRAHAM, 2011, XIII). Essa será uma noção e interpretação da atualidade na área de segurança que será aprofundada a partir da leitura dessa obra completa e de autores que se aproximam dessa noção de uma vida urbana na qual a militarização se apresenta como um elemento de constituição, “a guerra no coração da vida ordinária e cotidiana na cidade”9 (GRAHAM, 2011, XIV).

“O fim da guerra não significa com efeito o fim das violências, mas sua redistribuição em configurações inéditas” (GROS, 2009, p.5). Essa frase vem de uma obra bastante condizente com o tipo de contribuição aqui proposta, pois trata do conceito e existência dos ‘Estados de Violência’, o qual expõe a necessidade de se pensar na violência como algo que transcendeu as guerras e se faz presente no cotidiano, esse tipo de visão se une perfeitamente ao já exposto militarismo urbano, dando suporte a essa percepção de uma segurança multifacetada e ambientada nos mais diversos campos da vida social. Gros apresenta que “os estados de violência fazem aparecer uma multiplicidade de figuras novas: o terrorista, o chefe de facções,

8 Tradução do autor. Original: “(...) the widespread use of war as the dominant metaphor in describing

the perpetual and boundless condition of urban societies (…)”.

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o mercenário, o soldado profissional, o engenheiro de informática, o responsável da segurança etc.” (GROS, 2009, p.228), reiterando essa amplitude que as questões de segurança podem possuir. A violência deixa a exclusividade dos campos de batalha e trincheiras, “o novo teatro é a cidade (...) a cidade viva de transeuntes” (GROS, 2009, p.229). Mais um autor que salienta esse tipo de visão é o Giorgio Agamben, ao falar do Estado de segurança, que “tem interesse em que os cidadãos – de quem deve garantir a proteção – permaneçam na dúvida acerca do que os ameaça, porque a incerteza e o terror vão par a par”10 (AGAMBEN, 2016); a isso, ele inclui a noção de despolitização dos cidadãos e a manutenção do medo na sociedade.

1.1. Os Estudos de Segurança

Waever (2004, p.3) aponta dentro das Relações Internacionais, na subárea da Segurança, “um grau não usual de divergência entre os desenvolvimentos teóricos europeus e americanos”11. Na Europa, talvez pela própria heterogeneidade intrínseca aos contatos entre suas nações, houve uma maior efervescência e um espaço mais amplo ao surgimento de abordagens mais múltiplas e que se afastasse do tradicionalismo. Já nos Estados Unidos, os tradicionalistas acabaram por manter-se com bastante força e, apesar de haver análises mais amplas e multidisciplinares, o debate se mantém numa esfera intra-realista, destacando-se as vertentes ofensiva e defensiva do realismo.

Waever (2004, p.5) elenca as tradições intelectuais, a organização do campo e os usos práticos como três fatores possíveis para essa diferenciação no desenvolvimento dos estudos na subárea de segurança. Seria interessante, ao menos, somar a eles a própria história dessas regiões, a percepção acerca de conflitos, guerras e contendas no geral se diferencia pelos eventos vividos em cada área dessa do globo. O protagonismo dos Estados Unidos na atualidade não é algo que data de tão longo tempo ao compararmos com a variada gama de contatos e interações que os europeus vêm desenvolvendo há séculos. Vale ressaltar, mais uma vez, que a

10 Publicação eletrônica. Disponível em:

https://agambenbrasil.wordpress.com/2016/09/20/do-estado-de-direito-ao-estado-de-seguranca-por-giorgio-agamben/ Acesso em: 05 de fevereiro de 2018.

11 Tradução do autor. Original: “(..) an unusual degree of divergence between European and American theoretical

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busca aqui não será por uma narração da evolução dessas regiões e como isso auxiliou a diferenciá-las em termos de pensamentos e produções nos dias atuais. Essa constatação se mostra relevante como maneira de reiteração da persecução de caminhos distintos, não apenas por fatores mais atuais e diretamente conectados à academia, mas sim como produto, inclusive, da história e da evolução dessas regiões.

Essa dicotomia apresentada até aqui também pode ser conectada ao debate entre os

widener-deepeners (BUZAN e HANSEN, 2009; BUZAN, WAEVER e DE WILDE, 1998), os

quais foram responsáveis por ampliar o alcance das temáticas envolvidas no estudo da segurança internacional. Esses Estudos foram para além do Estado ao pensar em atores e objetos de referência no estudo, englobaram novos setores, escapando do protagonismo do militar, passaram a dar valor e importância em mesmo nível a ameaças internas e externas e se basearam em um arcabouço teórico que se opunha ao realismo dominante, dando margem à evolução e ao desenvolvimentos de novas ‘escolas’ e novas formulações de ‘velhos’ conceitos, os quais pareciam não tão abertos a debates.

Nessa profusão de reformulações e de desenvolvimentos dos Estudos de Segurança na Europa continental, três ‘escolas’ chamam a atenção e serão, mais adiante, apresentadas em maiores detalhes. São elas: Critical Security Studies (CSS) ou Escola de Aberystwyth (ainda, Escola Galesa); Escola de Copenhague (Securitização) e International Political Sociology

(IPS).

1.1.1 Critical Security Studies (CSS)

Os CSS se caracterizam por uma maior preocupação com as pessoas, o nível individual dos atores mesmo, reduzindo assim a preponderância estatal. Ken Booth é considerado um dos grandes, e até o maior, expoentes dessa escola de pensamento. Booth (1991, p.319-320) chega a expor essa maior importância para os indivíduos humanos como referentes últimos para a

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segurança por considerar os Estados como fornecedores de segurança não dignos de confiança e por serem atores bastante diversos e divididos, incapazes de tornar possível uma teoria compreensiva de segurança. Há, nos CSS, uma descrença nos Estados como fomentadores de segurança, pois pensa-se mais neles como geradores de tensões e de inseguranças (WYN JONES, 1995).

Um conceito que será constantemente presente nas produções desse tipo de abordagem será o de emancipação, definida por Booth (1991, p.319) como “o que liberta as pessoas (sejam como indivíduos ou grupos) das amarras físicas e humanas que os impedem de fazer algo que livremente escolheriam fazer”12; sendo assim, a emancipação aparece como um objetivo essencial à segurança individual, o foco nesse tipo de abordagem da segurança internacional. Ao pensar nos indivíduos, a visão mais global aparece quando pensamos na segurança coletiva, nos grupos e indivíduos já emancipados, formando organismos capazes de fazer frente ou até substituir o Estado em determinadas questões. Booth (2007) salienta a ideia de que os Estudos de Segurança devem fomentar a participação dos indivíduos, não serem apenas atores passivos no processo, mas sim transformadores e ativos nos eventos de segurança. Waever (2004, p. 7) aponta os CSS como “a (corrente) que mais facilmente trabalha em um contexto não-Ocidental”13 ao comparar com as outras escolas em estudo neste trabalho.

1.1.2. A Escola de Copenhague

Essa abordagem tem suas raízes nos pensamentos de Barry Buzan e de Ole Waever, os quais forneceram bastante material em relação à segurança regional, segurança no continente europeu e em uma dimensão mais global. Os conceitos de segurança social e de securitização aparecem como as maiores contribuições de Copenhague (BUZAN e HANSEN, 2009, p. 212). O desenvolvimento dessa escola está bastante conectado à própria história do continente europeu, marcado, com o fim do século XX e início do XXI, por lutas nacionalistas e conflitos

12 Tradução do autor. Original: “(...) the freeing of people (as individuals and groups) from those physical and

human constraints which stop them carrying out what they would freely choose to do.”

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internos a essa região. Waever (1993, p.23) define segurança social como “a habilidade de uma sociedade em persistir em seu caráter essencial sob condições de mudança e ameaças possíveis ou reais”14; a sociedade, assim, passa a ganhar o protagonismo na segurança, antes tão fortemente atrelada e quase exclusiva à esfera estatal.

Essa Escola se fortaleceu e consolidou em meio aos debates dos anos 70/80 acerca de um conceito mais amplo ou estrito de segurança, debate esse que nos retoma à divisão Estados Unidos versus Europa nas contribuições teóricas à segurança internacional. Pode-se apontar, em certa medida, que Copenhague estaria em um ponto entre esses polos – entre os mais tradicionais e os mais transformadores.

A partir das contribuições da Escola de Copenhague, com seus expoentes Barry Buzan e Ole Waever, houve uma multissetorização da segurança, que passou a ser vista de maneira ampla e englobando diferentes tipos de temáticas, e não só o militar (abarcando também o político, o econômico, o ambiental e a segurança social). Essa corrente também se caracteriza por não dar tanta importância à segurança individual, como fazem os CSS. Assim, Copenhague consegue reunir pontos que a coloca em sintonia com diferentes escolas mais tradicionais das Relações Internacionais; houve uma tendência a ser uma escola mais central e não realizar uma crítica total e romper com visões já mais consolidadas, o que foram geradas foram reformulações e ampliações de conceitos.

Com isso, a segurança é definida como o que “leva a política para além das regras do jogo estabelecidas, enquadrando a questão como um tipo especial de política ou, até mesmo, como algo que estaria acima dela”15 (BUZAN, WAEVER e DE WILDE, 1998, p.23). Essa definição se apresenta como pertinente ao estudo por realizar uma expansão do entendimento e das questões que serão enquadradas como matérias de segurança. Entretanto, ao pensar securitização nessa Escola, temos a seguinte definição:

“(...)uma versão mais extrema da politização. Na teoria, qualquer questão pública pode ser localizada no espectro que vai do não-politizado (significando que o Estado não lida com isso e que esta

14 Tradução do autor. Original: “(...) the ability of a society to persist in its essential character under changing

conditions and possible or actual threats”.

15 Tradução do autor. Original: “(...) takes politics beyond the established rules of the game and frames the issue

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matéria não se torna de interesse do debate público e da decisão), passando pelo politizado (significando que a questão é parte das políticas públicas, requerendo decisão governamental e alocação de recursos ou, mais raramente, alguma outra forma de governança comum), chegando ao securitizado (significando que a questão é apresentada como uma ameaça existente, requerendo medidas emergenciais e justificando ações fora dos limites normais dos procedimentos políticos”16. (BUZAN, WAEVER e WILDE, 1998, pp.

23-24).

Isso nos remete a possíveis críticas ao expor uma faceta da segurança que se posicionaria como fora da política, sendo interessante nos questionarmos inclusive se securitizar algo não seria uma ação essencialmente política? (Uma literatura desafiadora de Copenhague e que vise atualizar a discussão de uma segurança que englobe variados aspectos está sendo visitada a fim de ampliar os elementos em evidência ao se tratar dessa área das Relações Internacionais).

Faz-se pertinente apontar para outra contribuição da Escola de Copenhague, o speech

act, o qual reitera a importância da linguagem e da maneira como os sentidos são construídos a

partir das inter-relações existentes nas sociedades. A própria securitização de algo é apontado como proveniente de um ato de fala (speech act), o qual resulta do “entendimento do processo de construção de uma compreensão compartilhada sobre o que deve ser considerado e respondido coletivamente como uma ameaça”17 (WAEVER, 2004, p.9).

1.1.3. International Political Sociology (IPS)

Essa abordagem também figura como Escola de Paris e possui Didier Bigo como expoente, além de uma profunda inspiração em Bourdieu e Foucault. Essa escola foi

16 Tradução do autor. Original: “(...) a more extreme version of politicization. In theory, any public issue can be

located on the spectrum ranging from nonpoliticized (meaning the state does not deal with it and it is not in any other way made an issue of public debate and decision) through politicized (meaning the issue is part of public policy, requiring government decision and resource allocations or, more rarely, some other form of communal governance) to securitized (meaning the issue is presented as an existential threat, requiring emergency measures and justifying actions outside the normal bounds of political procedure)”.

17 Tradução do autor. Original: “(...) understand the processes of constructing a shared understanding of what is to

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responsável por incorporar e debater na academia temas como imigração, terrorismo e crimes transnacionais, os quais passaram a ser vistos como ameaças, evidenciando assim como a segurança internacional deve ampliar e aprofundar seu escopo, deve-se ‘desterritorializar’, sair das esferas nacionais e pensar o mundo como um complexo de relações e de níveis múltiplos de insegurança.

Há, na IPS, uma aproximação maior entre os ambientes internos e externos, respaldando a concepção que salienta a dificuldade, no mundo atual, de realizar uma distinção clara e automática entre o que seria exclusivamente do nível interno/ nacional e o que seria externo/internacional, uma vez que os contatos e influências de um sobre o outro são constantes e de difícil mensuração. Em oposição à Copenhague, a práxis é evidenciada como elemento mais preponderante do que o discurso.

2 CONSIDERAÇÕES FINAIS: DESAFIO EM CONSTRUÇÃO

Três escolas foram escolhidas para serem explanadas nesse artigo, todas tendo em comum o desafio de reformular e ampliar, cada uma com suas particularidades, o debate dentro da Segurança Internacional, e dentro das Relações Internacionais de maneira mais geral. Trabalhar com segurança deve dar margem à incorporação de constantes desenvolvimentos e novas facetas. Encontros e desencontros entre abordagens, estudiosos e reflexões são essenciais à produção nessa subárea a fim de incrementá-la e atualizá-la.

O presente artigo teve, como intuito, uma apresentação e explanação breve dos Estudos de Segurança. A tendência é a evolução e exploração da temática a fim de produzir maiores reflexões e contribuições à discussão teórica na área. Também se vislumbra uma incorporação de conceitos de outras áreas e uma inclusão do Brasil nas discussões em torno da Segurança Internacional.

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Referências

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