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CONTANDO SHAKESPEARE DO XVI PARA O XXI

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Academic year: 2021

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CONTANDO SHAKESPEARE – DO XVI PARA O XXI

Érica Carneiro da Rocha Lopes – UFBA1 Contato: ericacrlopes@gmail.com Marcos Leonardo Teles de Macêdo - UFBA2

Contato: teles.leonardo.12@gmail.com

RESUMO:

O processo de adaptação de três peças de Shakespeare – o popular do século XVI – para o popular no contexto atual, considerando, em especial, a tradição oral e a cultura nordestina, é o foco de estudo deste artigo, o qual analisa o trabalho desenvolvido pelo Grupo Boralí de Teatro com os textos de Hamlet, Noite de Reis e Muito Barulho por Nada, que resultaram num espetáculo infanto-juvenil com primeira temporada realizada em fevereiro de 2016 em Salvador/BA.

PALAVRAS-CHAVE: Shakespeare – teatro popular – adaptação.

ABSTRACT:

The adaptation process of three Shakespeare plays to the popular in the current context, considering, in particular, the oral tradition and the northeastern culture, is the focus of this article , which analyzes a job developed by Boralí Theater Group.

KEY-WORDS: Shakespeare - popular theater - adaptation.

1. INTRODUÇÃO

O desejo de fazer e pesquisar teatro popular move o Grupo Boralí de Teatro, que foi formado em abril de 2015 por quatro artistas - professores - pesquisadores, egressos e alunos do curso de licenciatura em teatro da Universidade Federal da Bahia. Nessa perspectiva, para a primeira montagem do grupo, manifestou-se a vontade de trabalhar com a tradição oral, a contação de histórias para o público infanto-juvenil. Mas, contar o que?

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Licenciada em Teatro pela Universidade Federal da Bahia, Pós-graduanda em Psicologia Social pelo CIEG/Fundação Bahiana para o Desenvolvimento das Ciências e Aluna Especial do Mestrado em Artes Cênicas – PPGAC/UFBA. Integra o Grupo Boralí de Teatro.

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Pensando em tradição e em teatro popular, surge a figura de Shakespeare. O bardo inglês – hoje aclamado nome da literatura e do teatro, mundialmente famoso – cuja fruição se tornou, no correr da história, privilégio das elites, foi o grande popular da sua época. Decidimos, então, adaptar Shakespeare para a contação de histórias, trazer o popular inglês do século dezesseis para a linguagem e estética popular do nordeste no século vinte e um. E assim se inicia o processo criativo sobre o qual discorreremos nesse artigo.

2. O PROCESSO

Para a compreensão do trabalho proposto pelo Grupo Boralí de Teatro, é importante conhecer o que o grupo entende por teatro popular. Augusto Boal (1975) categoriza o teatro de acordo com a perspectiva do seu discurso. Para ele, o teatro popular, fala da perspectiva do povo, independente de para quem e como isso é dito, Já o teatro que fala da perspectiva das classes dominantes, visa à manutenção de uma situação vigente de opressão e é o categorizado como teatro anti-povo, ainda que o povo seja seu receptor.

Segundo o autor, o que caracteriza o teatro como popular, ou não, é o posicionamento político-ideológico do seu discurso. Para ele, o mundo pode ser encarado nos espetáculos de duas formas, sendo uma que fortalece o status-quo e outra que apresenta a possibilidade da mudança. Essa última é a visão do teatro popular, o teatro que se coloca ao lado do povo na perspectiva de rompimento com situações opressoras naturalizadas.

[...] o mundo pode ser visto e apresentado de duas maneiras: uma procura consolidar as relações sociais existentes [...] a outra maneira de ver a realidade é mostrá-la em permanente transformação, mostrar suas contradições e o movimento dessas contradições em direção à libertação dos homens. (BOAL, 1975, p.25)

É com esse direcionamento que o Grupo Boralí de Teatro pensa suas atividades. E, seguindo essa diretriz, optamos por Shakespeare e pela contação de histórias para o desenvolvimento do primeiro projeto de montagem do grupo, intitulado “Boralí contar histórias: uns casos do bardo”.

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Shakespeare foi um dramaturgo considerado essencialmente popular no século XVI. Toda sua produção dramática visava a discussão acerca das relações de poder na sociedade, o lugar da política e os valores nas relações interpessoais. Suas perspectivas sobre o comportamento humano foram tão amplas que suas obras apresentam uma legitimidade e frescor até os dias de hoje. Diante destas premissas, vimos em sua dramaturgia uma oportunidade de pôr em prática nosso desejo de discutir, junto ao público jovem, questões referentes ao lugar do sujeito na sociedade, suas escolhas e responsabilidades, além de resgatar elementos da nossa cultura popular.

A decisão por montar um espetáculo de contação de histórias, buscou valorizar a tradição oral, através da qual histórias reais e fictícias, mitos, lendas, fé, luta e resistência são passados adiante.

A tradicional arte de contar histórias apresenta inúmeras nascentes, desde a cultura oriental à cultura africana. Bernat (2008, p.1) salienta a relevância do contador de histórias na cultura africana: “O griot é o mestre da palavra, é ele que não permite que a cadeia de transmissão dos conhecimentos fundamentais de uma vida se apague.”.

Esta se tornou a nossa principal referência, no que se refere ao aspecto técnico/metodológico, para a preparação do espetáculo. Todos os atores passaram por um período de formação com o artista/pesquisador Toni Edson – Mestre em teatro pela Universidade Federal da Bahia e professor da Universidade Federal de Alagoas – que atualmente desenvolve sua pesquisa de doutorado sobre a arte tradicional africana de contar histórias.

O embasamento central para a vivência foi a experiência e pesquisa do Prof. Toni Edson acerca dos djelis ou griots, contadores histórias na África Ocidental. Durante a formação, conhecemos um pouco mais sobre a tradição oral na região e tomamos contato, através de textos e audiovisual, com Sotigui Kouyaté, griot que se tornou muito conhecido principalmente por sua atuação com Peter Brook no teatro .

Neste período, tomamos contato com aspectos teóricos e práticos do tema abordado, experimentamos procedimentos de construção de narrativas a partir de jogos e exercícios onde a escuta corporal se desdobrava em diversos sentidos, como físico, visual, interno e

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externo, aproveitando as características pessoais de cada um e construindo aos poucos a figura do ator/contador em cada participante.

Outro aspecto importante neste processo foi a busca por uma contação onde a história afetasse intimamente o contador, em outras palavras, “contar aquilo que te toca”. Esta idéia nos provocou de modo a percebermos a contação de histórias como um acontecimento de troca íntima entre o contador e o ouvinte.

Neste sentido, as possibilidades criativas de como dialogar e afetar o espectador multiplicaram-se, despertando em nós o desejo de utilizar outros recursos narrativos na montagem, como, por exemplo, a exploração da musicalidade na cena.

A musicalidade esteve presente neste processo em quase todos os dias de encontro. O ritmo corpóreo/vocal foi explorado através de exercícios na tentativa de descobrir novas dinâmicas e produções de significâncias para a arte de contar histórias. Neste sentido, deve-se também a este processo a forte influência musical no trabalho final, desde as canções, no sentido literal, até a musicalidade do corpo.

Para a aproximação da proposta com a cultura popular nordestina atual, o caminho escolhido foi o folclore. Passamos, então, a pesquisar elementos do universo folclórico nordestino a fim de encontrar possíveis entrelaçamentos a serem experimentados, desenvolvidos e selecionados na construção do espetáculo. Desta maneira, chegamos aos elementos efetivamente utilizados na composição cênica.

Esses entrelaçamentos ficaram evidenciados na ambientação da peça (que acontece em regiões do sertão nordestino), no cenário e figurino (através do couro, da chita e do retalho, além de adereços), e na musicalidade. Esta última, um traço bastante marcante da montagem, pois está presente em todo o espetáculo, sempre carregando informações relevantes para a compreensão da história ou propostas de reflexão acerca dos temas propostos. Foram colocados em evidência ritmos característicos, como o samba de roda, o forró, e paródias de canções populares, como Escravos de Jó.

Importante salientar também a preocupação com a linguagem na adaptação dos textos para o formato proposto. Alguns critérios foram considerados nessa adaptação: a apropriação da história pelos contadores, a síntese do enredo de forma a facilitar a compreensão do conto

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narrado, a apropriação de termos regionais e aproximação da forma de falar local e coloquial, e a utilização de um linguajar simples e claro para o público infanto-juvenil. A intenção, além de estabelecer o elo com a cultura local, era garantir a acessibilidade do produto a ser apresentado para todos os públicos, sem limitar essa fruição a uma platéia com formação acadêmica favorecida.

Como resultado de todo este processo criativo, surgiu o espetáculo “Boralí contar histórias: uns casos do bardo”, no qual os quatro integrantes do Grupo Boralí de Teatro revezam-se em cena recontando três peças shakespearianas: as comédias Noite de Reis e Muito Barulho por Nada e a mais famosa tragédia, “Hamlet”. São aproximadamente 45 minutos completamente bordado por uma forte musicalidade e identidade regional.

3. CONSIDERAÇÕES

As três histórias são encenadas com o propósito de aproximar o espectador infanto-juvenil ao ponto de vista de Shakespeare sobre o comportamento humano, brincando com elementos do nosso folclore de modo a projetar um universo imaginário, reflexivo e poético.

O espectador torna-se testemunha de histórias cômicas e trágica nas quais os encontros, desencontros e conflitos revelam as fraquezas, vícios e virtudes facilmente detectadas na sociedade contemporânea. Neste aspecto, percebemos as inúmeras possibilidades e desdobramentos que esta dramaturgia oferece a fim de provocar a reflexão crítica social no encontro entre a cena e o espectador, independente da sua idade, referência cultural ou social, fazendo valer o título “universal” que a obra de Shakespeare possui.

4. REFERÊNCIAS

BERNAT, Issac Garson. O olhar do griot sobre o ofício do ator: reflexões a partir dos

encontros com Sotigui Kouyaté. Tese de Doutorado em Teatro. Rio de janeiro: UNIRIO, 2008. Disponível em: http://www.portalabrace.org/vcongresso/textos/estudosperformance/IS

AAC%20GARSON%20BERNAT%20-%20O%20olhar%20do%20griot%20sobre%20o%20oficio%20 do%20ator%20reflexoes%20a%20partir%20dos%20encontros%20com%20Sotigui%20Kouyate.pdf. Acesso em 13 mai. 2016.

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BOAL, Augusto. Técnicas Latino-Americanas de teatro popular: uma revolução copernicana ao contrário. São Paulo: Hucitec, 1975.

SOUZA, Eliene Benício de. Teatro de rua: uma forma de teatro popular no Nordeste. Dissertação de mestrado. Departamento de Artes Cênicas / ECA. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1993.

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ANEXO – IMAGENS DO ESPETÁCULO

Foto: Gabriela Lopes

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Referências

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