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O EXERCÍCIO ATUAL DA MEDICINA E A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE

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O EXERCÍCIO ATUAL DA MEDICINA E A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE

Luiz Antonio Nogueira-Martins*

Maria Cezira Fantini Nogueira-Martins**

* Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina

** Núcleo de Investigação de Educação em Saúde do Instituto de Saúde (Secretaria de Estado da Saúde/ São Paulo)

Endereço para correspondência: Luiz Antonio Nogueira-Martins, Departamento de Psiquiatria, UNIFESP- EPM. Rua Botucatu, 740 - 3º andar, São Paulo - CEP

04023-900. Fone: (011) 570-2828. Fax: (011)575-8929. E.mail:

nogmartins@psiquiatria.epm.br

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento de novos recursos diagnósticos e terapêuticos, a influência da indústria farmacêutica e de equipamentos e a crescente presença das empresas compradoras de serviços médicos são fatores que têm produzido profundas transformações na profissão médica, modificando o cenário do exercício profissional. As repercussões dessas mudanças ocorrem em vários campos, como por exemplo, na perda da autonomia, na remuneração, no estilo de vida, na saúde, no comportamento ético do médico e nas relações entre médicos e pacientes.

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e interprofissional sobre a profissão médica, cujo tema-título foi “The physician role in transition: is Hippocrates sick?”1. As apresentações plenárias abordaram temas de interesse geral para a profissão médica, como por exemplo, o estresse profissional, a ética e as parcerias com laboratórios farmacêuticos, a saúde e o bem-estar do médico, o exercício profissional nos diferentes sistemas de saúde. Participaram conferencistas oriundos de diferentes campos do conhecimento: médicos de várias especialidades (clínica médica, epidemiologia, saúde pública, administração hospitalar), antropólogos, psicólogos, sociólogos, cientistas políticos e economistas em saúde. Nas sessões paralelas do Congresso os temas dos trabalhos foram: formas de lidar com o estresse profissional, satisfação no trabalho, políticas de saúde, ética, educação médica, morbidade e mortalidade dos médicos, medidas de intervenção e apoio para os profissionais, questões de gênero e seus reflexos na profissão, relação médico-paciente.(1)

Em 1992, a Associação Médica da Noruega elaborou um projeto de pesquisa visando fazer um levantamento sobre a saúde, as condições de trabalho e o padrão de vida de todos os médicos noruegueses. Em 1995, o projeto se transformou em um instituto de pesquisa permanente e independente (The Research Institute) que publicou um livro sobre os médicos na Noruega e tem desenvolvido as seguintes linhas de pesquisa: seleção de estudantes de medicina, transição da escola médica para o exercício profissional, ética na formação do estudante de medicina, saúde do médico, condições de trabalho, prevenção e tratamento do stress, burnout, impairment, estudos comparativos em relação a outras profissões e outras culturas.(2)

Na busca de uma síntese sobre o Congresso, vale ressaltar as palavras do Dr. Olaf Aasland, diretor do Instituto de Pesquisa da Associação Médica da Noruega e organizador do evento:

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Segundo a doutrina hipocrática, a Medicina tem por objeto o homem doente em sua totalidade; o temperamento do doente e sua história de vida devem ser valorizados na compreensão do adoecer; a doença é concebida como uma reação global do indivíduo, envolvendo tanto o seu corpo como seu espírito; a intervenção terapêutica deve restabelecer a harmonia perdida do homem com seu meio e com ele mesmo. Hipócrates, ao estabelecer os fundamentos da técnica e da arte médica, deu enfoque especial a uma questão essencial em Medicina, qual seja, a relação médico-paciente, que deveria ser pautada pelo princípio Primum non nocere (antes de tudo, não prejudicar).

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“Felizmente, a profissão médica é uma das mais extensamente estudadas. Sociólogos, psicólogos, antropólogos, administradores, cientistas políticos e economistas têm mostrado considerável interesse em estudar o que os médicos pensam e fazem. Entretanto, pouco desse conhecimento parece ter sido absorvido pela própria profissão médica. Durante um tempo de transição, é de importância estratégica, para todos os atores do campo da saúde, fazer melhor uso dessas informações”.

O Congresso constatou que a medicina hipocrática está “doente” e que são necessárias “ações terapêuticas”, tanto do ponto de vista econômico e sociopolítico como do ponto de vista médico e psicológico.

O MÉDICO E AS VICISSITUDES DO EXERCÍCIO ATUAL DA MEDICINA

Recente estudo sobre o perfil dos médicos no Brasil realizado pela Fundação Oswaldo Cruz(3) faz uma acurada análise do panorama atual do exercício profissional médico:

“... crescem as análises sociológicas que assinalam as transformações significativas por que passa a medicina e que vêm afetando nuclearmente sua essência profissional - erosão da autonomia através do assalariamento progressivo, interferência das políticas de saúde na dinâmica do mercado, presença crescente das megacorporações de saúde, os avanços tecnológicos - (...) Os avanços tecnológicos, por sua vez, levam ao surgimento de novas especialidades, ocasionando uma progressiva dependência do médico a técnicas e recursos mais sofisticados. Esses progressos vem promovendo transformações na conduta dos profissionais e em especial na sua aprendizagem (...) Cada vez mais diminui a atenção dada à anamnese e ao apurado exame físico...”

Acrescenta-se a esse quadro a insistente divulgação pela mídia das mazelas da assistência médica no Brasil que, pelo seu caráter habitualmente sensacionalista e

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pouco reflexivo, tende a criar uma imagem social bastante negativa do médico. Paralelamente, os meios de divulgação têm colocado à disposição da população informações a respeito dos avanços tecnológicos em Medicina, o que costuma produzir forte impacto emocional; os novos recursos tecnológicos passam a ser desejados e buscados pelos pacientes e familiares embora muitas vezes embasados em expectativas irrealistas, como por exemplo quanto a transplantes de órgãos.

Por outro lado, a promulgação de novas leis (por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor), as normas e regulamentações decorrentes do desenvolvimento da Bioética e o exercício da cidadania têm levado, muitas vezes, pacientes e familiares a processar com maior frequência os médicos e hospitais, por imperícia, imprudência ou negligência(4). Essa nova situação tem produzido, simultaneamente, efeitos negativos e positivos. Um dos efeitos negativos tem sido o excessivo e exagerado uso de exames subsidiários para a proteção contra eventuais acusações. Um dos aspectos positivos é o fato de o profissional se empenhar em informar previamente aos pacientes e familiares a respeito dos procedimentos e riscos. Um outro aspecto positivo tem sido a melhoria do preenchimento dos prontuários médicos que são documentos aos quais os pacientes têm direito de acesso.

O relacionamento entre médicos e pacientes assim como entre médicos e organizações públicas ou privadas está se tornando cada vez mais complexo. De um lado, os médicos têm sido vistos com desconfiança tanto pelos pacientes como pelos empregadores públicos e privados. Por outro lado, os médicos mostram-se insatisfeitos e estressados; 80% dos médicos brasileiros consideram a atividade médica desgastante, sendo os principais fatores de desgaste: excesso de trabalho/multiemprego, baixa remuneração, más condições de trabalho, responsabilidade profissional, área de atuação/especialidade, relação médico-paciente, conflito/cobrança da população, perda da autonomia(3).

As associações de classe têm se preocupado com as questões referentes às condições de trabalho do médico. Assim, por exemplo, o Sindicato dos Médicos de São Paulo, em 1997, lançou uma campanha para o resgate da imagem social do médico(6):

“Os constantes problemas que os cidadãos desse país têm enfrentado toda vez que precisam de algum atendimento na área de

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saúde, colocam o profissional médico na berlinda. Se falta remédio nos hospitais, a culpa é do médico. O médico também acaba sendo culpado pelas péssimas condições de atendimento, pela falta de estrutura. Na linha de frente na batalha pela saúde da população, o médico é quem mais sofre com o desmazelo relegado ao setor. (...) Quem tem que arcar com as consequências imediatas de toda essa falta de estrutura é o médico. É em função disso tudo que a nossa campanha salarial, em 1997, vai além das questões econômicas e das garantias sociais, para trabalhar também o resgate junto à população da imagem do profissional.”

As ações das associações de classe no sentido de recuperar o salário, as condições de trabalho e a imagem profissional frente à população são de extrema importância para a melhoria do quadro atual do exercício profissional.

Em conjunto com as considerações desses importantes fatores econômicos e sociopolíticos, entendemos ser igualmente relevante pensar sobre as repercussões psicológicas desse estado atual do exercício profissional que acaba resultando em uma situação insatisfatória tanto para quem assiste (o médico) como para quem é assistido (o paciente).

REPERCUSSÕES NA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE

Esse contexto de tantas dificuldades vai, paulatinamente, criando um terreno propício à animosidade entre médico e paciente, uma predisposição negativa mútua.

O estudo da FIOCRUZ(3) mostrou que o desprestígio e a perda de status acabam por afetar a forma como os médicos vão se relacionar não só com a sociedade em geral, mas certamente, também com o paciente. O sentimento de desvalorização profissional é facilmente percebido na maioria dos médicos, levando a uma perda da auto-estima.

As conseqüências para a relação do médico com seus pacientes podem ser:

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1. Humor depressivo, irritabilidade, ansiedade, rigidez, negativismo, ceticismo e desinteresse são sintomas psicológicos típicos de uma vida profissional tensa e atribulada. Fazer consultas rápidas, colocar rótulos depreciativos, evitar os pacientes e o contato visual, são alguns exemplos ilustrativos de comportamentos de um profissional que está desgastado. Nessas situações, o paciente sente o médico desinteressado e tende a não colaborar.

2. A construção de uma couraça impermeável às emoções e sentimentos, que se expressa por um embotamento emocional traduzido por uma aparente "frieza" no contato com os pacientes e com as pessoas de um modo geral é também um sinal de desgaste do médico.

3. Como há uma forte expectativa social de que o médico coloque as necessidades e a vida dos pacientes em primeiro lugar, o profissional, para evitar o contato com as próprias angústias e frustrações, poderá “refugiar-se” nas atividades profissionais, sentindo-se necessário e insubstituível. Esta simbiose entre o médico e os clientes ou o hospital - onde não se discrimina quem precisa mais de quem - não é benéfica nem para o médico nem para o paciente.

4. À medida que as dificuldades do médico aumentam, pode haver, como defesa, a minimização dos problemas inerentes à profissão, ou seja, das dificuldades, incertezas, limitações e complexidades da tarefa médica na atualidade. A evitação de se aproximar e refletir sobre as limitações do exercício profissional pode levar o médico a alimentar expectativas irrealísticas a respeito de si mesmo. O comportamento de negação das limitações pode se tornar cada vez mais rígido e estereotipado, com o desenvolvimento de atitudes arrogantes e aparentemente insensíveis.

5. A ironia e o humor negro que os médicos desenvolvem, em especial durante os anos de treinamento, é outra expressão de uma inadequada adaptação aos rigores e às crescentes dificuldades da profissão. O desenvolvimento crescente do humor negro através de uma linguagem irônica, amarga e do uso de um jargão onde predominam rótulos depreciativos revela, em realidade, uma incapacidade de lidar com as frustrações, tristezas e vicissitudes da tarefa profissional.

6. Uma forma de evitação com relação aos pacientes é o pedido exagerado de exames e o encaminhamento a vários especialistas, numa “diluição” da relação, transformando-a

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numa relação anônima. O paciente pode então se sentir solto, desamparado e sem referências.

7. Habitualmente a regressão dos pacientes tende a fazer com que percebam seu médico como possuidor das características de uma autoridade poderosa. Isto os deixa mais seguros mas, também, mais dependentes do médico. Se a auto-estima do médico está abalada, ele poderá extrair uma gratificação patológica da dependência do paciente e da idealização que freqüentemente a acompanha. Isto pode resultar em um comportamento, por parte do médico, que tende a reforçar, no paciente, aspectos regressivos e infantis que se acham bem além do que é terapeuticamente benéfico.

Uma relação médico-paciente com características iatropatogênicas pode acontecer tanto pela insegurança do médico como por suas atitudes hostis, desencadeadas pelo estado e emoções do paciente e/ou pela insatisfação do profissional com seu trabalho. Em síntese, o médico pode desenvolver em relação aos pacientes uma contra-transferência negativa. A transferência e a contra-transferência são fenômenos psicológicos básicos que se desenvolvem na relação entre o médico e o seu paciente.

FUNDAMENTOS PSICOLÓGICOS DA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE

As maiores contribuições para o entendimento da relação médico-paciente vieram do campo da Psicologia Médica, disciplina que se propõe a estudar a psicologia do estudante, do médico, do paciente, da relação entre estes, da família e do contexto institucional destas relações.(8) Fruto da união dos conhecimentos oriundos da escola psicanalítica com as contribuições de outras disciplinas das áreas humanas - Sociologia, Antropologia e Psicologia Social - a Psicologia Médica cresceu sob a influência dos trabalhos de Balint(9) a respeito do campo dinâmico da relação médico-paciente e tem se nutrido com os estudos sobre as instituições médicas e os modelos organizacionais de assistência médica.

Com a obra de Balint e seus seguidores, foi ressaltada a importância psicológica da inter-relação entre o médico e o paciente, a partir dos conceitos de transferência e de contra-transferência.

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Dá-se o nome de transferência ao processo pelo qual são trazidos para o relacionamento atual sentimentos e conflitos originários de relacionamentos com pessoas importantes no início da vida; nesse fenômeno psicológico, há um transporte de reações emocionais do passado, que são trazidas para o presente. Esse fenômeno pode resultar em ligações afetivas intensas, irracionais, que não podem ser explicadas com base em situações da vida atual.(10)

Na maioria dos pacientes, a transferência é predominantemente positiva e contém o tipo de expectativas e sentimentos que foram, um dia, dirigidos para pais bons, que eram, ao mesmo tempo, sentidos e percebidos como a principal fonte de força e segurança. Os pacientes têm uma tendência a investirem o médico com propriedades poderosas e onipotentes, semelhantes às que as crianças acham que os pais possuem, quando ainda responsáveis por elas e por seu cuidado. O paciente sente-se pequeno, desamparado e à mercê do médico; a crença no poder do médico permite-lhe sentir-se seguro na situação de perigo. Dentro de limites razoáveis, a transferência positiva, embora envolva expectativas irrealistas, constitui um dos ingredientes do relacionamento médico-paciente que tem um efeito benéfico no tratamento. Em alguns casos, porém, o estresse advindo da doença produz uma situação em que os sentimentos e expectativas dirigidos ao médico assumem formas de expressão regressivas e geralmente tempestuosas, que podem fazer submergir na mente do paciente o aspecto realista e adulto do relacionamento médico-paciente. Exemplos típicos dessa situação são os pacientes que se tornam excessivamente dependentes e apegados.(11)

A transferência do paciente para com o médico também pode ser negativa. Neste caso, a atitude do paciente se tinge de algum matiz da escala negativa de sentimentos, tais como a desconfiança, a inveja, o desprezo, a irritação ou até mesmo a ira ou a raiva abertas. Pode apresentar-se sob a forma de reserva geral, escassez de informações ou pouca disposição de cooperar durante o exame e o tratamento. Ela também se pode expressar através de sintomas que se tornam acentuados e mais sérios após o paciente haver começado o tratamento, ou mediante complicações inesperadas e atraso na recuperação.

A contra-transferência designa os movimentos afetivos do médico como reação aos de seu paciente e em relação à sua própria vivência infantil. A

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contra-transferência pode também ser positiva ou negativa e depende de inúmeros fatores, advindos tanto do paciente (idade, sexo, situação social, apresentação e comportamento) como do próprio médico (estado de cansaço, irritação, situação conjugal, social e de trabalho).(12)

A contra-transferência, quando negativa, pode se manifestar por atitudes que ocultam rejeição ou agressividade inconsciente, como por exemplo: recusa de ouvir o paciente, por motivo de pressa ou falta de tempo, atos falhos, como por exemplo, esquecimento do horário de atendimento, "ameaça" de consulta psiquiátrica ou de hospitalização.(12)

SUGESTÕES DE MEDIDAS PSICOPROFILÁTICAS

Idealmente, o médico precisa desenvolver em seu trabalho com os clientes um papel psicoterapêutico, que consiste, entre outras coisas, em evitar a sobrecarga de ansiedade através de atitudes, gestos, expressões fisionômicas e palavras.(13) O médico desenvolve essa atitude psicoterápica na medida em que reconhece e reflete sobre a existência de uma vida mental em si mesmo e nos seus pacientes, o que o leva a se interessar pelo comportamento humano (racional e irracional) e a identificar mecanismos psicológicos anteriormente desconhecidos ou rotulados de absurdos. À medida em que se desenvolve profissionalmente e amadurece emocionalmente, o médico aumenta o seu poder de discriminação e passa a identificar e caracterizar melhor o que ocorre em si mesmo e nos seus pacientes. De posse de tal instrumento, o médico estará aparelhado para discriminar as situações que exigem um encaminhamento especializado daquelas onde pode atuar em um sentido psicoterápico lato.

O primeiro contato do médico com o paciente ocorre, na maioria dos casos, quando este está sob o efeito de determinada tensão ou crise aguda. Geralmente, suas ansiedades estão intensificadas e parece estar mais perturbado ou na defensiva do que em outros momentos. Se o profissional pode conter o excesso de ansiedade que o paciente não pode enfrentar nesse momento, proporcionará alívio e dará oportunidade a que surjam os aspectos mais maduros do paciente e a que este recobre a capacidade (diferente para cada indivíduo) de compreender, elaborar e finalmente integrar a

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situação dolorosa. Além da receptividade, pode haver um segundo fator relacionado com esta capacidade e que se soma a ela. Trata-se da capacidade dos pais, não só de cuidar de seu filho e preocupar-se com ele, senão de pensar, clarificar, diferenciar, nomear um sentimento vago e dar-lhe significado. Esta função equivale a uma espécie de digestão mental que transforma a angústia insuportável em algo mais definido, determinando deste modo que não seja sentida de forma tão perigosa.(14)

Para poder desenvolver e manter uma atitude psicoterápica com os pacientes, o médico deverá, em primeiro lugar, poder estar mais satisfeito com seu salário, suas condições de trabalho e sua imagem frente à população. Vale ressaltar mais uma vez o importante papel desempenhado pelas associações de classe na luta pelos interesses e necessidades da categoria.

Do ponto de vista psicológico, algumas medidas podem ser implementadas no sentido de melhorar as condições de trabalho e a satisfação profissional. A implantação de medidas psicoprofiláticas deve, obrigatoriamente, começar por uma medida básica: a inclusão da dimensão psicológica na formação do estudante de Medicina. O trabalho de sensibilização do aluno em relação aos seus aspectos psicológicos - motivações para a profissão, idealização do papel de médico - e as suas reações vivenciais durante o curso de Medicina é uma medida de atenção primária. Esta medida é concretizada pelo ensino da Psicologia Médica, centrado nas vicissitudes do curso médico e do exercício da Medicina. Ainda ao nível da formação, é fundamental a criação de serviços de orientação psicopedagógica para os alunos. Em nosso país, vários serviços de apoio psicológico têm sido criados em escolas de Medicina.

É de extrema importância o apoio psicopedagógico oferecido pela própria estrutura de ensino, isto é, a criação de um ambiente propício para a discussão de problemas relacionados aos sentimentos e reações que os estudantes têm em sua atividade assistencial, o respeito às dificuldades do aluno e o oferecimento de um modelo de profissional capaz de integrar habilidades técnicas e habilidades interpessoais.(15)

A implantação de grupos de discussão e reflexão sobre a tarefa assistencial na Residência Médica, onde os residentes possam expor suas dificuldades, angústias e temores ligados ao exercício profissional tem se revelado outro eficiente instrumento

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psicopedagógico de natureza preventiva. É altamente recomendável a criação de serviços e núcleos de assistência e pesquisa em Residência Médica, dada a importância deste sistema de capacitação profissional em Medicina.(5)

Completado o ciclo de formação, a reciclagem sobre os aspectos interpessoais da tarefa assistencial deve ser oferecida em conjunto com a reciclagem técnico-científica.

Pesquisas sobre as condições de trabalho dos médicos nas diferentes especialidades médicas devem ser estimuladas. Na medida em que a Medicina, gradativamente, deixa de ser uma profissão masculina, pesquisas sobre as mulheres médicas se tornam cada vez mais necessárias.(16)

A criação de serviços de consultoria psiquiátrica e psicológica nos hospitais gerais é medida prioritária. Representa um aprimoramento do nível qualitativo da assistência prestada e da tarefa médica.

A criação de equipes interdisciplinares e multiprofissionais nos serviços de saúde possibilitando a troca de experiências e permitindo compartilhar as difíceis situações que se apresentam nas instituições de assistência médica é outra tarefa prioritária.

A despeito da grave crise que atravessa em nosso meio, a Medicina é uma área de capital importância para a sociedade, oferecendo ainda várias possibilidades de realização material, intelectual e emocional. É uma área fascinante, o que se expressa pela competição acirrada de jovens que todos os anos concorrem tanto aos vestibulares de ingresso na carreira médica como, após a conclusão do curso médico, às vagas nos disputados exames de Residência Médica. Há inúmeras gratificações psicológicas inerentes à profissão médica. Aliviar a dor e o sofrimento, curar doenças, salvar vidas, diagnosticar corretamente, sentir-se competente, ensinar, aconselhar, educar, prevenir doenças, receber reconhecimento e gratidão são algumas das características psicológicas da tarefa médica que fazem da Medicina uma profissão ainda muito atraente e gratificante.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Stella RCR, Nogueira-Martins LA. Reflexões sobre a profissão médica. Ser Médico (Revista do CRM-SP) 1997; 1:19-21.

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2. Larsen O. The shaping of a profession: physicians in Norway, past and present. Science History Publications/USA, 1996; 618p.

3. Machado MH. Os médicos no Brasil: um retrato da realidade. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 1997; 244p.

4. Hossne WS. Relação médico-paciente: competência do médico. In: Segre M e Cohen C. Bioética. São Paulo. Editora da Universidade de São Paulo. 1995; 74-87.

5. Nogueira-Martins LA. Projeto de criação do Núcleo de Assistência e Pesquisa em Residência Médica (NAPREME). Ensino na EPM:Fatos e Relatos 1995, 2(2): 17-22. 6. Jornal do Médico (Órgão Oficial do Sindicato dos Médicos de São Paulo/SIMESP)

1997, 70:8-9.

7. Nogueira-Martins LA. Atividade Médica: fatores de risco para a saúde mental do médico. Rev Bras Clín Terap 1991; 20:355-364.

8. Muniz JR e Chazan L.F. Ensino de Psicologia Médica. In: Mello Filho J. Psicossomática hoje. Porto Alegre, Artes Médicas, 1992; 37-44.

9. Balint M. O médico, seu paciente e a doença. Rio de Janeiro/São Paulo, Livraria Atheneu, 1988; 331p.

10. Marmor J. O médico como psicoterapeuta. In: Usdin G, Lewis JM. Psiquiatria na prática médica. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1981; 404-415.

11. Tahka V. O relacionamento médico-paciente. Porto Alegre, Artes Médicas, 1988; 227p.

12. Jeammet P; Reynaud M, Consoli S. Manual de Psicologia Médica. São Paulo, Editora Durban, 1989; 421p.

13. Abdo CHN. Armadilhas da comunicação: o médico, o paciente e o diálogo. São Paulo, Lemos Editorial, 1996; 181p.

14. Nogueira-Martins MCF. Relação profissional-paciente: subsídios para profissionais de saúde. Psychiatry On-line Brazil. [on-line] Disponível na Internet: http://www.priory.co.uk, 1997, 2(3).

15. Nogueira-Martins MCF. Relação profissional-paciente: um estudo qualitativo. Bol psiquiatr 1996, 29 (10):14-22.

16. Nogueira-Martins LA, Nogueira-Martins MCF. Woman in Surgery: a prospective study with residents. X World Congress of Psychiatry Book of Abstracts. Madrid, 1996, p 355.

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